Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/13.3GAFCR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 12/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA LOCAL DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 43.º E 45.º, DO CP
Sumário: I - Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

II - A pena de prisão fixada em medida não superior a 1 ano, para além de poder ser substituída por multa (art.43.º, n.º 1, do C.P.), pode ser suspensa na execução ( art.50.º do C.P.) e ainda ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do C.P.), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.

III - Para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, uma vez que são cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão, em alguns entendimentos) como o regime de permanência na habitação ( art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres (art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do C.P.), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.

IV - O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no C.P.

V - A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.

VI - Não sendo de exigir uma menção expressa a cada uma das penas de substituição que a pena de prisão concreta encontrada poderia admitir, entende-se que deve resultar da fundamentação da sentença que elas foram, pelo menos, implicitamente ponderadas e que, sem margem para dúvidas, foi afastada a sua aplicação por não se verificarem os respectivos pressupostos.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo Tribunal Judicial de Figueira de Castelo Rodrigo ( actual Comarca da Guarda, Instância Local de Figueira de Castelo Rodrigo), sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo especial sumário, o arguido

A... , filho de (...) e de (...), nascido a 12.05.1986, natural da freguesia de (...), concelho de Almeida, solteiro, agricultor, residente na (...), Figueira de Castelo Rodrigo, titular do Bilhete de Identidade n.º (...),

imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, por referência aos artigos 121.º a 123.º, do Código da Estrada.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 14 de Abril de 2014, decidiu julgar a acusação do Ministério Público procedente, por provada, e em consequência, condenar o arguido A..., como autor material de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 10 (dez) meses de prisão efectiva.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Vai o presente recurso interposto da douta sentença proferida que condenou o recorrente A... na pena de dez meses de prisão efectiva.

2. A pena aplicada ao recorrente poderia ser cumprida em regime de dias livres ou semidetenção, mas principalmente, poderia ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

3. Esta reacção penal afigura-se-nos mais adequada e potencialmente não menos eficaz, podendo até ser geradora de uma nova orientação de vida.

4. A mesma encerra em si um conteúdo pedagógico que não nos parece despiciendo, particularmente no caso do arguido.

5. Poderia ainda o arguido cumprir a pena cominada em regime de permanência na habitação.

6. Com qualquer uma das formas de cumprimento propostas, evitar-se-iam os efeitos nefastos sobejamente conhecidos do cumprimento de curtas penas de prisão.

7. Evitar-se-ia igualmente que o arguido tivesse nesta altura da sua vida, o seu primeiro contacto com o meio prisional, algo que dificilmente poderá ser benéfico sob qualquer prisma.

8. Com a sentença proferida foi violado o disposto nos art. 40°, 43.º, 44°, 46° e 58° do CP.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exc. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-se a douta sentença proferida, assim sendo feita Justiça.

O Ministério Público na Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

   O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso do arguido e confirmada a douta sentença recorrida.

   Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

   Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes do acórdão recorrido é  a seguinte:

Factos provados:

1. No dia 8 de Fevereiro de 2013, pelas 09h10, na Rua de São Tiago, na localidade de Vermiosa, em Figueira de Castelo Rodrigo, área desta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula (...)LP.

2. O arguido conduzia o veículo acima mencionado sem para tal estar habilitado com a necessária carta de condução que o habilitasse a conduzir veículos automóveis ligeiros.

3. O arguido sabia não ser possuidor de licença de condução que o habilitasse a exercer a condução, em via pública ou equiparada, sem estar legalmente habilitado, o que não obstou a que efectivamente conduzisse o veículo em apreço.

4. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5. No âmbito do processo n.º 53/05.5GBPNH, por decisão datada de 04.07.2005, o arguido sofreu uma condenação, pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, o que perfaz um total de € 200,00, cometido em 02.07.2005.

6. No âmbito do processo n.º 162/09.1GAFCR, por decisão datada de 17.11.2009, sofreu uma condenação, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, perfazendo um total de € 1.100,00, cometido em 31.10.2009.

7. No âmbito do processo n.º 80/05.2GBPNH, por decisão datada de 17.10.2008, sofreu uma condenação, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, do Código Penal, numa pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, cometido em 06.09.2005.

8. No âmbito do processo n.º 155/11.9GAFCR, por decisão datada de 21.10.2011, sofreu uma condenação, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, numa pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, cometido em 10.10.2011.

9. No âmbito do processo n.º 58/11.7GCGRD, por decisão datada de 29.10.2012, sofreu uma condenação, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, do Código Penal e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, cometidos em 15.04.2011 e em 13.10.2011.

10. O arguido é oriundo de um agregado familiar de etnia cigana, constituído pelos progenitores e mais duas irmãs, todos com vida autónoma.

11. A mãe do arguido faleceu quando ele tinha 7 anos de idade, passando o mesmo a viver, a partir de então e juntamente com as duas irmãs, com os avós maternos.

12. Posteriormente, após o seu pai iniciar nova união de facto, o arguido passou a integrar o agregado do seu pai, em Espanha, onde trabalhavam em campanhas sazonais agrícolas e possuíam uma condição socioeconómica modesta.

13. A infância e a adolescência do arguido decorreram com alguma instabilidade, fruto das mudanças de agregado, com alguma imposição de regras e supervisão parental com algumas fragilidades e característica da etnia cigana, integrando-se num grupo de pares com características idênticas e com o qual mantinha relacionamento adequado.

14. Actualmente, o arguido executa tarefas indiferenciadas, auferindo cerca de € 20,00 ao dia, e trabalha em campanhas sazonais agrícolas em Espanha.

15. Beneficia de Rendimento Mínimo de Inserção no valor mensal de € 103,00.

16. O arguido tem quatro filhos, de 9, 7 anos e dois gémeos com 2 anos de idade.

17. Vive com a companheira e os filhos em casa emprestada pelos pais daquela, na localidade da Vermiosa, com modestas condições de habitabilidade.

18. Tem o 1º ano de escolaridade, não sabe ler nem escrever, apenas assinando o seu nome.

Factos não provados:

Da discussão da causa não resultaram provados quaisquer factos com relevância para a decisão da mesma.

Fundamentação da matéria de facto:

Para considerar provados os factos acima descritos, o Tribunal teve em consideração, com base na análise critica e conjugada, à luz das regras da experiência comum, tudo com observância do disposto no art. 355.º do C.P.P. e segundo a regra da livre apreciação da prova vertida no art. 127.º do mesmo diploma, o conteúdo do print junto a fls. 15 dos autos, que documenta a consulta na base de dados do IMTT, o qual atesta que o arguido não era, à data dos factos, nem actualmente, titular de carta de condução válida e o conteúdo do auto de notícia por detenção de fls. 2.

Assim, para formar a sua convicção o tribunal considerou, o depoimento da testemunha C..., militar da GNR, a prestar serviço em Figueira de Castelo Rodrigo, responsável pela elaboração do auto de notícia, que de forma isenta, objectiva e coerente, que mereceu credibilidade pelo Tribunal, confirmou na integra os elementos constantes do mesmo.

Assim, inquirido disse que no exercício das suas funções, se encontrava a circular na Rua de São Tiago, quando a cerca de 5 metros avistou o arguido a conduzir o veículo ligeiro de mercadorias, de marca Fiat, um monovolume de cor branca, confirmando que a sua matricula é a constante do auto de notícia, em sentido contrário ao seu, o qual apercebendo-se da presença das autoridades, travou de forma brusca e iniciou fuga de marcha-atrás.

Referiu que após circular alguns metros em marcha-atrás, o arguido imobilizou a viatura, saiu do carro e iniciou uma fuga a pé, tendo sido interceptado pela testemunha a cerca de 30 metros, ainda na Rua de São Tiago.

Durante a fiscalização verificou que o arguido não trazia consigo documentos de identificação, tendo sido identificado já no posto da GNR, através da identificação verbal fornecida pelo próprio arguido, que coincidiu na integra com o conteúdo da sua ficha biográfica, a qual não lhe suscitou qualquer duvidas quanto à identidade do mesmo, reforçando ainda o facto deste ser já conhecido pelas autoridades de anteriores fiscalizações.

Perguntado, disse não ter dúvidas que o carro se encontrava a circular na via pública, com o motor ligado e que estava a ser conduzido pelo arguido. Não só porque avistou a viatura em circulação a poucos metros (cerca de 5 metros), mas também porque quando o arguido imobilizou o veículo, viu-o sair pela porta do condutor, juntando a tudo isto o facto de nunca ter perdido nem o arguido, nem a viatura de vista.

Questionado sobre a possibilidade de ter sido a esposa do arguido, presente no local, a conduzir a viatura dos autos, respondeu peremptoriamente que tal não aconteceu, não só porque viu perfeitamente o arguido a conduzir a mesma, mas também porque viu a referida senhora sentada no lugar do passageiro, junto à janela, local onde permaneceu sempre até o arguido ser interceptado após ter iniciado a fuga a pé.

Respondeu, ainda, saber que a viatura é propriedade do arguido.

Foram estas declarações totalmente corroboradas pela testemunha B..., militar da GNR, que acompanhava a anterior testemunha no momento da fiscalização ao arguido e que confirmou o local e a distância a que avistaram o veículo do arguido, a fuga encetada por este, primeiramente com a viatura e depois a pé, bem como o momento da intercepção do mesmo, a forma como foi feita a identificação do arguido.

Mas, acima de tudo, confirmou esta testemunha ter a certeza absoluta que era o arguido que se encontrava a conduzir a viatura fiscalizada no momento em que esta foi avistada pelas autoridades, não só porque o viu bem ao volante da mesma, como o viu sair pela porta do condutor, também nunca o tendo perdido de vista em nenhum momento.

Para prova dos factos assentes, nomeadamente a identidade do condutor, muito contribui a própria reacção do arguido ao aperceber-se que tinha sido avistado pela GNR, ao decidir travar a fundo e iniciar uma manobra de marcha-atrás, ou após perceber que dessa forma nada conseguiria, ao decidir encetar a fuga a pé, reacção típica de quem sabe que estava a praticar condução ilegal, pretendendo, alguma forma, se furtar a responder por essa conduta, não sendo apanhado.

De salientar, ainda, o facto do arguido já ser conhecido pelas autoridades por fiscalizações anteriores e ainda o facto de a viatura ser da sua propriedade.

Assim, com base nas declarações destas testemunhas, aliadas às regras da experiência comum, não teve o Tribunal qualquer dúvida em dar como provado que era o arguido que se encontrava a conduzir o veículo dos autos no momento em que foi avistado pelas autoridades.

Atendeu o Tribunal ao teor do Relatório Social do arguido junto a fls. 35 a 38, para prova da situação pessoal e familiar do arguido.

No que respeita aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal fundou a sua convicção no teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos.


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999[2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido A..., a  questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, 43.º, 44.º , 46.º e 58.º do Código Penal ao não haver substituído, a pena de prisão em que foi condenado, por pena não detentiva,  como pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, cumprimento no regime de permanência na habitação, regime de semidetenção ou pena de prisão por dias livres.


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   Passemos ao conhecimento da questão.

O recorrente A... defende que a pena de prisão em que foi condenado lhe deverá ser substituída, por uma outra pena, alegando para o efeito e em síntese, o seguinte:

- a existência de antecedentes criminais e a não comparência do arguido em julgamento, não justificam o afastamento liminar de outras soluções legais para evitar os efeitos nefastos do cumprimento de curtas penas de prisão, como a aplicação do regime de permanência na habitação ou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

- ao recorrente nunca foram aplicadas estas soluções legais, sendo de referir que pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em nada repugnaria ao recorrente face a algumas carências que patenteia;

- no que tange à não aplicação dos regimes de semidetenção e de prisão por dias livres, o recorrente está em desacordo com a justificação apresentada pelo Tribunal para a sua não aplicação, traduzida na possibilidade do arguido praticar novos crimes e por realizar trabalhos agrícolas em Espanha, que exigem saídas demasiado longas, incompatíveis com as finalidades da punição deste tipo de crime; 

- não ser compreende também porque o regime de permanência na habitação não seria suficiente para dissuadir o arguido da tentação de praticar futuros crimes da mesma natureza, uma vez que o arguido ficaria coarctado nos seus movimentos, circunscrito a uma determinada área que seria a da residência.

Vejamos.

Como regra, na abordagem da determinação da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal.

Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( art.70.º do C.P.).

Tais finalidades reconduzem-se, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial). A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
A escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa, porém, que o arguido irá cumprir a pena privativa da liberdade.

De seguida, importará determinar a concreta medida da pena por que se optou, dentro dos limites definidos na lei, tendo em consideração para o efeito, culpa do agente e as exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este ( art.71.º do C.P.).

Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Como meio de obstar, até ao limite, à aplicação de penas de prisão na chamada pequena criminalidade, e hoje mesmo já na média criminalidade, o art.43.º, n.º 1 do Código Penal estabelece, como obrigatório, que « A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)».

A pena de prisão fixada em medida não superior a 1 ano, para além de poder ser substituída por multa (art.43.º, n.º1 do C.P.), pode ser suspensa na execução ( art.50.º do C.P.) e ainda ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.

Para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, uma vez que são cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão, em alguns entendimentos) como o regime de permanência na habitação ( art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.

O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no Código Penal.

A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.[4] 

Não sendo de exigir uma menção expressa a cada uma das penas de substituição que a pena de prisão concreta encontrada poderia admitir, entendemos que deve resultar da fundamentação da sentença que elas foram, pelo menos, implicitamente ponderadas e que, sem margem para dúvidas, foi afastada a sua aplicação por não se verificarem os respectivos pressupostos.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo considerou que o arguido A..., com a sua conduta descrita nos factos dados como provados, preencheu todos os elementos constitutivos de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01.

Sendo este crime de condução de veiculo sem habilitação legal punível com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, decidiu-se na douta sentença recorrida, tendo em conta o disposto no art.70.º do Código Penal, optar pela pena de prisão em detrimento da pena de multa e, seguidamente, considerando o disposto no art.71.º do mesmo Código, fixou-se a medida concreta da pena em 10 meses de prisão.

Determinada a concreta pena de prisão, passou o Tribunal a quo a verificar se ela poderia ser objecto de substituição, quer em sentido próprio, quer impróprio.

No que diz respeito às exigências de prevenção geral realçou que elas « …são elevadas…», tendo em conta a frequência com que condutas semelhantes são praticadas nesta comarca e a fraca consciencialização da perigosidade das mesmas, assistindo-se a uma cada vez maior insegurança na circulação rodoviária, cujas causas, não raras as vezes, se prendem com a condução de veículos sem habilitação legal.

No plano da prevenção especial, considerou que é « premente a necessidade de uma resposta punitiva que promova uma eficaz consciencialização do arguido para a ilicitude da sua conduta, de molde a prevenir a prática de futuros comportamentos da mesma natureza, de maneira a que se passe a comportar de forma responsável», pois  o arguido A..., actuou com uma intensidade dolosa mediana, e tem já antecedentes criminais, averbando seis condenações anteriores, quatro delas por crimes da mesma natureza, sendo a última destas condenações por factos praticados há pouco mais de um ano, o que é revelador de um comportamento com propensão para a prática de crimes de natureza rodoviária, demonstrativo de uma personalidade pouco conforme ao Direito.

Face aos antecedentes criminais do arguido A..., designadamente às duas condenações em penas de multa pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, entendemos que o Tribunal a quo andou bem ao frisar que a pena de multa não se revela eficaz para dissuadir o arguido de voltar a praticar novos ilícitos criminais, bem como ao considerar que a execução da pena de prisão é exigida, no caso concreto, para prevenir o cometimento de futuros crimes.

Assim, não se reconhece a invocada violação, pela douta sentença recorrida, do disposto no art.43.º do Código Penal. 

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontram-se para além da pena de multa a que alude o art.43.º do Código Penal, também as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.).

O Tribunal a quo afastou, com suficiente fundamentação, a aplicação ao arguido da suspensão de execução da prisão, e o recorrente não questiona esse afastamento.

Quanto à pena de trabalho a favor da comunidade, a mesma consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade ( art.58.º, n.º 2 do Código Penal ) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( art.58.º, n.º1 do Código Penal).
Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado ( art.58.º, n.º 5 do Código Penal ).
O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.       

Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, entendemos que, em princípio, será de aplicar a crimes de pouca gravidade, mas não quando o agente vem reiteradamente praticando crimes de diversa natureza e o crime em causa é praticado com grande frequência.
O pressuposto formal de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade verifica-se na parte em que foi aplicada ao arguido A... uma pena de prisão em medida não superior a dois anos. O arguido, que não compareceu ao julgamento, não deu a sua aceitação à substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade, pelo que o pressuposto formal desta pena de substituição não se mostra integralmente preenchido aquando da prolação da sentença.
Quanto ao pressuposto material de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, entendemos que também não se verifica.
As razões de prevenção especial são prementes pois o arguido A..., praticou desde o ano de 2005 vários crimes, sendo quatro de condução sem habilitação legal e dois de furto qualificado, sem que haja surtido o necessário efeito de ressocialização. O crime de condução sem habilitação legal em apreciação, praticado em 8 de Fevereiro de 2013, tem lugar no decurso da suspensão da execução de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, em que foi condenado por sentença de 29 de Outubro de 2012. Por outro lado, como bem realça a decisão recorrida, “ os factos relativos à última condenação por crime de condução de veículo sem habilitação legal, reportam-se ao dia 13.10.2011, ou seja, apenas três dias após a prática dos factos que deram origem à condenação por crime idêntico imediatamente anterior àquela, que ocorreram no dia 10.10.2011, o que é bem revelador de falta de consciencialização e interiorização da censurabilidade da prática dos seus actos.”.

Depois do arguido ter sido condenado várias vezes ao longo dos anos, nomeadamente por conduzir sem habilitação legal, substituir-lhe a pena de prisão aplicada, por pena de trabalho a favor da comunidade, seria permitir-lhe acreditar que existe sempre mais uma oportunidade para continuar a delinquir, embora sujeito durante algum tempo aos inconvenientes das penas não detentivas, para além de que tal pena, nestas circunstâncias, não deixaria ainda de afectar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada.

Bem andou assim, o Tribunal a quo ao não ter substituído a pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade

De acordo com o art.45.º do Código Penal, na redacção actualmente vigente, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. ( n.º1). A prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins de semana , não podendo exceder 72 períodos. ( n.º2). Cada período tem a duração mínima de trinta e seis horas e a máxima de quarenta e oito , equivalendo a cinco dias de prisão contínua. ( n.º 3).

O pressuposto formal requerido pela lei é que a pena de prisão seja aplicada em medida não superior a um ano. O pressuposto material coincide com o critério geral de aplicação das penas de substituição: «predomínio absoluto de considerações de prevenção de socialização, eventualmente limitadas por exigências irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico ( estas em princípio , sempre satisfeitas pelo facto de a pena agora em exame ser ainda , em todo o caso, uma pena de prisão)».[5]

Dito de outro modo, sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão e, deste modo, o seu carácter intimidativo, a prisão por dias livres é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e de, ao mesmo tempo, manter em grande parte as ligações do condenado à sua família e à sua vida profissional.[6]

Com esta pena o arguido não terá de perder o lugar profissional que possui na sociedade, nem põe em perigo a sua situação familiar.

Não restam dúvidas que o pressuposto formal requerido pela lei para aplicação da pena de prisão por dias livres se verifica no caso concreto, uma vez que foi aplicada ao arguido A... uma pena de prisão em medida não superior a um ano.

Quanto ao pressuposto material afigura-se-nos que não se verifica no caso concreto.

Para além das prementes exigências de prevenção especial a que já atrás se fez menção, em que se realça o facto do arguido ter cometido o crime durante um período de suspensão de execução de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão - não só pela prática de um crime de condução sem habilitação legal mas também por um crime de furto qualificado - , importa referir que o arguido com o cumprimento efectivo da pena de 10 meses de prisão não corre o risco de perder o seu lugar profissional, pois vive do Rendimento Mínimo de Reinserção Social e da execução de tarefas não regulares, trabalhando em campanhas sazonais agrícolas em Espanha. Nestas circunstâncias de vida do arguido, com estadias sazonais em Espanha, também não será o cumprimento da pena de prisão que colocará em risco a manutenção das suas ligações familiares.

Embora ao nível de execução da pena de prisão de dias livres, e não dos seus pressupostos, não deixa de ser pertinente a menção feita na douta sentença recorrida de que o cumprimento desta pena de 10 meses de prisão, por períodos correspondentes ao fim de semana, colocaria o arguido na eminência de continuação de novos crimes da mesma natureza.

Efectivamente, situando-se o Estabelecimento Prisional mais próximo da sua residência na cidade da Guarda e residindo o arguido numa freguesia rural do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, os riscos do mesmo utilizar um veículo automóvel para se deslocar da residência ao EP e deste para a sua residência é elevado e, assim, voltar a cometer o crime de condução de veículo sem habilitação legal, tanto mais que não foi dado como provado que o arguido se mostra arrependido e que já obteve carta de condução de veículos automóveis ou que frequenta com aproveitamento numa escola de condução.

Trabalhando o arguido sazonalmente em Espanha, na agricultura, não se vislumbra ainda como pretenderia simultaneamente trabalhar e cumprir a prisão por dias livres.

Em suma, as exigências de prevenção especial, de ressocialização, não se compadecem no caso com a substituição da pena de 10 meses de prisão por pena de prisão por dias livres.

Passando a conhecer do regime de semidetenção, que o recorrente defende que lhe poderia ser aplicável, diremos que, nos termos do art.46.º, n.º 2 do Código Penal, « O regime de semidentenção consiste numa privação da liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações.»

Pode ser aplicado em substituição de medida de prisão não superior a 1 ano de prisão, desde que não se verifiquem os pressupostos de aplicação de outra pena substitutiva não detentiva, nem os requisitos da prisão por dias livres. Depende ainda do consentimento do condenado. ( art.46.º, n.º 1 do Código Penal).

A nível de pressuposto formal pese embora tenha sido aplicada ao arguido uma pena de prisão não superior a 1 ano, não se verifica, à data da prolação da sentença, o consentimento do arguido para aplicação do regime de semidentenção.

Por outro lado, e já a nível de pressuposto material de aplicação da semidetenção como pena de substituição, entendemos que o mesmo não se verifica.

Para além das fortes exigências de prevenção especial que o caso impõe, não consta da factualidade dada como provada, que o arguido se encontra numa situação de formação profissional, de prosseguimento de estudos, ou que exerce uma actividade profissional regular, casos em que a privação da liberdade, em semidetenção, com saídas estritamente limitas ao cumprimento das suas obrigações, seria uma pena adequada.

Assim, não merece censura a não substituição da pena de prisão pelo regime de semidetenção.

Por fim, analisando o regime de permanência na habitação, previsto no art.44.º, consagrado pela Revisão do Código Penal de Agosto de 2007, anotamos que o mesmo consiste na permanência na habitação do arguido ou de terceiro, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Os pressupostos formais traduzem-se na condenação em pena não superior a 1 ano de prisão e o consentimento do arguido; no caso, embora se verifique o primeiro destes requisitos, não consta dos factos dados como provados o consentimento do arguido.

O pressuposto material de aplicação desta pena é o da sua adequação e suficiência às finalidades da punição e a sua escolha é determinada exclusivamente por razões de prevenção.

Esta pena é particularmente indicada no caso em que o arguido já tenha sofrido um período de obrigação de permanência na habitação a titulo cautelar na pendência do processo e as necessidades preventivas sejam compatíveis com o cumprimento da pena de prisão no mesmo ambiente.

Tal pena não é adequada, em princípio, quando o arguido à data da condenação praticara já diversos crimes, e o crime em apreciação tem lugar durante o período de suspensão de uma execução de pena de prisão, demonstrando assim que não se deixa intimidar pela possibilidade de cumprimento de uma pena de prisão efectiva.

No caso, o arguido A... estava sujeito a uma pena de prisão suspensa na sua execução pela pratica de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto qualificado, e veio praticar novo crime de condução sem habilitação legal.

Para além da existência da forte possibilidade de revogação da pena suspensa na execução e consequente cumprimento da pena de 2 anos e 6 meses de prisão em meio institucional, entendemos que a personalidade do arguido, que resulta da fundamentação da sentença – com fuga do arguido do local da prática dos factos, não comparecimento à audiência de julgamento e ausência de arrependimento –, não permite concluir que a substituição da pena de 10 meses de prisão, pelo regime de permanência na habitação, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, em especial as de ressocialização.

Assim, não se verificando, também, os pressupostos para substituição da pena de prisão fixada para pena em regime de permanência na habitação do arguido - onde coabita com uma companheira e 4 filhos menores -, improcede a questão objecto de recurso.

Consequentemente, impõe-se julgar improcedente o recurso e manter a douta sentença recorrida.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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Coimbra, 10 de Dezembro de 2014

(Orlando Gonçalves - relator)

(Alice Santos - adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] Cfr., entre outros os acórdãos do STJ de 04-06-1996,  CJ., ASTJ, ano IV, tomo 2, pág. 186; de 27-06-1996, CJ, ASTJ ano IV, tomo 2, pág. 204; de 24-05-01, CJ., ASTJ ano IX, tomo 2, pág. 201; de 20-02-2003, CJ., ASTJ ano X, tomo1, pág. 206; de 09-11-2005, CJ., ASTJ , ano XIII, tomo 3, pág. 209; de 08-03-2006, CJ., ASTJ ano XIV, tomo 1, pág. 203; e de 10-10-2007,  CJ., ASTJ 2007, ano XV, tomo 3, pág. 210.

[5]  cfr. Prof. Figueiredo Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”, pág- 391.

[6]  cfr. ac. STJ, de 2 de Março de 1988, ir BMJ n.º 375.º, pág. 204.