Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
759/21.1T8FIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CAUSA SUBSTANTIVA
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 289.º, 294.º, 1730.º E 2121.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 576.º, 2, 577.º, I), 580, 1 E 3, 581.º, 619.º E 620.º DO CPC
Sumário: i) A declaração de extinção de extinção da instância, por inutilidade da lide - art. 277º, e), do NCPC -, se o motivo da inutilidade assentar em causa substantiva, produz caso julgado com reflexos/consequências de carácter material.
Decisão Texto Integral:
I - Relatório

1. AA requereu, a 3.5.2021, a instauração de partilha adicional de bens, contra BB.

Alegou ter corrido o inventário, Proc. 672/20...., entre ambos, para separação de meações, no qual a requerida veio dizer que outorgou com o requerente a partilha extrajudicial dos bens que constituíam o património do dissolvido casal, conforme contrato promessa de partilha (de que juntou cópia), tendo solicitado que o processo fosse julgado extinto por inutilidade superveniente da lide, tendo a mandatária do ora requerente sido notificada do requerimento e nada disse no prazo legal. Sucede que nesse inventário não se descreveram, e não foram, consequentemente partilhados os seguintes bens: Benfeitorias realizadas no prédio misto composto por casa de cave e rés do chão com s.c. de 237 metros quadrados, logradouro 863 metros quadrados e terreno com 849 metros quadrados, sito em ..., Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. urbano ...38º e rústico ...66º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...76 da freguesia ..., nomeadamente prestações pagas pelo requerente junto da Caixa Geral de Depósitos relativamente ao empréstimo no valor de 63.207 €, correspondente a 31.603,50 € pago pelo requerente e 31.603,50 pago pela requerida. As referidas benfeitorias faziam parte do património do casal divorciado e só não foram descritas no aludido processo em virtude de, ao tempo, o requerente não ter sido elucidado pela mandatária e não ter apresentado resposta, no prazo legal, ao requerimento apresentado pela requerida.

Em resposta, a requerida disse que não se tendo verificado a relação de quaisquer bens, por terem sido objeto já de partilha, não pode ocorrer a omissão de bens, não havendo lugar a qualquer partilha adicional. Daí a decisão proferida naquele Proc. 672/20.... referido bem já foi partilhado. Inclusive o imóvel já está averbado no registo predial a favor da requerida.

Veio, então, o requerente dizer que deveria ter sido realizado o contrato prometido, com a consequente desvinculação daquele no empréstimo que ainda impende sobre o bem a partilhar, sendo o contrato promessa de partilha nulo por violar a regra da metade, plasmada art. 1730º, nº 1, do CC, uma vez que o património comum foi partilhado em parte desiguais. Isto é, o requerente ficou sem as benfeitorias na sequência da ardilosa apresentação feita na Conservatória, ficando ele responsável pelas dívidas contraídas pelo ex-casal, na proporção de 50%. A suposta partilha terá sido feita há cerca de 11 anos, porém o requerente do inventário continuou a pagar as prestações do crédito à habitação desde a data do divórcio até ao ano de 2018.

A requerida apresentou relação de bens, constante apenas de 2 verbas de passivo do casal, em dívida à CGD, referente a empréstimo para habitação. Seguiu-se reclamação, por parte do requerente, na qual acusou a falta de relacionação das mencionadas benfeitorias, divida passiva ao próprio, referente aos pagamentos que o mesmo fez junto da CGD, pelo indicado crédito à habitação, depois do divórcio, e, também, relacionada com a aquisição de um automóvel.

Seguiu-se pronúncia da requerida, que manteve nada haver a partilhar, atenta a decisão proferida no anterior inventário, apenas havendo que regular a dívida à CGD, pois o automóvel indicado não é bem comum.

2. Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a reclamação do requerente, e determinou a anulação do «contrato promessa de partilha» e a consequente restituição ao património conjugal dos bens e compensações aí previstos, no mais, improcedendo a mesma, e determinou que a relação de bens passasse a ser a seguinte:

RELAÇÃO DE BENS

ACTIVO:

Verba 1 (DIREITO DE CRÉDITO (art. 1098º n.ºs 2 e 6 2ª parte do CPC)

Benfeitorias consistentes em casa de habitação constituída por cave, rés do chão e logradouro, implantadas no prédio rústico sito em ..., freguesia ..., composto de terra de culturas com árvores com árvores com a área total de 1949 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...66, o qual deu origem ao prédio misto inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...39 e rústico ...66, descrito na conservatória do Registo predial ... sob o número ...76 da referida freguesia ..., benfeitorias a que se atribui o valor de €225.000,00;

Verba 2 Barra de carrinha com suportes, na posse do requerente;

Verba 3 Faqueiro, na posse do requerente;

Verba 4 Bicicleta de BTT da marca ..., na posse do requerente;

Verba 5 Computador portátil HP, na posse do requerente;

Verba 6 Máquina de café, na posse do requerente;

Verba 7 Sistema de Rega, na posse da cabeça de casal;

Verba 8 Pedras de Passagem, na posse da cabeça de casal;

Verba 9 Aterro, na posse da cabeça de casal;

Verba 10 Máquina de lavar roupa, na posse da cabeça de casal;

Verba 11 Arca Congeladora, na posse da cabeça de casal;

Verba 12 Televisão da marca ..., na posse da cabeça de casal;

Verba 13 Esquentador, na posse da cabeça de casal;

Verba 14 Móveis de sala (mesa, sofá e móvel), na posse da cabeça de casal;

Verba 15 Móveis de quarto (cama, cómoda, mesas de cabeceira, espelhos e camiseiro), na posse da cabeça de casal;

Verba 16 Móvel espelho e clarabóia, na posse da cabeça de casal;

Verba 17 Veículo automóvel da marca ... e de matrícula ..-CB-.., na posse do requerente.

PASSIVO

Deve o dissolvido casal à Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 81.920,65 referente a contrato de empréstimo para habitação, pelo casal contraı́do junto daquela instituição bancária (conta ...85), por referência a setembro de 2021.

B) Deve o dissolvido casal à Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 26.129,84 referente a contrato de empréstimo para habitação, pelo casal contraı́do junto daquela instituição bancária (conta ...85), por referência a setembro de 2021.

C) Crédito do requerente sobre o património conjugal, correspondente ao valor de bens próprios que o primeiro aplicou no pagamento dos montantes em dívida, a título de capital, juros e prémios de seguro, entre 1 de fevereiro de 2010 e 31 de dezembro de 2018, nos contratos de mútuo bancário referidos em A) e B), no valor global de €26 867, 73.

D) Crédito da cabeça de casal sobre o património conjugal, correspondente ao valor de bens próprios que a primeira aplicou no pagamento dos montantes em dívida, a título de capital, juros e prémios de seguro, entre a data da entrada do requerimento de divórcio por mútuo consentimento, na Conservatória do Registo Civil ..., e 31 de janeiro de 2010, e entre 1 de janeiro de 2019 e a data da conferência de interessados, todos inclusive.

E) Crédito da cabeça de casal sobre o património conjugal, correspondente ao valor de bens próprios que a primeira aplicou no pagamento dos montantes em dívida, a título de capital, juros e prémios de seguro, entre 1 de fevereiro de 2010 e 31 de dezembro de 2018, nos contratos de mútuo bancário referidos em A) e B), no valor global de €26 867, 73.

F) Crédito do requerente sobre o património conjugal, no valor de €3 500, 00, correspondente à anulação do «contrato promessa de partilha».

*

3. A requerida recorreu, concluindo que:

1. Veio o apelado intentar ação para partilha adicional dos seguintes bens: Benfeitorias realizadas no prédio sito na freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo urbano ...38 e rústico ...66, descrito na conservatório do Registo predial sob o n.º ...76; veículo de marca ... e montantes alegadamente em dívida.

2. Veio a Apelante contestar tal pretensão, alegando em síntese que não haveria lugar à partilha adicional, porque todos os bens já tinham sido partilhados há 11 anos conforme as partes, Apelante e Apelado, tinham acordado num contrato promessa de partilha datado de 9 de janeiro de 2010.

3. Referiu, também, que até já havia uma decisão transitada em julgado sobre esta questão, proferida no processo n.º 672/20.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., e onde ficou decidido a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, uma vez que todos os bens já tinham sido partilhados conforme contrato promessa de partilha junto nesses autos.

4. O apelado não recorreu daquela decisão.

5. Ainda assim, a Meritíssima Juiz a quo veio a decidir-se pela procedência do requerimento para partilha adicional e veio dar seguimento ao inventário para partilha de tais bens.

6. Apesar do presente recurso versar apenas sobre matéria de direito, é importante para o mesmo os factos provados constantes dos pontos 1, 2, 3,4, 5 e 6 factos provados que há luz da legislação em vigor e jurisprudência corrente e maioritária deveriam ter conduzido a Meritíssima Juiz a quo a decisão diversa da que proferiu.

7. Face a esses factos, ficou provado a existência de um contrato promessa de partilha que produziu efeitos entre as partes de janeiro de 2010 a maio de 2020, altura em que o apelado interpôs a primeira ação para inventário e onde viu a sua pretensão cair por terra por inutilidade superveniente da lide.

8. Como primeiro argumento para a sua defesa a apelante alegou que já existia uma decisão anterior versando exatamente sobre a mesma questão, a mesma causa de pedir, o mesmo pedido, as mesmas partes e os mesmos bens.

9. A sentença nesse processo foi a de que já tinha sido efetuada a partilha dos todos os bens comuns dos interessados, através do contrato promessa de partilha que levou à partilha extrajudicial e que por esse motivo deixou de ser necessário prosseguir com aquele inventário verificando-se a inutilidade superveniente da lide, tendo a instância sido julgada extinta.

10. O apelado não recorreu daquela sentença e em vez disso propõe novo processo exatamente nos mesmos termos de antes.

11. Essa sentença constituiu caso julgado nos precisos limites em que julgou, impondo-se aos litigantes a fim de assegurar a estabilidade das relações jurídicas.

12. A Meritíssima Juiz a quo fez tábua rasa deste instituto e veio a decidir-se pela procedência do requerimento da partilha adicional vindo a dar como anulado o contrato promessa de partilha e faz retroagir todos os efeitos que aquele contrato produziu ao longo de mais de 11 anos.

13. O caso julgado constitui uma exceção dilatória, que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior (arts. 577.º al. i) e 580.º n.º 2 CPC).

14. Assim, ao decidir da forma como decidiu, violou a Meritíssima Juiz a quo o disposto nos arts. 577.º al. i), 580.º n.º 2 e art. 621.º CPC, pelo que se impõe decisão diversa a bem da segurança jurídica e da autoridade do caso julgado.

15. Outra questão em que a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou, apesar de ser de conhecimento oficioso, foi o facto de o apelado ter interposto a presente ação para partilha adicional enquanto o processo n.º 672/20.... (para partilha adicional) ainda se encontrava a decorrer.

16. No âmbito do processo supra referido foi proferida decisão a 3 de maio de 2021, no mesmo dia, muito antes de a decisão se tornar definitiva, já o apelado estava a propor nova partilha adicional, a dos presentes autos,

17. O que implicou existir a repetição da mesma ação em dois processos, com os mesmos sujeitos processuais, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.

18. A litispendência constitui uma exceção dilatória cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – arts. 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i) CPC.

19. A litispendência, pressupondo a repetição da mesma ação em dois processos, depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior, repetição que Meritíssima Juiz a quo preferiu não referir na sua sentença.

20. Assim, ao decidir da forma como decidiu, violou a Meritíssima Juiz a quo o disposto nos arts. arts. 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i), 580.º, n.ºs 1 e 2 e 581.º, n.º 1, pelo que se impõe decisão diversa a bem da segurança jurídica e da justiça.

21. Por último, veio a apelante recorrer-se dos sub institutos do Abuso de Direito para corrigir uma situação, que a proceder conduz a uma terrível injustiça.

22. Apelante e Apelado celebraram entre si um contrato promessa de partilha no dia em que submeteram o seu pedido de divórcio na Conservatória do Registo Civil (9 de janeiro de 2010).

23. Nesse dia, por acordo e de livre vontade, decidiram a forma como o futuro dissolvido casal iria partilhar os seus bens.

24. Acordo que respeitaram desde o momento em que se divorciaram (finais de janeiro de 2010) até ao dia em que o apelado decidiu que já não queria a partilha daquela maneira em meados de 2020.

25. Durante 10 anos apelante e apelado agiram em conformidade com o contrato promessa de partilha, cada um usando e usufruindo dos bens que lhe couberam na partilha e durante esses 10 anos a apelante fundou legítimas expetativas de que o acordado no momento do divórcio estava seguro e era definitivo.

26. Após esse período veio o apelado querer alterar o que contratou com a apelante, dando o dito por não dito.

27. O comportamento do apelado é um comportamento típico do venire contra factum proprio.

28. Apelante e apelado, usando a sua liberdade contratual enquanto partes, decidiram prometer realizar a partilha da forma como o fizeram. Agiram em conformidade com o que acordaram durante mais de 10 anos, por isso é legítimo que a Apelante confie num certo estado de coisas, mais concretamente, que as partilhas do dissolvido casal estão feitas e nada mais há a partilhar, conforme decidido em 2010.

29. Os 4 pressupostos (elencados nas presentes alegações) do abuso de direito estão verificados no presente caso, pelo que estamos perante um abuso de direito, nos termos e para os efeitos do art. 334.º CC, o que para todos os efeitos de invoca, na modalidade de venire contra factum proprio.

30. Mas a atitude do apelado configura também uma situação de abuso de direito por inalegabilidade.

31. Diz-se inalegabilidade formal a situação da pessoa que, por exigências do sistema, não se possa prevalecer da nulidade de um negócio jurídico causada por vício de forma. À partida teríamos, aqui, apenas uma concretização do venire contra factum proprium: num primeiro tempo o agente daria azo a uma nulidade formal, prevalecendo-se do negócio (nulo) assim mantido enquanto lhe conviesse; na melhor (ou pior) altura, invocaria a nulidade, recuperando a sua liberdade. Haveria uma grosseira violação da confiança com a qual o sistema não poderia pactuar.

32. O apelado concordou com a divisão dos bens comuns da forma como foi feita, independentemente de tal divisão não obedecer ao critério estabelecido do art. 1730.º CC, no momento em que apelante e apelado decidiram partilhar os seus bens, decidiram-no daquela forma.

33. A jurisprudência portuguesa passou a consagrar inalegabilidades, existindo diversas decisões sobre este tema nos tribunais.

34. António Menezes Cordeiro, na obra supra citada, refere que atualmente o Direito Português permite preterir normas formais, em razão da adequação e justiça.

35. Defende a Apelante que estamos, no presente caso, perante um abuso de direito, nos termos e para os efeitos do art. 334.º CC, o que para todos os efeitos de invoca, na modalidade de inalegabilidade.

36. Para além do Venire Contra Factum proprio e a Inalegabilidade a atitude do apelado configura, também, uma situação de Suppressio, recorrendo-nos novamente das palavras de António Menezes Cordeiro, diremos que: “A suppressio (supressão) abrange manifestações típicas de “abuso do direito” nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais

possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé. ” (…) No cerne do problema, verificou-se que o exercício retardado de certos direitos, em conjunturas de instabilidade, podia dar azo a graves injustiças.”

37. Diga-se novamente que, durante mais de 10 anos o apelado agiu em conformidade com a partilha acordada e realizada, usufruindo dos bens que lhe foram atribuídos e concordando com os bens que foram adjudicados à apelante.

38. Permitindo a geração de expetativas numa situação definitiva e pacífica.

39. Por isso, defende a Apelante que estamos também, no presente caso, perante um abuso de direito, nos termos e para os efeitos do art. 334.º CC, o que para todos os efeitos de invoca, na modalidade de suppressio.

40. Por fim, referiu-se um 4.º sub instituto do abuso de direito que tem aplicação no caso sub iudice: o Tu Quoque. Tu quoque exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.

41. A pessoa que viole uma situação jurídica perturba o equilíbrio material subjacente. Nessas condições, exigir à contraparte um procedimento idêntico ao que se seguiria se nada tivesse acontecido equivaleria ao predomínio do formal: substancialmente, a situação está alterada, pelo que a conduta requerida já não poderá ser a mesma.

42. O apelado prometeu partilhar e partilhou conforme lhe aprouve, ainda que em violação de um normativo legal, mas o que é certo é que o apelado agiu em conformidade com o que acordou durante mais de 10 anos, logo não pode, depois e sem abuso prevalecer-se da situação jurídica violada ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio.

43. O abuso do direito e a boa fé a ele subjacente representam uma válvula do sistema judicial, permitindo corrigir situações que, de outro modo, se apresentariam contrárias a vetores elementares.

44. Verificados os pressupostos do abuso de direito, o mesmo deve ser constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso.

45. Face a tudo o que aqui ficou exposto, a Meritíssima Juiz a quo podia e deveria ter decidido em sentido diverso daquele em que o fez, uma vez que a pretensão do apelado viola os princípios inerentes ao sistema judicial sendo um verdadeiro abuso de direito a procedência de tal aspiração.

46. Com a sentença proferida a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto nos arts. 227.º, 334.º, 405.º, CC.

47. Todos os requisitos legalmente exigidos para declarar o requerimento inicial de partilha adicional improcedente foram cumpridos, pelo que a ação intentada pelo apelado deverá improceder substituindo-se a douta sentença recorrida por outra que dê ganho de causa à Apelante, absolvendo a mesma dos pedidos, pelo que se pugna pela procedência do presente recurso.

Termos em que deverá revogar-se a douta sentença quanto à matéria do recurso, substituindo-a por outra que condene o Apelado nos termos supra referidos, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA a que essa douta Relação já nos habituou!

Inexistiram contra-alegações.

4. Foram dados como Factos Provados os seguintes:

1) Requerente e requerida foram casados entre si, desde 31.08.2002 até 21.01.2010, segundo o regime de comunhão de adquiridos.

2) O divórcio entre os aqui requerente e cabeça de casal correu os seus trâmites no processo de divórcio por mútuo consentimento 186/2010, da Conservatória de Registo Civil ..., tendo sido decretado por decisão, transitada em julgado na mesma data, de 21.01.2010.

3) Correu seus legais termos neste tribunal o inventário para separação de meações n.º 672/20...., do ..., instaurado por AA, em que foi requerida BB.

4) No citado inventário n.º ...IG, a requerida alegou ter outorgado com o requerente a partilha extrajudicial dos bens que constituíam o património do dissolvido casal que com aquele formou, conforme contrato promessa de partilha de que juntou cópia, tendo solicitado que o processo fosse julgado extinto por inutilidade superveniente da lide.

5) A mandatária do ora requerente foi notificada de tal requerimento e nada disse no prazo legal.

6) No referido processo, foi proferida sentença a 16.09.2020 (escreveu-se por lapso 1), transitada em julgado, nos seguintes termos:

“Assim. verificando-se que foi efectuada por acordo a partilha dos bens comuns dos interessados no presente processo, deixa de ser necessário prosseguir com este inventário, verificando-se inutilidade superveniente da lide, pelo que, nos termos do art. 277º al. e), do Cód. Proc. Civil, julgo extinta a instância.”

7) Encontra-se registado a favor da aqui cabeça de casal o direito de propriedade sobre os prédios inscritos sob os artigos urbano ...39º provisório e rústico ...66º da Freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...76 da já referida freguesia, mediante a apresentação 02 de 17.09.2002, ainda que se consigne na descrição predial que a aquirente era, ao tempo da aquisição, solteira.

8) A construção da casa de habitação que constituiu a ex-casa de morada de família teve lugar no prédio descrito em 7), a cargo dos aqui requerente e cabeça de casal, na pendência do casamento entre ambos.

9) A cabeça de casal contraiu, junto da Caixa Geral de Depósitos, os empréstimos para habitação, a que couberam os n.ºs ...85 e ...85, com início a 14.05.2004 e termo a 14.05.2044, nos valores, respetivamente, de €125 000,00 e 40 000,00.

10) Os encargos com tais empréstimos foram sendo liquidados pelos aqui requerente e cabeça de casal na pendenciado casamento.

11) Com data de 9 de janeiro de 2010, os aqui requerente e cabeça de casal celebraram o que designaram de «contrato promessa de partilha», com o seguinte teor:

AA, casado, portador do BA no ...34 emitido a .../.../2008, pelo ..., e contribuinte fiscal no ..., residente na Rua ... nº 59 º ... ..., e CC, portadora do BI ..., emitido em 02-010008} pelo ... e .... ...00, residente na Rua ..., ... ..., tendo assinado nesta data, o requerimento e acordos necessários para intentar a Acção de Divórcio por Mútuo Consentimento, que irá correr os seus termos na Conservatória do Registo Civil ... celebram entre si o presente contrato promessa de partilha, o que fazem nos termos seguintes.

CLÁUSULA PRIMEIRA

Os outorgantes são donos e legítimos proprietários dos seguintes bens. Bens Móveis

1 - Barra de carrinha com suportes:

2 - Faqueiro;

3- Bicicleta de B TT da marca ...

4 Computador portátil HP;

5 - Máquina de café;

6 — Sistema de Rega;

7 — Pedras de Passagem,

8 Aterro;

9 Máquina de lavar roupa

10 — Arca Congeladora

1 1 Televisão da marca ...

12 Esquentador

13 — Móveis de sala (mesa, sofá e móvel)

14 - Móveis de quarto (cama, cómoda, mesas de cabeceira, espelhos e camiseiro)

15 — Móvel) espelho e clarabóia;

16 — Veículo automóvel da marca ... e de matrícula ..-CB-..,

Passivo

17 - Empréstimo bancário no ...85, contraído por ambos os outorgantes na Caixa Geral Depósitos, ..., no valor de e que ao momento se cifra em 121.068€

18 - Empréstimo bancário no ...85, contraído por ambos os outorgantes- na Caixa Geral Depósitos, ..., no valor de e que ao momento se cifra em 38 773,00€

19 Contrato de leasing no ...01 no RCI BANQUE, no valor de 19.963,00 para aquisição de veículo automóvel, da marca ..., de matrícula ..-CB-.., contraído requerente AA, na constância do casamento, cujo montante em dívida na presente data se cifra em €4.027,00.

Benfeitoria

20 Benfeitoria consistente na construção de uma casa de habitação, sita na Rua ..., ..., ..., inscrita na matriz predial respectiva sob o artº ...38º construída em dois lotes de terreno, propriedade da Segunda Outorgante mulher e a que correspondiam os artigos urbano ...39º provisório e rústico ...66º da mesma Freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...76 da já referida freguesia.

CLÁUSULA SEGUNDA

Pelo presente contrato de promessa de partilha, acordam ambos os outorgantes que as verbas no 1, 2, 3, 4, 5, 16 e 19 da relação especificada de bens comuns acima referida sejam adjudicadas ao outorgante AA sendo as restantes verbas da mesma relação de bens, incluída a casa de habitação, adjudicadas à outorgante CC.

CLÁUSULA TERCEIRA

Pelo presente contrato de promessa de partilha, o Primeiro Outorgante AA, dará de tornas à Segunda Outorgante CC, a quantia de 3.500,00€ (três mil e, quinhentos euros), a pagar até ao dia da conferência de cônjuges -a designar no divórcio por mútuo consentimento que ambos vão requerer da Conservatória do Registo Civil ....

CLÁUSULA QUARTA

Mais se comprometem ambos os outorgantes, pelo presente contrato e após o seu divórcio, a colaborar um com o outro, quer a nível de Instituições Bancárias, Notário, Repartições de Finanças, Câmara Municipal, Conservatória do Registo Predial e outras no sentido da regularização dos empréstimos acima referidos, bem como da benfeitoria também acima referida, consistente na casa de habitação em conformidade com o ora acordado por ambos no presente contrato promessa de partilha, assinando tudo o que necessário for para os mencionados fins.

CLÁUSULA QUINTA

Os requerentes comprometem-se a celebrar a respetiva escritura pública de partilha no prazo de 2 meses, a contar do trânsito "em julgado da decisão que decretar o divórcio,

CLÁUSULA SEXTA

Caso se torne necessário efectuar escritura pública de partilha da casa de habitação que por este contrato passará a ser adjudicado à outorgante mulher: ambos os outorgantes se comprometem a celebrar a respectiva escritura pública de partilha no prazo de 2 a contar do trânsito em julgado da decisão que decretar o divórcio.

CLÁUSULA SÉTIMA

As despesas com a celebração da eventual escritura número anterior serão suportadas por ambos os outorgantes, encargos fiscais resultantes do mesmo.

CLÁUSULA OITAVA

Ambos os outorgantes sujeitam o presente contrato ao seu cumprimento específico previsto no art. 830º e ss do Código Civil.

12) O requerente – tal como a cabeça de casal - do inventário continuou a pagar metade das prestações dos empréstimos à habitação (juros, capital e seguros), no total de €26 867, 73, no período compreendido entre fevereiro de 2010 e dezembro de 2018.

13) A cabeça de casal, no ano 2015, adquiriu um veículo automóvel, marca ..., de matrícula ..-QF-.., no montante de €21 000, tendo dado de retoma o veículo ..., matrícula ..-..-QV, a que foi dado o valor de €0, 01.

14) Em cumprimento do referido contrato promessa, o requerente pagou à cabeça de casal €3 500, 00, através de cheque datado de 20.01.2010.

15) Pelo menos entre abril de 2010 e novembro de 2018, o requerente e a cabeça de casal voltaram a viver juntos, contribuindo igualmente para as despesas.

16) A viatura ... foi paga à empresa vendedora Litocar a 30.04.2015, aquando da sua aquisição pela cabeça de casal, pelo valor de €22 600,00, mediante financiamento junto do RCI Bank.

17) O veículo ... referido no mencionado «contrato promessa» foi adquirido em 25/08/2006, pelo casal divorciado.

18) Relativamente ao veículo ..., foi paga a quantia de 10.320,25 Euro, a título de primeira renda, sendo as rendas subsequentemente pagas as constantes do documento 1 junto com o requerimento de 21.02.2022 e o valor residual no montante de 3440,08 Euros, acrescido de IVA, tudo já liquidado.

19) Relativamente ao veículo ..., foi realizado um contrato junto do RCI – Bank And Services Portugal - n.º ...01.

5. Foi proferida decisão sumária nesta Relação, pelo actual relator, que julgou o recurso procedente, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida e em consequência determinou-se que fossem eliminadas do activo da relação de bens as verbas nºs 1 a 17, e do passivo da mesma relação a verba da alínea F), no demais se mantendo a decisão apelada.

6. O recorrido reclamou para a conferência, pedindo que seja proferido Acórdão de não provimento de recurso apresentada pela recorrente/reclamada BB, mantendo-se a sentença da 1ª instância.

Invocou, em suma, que: não houve qualquer inutilidade da lide na acção do 672/20...., quer porque o facto como causa de inutilidade é anterior à constituição da instância - o contrato promessa de partilha - (o contrato promessa de partilha é de 2010 e a acção é de 2020), quer porque este facto (o contrato promessa) não permite a obtenção do efeito jurídico visado com o processo: a partilha do património conjugal comum, isto é, é inidónea para que se proceda à partilha do património comum do casal, pelo que naquela acção foi determinado erradamente a inutilidade superveniente da lide; por conseguinte, o que se pretendeu fazer no outro processo e também neste de uma forma processualmente inadequada foi deduzir um incidente de oposição ao inventário (arts. 1091º, 292º e 295º do NCPC); a omissão do mandatário no processo número 672/20.... em responder no prazo legal à alegação de que a partilha já se encontrava efetuada não tem a virtualidade de obter a confissão do seu constituinte (arts.  352º, 355º, nº 1, 2, 3 e 4, 356º, nº 1, 357º, nº 1, e 360º do C. Civil); segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal (art. 620º) e o caso julgado material (art. 619º), o caso julgado não poderá operar neste caso concreto tendo sido um despacho meramente formal sem qualquer reflexo material ou substantivo fora daquele processo.

7. Na fundamentação jurídica daquela decisão singular escreveu-se que:

“III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes:

(…)

- Caso julgado.

(…)

 

3. Na decisão recorrida escreveu-se que:

Da natureza cogente da norma do art. 1730º do Código Civil (CC):

Prescreve a norma em epígrafe:

“1 - Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.”

Pugna o requerente pela nulidade do «contrato-promessa» que serviu de ratio decidendi no processo de inventário n.º ...0....

Vejamos.

Importa garantir na partilha do património conjugal a regra da igualdade, pelo que se reveste de natureza imperativa a citada norma.

Nessa medida, concluindo-se que o «contrato promessa» viola tal regra, a sanção legal é a nulidade, tal como também resulta da norma do art. 294° do CC.

Nesta senda, escreve o requerente que, “se a partilha fosse feita nos termos do contrato, o interessado estaria a prescindir a favor da autora de valores superiores a 150.000,00 Euros - se a partilha fosse feita nos termos da clausula 2º do contrato, isso traduzir-se-ia numa doação feita à Cabeça de Casal da meação pertencente ao interessado”.

A cabeça de casal limitou-se, nos autos, a opor-se ao inventário, com fundamento na supremacia do «contrato promessa», nunca apresentando valores suscetíveis de rebater o raciocínio do requerente.

E mais: limitou-se a apresentar uma relação de bens condenada à insolvência, omitindo o bem mais valioso, a saber o direito de crédito consistente nas benfeitorias.

E nem se objete que o denominado «contrato promessa» também contempla as benfeitorias, porquanto as mesmas – de acordo com a reclamação do requerente – ascendem a €225 000, 00. A cabeça de casal não se opôs a tal valor, ainda que possa não se tratar de valor definitivo.

Assim sendo – como é -, a balança da partilha está desequilibrada, com favorecimento, à partida, da cabeça de casal, ainda que desconheçamos os valores dos restantes bens móveis descriminados no mencionado «contrato promessa».

Nesta decorrência, por força do art. 289º do CC, “1. tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.”

Consecutivamente, tendo requerente e cabeça de casal admitido a relação de bens constante do dito «contrato promessa», os bens nele inscritos ingressarão na relação de bens dos presentes autos e os €3 500, 00 entregues pelo requerente à cabeça de casal deverão ser por esta restituídos, a título de compensação do património do requerente.

Posto este quadro fáctico-jurídico, confrontemos, pois, a relação de bens, com a reclamação e a resposta.

Relação de bens de 20.10.2021:

1. Deve o dissolvido casal à Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 81.920,65 referente a contrato de empréstimo para habitação, pelo casal contraı́do junto daquela instituição bancária (conta ...85).

Corresponde à verdade, por referência a setembro de 2021.

2. Deve o dissolvido casal à Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 26.129,84 referente a contrato de empréstimo para habitação, pelo casal contraı́do junto daquela instituição bancária (conta ...85).

Corresponde à verdade, por referência a setembro de 2021.

Reclamação contra a relação de bens:

) Benfeitorias constantes de casa de habitação constituída por cave, rés do chão e logradouro, implantadas no prédio rústico sito em ..., freguesia ..., composto de terra de culturas com árvores com árvores com a área total de 1949 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...66, o qual deu origem ao prédio misto inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...39 e rústico ...66, descrito na conservatória do Registo predial ... sob o número ...76 da referida freguesia ..., benfeitorias a que se atribui o valor de 225.000,00 Euros.

Constitui direito de crédito com lugar garantido na relação de bens, cujo valor deverá ser pericialmente aferido, considerando a necessidade de avaliação de vários outros bens.

(…)

Em resultado da ponderação jurídica dos autos:

Na sequência da anulação do «contrato promessa de partilha», os bens móveis nele elencados deverão passar a integrar a nova relação de bens, a saber:

(…)”.

A recorrente discorda, pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (as 1. a 14.). Defende que existe caso julgado. Cremos que tem razão.

Relembremos os factos pertinentes constantes dos factos provados 3) a 6) e 11). O apelado requereu partilha adicional de bens (Proc. 672/20....). A apelante opôs-se, alegando que não havia lugar à partilha adicional, porque todos os bens já tinham sido partilhados há 11 anos, conforme acordo vazado num contrato promessa de partilha datado de Janeiro de 2010, que levou a partilha extrajudicial. Os bens a partilhar constavam do dito contrato promessa. O requerente/apelado, notificada de tal requerimento, nada disse. Em consequência foi proferida decisão, em Setembro de 2020, na qual se exarou que verificando-se que foi efectuada por acordo a partilha dos bens comuns dos interessados, deixa de ser necessário prosseguir com o inventário, verificando-se inutilidade superveniente da lide, pelo que, nos termos do art. 277º al. e), do NCPC, foi julgada extinta a instância. O requerente/apelado não recorreu daquela decisão. O requerente/apelado voltou agora (o presente processo) a requerer inventário sobre os mesmos bens.

Tendo em conta o descrito, estamos perante a mesma questão, isto é, perante a mesma causa de pedir, mesmo pedido, as mesmas partes e os mesmos bens. Ou seja, estamos no domínio do caso julgado (arts. 580º, nº 1, 1ª e 3ª partes, e 581º do NCPC).

Põe-se, agora, a seguinte interrogação. Caso julgado material (art. 619º, nº 1, do referido código) ou formal (art. 620º, nº 1). Ou nenhum deles, tecnicamente falando, mas sim um caso julgado com reflexos ou consequências de natureza material. Expliquemo-nos.

Rodrigues Bastos (em Notas ao CPC, Vol. II, pág. 61), explica que face à ocorrência da lide se tornar inútil, a pronúncia a emitir pelo juiz não deve ser nem da absolvição do pedido nem de absolvição da instância, mas puramente declarativa da extinção da instância.

Ora, como é sabido, a inutilidade da lide dá-se quando a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida. Isto é, a solução do litígio deixa de interessar, por o resultado visado já ter sido atingido por outro meio (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. I, 2ª Ed., nota 3. ao artigo 287º do anterior CPC, pág. 555).

Há que ver, então, qual o motivo em que assentou a declarada extinção da instância, em virtude de inutilidade da lide. E o motivo é claro e impositivo: o juiz declarou tal inutilidade porque verificou que foi efectuada por acordo e extrajudicialmente a partilha dos bens comuns dos interessados.

Esta constatação, tem, para nós, obviamente, implicações materiais ou substantivas. Não se pode partilhar o que já está partilhado ! Daí defendermos o caso julgado, no caso concreto, com reflexos ou consequências de carácter material.

Sendo assim, o que o requerente poderá aspirar ou pretender é impugnar a partilha extrajudicial feita entre ele e a recorrente (como decorre do art. 2121º do CC). Não faz é muito sentido declarar nulo um contrato promessa de partilha, como se efectivou na decisão recorrida, quando esse contrato preliminar serviu de antecâmara à partilha e essa partilha já foi efectuada, esvaziando-se aquele contrato no seu objecto e efeitos.          

Constatando-se, por isso, que a decisão proferida no Proc. 672/20.... produziu caso julgado, com consequências de carácter material/substantivo.

Mas como o caso julgado só opera nos precisos limites e termos em que julga (art. 621º, 1ª parte, do NCPC), há que compulsar, agora, quais os bens abrangidos na referida decisão, que produziu caso julgado, com os da actual relação de bens, fixados na decisão recorrida. Os bens que constavam do rol do contrato promessa e constam agora do activo da relação de bens são os enumerados no facto provado 11) versus as verbas nºs 1 a 17 da apontada relação de bens. Consequentemente, deverão ser eliminados desta relação de bens. E, dada a fundamentação apresentada, jogando o facto provado 14) com a verba da alínea F) do passivo da relação de bens, igualmente esta tem de ser eliminada.

Procede, pois, o recurso, por verificação da excepção dilatória prevista no art. 577º, i), do NCPC, com consequente absolvição da instância da recorrente, nesta parte (art. 576º, nº 2, do mesmo diploma).”. 

Analisando a reclamação deduzida, dividimo-la em 2 partes:

- quanto à 1ª, ela reporta-se aos 3 primeiros argumentos.

Ora, se o que se pretendeu fazer no outro processo (o 672/20....) foi ou não, de forma processualmente inadequada, deduzir um incidente de oposição ao inventário, seja ou não controvertido que a omissão do mandatário no referido processo em responder no prazo legal à alegação de que a partilha já se encontrava efetuada tinha ou não a virtualidade de obter a confissão do constituinte, e não houve qualquer inutilidade da lide nessa acção, quer porque o facto como causa de inutilidade é anterior à constituição da instância - o contrato promessa de partilha - (o contrato promessa de partilha é de 2010 e a acção é de 2020), quer porque este facto (o contrato promessa) não permite a obtenção do efeito jurídico visado com o processo, a partilha do património conjugal comum, pelo que naquela acção foi determinado erradamente a inutilidade superveniente da lide, temos por seguro que com erro ou sem erro de análise do despacho que declarou a inutilidade superveniente da lide, essas razões, agora invocadas pela reclamante, desapareceram, dissolveram-se na decisão final que declarou tal inutilidade, decisão que transitou em julgado. Essas razões não podem, agora, reviver no presente processo, pois precludiram, e deviam ter sido arguidas naquele referido processo em seu devido tempo, eventualmente até em recurso da aludida decisão.

- quanto à 2ª parte, ela reporta-se ao 4º e último argumento.

Sobre saber se o caso julgado não poderá operar neste caso concreto tendo sido um despacho meramente formal sem qualquer reflexo material ou substantivo fora daquele processo, como o reclamante afirma de modo simplesmente conclusivo, já foi emitida pronúncia fundamentada. Não se vendo necessidade de a repetir.

(…)

 

9. Decisão

Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente, assim se mantendo a decisão reclamada.    

*

Custas da reclamação a cargo do reclamante.

*

                                                             Coimbra, 7.2.2023

                                                             Moreira do Carmo

                                                             Fonte Ramos

                                                             Alberto Ruço