Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3884/182T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: VALORAÇÃO DA PROVA
LIVRE CONVICÇÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.1549 CC, 414, 607 Nº4 CPC
Sumário: I – Na formação da convicção do juiz, a que alude o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, este terá em consideração que todo o facto que existiu historicamente é explicável porque, quer a realidade física, quer a realidade social, têm uma estrutura nomológica (regida por leis), causal-determinista no primeiro caso e teleológica (dirigida a um fim que permite compreender a ação humana) no segundo.

II.-Por isso, todo o facto controvertido que integra uma das hipóteses factuais em disputa, caso tenha existido, é explicável e é explicável através de outros factos anteriores que a «causaram» e valem como provas da sua efetiva existência.

III – Alinhados os dados probatórios que corroboram cada uma das hipóteses, o juiz verificará se algum conjunto de dados probatórios permite montar uma estrutura explicativa, teleológica ou causal, que implique a existência dos factos a provar. Se isso ocorrer, adquirirá a convicção de que aquela hipótese factual corresponde à realidade histórica, ficando excluída, por incompatibilidade, a outra versão factual.

IV- As servidões aparentes postulam a existência de sinais visíveis e permanentes.

V- A visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percepcionáveis e interpretáveis como tais, pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles e a permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções (pelo menos nos casos em que a ausência temporária dos sinais torne equívoco o seu significado), por forma a gerar e manter a ideia de que se trata de uma situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados ao longo do tempo ou substituídos por outros.

VI- Apesar de uma cancela aberta num muro ser um sinal visível e permanente, para efeitos da existência de uma servidão por destinação de pai de família – artigo 1549.º do Código Civil –, devendo existir à data da divisão do prédio, não se sabendo desde quando existe, sendo tal facto constitutivo do direito da Autora, tal dúvida é valorada contra a autora por ser a parte a quem o facto aproveita – artigo 414.º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:












I. Relatório

a) O presente recurso incide sobre a sentença que conheceu dos pedidos formulados pela Autora, ora recorrida, a qual pretende, no confronto com os Réus, obter o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio que identifica na petição, bem como o reconhecimento da existência de três servidões, uma de passagem, outra de vistas e uma outra de arejamento e luz, constituídas todas elas por destinação de pai de família a favor desse seu prédio, as quais oneram o prédio adjacente dos Réus.

Pretende ainda que os Réus sejam condenados a reconhecer que não podem impedir o exercício destas servidões, devendo os mesmos ser compelidos a repor as servidões no estado em que se encontravam antes da intervenção deles Réus, nelas.

Em concreto, os pedidos formulados são estes:

a) Serem os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio com o artigo matricial 6839 da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia;

b) Reconhecer-se judicialmente a existência de uma servidão de passagem (do portão com o número de polícia 12 do Largo do C (...) até ao contador de água ali existente e até às duas entradas do prédio da autora que dão para o corredor que se inicia nesse portão, bem assim como dessas entradas até ao referido portão), de vistas e de arejamento (no que toca à janela) e de luz (no que toca à parte da parede com tijolos de vidro), constituída por destinação de pai de família, onerando o prédio dos réus a que corresponde o artigo matricial 12857 da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 13505 da mesma freguesia, a favor do prédio da autora com o artigo matricial 6839 da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia;

c) Condenar-se os réus a retirar os materiais que aplicaram a obstruir a porta e a janela que dão do prédio da autora para o mencionado corredor que, no prédio da ré, se inicia no portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) e conduz ao logradouro interior deste prédio, recolocando tal porta e tal janela no estado em que se encontravam anteriormente (retratado nas fotografias aqui juntas como Docs. 27 e 28);

d) Condenar-se os réus a absterem-se da prática de qualquer acto que obstrua ou dificulte a fruição, pela autora, das servidões referidas na alínea b) deste pedido, facultando a esta, desde logo, uma chave do portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) .

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção.

Pedem o reconhecimento do direito de propriedade da 1.ª Ré sobre o prédio alegadamente onerado com as servidões e a exigência de determinados comportamentos positivos e negativos por parte da Autora, consubstanciados nos seguintes pedidos:

a) Reconhecer que a reconvinte M (…) é dona e legitima possuidora com exclusão de outrem do prédio urbano identificado no artigo 106.º da Reconvenção.

b) Reconhecer que o prédio identificado artigo 106º da reconvenção é confinante com o prédio descrito no artigo 87º da contestação.

c) Que os sócios-gerentes da A. não mais se introduzam no prédio pertencente à reconvinte ou de qualquer forma o invadam.

d) Retirar da parede do prédio pertencente à reconvinte, identificado no artigo 106 º da Reconvenção o aparelho de ar condicionado bem como os contadores da água procedendo às diligências para tal necessárias.

e) Manter encerradas a porta, a janela e a cancela mencionadas no artigo 30º da contestação.

No final foi proferida sentença com este dispositivo:

«Julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência,

1. Condeno os Réus M (…) e D (…) a reconhecerem que a Autora C (…), LDA., é proprietária do prédio com o artigo matricial 6839.º da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia.

2. Condeno os Réus M (…) e D (…) a reconhecerem a existência de uma servidão de passagem, do portão com o número de polícia 12 do Largo do C (...) até ao contador de água ali existente e até às duas entradas do prédio da Autora C (…), LDA., que dão para o corredor que se inicia nesse portão, bem assim como dessas entradas até ao referido portão, de vistas e de arejamento, no que toca à janela e de luz no que toca à parte da parede com tijolos de vidro, constituída por destinação de pai de família, onerando o prédio dos réus a que corresponde o artigo matricial 12857.º da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 13505 da mesma freguesia, a favor do prédio da Autora C (…) LDA., com o artigo matricial 6839.º da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia.

3. Condeno os Réus M (…) e D (…) a retirar os materiais que aplicaram a obstruir a porta e a janela que dão do prédio da Autora C (…)LDA., para o mencionado corredor que, no prédio da 1.ª Ré M (…) se inicia no portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) e conduz ao logradouro interior deste prédio, recolocando tal porta e tal janela no estado em que se encontravam anteriormente, tal como retratado nas fotografias juntas na P.I. como docs. 27 e 28.

4. Condeno os Réus M (…) e D (…) a absterem-se da prática de qualquer acto que obstrua ou dificulte a fruição, pela Autora, das servidões referidas na alínea b) deste pedido, facultando a esta uma chave do portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) , caso o mesmo permaneça fechado à chave.

Julgo a Reconvenção parcialmente procedente e, em consequência,

5. Condeno a Autora C (…) LDA., a reconhecer que a 1.ª Ré/Reconvinte M (…) é dona e legitima possuidora com exclusão de outrem do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 12857.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 13505 da freguesia de (...) .

6. Absolvo a Autora C (…) LDA., dos restantes pedidos.

7. Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento, que desde já se fixa em 9/10 a cargo dos Réus e 1/10 a cargo da Autora.

8. Registe e notifique».

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte dos Réus, cujas conclusões são as seguintes:

«(…)

PELO EXPOSTO, deve a presente Decisão ser revogada por outra que reconheça que:

1- Não existe servidão de passagem, vistas, arejamento, luz por destinação de pai de família.

2- A servidão de passagem constituída por contrato celebrado em 1943 nunca foi utilizada pelos antepossuidores nem arrendatários do prédio.

3- Há mais de 20 anos que deixou de ser utilizada pelos arrendatários do prédio.

4- Extinguindo-se pelo não uso.

5- O prédio inscrito sob o artigo 6839 da freguesia de (...) , não é um prédio encravado.

6- Que não existe servidão de passagem, vistas, arejamento, luz constituído nem legalmente nem por usucapião respeitante à porta, janela, parede com tijolos de vidro e contadores.

7- Que devem ser mantidos os tapumes colocados pela 1ª apelante uma vez que tais aberturas não gozam de direito das servidões que se propunham adquirir.

Assim se fará a costumada e sã justiça».

c) A Autora contra-alegou pronunciando-se no sentido da inadmissibilidade da junção da escritura de partilha do prédio a que se referem os autos e pugnou pela manutenção da sentença.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, o que não ocorre neste caso, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão a tratar respeita à impugnação da matéria de facto, a qual, não constando expressamente das conclusões, é certo, está claramente explicitada nas alegações e, por isso, se conhece da mesma, sendo os factos impugnados, no todo ou em parte, os seguintes:

Provados: 5, 50, 52, 59, 61, 63, 64, 66, 67, 68, 70, 72, 93, 96 e 98

Relativamente aos não provados:  al. d), al. g) al. m), al. o), al. p) al. q), al. s), al. t), al. v), al. y) e al. aa).

2 – Em segundo lugar, cumpre verificar, face à eventual alteração da matéria de facto, se se encontram constituídas as servidões.

3 – Em terceiro lugar, caso se conclua pela existência das servidões, coloca-se a questão de saber se elas se extinguiram por não uso.

4 – Em quarto lugar, se a questão ainda tiver interesse, cumpre verificar se as servidões não se encontrarem descritas de modo a serem identificadas em termos espaciais e, em caso afirmativo, se há consequências a retirar disso.

5 – Por fim, coloca-se a questão da litigância de má fé imputada pela Autora aos Réus a propósito da junção, na fase de recurso, da escritura pública de divisão do prédio primitivo.

c) Impugnação da matéria de facto

Antes de iniciar a apreciação cumpre deixar indicadas as ideias gerais que orientarão a decisão que será tomada nesta sede.

Em primeiro lugar, contrapondo-se duas versões acerca dos factos, que mutuamente se excluem, como é o caso dos autos, só uma delas pôde ter existido, pois a realidade física é só uma em cada momento histórico.

Deste modo, ou a Ré foi parte no contrato ou não foi parte; uma hipótese exclui a outra. Por ser assim, se o juiz declara um facto ou uma versão factual como provada, isso implica que a hipótese factual contrária não tenha existido e resulta, logicamente, não provada.

Em segundo lugar, todo o facto controvertido que integra uma das hipóteses factuais em disputa, caso tenha existido, é explicável e é explicável através de outros factos anteriores que estão na sua génese, que o «causaram», digamos, que valem, também por isso, dada a relação genética, como provas da sua existência.

Todo o facto que existiu é explicável, porquanto quer a realidade física, quer a realidade social, têm uma estrutura nomológica (regida por leis), causal-determinista no primeiro caso e teleológica (dirigida a um fim, o qual permite compreender a ação humana) no segundo.

Como todo o facto que existiu é explicável, logicamente, o facto afirmado que não existiu não é explicável, ou seja, não tem outros factos na sua génese, e, por ser assim, não obtém corroboração nesses factos cronologicamente anteriores.

Por outro lado, o facto controvertido, digamos C, que efetivamente existiu produziu, em regra, outros factos, como D, E, …, que são suas consequências, os quais, devido à estrutura nomológica da realidade, também são explicáveis pela existência do facto controvertido C, valendo como provas deste último.

Por sua vez, um facto que não tenha existido não só não é explicável, como não pode obter provas de onde se infira a sua existência. Se porventura forem apresentadas provas que aparentam corroborá-lo, então, ou não correspondem à realidade ou, se correspondem, a corroboração insere-se num processo de explicação necessariamente parcial e aparente, o qual será refutado em globo por outras provas.

Em terceiro lugar, um facto que tenha existido não é refutável, salvo por ignorância de todas as circunstâncias factuais em que esteve inserido, e é sempre adequado a obter múltiplas corroborações; ou seja, é fértil, no sentido de ser apto a produzir, a partir da sua matéria factual, novas conjeturas sobre outros factos probatórios não conhecidos que o corroborarão.

A corroboração existe quando um facto probatório faça parte de um processo causal ou teleológico (neste caso, como se disse, se se tratar de ações humanas), no âmbito do qual seja possível estabelecer uma ligação entre o facto a provar e o facto probatório e vice-versa.

Em quarto lugar, em termos de raciocínio prático, o juiz partirá da ideia de que cada núcleo das versões factuais em confronto existiu e, seguidamente, verificará que dados empíricos, que factos, isto é, que provas, corroboram ou refutam cada uma das versões.

Em quinto lugar, a explicação adequada para a existência das ações das pessoas, com as quais nos deparamos quotidianamente, é aquela que conecta as ações a finalidades, aparecendo a ação como um meio para alcançar um fim, pelo que a explicação que conjuga ou relaciona meios (ações) e fins denomina-se, justamente, teleológica ([1]).

Compreendemos as ações humanas porque elas, sendo intencionais, contêm um significado que se identifica com razões, o mesmo é dizer, porque são racionais, sejam quais forem as razões.

Em sexto lugar, o juiz verificará, sempre em termos globais, olhando ao mesmo tempo para a totalidade dos factos sob prova e para as provas, e procurará verificar se existem nexos causais ou teleológicos que interliguem as diversas provas e permitam concluir pela existência de cada uma das hipóteses em confronto.

Por fim, o julgador terá em consideração, a versão que efetivamente corresponde à realidade histórica apresentará sintomas da sua existência como facto real.

É sintoma de verdade o facto de um meio de prova ou o núcleo de uma versão factual serem apoiados por meios de prova diversificados, pois um facto quando existe, existe entre variados outros, tal como uma peça de um puzzle se insere na realidade mais vasta do puzzle e se harmoniza com todas as suas peças que, nesta medida, atestam que aquela peça é daquele puzzle.

É também sintoma de verdade a circunstância de um facto ou o núcleo de uma versão factual implicarem novos elementos factuais (provas) não contemplados inicialmente na hipótese, nem alegados pelas partes, o que apenas é possível na generalidade dos casos, quando o facto ou a versão factual correspondem à realidade.

É sintoma de verdade a circunstância de um facto ou o núcleo de uma versão factual a sua resistência à refutação, tornando as provas adversas frágeis e inverosímeis.

É sintoma de verdade a simplicidade da hipótese factual, simplicidade aferida pelas regras da experiência, isto é, de acordo com aquilo que habitualmente ocorre na natureza ou é habitual verificar nas ações humanas.

É sintoma de verdade a circunstância das provas se inserirem num todo coerente, pois a realidade que existe é idêntica a si mesma e não pode deixar de ser coerente, sendo as ações humanas coerentes, claras, no sentido de serem compreensíveis, uma vez conhecidas as intenções e finalidades com que foram realizadas.

É sintoma de verdade a própria probabilidade do facto ou do núcleo da versão factual ter ocorrido tendo em conta o conjunto dos factos consensualmente admitidos entre as partes e as regras da experiência convocáveis pela natureza dos factos.

É sintoma de verdade a circunstância das provas produzidas e o núcleo da versão factual permitirem a possibilidade de serem confirmadas ou refutadas.

É sintoma de falsidade, no sentido decerta hipótese factual não corresponder à realidade histórica, o inverso do acabado de referir.

Alinhados os dados probatórios que corroboram cada uma das hipóteses, o juiz verificará se algum conjunto de dados probatórios permite montar uma estrutura explicativa, teleológica ou causal, que implique a existência dos factos a provar e se tal hipótese é coberta por sintomas de verdade.

Se isso ocorrer, adquirirá a convicção de que aquela hipótese factual corresponde à realidade histórica, ficando excluída, por incompatibilidade a outra versão factual ([2]).


*

Vejamos então se a argumentação dos recorrentes levará a formar a convicção no sentido da inexistência da utilização/afetação por parte do mesmo proprietário primitivo do espaço que é indicado pela Autora como de passagem, de vistas, arejamento e luz.

1 – Verifica-se que os Autores juntaram aos autos, nesta fase de recurso, de uma escritura de divisão de coisa comum, celebrada em 11 de junho de 1943, a qual tem anexa uma planta (à escala 1/100) representativa dos vários lotes resultantes da divisão do prédio, no total de oito lotes.

Outorgaram essa escritura (1) M (…) (avó da Ré mulher); (2) M (…) e marido F (…) (3) J (…) e esposa M (…); (4) J (…).

Verifica-se que os atuais prédios da Autora e dos Réus, com os seus limites territoriais/geográficos, foram gerados e definidos por essa escritura, correspondendo ao prédio dos Réus o «lote 4» e ao prédio hoje da Autora o «lote 3».

Consta da mesma escritura o seguinte: «Que delimitada pelas linhas (…) fica uma facha de terreno que fica para serventia comum dos números dois, três, quatro, cinco, e seis – Que as paredes divisórias dos referidos lotes, quer interiores, quer exteriores, se consideram comuns dos respetivos lotes que delimitam, na parte em que servem de divisão» (cfr. pág. 9 do documento).

Verifica-se pelas medidas indicadas na escritura que essa «facha» tem três metros de largura (pág. 5 da escritura, linha 8).

Verifica-se também pela planta anexa à escritura de divisão, que os lotes 1, 2, 3 e 4 estão aí identificados individualmente como «Casa de Habitação», estando também identificados os «quintais» correspondentes a cada um destes lotes, ou seja, os quintais dessas casas já existentes à data da divisão

Os restantes lotes estão identificados como «Terreno para Construção».

Isto significa que quando a escritura de divisão foi celebrada já lá existiam quatro casas de habitação e nas traseiras dessas casas existia um terreno amplo que foi aproveitado nessa escritura para formar quatro lotes destinados a construção de outros edifícios e para dotar as casas já construídas com quintais.

Verifica-se também que a servidão de passagem assinalada na mesma «Planta» corresponde à servidão de passagem descrita pela Autora na petição, tendo esta servidão por finalidade aceder aos quintais e traseiras das casas a partir da via pública, no caso o «Largo do C (...) ».

Partindo do espaço da servidão vêem-se colocadas na planta várias «setas» em direção a cada um dos quatro quintais dos lotes 1, 2, 3 e 4.

Os Réus argumentam que «Não constando no referido desenho outra seta que indique qualquer outro local que tenha de aceder à serventia, nomeadamente, que a porta tivesse acesso para a serventia», então é porque na escritura pública só se quis estabelecer a entrada correspondente a essa seta.

Não se afigura procedente esta argumentação porque a indicação feita com as setas não tem um significado unívoco, no sentido de com isso se excluir qualquer outra entrada.

Com efeito, se as portas abertas para esse espaço de serventia já existissem abertas á data da escritura, não se tornava necessário assinalar um local que já era conhecido e estava assinalado pela existência das próprias portas.

A informação que consta da escritura, o seu teor, torna indubitável que o prédio foi dividido em 1943 e a partir da divisão do prédio todos os proprietários dos lotes beneficiados quiseram que existisse ali uma servidão e quiseram isso porque foi por eles entendido que era necessária ou útil essa passagem, para dar outro acesso à retaguarda dos lotes, além do acesso já feito diretamente pela frente de cada lote com via pública.

Este documento também mostra que quando foi feita a divisão do prédio em 1943, os lotes 1, 2, 3 e 4 já eram constituídos por casas de habitação e revela também que já então existia o espaço entre o lote 3 e o lote 4, com três metros de largura, segundo as medidas indicadas na escritura, o qual foi nessa escritura afetado, como se disse, a servidão de passagem.

2 – Vejamos agora a descrição dos lotes.

O Lote 3 está assim descrito: «Constituído por casa de habitação de rés-do-chão e quintal pegado (…) e confronta do Norte com o largo do C (...) , sul com o número 2, nascente com o número quatro e serventia que parte do portão, no largo do C (...) , para sul; poente com a rua do C (...) e com o número 2, ficando este número três delimitado pelas linhas...».

O Lote 4 está assim descrito: «Constituído por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar e quintal pegado (…) e confronta do Norte com o Largo do C (...) , sul com o número 5, nascente com a Travessa do C (...) ; poente com o número 3 e com a serventia que parte do portão, no largo do C (...) , para sul».

Vê-se pela planta que a parede que separa o lote 4 do lote 3 também delimita a serventia pelo lado poente, considerando o lote 4, o que implica que o leito da serventia esteja incluído no lote 4 e a dita parede entre os lotes 3 e 4 seja uma parede comum.

Conclui-se assim face à seguinte declaração exarada na escritura:

«Que as paredes divisórias dos referidos lotes, quer interiores, quer exteriores, se consideram comuns dos respetivos lotes que delimitam, na parte em que servem de divisão».

A composição (estrutura física) destes lotes 3 e 4 mostra que as respetivas casas de habitação já existiam em 1943, na altura da divisão, assim como existia o vão do portão que dava, como atualmente, para o Largo do C (...) e existia também fisicamente, como se vem referindo, o espaço identificado aí como serventia a partir desse portão em direção a sul.

O que mostra também que as casas de habitação desses lotes 3 e 4 tinham uma parede que ladeava e confinava com o espaço dessa servidão de passagem.

Estes factos são objetivos e resultam com clareza da planta anexa à escritura.

Trata-se de factualidade digamos «certa», pelo que servirá para enquadrar os depoimentos das testemunhas, prevalecendo sobre quaisquer depoimentos, dada a sua objetividade.

3 – Não se alude nos autos, incluindo os depoimentos das testemunhas, a quaisquer obras de demolição e reconstrução dessas casas de habitação que existiam à data da escritura, designadamente no que respeita a essas paredes que ladeiam e confinam o espaço (túnel) da servidão de passagem.

Tal não significa que alguma dessas casas não tenha sofrido alterações, designadamente com a construção de mais um piso.

O que se pretende realçar é que essas casas de habitação já estavam feitas à data da escritura da divisão e já existia o espaço de três metros entre elas que foi afetado na escritura de divisão a servidão de passagem, servindo os lotes 2, 3, 4, 5 e 6, não existindo qualquer indício de que tenha existido alguma reconstrução nessas paredes.

4 – Vê-se da fotografia de fls. 26, e mais claramente na fotografia do doc. 29, que ambas as casas de habitação, ao nível do rés-do-chão e nas paredes adjacentes ao leito da servidão, a seguir à entrada pelo portão que dá para o Largo do C (...) , tinham portas semelhantes em altura e largura, de ambos os lados, praticamente uma em frente à outra, notando-se que os vãos são semelhantes e até os segmentos de pedra, pilares, que delimitam ambos os vãos, são idênticos.

Esta simetria e semelhança entre as duas portas de casas de habitação diferentes, verificada num local interior, que não confina com a via pública, indicia que a construção de ambos os edifícios foi feita pelo mesmo dono, pois, caso contrário, outro dono teria feito um aproveitamento certamente diferente, porque raramente serão idênticos os gostos, os interesses ou os condicionamentos de proprietários diferentes.

Ou seja, como não existiam quaisquer condicionamentos estéticos ligados ao espaço público, cada proprietário dividiria a casa internamente como lhe aprouvesse e abriria uma porta onde fosse mais adequado fazê-lo de acordo com o aproveitamento interior do prédio.

Excetuando a janela, que só existe na parede do lado do prédio da Autora, a mesma simetria existe mais para sul.

Com efeito, em frente ao aparelho de ar condicionado que se vê na fotografia do doc. n.º 26, que serve a casa da Autora, existe na parede da casa dos Réus uma porta.

Em frente a esta porta aberta na casa dos Réus existe na parede da casa da Autora um espaço cuja única compreensão para a sua configuração é ter sido o vão de uma porta.

Efetivamente existe ali um vão, no espaço onde está fixado o aparelho de ar condicionado. É um espaço diferenciado do resto da parede e corresponde sem dúvida a um vão de porta que se encontra sem porta e tapado.

Além disso, verifica-se ainda que o espaço entre as duas casas de habitação, de Autora e Réus, está coberto, isto é, tem um teto, formando um túnel, vendo-se nas fotografias dos documentos de fls. 26, 27 e 28, traves de madeira que entram em ambas as paredes laterias e permitem sustentar o teto.

Muito embora uma estrutura deste tipo possa resultar do consenso de proprietários diferentes, a sua existência é bem mais provável se o proprietário for um só, porquanto sendo um só não carece de negociar como vizinho  e de obter acordo do mesmo, que nem sempre será dado.

5 – Este conjunto de elementos, ou seja, a (i) existência das casas de habitação e do corredor/serventia com a largura de 3 metros, à data da escritura de divisão; a (ii) simetria das portas em ambas as paredes laterias à serventia e o (iii) facto de não existir qualquer referência a quaisquer obras de demolição e reconstrução das paredes adjacentes ao espaço da servidão de passagem, indicam que as casas hoje de Autora e Réus, ao nível do rés-do-chão, são as mesmas casas que existiam na data da escritura, em 1943, porquanto, como se vem referindo, já são referidas nessa escritura e ninguém referiu que tenham sido demolidas e construídas de novo.

Esta convicção é reforçada pelo depoimento da testemunha (…) (prima direita da ré mulher), filha de M (…), irmã da mãe da Ré mulher.

Com efeito, a testemunha referiu (minuto 3.01) que todo aquele conjunto de prédios pertencia aos seus avós; a sua avó ficou com aquilo. Quando os filhos começaram a casar a avó da testemunha entendeu fazer partilhas para dar a todos uma casa (minuto 3.36).

Referiu (minuto 14:13) que a mãe da testemunha casou em 1940 e nessa altura a sua avó já tinha feito partilhas com os filhos (face à escritura a partilhas ocorreu só em 1943, se houve partilhas antes, foram verbais).

Sobre a mesma questão disse ainda (minuto 7.46) que «...aquelas casas que foram feitas a dar para esses quintais tinham cada uma de per si um bocado de acesso, porque aquilo eram quintais; quando as casas foram feitas, as da frente e as dos lados, a parte de trás, eram umas casas velhas onde me lembro, de ter vivido uma senhora que era fotógrafa (?), que depois foi inquilina dos meus pais a partir do momento em que a minha mãe herdou aquela casa e depois estava o quintal sem nada, com muros».

À pergunta (minuto 12:49) sobre se foram os avós da testemunha que construíram o prédio, a testemunha respondeu «foram», «foram sim», referindo que o seu avô morreu muito cedo, na «pneumónica» (12:59); acrescentando «foi a minha avó quem terminou as obras da casa que depois foi para a minha tia Restauração», foi a «última casa a acabar» (13:19).

 E que (minuto 13:39) era um prédio único «com os quintais que davam para a Rua R (...) e para a Travessa do C (...) .

Verifica-se deste depoimento que as casas que foram partilhadas tinham sido construídas pelos avós da testemunha, o que se harmoniza com a existência da aludida simetria entre as portas existentes em cada uma das casas que hoje são da Autora e dos Réus.

Claro que sempre se poderá dizer que a porta e janela foram abertas depois da escritura, pois isso não é uma impossibilidade física.

Mas o que releva para efeitos de convicção não é a possibilidade física especulativa, mas sim os elementos factuais que existem e estes mostram que essas casas e o espaço entre elas já existiam à data da escritura, pelo que não existindo o mínimo elemento que mostre ter existido qualquer alteração, impõem-se que se conclua que tais paredes e respetivas aberturas são as mesmas que existiam à data da escritura.

As regras da experiência também corroboram tal hipótese.

Com efeito, ficou claro pela escritura de 1943 a parede que se encontra na fronteira dos prédios da Autora e Réus é comum, como se declara na escritura.

Sendo assim, a abertura de uma porta e uma janela nessa parede, após a escritura de 1943, implicava que fossem abertas numa parede comum e que dessem acesso ao prédio de terceiro, que é hoje dos Réus, onerando-o e permitindo a sua invasão.

Tal evento, tal abertura de porta e janela, não podia deixar de ter a oposição firme dos proprietários do prédio que é hoje dos Réus, dado o grau de ofensa aos seus direitos.

E da parte dos então proprietários do prédio da Autora também não existia qualquer situação que psicologicamente os dispusesse para darem início a um litígio que claramente estava perdido à partida.

Ora, é de realçar que ninguém aludiu a um tal litígio, nem as partes nem as testemunhas, o que mostra que tal litígio nunca existiu e não existiu porque as respetivas condições necessárias, a abertura da porta e da janela posteriores a 1943, também não ocorreram.

No entanto, cumpre referir que isto que fica dito só se evidencia quanto à porta e à janela, já não quanto à cancela que dá acesso ao quintal do prédio da Autora.

Com efeito, ignora-se se à data da escritura de divisão o espaço de terreno amplo e sem edificações, destinado a quintais, situado nas traseiras das diversas casas assinaladas (com linha negra e larga) na planta junta à escritura de 1943, já se encontrava dividido nessa altura e além disso se já se encontrava delimitado por muros de acordo com o espaço reservado a cada quintal nessa planta.

Do mesmo modo se ignora se os contadores de consumo de água, já aí se encontravam quando foi feita a escritura de divisão.

Como os sinais visíveis e permanente têm de existir à data da divisão do prédio, tal não pode ser dito em relação à abertura relativa à cancela, por não se saber se nessa altura o muro que delimita hoje  o quintal já existia, nem aos contadores da água.

6 – Claro que esta conclusão coloca a seguinte questão: se já existia à data da escritura a utilização do espaço em questão como de passagem, se já existia a porta e janela nas paredes, por que razão foi constituída a servidão de passagem na escritura de divisão?

Afigura-se que esta dúvida não é impeditiva da conclusão a que se chegou acerca da realidade factual à data da escritura.

Desde logo, porque a inclusão da servidão na escritura se harmoniza com o cuidado que houve em delimitar os lotes com rigor (na escritura há medidas que assinalam «centímetros») e a definição exata dos termos da servidão inviabilizava futuras discussões entre os possuidores dos cinco lotes beneficiados.

Ou seja, não há incompatibilidade entre um determinado uso praticado num prédio e a posterior constituição, numa escritura pública de divisão do mesmo prédio, de uma situação jurídica correspondente a esse uso que vinha sendo feito.

7 – No que respeita à servidão de luz (parede com tijolo de vidro) resulta, face ao que acaba de ser dito, que não é possível formar a convicção de que a mesma existiria em 1943.

No espaço onde a mesma se encontra existiu primitivamente uma porta que foi tapada, pelo que esses tijolos de vidro são muito provavelmente posteriores à escritura.

Forma-se, pois, uma dúvida séria, não superada, sobre a sua existência em 1943.

8 – No que respeita à servidão de passagem para o quintal situado á retaguarda do prédio da Autora e acesso aos contadores de água.

Coloca-se a mesma dúvida.

Ignora-se a data da instalação do contador, designadamente se já aí se encontrava em 1943.

Ignora-se também quando a cancela terá sido aberta e, sendo assim, não pode afirmar-se que a cancela já existia à data da separação dos prédios.

Nãos e afigura provável que a cancela já existisse á datada separação porque o espaço à retaguarda dos prédios seria amplo e só terá sido delimitado com a escritura de divisão, pelo que só depois dela se terão construído os muros, no caso, o muro onde agora se encontra a abertura dessa cancela.

9 – Quanto ao não uso das servidões.

Os Réus pretendem mostrar que a servidão de passagem e a de vistas e arejamento não teve uso nos últimos 20 anos.

Tendo a contestação entrado em juízo a 13 de dezembro de 2018, os 20 anos coincidem com o lapso de tempo que vai de 13 de dezembro de 1998 e 13 de dezembro de 2018.

Os Réus invocam nesse sentido os depoimentos de algumas das testemunhas inquiridas, mas estes depoimentos indicados pelos Réus não permitem chegar a um consenso porquanto são contrariados por outros depoimentos.

Efetivamente, a testemunha (…), funcionário público da Divisão de Águas da Câmara de (...) , residente em (...) , referiu (minuto 3:37) que o 1.º contador do consumo de água, para quem entra no portão, localizado mais  próximo do pavimento, era do 1.º direito e que o outro contador a seguir (minuto 9.41), o inferior é do estabelecimento de ótica e o de cima é de (…) (respeita à habitação situada por cima da farmácia), pessoa que nunca conheceu. O contador da farmácia estava dentro da farmácia (minuto 12.50).

Referiu que fazia as leituras de água relativas a esses contadores há cerca de 32 anos, como funcionário camarário (minuto 7.21).  

Disse (minuto 11:43) que quando começou a fazer as leituras entrava pelo portão, o qual estava encostado, bastando empurrar, mas a dada altura, em data que já não recordava, talvez há meia dúzia de anos (minuto 13.11) encontrou o portão fechado (minuto 12.12), pelo que passou (minuto 13:29) a fazer a leitura entrando pela porta da farmácia e acedendo através do interior da farmácia ao corredor (serventia) onde estão colocados os contadores.

A dada altura (minuto 14:10), o contador da farmácia passou para o exterior e já não necessitava de entrar na farmácia para ler o contador e seguir depois para o tal corredor, para fazer outras leituras.

Nestas condições, referiu que (minuto 15.13) tendo encontrado a pessoa que explorava ao estabelecimento de ótica (o Sr. (…)) falou com ele relativamente ao acesso ao contador da ótica e ele disse-lhe que existia acesso pelo interior do seu estabelecimento ao dito corredor, tendo-lhe aberto a porta que dá para esse corredor e procedeu assim à leitura do contador de água, tendo referido (minuto 17:16) que essa porta estava funcional.

Cumpre salientar que estes factos relativos ao contato com dono da ótica (Sr. (…)y) são posteriores a 2013, dado que o contrato de arrendamento do espaço onde funciona a ótica (prédio da Autora) é de outubro de 2013 (cfr. doc. 8 da P.I.).

A testemunha ainda referiu que o 1.º andar da casa da Autora tem acesso por umas escadas que se veem no doc. 30 da petição, pelas quais passou muitas vezes quando acompanhava a sua esposa, a qual se deslocava a esse 1.º andar devido ao facto de trabalhar aí a sua cabeleireira. Como a sua esposa tinha receio de descer as escadas que davam acesso direto desse 1.º andar à rua (Largo do C (...) ) por serem muito inclinadas, então desciam pelas escadas das traseiras que davam acesso ao quintal do prédio e daí passavam pelo dito «corredor» até á rua, tendo dito que deixou de passar (minuto 8.08) nessas escadas situadas na retaguarda há uns 17 anos.

Verifica-se através deste depoimento que nos últimos 20 anos a testemunha sempre acedeu ao corredor, que é a dita passagem, quer para acompanhar a esposa à cabeleireira, quer para fazer as leituras da água relativas ao prédio da Autora, tendo acedido inclusive através da porta que dá acesso à passagem a partir do prédio da Autora, quando o contador do estabelecimento de farmácia foi deslocado para o exterior (para a rua), situação que ocorreu após o ano de 2013.

Este depoimento contraria, pois aquilo que em sentido contrário foi dito pelas testemunhas mencionadas pelos Réus, cujos depoimentos corroboram de facto a tese destes.

O depoimento da testemunha (…) (empregada de balcão, residente em (...) , funcionária dos legais representantes da Autora) também contraria esses outros depoimentos.

Esta testemunha referiu que trabalhou durante 5 anos, desde 2001, na loja situada do lado direito do estabelecimento de ótica que se encontra a funcionar no prédio da Autora e referindo-se ao portão de acesso à passagem disse que o portão (minuto 4.14) em causa estava sempre aberto ou semi-aberto e que apenas há alguns anos passou a estar fechado (minuto 4.20).

Referiu que em certo dia, há 13/14 anos atrás (minuto 5.27)) foi falar com a D. (…) (residente no 1.º andar do prédio da Autora) porque havia água a pingar na loja onde trabalhava (minuto 4:57) e que, para o efeito, entrou no portão em causa, passou pelo «corredor» e abriu depois uma cancela e subiu as escadas que dão acesso ao 1.º andar (minuto 6.11).

Estes dois depoimentos opõem-se aos restantes, pelo que não podem, ambos os conjuntos, corresponder à realidade; se um conjunto de depoimentos coincide com a realidade histórica, o outro não coincide.

Afiguram-se mais credíveis estes últimos dois depoimentos, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, verifica-se que a oposição entre os depoimentos é aparente, na medida em que as testemunhas que favorecem a tese dos Réus não afirmaram, nem podiam afirmar, que nos últimos 20 anos nunca ninguém ligado ao prédio da Autora utilizou a passagem, bem como a porta que no prédio da Autora abre para essa passagem. O que as testemunhas referiram foi que segundo a perceção delas não viram ser feita tal utilização, à exceção do funcionário camarário que fazia contagem dos contadores da água.

Em segundo lugar, as regras da experiência não favorecem a hipótese da ausência de uso da passagem e porta, porquanto isso só ocorreria se o imóvel da Autora tivesse estado continuamente desabitado, isto é, encerrado nos últimos 20 anos e isso não aconteceu.

Com efeito, o 1.º andar esteve habitado nestes últimos 20 anos e tinha acesso, através de escadas, ao quintal situado nas suas traseiras, onde existe inclusive uma cancela que dá acesso à passagem, que, por sua vez dá acesso à rua, ao Largo do C (...) .

Ora, estas escadas de acesso ao 1.ª andar da casa da Autora, cancela de acesso à passagem e acesso à rua através dessa passagem, são factos objetivos cuja função e sentido qualquer pessoa compreende só pela mera observação, porquanto revelam que ali existe um percurso, um caminho, que se destina a ser percorrido por pessoas, pelo que não é conjeturável que as pessoas que habitavam nesse 1.º andar nunca tivessem utilizado tal percurso, desde logo para limpar o quintal.

Ou então, que tais pessoas a partir de determinada altura tivessem deixado de utilizar tal percurso, pois colocava-se a questão de saber por que o fizeram e não se conseguiria encontrar uma resposta que explicasse esse comportamento omissivo.

Um terceiro que fosse limpar o quintal, caso existisse um caminho alternativo pelo exterior da habitação, como era o caso, não passaria pelo interior da residência, fosse pelo 1.º andar ou pelo estabelecimento comercial situado no rés do chão.

A testemunha (…) (filho da (…), cabeleireira que viveu no 1.º andar do prédio da Autora) confirmou este facto. Muito embora tivesse dito que a sua mãe apenas se servia da serventia, do “corredor”, com autorização dos Réus e familiares destes, e que o portão estava sempre fechado com tranca interior, referiu, no entanto, que o lixo do jardim da casa onde habitava era retirado pelo portão em causa, logo através do mencionado «corredor».

Em terceiro lugar, o depoimento da testemunha (…) não foi desmentido por quaisquer outras testemunhas ou factos conhecidos e harmoniza-se com a situação existente.

Com efeito, carecendo ele de fazer a leitura dos contadores de água,tinha de entrar na passagem e referiu que passou a fazer essa leitura entrando pela casa da Autora (estabelecimento de ótica) a partir do momento em que a farmácia situada no edifício dos Réus passou a ter o contador da água na rua. E para aceder ao contador fazia-o através da porta do rés-do-chão onde está instalada a ótica que dá acesso á passagem (a porta da fotografia do doc. 27 da petição inicial).

10 – Tendo em consideração esta convicção geral que fica explanada, ou seja, que a divisão dos prédios ocorreu em 1943, com as áreas de implantação exaradas na planta anexa à escritura de divisão; que as paredes que ladeiam a passagem e a própria passagem coberta por um teto, formando um corredor, com as portas existentes em ambas as paredes laterais já existiam à data da divisão; e que não resulta provado que quer a passagem quer a porta de acesso à passagem, quer o portão não tivessem sido utilizados por pessoas ligadas ao prédios da Autora desde 1998 até à data da contestação reconvenção (2018), passa-se a analisar a impugnação da matéria de facto.

Facto provado 5 – «Em 30/03/1989, em consequência da referida divisão, o primeiro desses dois prédios, com o novo artigo matricial 6839.º, continuou a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , freguesia de (...) , sob o mesmo n.º 00439/190785, tendo agora a sua descrição passado a ser “Casa de r/c destinada a comércio e 1.º andar para habitação, logradouro e terreno anexo – S.C.183m2, L.62m2 e Terr. Anexo 162m2”, em resultado da Ap. 20/300389-Av1 (cfr. Doc. 2) [9.º P.I.]».

Os Réus pretendem que se intercale a palavra «matricial» a seguir a «referida divisão», ficando «referida divisão matricial…».

Justifica-se esta pretensão.

Como a divisão real foi feita em 1943, a divisão a que se refere este facto só tem significado como divisão matricial.

Porém, alterando-se este facto «5», igual alteração terá de ser feita no facto «4» para não quebrar a compreensão.

Acrescentar-se-á «matricial» a seguir a divisão, quer no facto 5, quer no facto 4.

Facto provado 50 – «Franqueando-se o referido portão e entrando no supra mencionado “corredor” (ou caminho), do lado direito, na parede que delimita o prédio actualmente da autora, constata-se a existência de uma porta e de uma janela desse prédio para esse “corredor” (cfr. as quatro fotos que aqui se juntam nos Docs. 27 e 28) [58.º P.I.]».

Os Réus pretendem que o segmento «que delimita o prédio actualmente da autora» seja eliminado porquanto resulta da escritura de divisão junta com o recurso que essa parede é comum.

Corresponde à realidade histórica que na escritura de divisão, como já se deixou assinalado acima, ficou estabelecido que essa parede era comum.

Procede, pois a impugnação.

Para o efeito, elimina-se apenas o segmento «…que delimita o prédio actualmente da autora», ficando «do lado direito, na parede, constata-se…».

Facto provado 52 – «Depois, continuando a percorrer-se esse “corredor” (ou caminho) em direcção ao pátio interior do edifício vêem-se ainda sinais de uma abertura para a mesma unidade do prédio da autora (cfr. a fotografia junta como Doc. 29) [60.º P.I.]».

Pretende-se que seja declarado «não provado» por inexistência de prova produzida.

Improcede esta pretensão.

Como já se referiu acima, em frente ao aparelho de ar condicionado que se vê na fotografia do doc. n.º 26, que serve a casa da Autora, existe na parede da casa dos Réus uma porta.

Ora, em frente a esta porta dos Réus existe na parede da casa da Autora um vão, espaço este cuja única compreensão para a sua configuração é ter sido o vão de uma porta.

Efetivamente existe ali um vão; tal espaço, onde está fixado o aparelho de ar condicionado, é um espaço diferenciado do resto da parede e corresponde a um vão de porta que se encontra sem porta e tapado.

Esse espaço é manifestamente um vão de uma porta que aí existiu.

Facto provado 59 – «O “contador” da água que serve a referida unidade do rés-do-chão do prédio da Autora (a unidade com entrada pelo número de polícia 10 do Largo do C (...) ) está embutido na parte de fora da parede da mesma, à direita de quem acabou de entrar pelo portão que vem da rua; isto é, na parte dessa parede virada para o dito “corredor” (ou caminho) (cfr. as fotos inseridas no Doc. 31 ora junto) [67.º P.I.].

Os recorrentes alegam que a parede aqui referida é a parede poente do prédio que lhes pertence.

Tal afirmação corresponde de facto ao que se encontra referido na escritura de divisão de 1943.

Satisfaz-se a pretensão dos Réus retirando do texto o segmento «da mesma» («…parte de fora da parede da mesma …).

Facto provado 61 – «O que também já acontece desde o tempo em que o prédio era um apenas, antes de 1988, ainda antes dessa data já quem vinha fazer a leitura desse contador a ele acedia pelo portão (então sempre aberto) a que corresponde o nº 12 do Largo do C (...) [69.º P.I.]».

Os Réus, face à escritura de divisão que juntaram com as alegações de recurso, entendem que a divisão data de 1943, devendo ficar provado este facto em vez da data 1988.

Esta pretensão quanto à data está correta face ao teor da mencionada escritura.

Porém, o facto refere-se também às leituras do contador de água e quanto a este facto apenas se sabe pelo depoimento da testemunha (…) que ele, tendo em conta a data em que prestou depoimento (outubro de 2019), já fazia as leituras há 32 anos.

Ignora-se a data da instalação do contador, designadamente se já aí se encontrava em 1943.

Assim, o facto tem de deixar de referir a data de 1988 como sendo a ada divisão e conter apenas a data das leituras, ou seja;

«O que já acontece desde 1987, data em que o funcionário (…) dos serviços municipais vinha fazer a leitura desse contador e a ele acedia pelo portão (então sempre aberto) a que corresponde o n.º 12 do Largo do C (...) [69.º P.I.]».

Isto implica que se façam outras correções para não subsistirem contradições, relativamente à data da divisão, nomeadamente nos factos provados do n.º 62, onde se substituirá (separação esta que ocorreu em 03/02/1988), por «(separação esta que ocorreu em 11/06/1943)».

Factos provados 63 e 64 – «Desde essa altura que se usavam a porta, a janela e a pequena cancela acima referidas [71.º P.I.]» e «Sempre assim se procedeu, nomeadamente quando todo o edifício (que corresponde aos dois prédios hoje autonomizados) era apenas um único prédio urbano [72.º P.I.]».

A convicção para manter estes factos provados é a que ficou exposta acima, salvo em relação à pequena cancela, pelo que o facto 63 terá esta redação «63. Desde essa altura que se usavam a porta e a janela acima referidas [71.º P.I.].

Factos provados 66 e 67– «Até ao momento em que a 1.ª Ré adquiriu o prédio em causa, em 2009, o portão estava sempre aberto, principalmente durante o dia [75.º e 76.º P.I.]»; e «Permitindo aos sucessivos proprietários do prédio actualmente da autora usar o mencionado corredor para aceder às referidas unidades desse seu prédio [77.º P.I.]».

Do depoimento da generalidade das testemunhas indicadas pelos Réus resulta que o portão estava habitualmente fechado e que o mesmo só abria por dentro.

Já a testemunha (…) referiu (minuto 11:43) que quando começou a fazer leituras (dos contadores) entrava pelo portão, o qual estava encostado, bastando empurrar, mas a dada altura, em data que já não recordava, talvez há meia dúzia de anos (minuto 13.11) encontrou o portão fechado (minuto 12.12), pelo que passou (minuto 13:29) a fazer a leitura entrando pela porta da farmácia e acedendo através do interior da farmácia ao corredor (serventia).

Dá-se credibilidade a este depoimento porque, por um lado, se trata de pessoa que se encontra a depor só pelo facto de ser funcionário camarário, de não ter interesse na causa ou ter quaisquer relações com as partes e, por outro, porque existindo à retaguarda da casa da Autora um quintal pertencente ao  1.º andar da casa da Autora, com cancela se acesso para a «serventia»  e através desta para o Largo do C (...) , não se vê qualquer razão para, perante estes factos objetivos, adquiri a convicção de que os proprietários e os utilizadores desse quintal não tinham a convicção de que ali existia uma passagem a seu favor e não fizessem uso dela, exigindo, claro está, que o portão estivesse aberto ou pelo menos que não estivesse fechado com chave (o facto do portão estar fechado, desde que não fosse com chave, não impedia a circulação do interior para o exterior, mas só do exterior para o interior, situação esta que não impedia a circulação, pois os arrendatários da Autora vindo da rua não necessitavam de entrar pelo portão, pois tinham a entrada principal dos respetivos edifícios para entrar).

Estes factos permanecerão sem alteração.

Factos provados 68, 70, 72 – «Só após a aquisição, pela 1.ª Ré, do seu prédio (sensivelmente no ano de 2009) o portão passou a estar fechado [78.º P.I.]»; 70 «A 1.ª Ré tem, pois, impedido todo e qualquer acesso ao prédio da autora através do referido portão (com o nº 12 do Largo do C (...) ) [80.º P.I.]»; 72 «Desde há cerca de seis anos, por ter encontrado fechado o portão de entrada do n.º 12, que o funcionário municipal passou a solicitar na Farmácia (…) autorização para entrar no “corredor” acima mencionado para fazer a leitura do contador de água [84.º Cont.]».

Estes factos permanecerão provados por resultarem do teor geral dos depoimentos. Apenas se fará uma especificação no facto 70 para dizer que o impedimento se verifica apenas para quem vem do exterior, não para quem está no interior, pois não consta que os Réus tenham colocado fechadura com chave no portão.

O facto 70 ficará assim: «A 1.ª Ré tem, pois, impedido todo e qualquer acesso ao prédio da autora através do referido portão para quem vem do exterior»

Facto provado 93 – «Até ao momento da aquisição pela 1.ª Ré do prédio acima identificado, em Agosto de 2009, o portão estava sempre aberto e usavam aquele “corredor” quer os arrendatários habitacionais da autora (para acederem ao seu logradouro pela cancela visível nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 30), quer os sucessivos arrendatários do que hoje é uma loja de óptica (para acederem à porta visível nas fotografias juntas à petição inicial como Docs. 26 e 27), quer outras pessoas tais como o funcionário camarário que fazia a leitura dos consumos registados pelos contadores visíveis nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 31, para aceder a estes [15.º Réplica].

Este facto permanecerá provado pela razões indicadas atrás a propósito do factos provados 66 e 67

Factos provados 96 e 98 – «A janela e a porta que dão para o aludido “corredor” (cfr. as fotografias juntas à petição inicial como Docs. 27 e 28) permitem a entrada de luz e ar para o interior dessa unidade suscetível de utilização independente [28.º R.]; e «Os tijolos de vidro permitem a entrada de luz natural no interior daquela parte do prédio da autora [31.º R.]».

Estes factos permanecerão provados porque se trata de matéria objetiva, ou seja, a função daquela porta, daquela janela e dos tijolos de vidro é essa mesma, caso contrário não existiam.

Coloca-se questão de saber se esses tijolos de vidro existiam em 1943. Já acima se disse que não há prova de tal. Porém, neste facto não se alude a qualquer data.

Quanto aos factos declarados «não provados».

Facto não provado d) – «Que, como se pode aceder à via pública diretamente (Largo do C (...) e Rua T(...) ) do prédio da Autora, não existe qualquer vantagem para o seu prédio, passar pelo prédio pertencente à 1.ª Ré [17.º Cont.]».

Deve permanecer não provado porque existe vantagem em passar pelo dito «corredor» quer para aceder ao quintal, quer à porta que dá para o corredor. Se a porta foi aí aberta é porque se pretendeu com ela obter alguma vantagem, ou seja, passar de um lado para o outro.  

Facto não provado g) – «Que há mais de 30 anos ou 40 anos, a porta, a janela e a cancela se encontram sempre encerradas [32.º e 68.º Cont.]».

Este facto deve continuar não provado pelas razões que vêm sendo referidas: tem existido utilização da cancela para aceder ao quintal, desde logo para limpezas e a porta tem sido utilizada pelo menos pela testemunha C F(...) para fazer a contagem da água. Quanto à janela não há prova de que não tenha sido aberta, desconhecendo-se se o local carece de arejamento ou não.

Facto não provado m) – «O pátio e parte do chamado corredor não fazem parte integrante do prédio da ora demandada, identificado na Petição Inicial [76.º Cont.]»

Este facto deve ser dado como provado, pois resulta da escritura de divisão junta com o recurso, que a parede nascente da cassa da Autora é comum (com o prédio dos Réus), logo o prédio da Autora não se prolonga para além dessa parede e esse pátio e corredor ficam situados para nascente da parede.

Passará a ser um facto provado.

Facto provado o) – «Que o então dono do prédio da ora A., o Sr. (…) pediu para ser colocado o contador de água, dado que naquele local a parede do prédio da ora demandada já havia sido furada para colocação do contador da água para a casa da Srª (…) [79.º Cont.]».

Deve manter-se como «não provado», porquanto a prova produzida não permite adquiri convicção positiva a tal respeito.

Facto provado p) – «A então dona, (…) consentiu em tal colocação, atentas as boas relações de vizinhança que desde sempre manteve com os seus arrendatários, bem como, com os arrendatários do prédio que ora pertence à A. [80.º Cont.]».

Deve manter-se como «não provado» porquanto a prova produzida não permite adquiri convicção positiva a tal respeito.

Facto provado q) – «Que o então dono do prédio da ora A., Sr. (…)sempre reconheceu que os contadores estavam instalados na parede do prédio ora pertencente à demandada (…) e com consentimento da então dona [81.º Cont.]».

Deve manter-se como «não provado» porquanto a prova produzida não permite adquiri convicção positiva a tal respeito.

Facto provado s) – «Que a leitura do contador de água acima referido sempre foi feita com a entrada do funcionário dos serviços do Município de (...) pela porta do prédio da ora demandada (…) mais propriamente pelo do rés-do-chão onde está instalada a Farmácia (…) [83.º Cont.].

Este facto deve permanecer «não provado» pelas razões já indicadas atrás sobre esta matéria com base no depoimento do próprio funcionário.

Facto provado t) – «Que através daquele portão, apenas os donos do prédio e os funcionários da Farmácia, tinham acesso a partir do Largo do C (...) aos armazéns de apoio à Farmácia, que abriam sempre que necessitavam de transportar os produtos para o armazém e de imediato o fechavam [86.º Cont.].

Este facto deve permanecer «não provado» pelas razões já indicadas atrás sobre o mesmo assunto.

Facto provado v) – «Que o portão sempre teve uma chave a qual foi passando para a posse dos sucessivos donos e encontra-se actualmente na posse dos ora demandados [101.º Cont.]».

Este facto deve permanecer «não provado» pelas razões já indicadas atrás sobre a mesma matéria.

Facto provado y) – «Que em virtude das boas relações sociais o anterior dono do prédio que ora pertence à reconvinte, deu consentimento [126.º Cont./Reconv.]».

 Este facto deve permanecer «não provado» pelas razões já indicadas atrás sobre a mesma matéria.

Facto provado aa) – «Que, face ás boas relações de vizinhança, ali foram colocados com o consentimento da então dona do prédio que ora pertence à ora reconvinte [129.º Cont./Reconv.]»

Este facto deve permanecer «não provado» pelas razões já indicadas atrás sobre a mesma matéria.

d) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. Pelo menos desde 1968 que estava inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 3866.º, do concelho de (...) , da freguesia de (...) , o seguinte prédio urbano: “Casa de habitação com 4 divisões no rés do chão, das quais 3 se destinam a comércio e indústria e 16 divisões no 1.º andar, com a superfície de 392m2, com dependências que têm a superfície de 80m2, e terreno anexo que mede 100m2, a confrontar do norte com Largo do C (...) , sul com o proprietário e do poente com Rua do C (...) ”, com os seguintes titulares:

- J (…) (1/2);

- M (…) (1/2);

E onde consta o “Apuramento do rendimento por habitação e divisões suscetíveis de arrendamento separado” dos anos de 1968, 1970, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986, 1987, entre outros, relativo ao estabelecimento de “farmácia” (cfr. Docs. 2 e 3) [5.º P.I.].

2. Desde 19/07/1985 que estava descrito na Conservatória do Registo Predial o seguinte prédio urbano: “casa de rés-do-chão, destinado a comércio e indústria e 1º andar, destinado a habitação – S. C. 392 m2; dep. 80 m2; e terreno anexo: 100 m2 – norte, Largo do C (...) ; nascente, Travessa do C (...) ; - sul, (…) e poente, Rua do C (...) . Artigo 3866” (cfr. a certidão da descrição e inscrições do prédio na Conservatória do Registo Predial, freguesia e concelho de (...) , sob o nº 00439/190785, como Doc. 2) [4.º P.I.].

3. Desde 19/07/1985 que a propriedade do referido prédio estava inscrita no aludido registo predial a favor de J (…), na qualidade de viúvo, por sucessão hereditária por óbito de M (…)(cfr. a inscrição G-1 (ap. 11/190785) da certidão da descrição e inscrições do prédio – cfr. Doc. 2) [6.º e 7.º P.I.].

4. Em 03/02/1988 o referido prédio urbano, com o artigo matricial 3866.º, foi matricialmente dividido em dois diferentes prédios urbanos, a que foram atribuídos os artigos matriciais 6839.º e 6840.º (cfr. a folha 4 da certidão da matriz predial em papel, junta como Doc. 3 e caderneta predial actual do primeiro destes dois novos prédios, com o artigo 6839.º – junta como Doc. 4) [8.º P.I.].

5. Em 30/03/1989, em consequência da referida divisão matricial, o primeiro desses dois prédios, com o novo artigo matricial 6839.º, continuou a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , freguesia de (...) , sob o mesmo n.º 00439/190785, tendo agora a sua descrição passado a ser «Casa de r/c destinada a comércio e 1º andar para habitação, logradouro e terreno anexo – S.C.183m2, L.62m2 e Terr. Anexo 162m2», em resultado da Ap. 20/300389-Av1 (cfr. Doc. 2) [9.º P.I.].

6. Em 1993 este prédio foi adquirido por M (…), por legado daquele anterior proprietário, J (…) (cfr. a inscrição G-2 (Ap. 24/020293) constante da certidão como Doc. 2) [10.º P.I.].

7. No ano de 2002 desse prédio foi destacado um outro (que recebeu a descrição nº 15.543 da freguesia de (...) ), tendo, em consequência disso, o prédio passado a ter apenas a superfície coberta de 183 m2 e um logradouro de 62 m2 (cfr. na descrição do prédio aqui junta como Doc. 2, os averbamentos decorrentes das apresentações 04/020109 e 16/090102) [11.º P.I.].

8. A propriedade deste prédio (a que cabe o artigo matricial 6839) foi posteriormente, por escritura pública de permuta lavrada no Cartório Notarial da (…) em 26 de agosto de 2005, transmitida por aquela M (…) à sociedade aqui Autora (cfr. certidão de escritura pública como Doc. 5) [12.º P.I.].

9. Em virtude de tal permuta a propriedade deste prédio encontra-se atualmente inscrita a favor da autora (cfr. a certidão permanente do registo predial com o código de acesso PP-1649-62093-101509-000439 aqui junta como Doc. 6) [13.º P.I.].

10. A autora é a atual proprietária inscrita do tal prédio (inscrito agora na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 6839 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 439 da mesma freguesia – cfr. Doc. 6) [14.º P.I.].

11. Desde a data em que o adquiriu (em 26 de agosto de 2005), a Autora vem praticando naquele prédio os mais diversos atos de posse do mesmo – de boa-fé, de forma pacífica e pública, na convicção (correta, aliás) de que não violava (como efetivamente não viola) o direito de quem quer que seja [17.º P.I.].

12. Aquando da aquisição do prédio pela aqui autora as diversas unidades em que ele se compõe (duas no 1º andar, uma delas habitacional e a outra para comércio, e três, todas destinadas a comércio, no rés-do-chão) encontravam-se arrendadas [18.º P.I.].

13. A autora manteve esses arrendamentos e, posteriormente, face à cessação de um deles, arrendou a respectiva unidade para comércio do rés-do-chão (onde agora funciona uma loja de óptica) a um novo arrendatário (cfr. Docs. 7 a 9) [19.º P.I.].

14. A autora tem assim, actualmente, como arrendatários do seu prédio [20.º P.I.]:

a) D (…), que é arrendatária das unidades (uma habitacional e outra para comércio) do 1º andar (cfr. Docs. 10 e 11);

b) L (…), que é arrendatária da unidade para comércio do rés do chão com entrada pelo nº 9 da Rua T(...) (cfr. Doc. 12);

c) A sociedade «D (…), Lda.», que é arrendatária da unidade para comércio do rés-do-chão com entrada pelos nºs 2 e 4 do Largo do C (...) (cfr. Doc. 13); e

d) A sociedade «J (…)Ld.a., que é arrendatária da unidade para comércio do rés-do-chão com entrada pelo n.º 10 do Largo do C (...) (cfr. Docs. 8 e 9).

15. Desde agosto de 2005 (data em que adquiriram o prédio) que a autora sempre ao longo dos anos recebeu e fez suas as rendas devidas por aqueles arrendamentos (cfr. Docs. 7 a 13) [21.º P.I.].

16. Relacionando-se, enquanto senhoria, com os arrendatários [22.º P.I.],

17. Perante os arrendatários exercendo e cumprindo os direitos e deveres inerentes a essa sua qualidade, de proprietários [23.º P.I.]:

18. Reclamando e, como se disse já, recebendo as rendas (cfr. Docs. 7 a 13) [24.º P.I.],

19. E recebendo as reclamações referentes à situação dos locados [25.º P.I.].

20. E intentando mesmo, enquanto senhoria e proprietária, ação judicial de resolução dos contratos de arrendamento do primeiro andar [26.º P.I.].

21. Pagando, ao longo de todos estes anos, os impostos devidos pelo facto de ser proprietária do prédio – anteriormente a contribuição autárquica, atualmente o Imposto Municipal sobre Imóveis (cfr. as notas de cobrança do IMI pagas nos anos de 2014 a 2018 e de que aqui se juntam cópias como Docs. 14 a 20) [27.º P.I.].

22. E em tudo o mais se comportando como proprietária daquele prédio, que efetivamente era e é [28.º P.I.].

23. Em todos esses atos tendo agido na convicção de que tudo assim fazia em prédio que era seu e, por isso, na absoluta certeza de não estar a lesar o direito de outrem [29.º P.I.],

24. Sempre (desde agosto de 2005, mês em que adquiriram o prédio – cfr. Doc. 5) sem qualquer interrupção ou hiato [30.º P.I.],

25. Sem nunca ter tido a oposição de quem quer que haja sido [31.º P.I.]

26. E sempre à vista e com conhecimento de toda a gente [32.º P.I.].

27. Acresce que a antepossuidora do imóvel – a supra referida M (…) – tinha, também ela, praticando relativamente ao imóvel idênticos atos de posse desde que o adquiriu (como se disse, em 1993) e até que o permutou à autora (em Agosto de 2015) [33.º P.I.],

28. Também ela tinha as diversas unidades em que se compõe o imóvel arrendadas a terceiros [34.º P.I.],

29. Dos quais recebia e arrecadava as rendas (cfr. Docs. 21 a 23) [35.º P.I.],

30. E com os quais se relacionava enquanto proprietária e senhoria [36.º P.I.].

31. E também aquela M (…) pagava os impostos relativos àquele imóvel [37.º P.I.].

32. Em tudo se comportando, ela também, nesse período de tempo, como proprietária – que efetivamente era – daquele prédio [38.º P.I.],

33. Agindo sempre na convicção de que tudo assim fazia em prédio que era seu e, por isso, na absoluta certeza de não estar a lesar o direito de outrem [39.º P.I.],

34. Sempre, desde 1993 até agosto de 2005, sem qualquer interrupção ou hiato [40.º P.I.],

35. Sem nunca ter tido a oposição de quem quer que haja sido, e sempre à vista e com conhecimento de toda a gente. [41.º P.I.].

36. A autora pretende juntar à sua a posse daquela antecessora [42.º P.I.],

37. Assim se computando um período total de posse com as indicadas características de mais de 25 anos [43.º P.I.].

38. Em 30/03/1989, o segundo desses dois prédios em que se dividiu o mencionado prédio urbano sob o art. 3866.º, recebeu o artigo matricial 6840.º, o qual deu origem ao atual artigo matricial 12857.º (cfr. a respetiva caderneta predial atual - Doc. 24) [46.º P.I.]

39. Este prédio está atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 13505/20000613 da freguesia de (...) , encontrando-se a sua propriedade inscrita a favor da 1.ª Ré (cfr. Doc. 25) [47.º P.I.].

40. Os referidos prédios da autora e da 1.ª Ré são contíguos, confrontado o lado leste (ou nascente) do prédio da autora com o lado oeste (ou poente) do prédio da 1.ª Ré [48.º P.I.].

41. Os dois prédios mencionados são os que se podem ver na fotografia aqui junta como Doc. 1 [49.º P.I.].

42. A fachada visível na fotografia aqui junta como Doc. 1 é a confrontação dos prédios com o Largo do C (...) , virada a norte [50.º P.I.].

43. Sendo o prédio da Autora o que se situa do lado direito (com a pintura renovada) e o da 1.ª Ré o que se situa do lado esquerdo (com a pintura mais degradada) [51.º P.I.].

44. Em concreto, nessa fachada virada para o Largo do C (...) , as cinco portas mais à esquerda (isto é, do lado leste ou nascente) e o portão central correspondem ao prédio da 1.ª Ré, já as cinco portas mais à direita (ou seja, lado oeste ou poente) correspondem ao prédio da sociedade aqui Autora [52.º P.I.].

45. Sendo que aquele prédio da 1.ª Ré é identificado quer na matriz quer na descrição na Conservatória do Registo Predial (cfr. Docs. 24 e 25) como situando-se ao número de polícia 12 do Largo do C (...) , precisamente o número de polícia que cabe ao portão central da mencionada fachada [53.º P.I.].

46. O acesso que ao logradouro interior do imóvel se faz através desse portão central integra-se no prédio propriedade da 1.ª Ré [54.º P.I.].

47. Esse portão dá para um «corredor» (ou caminho), transitável a pé ou de carro, que conduz a um pátio interior do prédio, pátio esse a céu aberto (cfr. a fotografia aqui junta como Doc. 26) [55.º P.I.].

48. Todas as «unidades susceptíveis de utilização independente» que compõem o prédio da autora (cfr. a caderneta predial aqui junta como Doc. 4) têm acesso direto através da rua, incluindo pelo largo do C (...) [56.º P.I.].

49. Acontece que duas dessas unidades têm também possibilidade de acesso através do «corredor» (ou caminho) e do pátio referidos no artigo 55.º supra:

a) da unidade do rés-do-chão destinada a comércio (onde funciona uma loja de ótica) com entrada, da rua, pelo número de polícia 10 do Largo do C (...) ; e

b) da unidade do 1.º andar destinada a habitação com entrada pelo n.º 11 da Rua T(...) [57.º P.I.].

50. Franqueando-se o referido portão e entrando no supra mencionado «corredor» (ou caminho), do lado direito, na parede, constata-se a existência de uma porta e de uma janela desse prédio para esse «corredor» (cfr. as quatro fotos que aqui se juntam nos Docs. 27 e 28) [58.º P.I.].

51. Porta essa que permitia passar dessa parte do prédio da autora (onde funciona o estabelecimento de ótica) para o mencionado «corredor» (ou caminho) existente no prédio da 1.ª Ré, e vice-versa [59.º P.I.].

52. Depois, continuando a percorrer-se esse «corredor» (ou caminho) em direção ao pátio interior do edifício vêem-se ainda sinais de uma abertura para a mesma unidade do prédio da autora (cfr. a fotografia junta como Doc. 29) [60.º P.I.].

53. Entrada essa que, em data que a autora ignora, foi fechada e transformada numa janela (cfr. Doc. 29) [61.º P.I.].

54. A qual, também ela (e em data também ignota), foi fechada, a tijolo rebocado na sua parte inferior e a tijolo de vidro na sua parte superior (cfr. Doc. 29) [62.º P.I.].

55. Permitindo, assim, com essa sua parte fechada a tijolo de vidro, a entrada de luz para aquela unidade do prédio da Autora [63.º P.I.].

56. Depois, prosseguindo novamente através daquele «corredor» (ou caminho) em direção ao pátio interior do edifício, constata-se (sempre do lado direito) um pequeno portão ou cancela que dá para o logradouro do prédio da Autora – cfr. as fotos aqui juntas no Doc. 30 [64.º P.I.].

57. Logradouro esse a que também se acede através da unidade habitacional do 1.º andar, por intermédio duma escada que desse 1.º andar conduz àquele logradouro – cfr. Doc. 30 [65.º P.I.].

58. O referido portão ou cancela permitem, pois, aceder desse logradouro do prédio da autora para o mencionado “corredor” ou caminho (e pátio a que conduz) do prédio da ré, e vice-versa (cfr. Doc. 30) [66.º P.I.].

59. O «contador» da água que serve a referida unidade do rés-do-chão do prédio da Autora (a unidade com entrada pelo número de polícia 10 do Largo do C (...) ) está embutido na parte de fora da parede, à direita de quem acabou de entrar pelo portão que vem da rua; isto é, na parte dessa parede virada para o dito “corredor” (ou caminho) (cfr. as fotos inseridas no Doc. 31 ora junto) [67.º P.I.].

60. Apenas a ele se acedendo por esse «corredor» (ou caminho) (cfr. Doc. 31) [68.º P.I.].

61. O que já acontece desde 1987, data em que o funcionário (…) dos serviços municipais vinha fazer a leitura desse contador e a ele acedia pelo portão (então sempre aberto) a que corresponde o nº 12 do Largo do C (...) [69.º P.I.].

62. Desde altura não concretamente apurada, mas seguramente desde data anterior à separação do prédio em dois prédios distintos, separação esta que ocorreu em 11 de junho de 1943, que se acedia às referidas partes do prédio que hoje são propriedade da Autora através desse «corredor» (ou caminho) que hoje integra o prédio da 1.ª Ré [70.º P.I.].

63. Desde essa altura que se usavam a porta e a janela acima referidas [71.º P.I.].

64. Sempre assim se procedeu, nomeadamente quando todo o edifício (que corresponde aos dois prédios hoje autonomizados) era apenas um único prédio urbano [72.º P.I.].

65. Já após a separação dos prédios, a própria descrição matricial do prédio atualmente da autora (em época em que mesmo relativamente aos prédios urbanos era feita referência às respetivas confrontações) refere expressamente que este confronta do Nascente com “M (…) e serventia” (precisamente a segunda antepossuidora do prédio atualmente da ré – cfr. o sujeito passivo na inscrição de aquisição decorrente da Ap. 2 de 2000/06/13 na certidão de registo predial aqui junta como Doc. 25 – cfr. Doc. 32) [74.º P.I.].

66. Até ao momento em que a 1.ª Ré adquiriu o prédio em causa, em 2009, o portão estava sempre aberto, principalmente durante o dia [75.º e 76.º P.I.],

67. Permitindo aos sucessivos proprietários do prédio atualmente da autora usar o mencionado corredor para aceder às referidas unidades desse seu prédio [77.º P.I.].

68. Só após a aquisição, pela 1.ª Ré, do seu prédio (sensivelmente no ano de 2009) o portão passou a estar fechado [78.º P.I.].

69. Não obstante as interpelações que a autora lhe tem feito (cfr., a título meramente exemplificativo, a carta enviada a 2 de maio de 2017 e de que aqui se junta cópia como Doc. 33) no sentido de abrir o portão ou lhe dar uma chave do mesmo para que possa aceder às referidas partes do seu prédio, o certo é que a ré se tem negado a permitir tal acesso, argumentando não existir qualquer direito de servidão [79.º P.I.].

70. A 1.ª Ré tem, pois, impedido todo e qualquer acesso ao prédio da autora através do referido portão para quem vem do exterior.

71. E, já em agosto de 2018 (isto é, após terem sido tiradas as fotografias que aqui se juntam), a ré procedeu mesmo ao fechamento, inicialmente com uma placa de contraplacado e depois com cimento), quer da porta quer da janela que dão do prédio da autora para o mencionado corredor (porta e janela essas visíveis nas fotografias aqui juntas como Docs. 27 e 28) [81.º P.I.].

72. Desde há cerca de seis anos, por ter encontrado fechado o portão de entrada do n.º 12, que o funcionário municipal passou a solicitar na Farmácia (...) autorização para entrar no “corredor” acima mencionado para fazer a leitura do contador de água [84.º Cont.].

73. O portão instalado na entrada com o n.º 12 faz parte integrante do prédio da 1.ª Ré [85.º Cont.].

74. No ano de 2009 os Réus realizaram obras no seu prédio [89.º Cont.].

75. Em agosto de 2018 o legal representante da Autora utilizou os aludidos portão e demais espaços e porta [98.º a 99.º Cont.].

76. A propriedade dos seguintes prédios está inscrita a favor da 1.ª Ré M (…)

- Casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a comércio e habitação com logradouros, com a área total de 360 m2, correspondente aos números 13, 15, 19 e 21 da Rua T(...) , (...) , a confrontar (…), inscrito na matriz sob o artigo 13889 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 02157 da freguesia de (...) , com inscrição de aquisição definitiva a favor da ora demandada M (…) (conforme certidão permanente obtida via internet – doc. nº 1 - e caderneta predial que se junta como doc. nº 2) [86.º Cont.];

- Casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a comércio e habitação, com logradouros e terreno anexo com a área total de 466 m2, sita no Largo do C (...) , em (...) , correspondente aos números 12, 14, 16, 18 e 20 do Largo do C (...) , a confrontar de norte com Largo do C (...) , de poente com o prédio da A., de sul com o prédio que foi objecto do destaque e com o prédio da ora reconvinte e a nascente com Travessa do C (...) , inscrito na matriz sob o artigo 12857.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 13505 da freguesia de (...) , com inscrição de aquisição definitiva [106.º Cont./Reconv.].

77. Ambos os referidos prédios foram doados à 1.ª Ré M (…)por seu pai, J (…), sendo a doação do prédio identificado sob a alínea a) por escritura lavrada no Cartório Notarial de (...) , no dia 11 de Agosto de 2009 e o prédio identificado sob a alínea b) por escritura de 14 de setembro de 1981 no Cartório Notarial de (...) de que se juntam certidões [107.º Cont./Reconv.].

78. Por óbito desta M (…), correu termos o processo de Inventário Facultativo nº 58/1997 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal (conforme certidão judicial junta - doc nº 4) [109.º Cont./Reconv.].

79. Tendo o identificado prédio sido adjudicado ao referido J (…) por douta sentença transitada em julgada, conforme a mesma certidão judicial – doc. nº 4 [110.º Cont./Reconv.].

80. A 1.ª Ré M (…) e anteriores donos, há mais de 20, 30 ou 40 anos que andam na posse do prédio [112.º Cont./Reconv.].

81. Em ambos os prédios a parte habitacional foi sempre habitada pelos respectivos donos, os quais ali comiam, dormiam, recebiam amigos e vizinhos [113.º Cont./Reconv.].

82. Bem como as restantes partes, nomeadamente as divisões destinadas a comércio foram dadas de arrendamento [114.º Cont./Reconv.].

83. Das partes arrendadas, a ora reconvinte e anteriores donos recebiam as rendas, emitiam os competentes recibos, pagavam os respectivos impostos [115.º Cont./Reconv.].

84. Ao longo do tempo fizeram obras de reconstrução, conservação e de manutenção, tendo contratado os respectivos operários, comprado os materiais necessários à realização das obras [116.º Cont./Reconv.].

85. Todos estes factos foram praticados desde há mais de 30 ou 40 anos, à vista da generalidade das pessoas e com possibilidade de serem presenciadas por quem quer que fosse [117.º Cont./Reconv.].

86. Todos os dias, meses e anos, sem qualquer intervalo no tempo, isto é, assídua e repetidamente [118.º Cont./Reconv.].

87. Sem violência de qualquer espécie, quer de início, quer posteriormente [119.º Cont./Reconv.].

88. Sem oposição de quem quer que fosse [120.º Cont./Reconv.].

89. Agindo a ora 1.ª Ré bem como os anteriores donos, convictos que exerciam um direito próprio, e que os seus actos não lesavam direitos de outrem, pelo que, dado o decurso do tempo, bem como as características da sua posse, que, além de ter sido exercida em nome próprio, foi pacífica, contínua e pública, lhes proporcionou a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, se outro título não tivesse [121.º Cont./Reconv.].

90. Os referidos prédios estão descritos na Conservatória do Registo Predial e com inscrição de aquisição definitiva a favor da reconvinte M (…) [122.º Cont./Reconv.].

91. A partir dos anos de 1999, 2000 ou 2001, até momento não completamente apurado, a divisão (espaço) do prédio da Autora, que actualmente está dado de arrendamento à óptica, esteve dado de arrendamento a uma sociedade comercial, cujo sócio-gerente era C (…) [124.º Cont./Reconv.].

92. Na parede poente do prédio pertencente à ora reconvinte estão também os contadores de água das divisões do prédio pertencente à Autora [128.º, Cont./Reconv.].

93. Até ao momento da aquisição pela 1.ª Ré do prédio acima identificado, em Agosto de 2009, o portão estava sempre aberto e usavam aquele “corredor” quer os arrendatários habitacionais da autora (para acederem ao seu logradouro pela cancela visível nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 30), quer os sucessivos arrendatários do que hoje é uma loja de óptica (para acederem à porta visível nas fotografias juntas à petição inicial como Docs. 26 e 27), quer outras pessoas tais como o funcionário camarário que fazia a leitura dos consumos registados pelos contadores visíveis nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 31, para aceder a estes [15.º Réplica].

94. Esse impedimento, iniciado após agosto de 2009, de uso do portão e “corredor” por parte da 1.ª Ré tem sido gradual: o portão que dá do referido “corredor” para a rua foi fechado e só em Agosto de 2018 a 1.ª Ré tapou a porta e a janela que do prédio da Autora dão para esse “corredor” [16.º R.].

95. O pequeno pátio retratado nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 30, se a autora para aí quiser transportar um qualquer bem de maior dimensão é-lhe muito mais difícil (se não mesmo impossível, se essa dimensão for grande) fazê-lo pelo interior do seu prédio (subindo as escadas interiores, atravessando toda a casa e descendo as escadas exteriores) do que pelo mencionado “corredor” de acesso pelo portão no n.º 12 [27.º R.].

96. A janela e a porta que dão para o aludido “corredor” (cfr. as fotografias juntas à petição inicial como Docs. 27 e 28) permitem a entrada de luz e ar para o interior dessa unidade suscetível de utilização independente [28.º R.].

97. E permitem acesso para leitura dos contadores de água ou corte de fornecimento [29.º e 32.º R.].

98. Os tijolos de vidro permitem a entrada de luz natural no interior daquela parte do prédio da autora [31.º R.].

99. O pátio e parte do chamado corredor não fazem parte integrante do prédio da ora demandada, identificado na Petição Inicial [76.º Cont.].

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) Quais as exatas dimensões da porta e janela [58.º, P.I.].

b) Quais as exatas dimensões da janela [62.º, P.I.].

c) Quais as exatas dimensões do portão ou cancela [64.º, P.I.].

d) Que, como se pode aceder à via pública diretamente (Largo do C (...) e Rua T(...) ) do prédio da Autora, não existe qualquer vantagem para o seu prédio, passar pelo prédio pertencente à 1.ª Ré [17.º Cont.].

e) Que nenhuma das divisões do prédio da A., tem qualquer comunicação interna, entre si [28.º Cont.].

f) Que tanto a porta como a janela e a cancela foram tapadas pelo lado de dentro, considerando o prédio da ora Autora [30.º Cont.].

g) Que há mais de 30 anos ou 40 anos, a porta, a janela e a cancela se encontram sempre encerradas [32.º e 68.º Cont.].

h) Que o tijolo de vidro referido nos factos provados é opaco e quem o colocou [71.º Cont.].

i) Quando foi colocado o aparelho de ar condicionado [72.º Cont.].

j) Que há mais de 35 ou 41 anos anos que os ora contestantes são possuidores da chave do portão, em virtude da mesma ter sido entregue à ora demandada por sua tia, M (…), para poderem entrar e sair pelo mesmo [73.º e 88.º Cont.].

k) Que o que a A. apelida de pátio só existe desde o ano de 2009 [74.º Cont.].

l) Que a partir da realização dessas obras, passou a existir um pátio e um “corredor” porque a ora demandada procedeu à ligação entre os seus dois prédios: o identificado pela A. na douta P.I e o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2157 da freguesia de (...) [75.º Cont.].

m) [Passou para os factos provados].

n) Fazem parte integrante, isso sim, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2157 [77.º Cont.].

o) Que o então dono do prédio da ora A., o Sr(…) , pediu para ser colocado o contador de água, dado que naquele local a parede do prédio da ora demandada já havia sido furada para colocação do contador da água para a casa da Srª (…) [79.º Cont.].

p) A então dona, D (…) consentiu em tal colocação, atentas as boas relações de vizinhança que desde sempre manteve com os seus arrendatários, bem como, com os arrendatários do prédio que ora pertence à A. [80.º Cont.].

q) Que o então dono do prédio da ora A., Sr. J (…)sempre reconheceu que os contadores estavam instalados na parede do prédio ora pertencente à demandada M (…) e com consentimento da então dona [81.º Cont.].

r) Que sempre afirmou que os retiraria quando lhe fosse solicitado [82.º Cont.].

s) Que a leitura do contador de água acima referido sempre foi feita com a entrada do funcionário dos serviços do Município de (...) pela porta do prédio da ora demandada M (…), mais propriamente pelo do rés-do-chão onde está instalada a Farmácia (...) [83.º Cont.].

t) Que através daquele portão, apenas os donos do prédio e os funcionários da Farmácia, tinham acesso a partir do Largo do C (...) aos armazéns de apoio à Farmácia, que abriam sempre que necessitavam de transportar os produtos para o armazém e de imediato o fechavam [86.º Cont.].

u) Que obras foram efectivamente realizadas pelos Réus no seu prédio [91.º Cont.].

v) Que o portão sempre teve uma chave a qual foi passando para a posse dos sucessivos donos e encontra-se actualmente na posse dos ora demandados [101.º Cont.].

w) Que o portão sempre esteve fechado, tendo estado aberto com mais frequência aquando das obras para poderem entrar os operários e os veículos de transporte do material para as obras [102.º Cont.].

x) Que quando (…) procedeu a obras no mencionado local que tinha tomado de arrendamento, solicitou autorização para fazer uma abertura de luz em forma retangular, que fechou com blocos de vidro opaco bem como para colocar naquela parede um aparelho de ar condicionado e o contador de água [125.º Cont./Reconv.].

y) Que em virtude das boas relações sociais o anterior dono do prédio que ora pertence à reconvinte, deu consentimento [126.º Cont./Reconv.].

z) Que CB(...) comprometeu-se a retirar o aparelho de ar condicionado bem como o contador de água quando deixasse de ocupar o local [127.º Cont./Reconv.].

aa) Que, face às boas relações de vizinhança, ali foram colocados com o consentimento da então dona do prédio que ora pertence à ora reconvinte [129.º Cont./Reconv.].

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 – Vejamos agora se os factos mostram ou não mostram, como se deixou dito positivamente na sentença recorrida, a existência das servidões entre ambos os prédios, por destinação de pai de família.

Nos termos do artigo 1549.º do Código Civil, «Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para o outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento».

Retira-se deste preceito que a constituição da servidão por esta via exige três requisitos:

(I) Que dois prédios, ou duas frações de um só prédio, tenham pertencido ao mesmo dono;

(II) Que exista sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos os prédios que revelem serventia de um para o outro;

(III) Que no momento da separação do domínio não seja elaborado documento a declarar que não se mantém para futuro aquela situação de serventia.

Quanto ao fundamento para a existência deste modo de constituição de servidões, Carlos N. Gonçalves Rodrigues, referiu que «Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais aparentes e permanentes, postos pelo proprietário único ou seus antecessores, que atestem que determinada utilidade de um dos prédios ou de uma fracção, está a ser gozada pelo outro prédio ou pela outra fracção, a lei parte do pressuposto que o pai de família, se não houver declarado o contrário ao tempo da separação, destinara, de antemão, que certa utilidade  de um dos prédios, ou fracção, fosse gozada pelo outro prédio ou fracção, perpetuando-se a situação de facto existente ao tempo em que se deu a separação dos prédios» - Da Servidão Legal de Passagem. Almedina, 1962, págs. 92/93.

Trata-se, pois, de manter o mesmo status quo para o futuro, ou seja, de manter, de dar continuidade, a uma determinada utilidade que um prédio ou uma parte do mesmo prédio estava a retirar do outro ou da outra parte.

Vejamos se estes requisitos se verificam no caso dos autos e em relação a quê.

(I) Que dois prédios, ou duas frações de um só prédio, tenham pertencido ao mesmo dono.

Quanto a este requisito não se suscitam dúvidas, porquanto os prédios aqui em causa fizeram parte de um prédio primitivo mais vasto.

A escritura pública de divisão desse primitivo prédio, incluindo a planta anexa, junta com as alegações de recurso, evidencia claramente esta realidade histórica e jurídica.

(II) Que exista sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos os prédios que revelem serventia de um para o outro.

- Quanto à servidão de passagem cujo trajeto vai do portão com o número de polícia 12 do Largo do C (...) até ao contador de água ali existente e até às duas entradas do prédio da autora que dão para o corredor que se inicia nesse portão e vice-versa.

Esta servidão vem alegada em relação às duas entradas que se veem nas fotografias juntas com a petição, tratando-se uma da porta de acesso ao interior do edifício, ao rés do chão e da cancela de acesso quer ao quintal que fica nas traseiras do prédio dos Autores, quer às escadas que servem de acesso ao primeiro andar do prédio.

Estas entradas (porta e cancela) têm em si mesmas um significado unívoco, que consiste em revelarem só pela sua existência que existe ali, naquele local, uma passagem de um espaço bem demarcado para outro espaço igualmente bem demarcado.

Mas como já foi referido, ignora-se quando a cancela foi aberta e, sendo assim, não pode afirmar-se que a cancela já existia à data da separação dos prédios.

Como não se sabe desde quando existe e sendo este facto claramente um facto constitutivo do direito da Autora, o respetivo desconhecimento tem de ser valorado contra si, como determina o artigo 414.º do CPC, quando diz que «A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita».

Esta dúvida, por conseguinte, resolve-se contra a Autora porquanto o facto lhe aproveita.

Ficamos, por conseguinte, apenas com a situação factual relativa à porta.

Esta porta, aberta na parede, é uma abertura que tem por finalidade permitir passar de um espaço para outro espaço, é essa a sua função; permite passar do interior do edifício para o exterior, sendo este «exterior» o espaço que existe entre os edifícios implantados nos prédios da Autora e dos Réus, com três metros de largura, pertencente ao prédio dos Réus, que dá acesso ao espaço público (Largo do C (...) ), estando parte da sua extensão coberta com um teto.

Esta porta colocada no prédio da Autora revela por si mesma, por não ter outra função, que através dela se passava e passa de um espaço para o outro espaço.

Por conseguinte, esta passagem só logra explicar a sua existência se atendermos à sua finalidade e essa finalidade reside no acesso ao espaço público, no caso ao Largo do C (...) , e vice-versa.

A porta não teve como causa final ou por função, como é óbvio, permitir a devassa, o uso indiscriminado, do prédio dos Réus, mas sim aceder ao espaço público, ao Largo do C (...) .

A sua utilidade é manifesta, pois, salvo casos excecionais, qualquer edifício beneficia sempre com a existência de duas entradas, pela simples razão de que uma delas pode, em qualquer altura, ficar boqueada ou ser conveniente mantê-la fechada temporariamente, pelo que uma segunda entrada assegura um uso e um gozo mais amplo das comodidades do edifício (No caso, tal porta permitia e permite aceder ao rés-do-chão do prédio da Autora vindo do espaço público, sem ter de passar pela entrada principal que também dá acesso ao primeiro andar do prédio, permitindo autonomizar ambos os espaços, se necessário, para efeitos comerciais e habitacionais, como é o caso.

Não se retira dos factos provados que esta separação de espaços no próprio prédio da Autora existisse na altura da separação dos prédios).

Mostra-se assim que esta abertura, a porta, revela serventia de um espaço para o outro espaço, de um prédio para o outro, sendo o prédio da Autora (dominante) aquele que aproveita as utilidades e o prédio dos Réus (serviente) aquele que «serve» ou faculta as utilidades ao outro prédio.

Afigura-se isento de dúvida que esta porta integrada na situação factual composta ainda pelo aludido «corredor» e pelo portão de acesso ao Largo do C (...) são qualificáveis como sinal ou sinais «visíveis e permanentes».

Como referiu Guilherme Moreira, «Quaisquer obras ou sinais são suficientes desde que por eles se revele a existência da servidão. É assim que a servidão de passagem se tornará aparente desde que para esse efeito se faça um caminho, se construa uma ponte ou se abra uma porta; …» - As Águas no Direito Civil Português, Vol. II (Das Servidões das Águas). Coimbra Editora, 1960, pág. 83.

No mesmo sentido, Pires de Lima/Antunes Varela, quando referiram que «…para que uma servidão de passagem possa ser adquirida por usucapião torna-se imprescindível a existência de sinais aparentes e permanentes reveladores do seu exercício (como, por exemplo, um caminho ou uma porta ou porta de comunicação entre o prédio dominante e o serviente)» - Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, reimpressão. Coimbra Editora, 1987, pág. 630.

Por conseguinte, a visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percepcionáveis e interpretáveis como tais, pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles e a permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções (pelo menos nos casos em que a ausência temporária dos sinais torne equívoco o seu significado), por forma a gerar e manter a ideia de que se trata de uma situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados ao longo do tempo ou substituídos por outros (Neste sentido, Pires de Lima/Antunes Varela. Ob. cit., pág., 630 e Guilherme Moreira, quando referiu que «o que é sempre indispensável é a permanência de sinais ou obras, podendo dar-se a sua substituição ou transformação» - Ob. cit., pág. 83).

Afigura-se que será consensual a firmação de que a existência de uma porta aberta numa parede é algo visível e permanente.

- Quanto à servidão de vistas e de arejamento (janela).

No que respeita à janela e à sua qualificação como sinal «visível e permanente» são-lhe aplicáveis as mesmas considerações que já foram indicadas em relação à porta.

No que respeita à sua razão de ser e função a janela revela-as ela mesma.

A sua abertura teve por finalidade deixar entrar ar e luz para o interior do edifício, sendo esta a função de uma janela.
A designação tradicional dada ao caso é a de «servidão de vistas», mas não é a mais adequada, pois o benefício que a servidão confere não consiste na possibilidade de olhar em direção ao prédio vizinho, até onde a vista alcançar, mas sim facultar luz e ar ao prédio dominante (Neste sentido, Cunha Gonçalves ao referir que «A inacção do proprietário vizinho, porém, dá lugar ùnicamente à servidão de ar e de luz» - Tratado de Direito Civil, Vol. XII. Coimbra, Coimbra Editora, 1938, pág. 87. Ou Pires de Lima, ao dizer que «…o proprietário vizinho pode em qualquer altura levantar edificação, ainda que com ela tape as vistas ao prédio vizinho; o que não pode é tirar o ar ou vedar a luz porque estas ficam constituindo verdadeiras servidões» - Lições de Direito Civil (Direitos Reais), coligidas por Elísio Vilaça e David A. Fernandes. Coimbra: Atlântida Livraria Editora, 1933, pág. 229/230).

O conteúdo da servidão que onera o prédio dos Réus consiste, pois, na fruição do ar e da luz no interior do prédio da Autora, através da janela existente no prédio da Autora.

Por conseguinte, nos termos do n.º 2, do artigo 1362.º do Código Civil, constituída a servidão de vistas, ao proprietário vizinho, no caso os réus, só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras que importam a servidão de vistas o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras.

O proprietário do prédio serviente pode, apesar da existência da servidão, construir no seu prédio, desde que não ofenda esta servidão.

Assim, nas palavras de Cunha Gonçalves, «…o proprietário do prédio serviente não fica inibido de levantar neste, a todo o tempo, qualquer edifício ou construção, ficando sujeito contudo a deixar o interstício de 1m,50, mas somente defronte da janela, porta, varanda ou outra obra contra a qual não se opôs durante dez anos, como ainda dispõe o citado § 3.º do art. 2325.º; e no restante espaço os dois prédios podem até ser encostados um ao outro» - Ob. cit., pág. 87.

O respeito pela servidão implica que não se possa construir imediatamente acima das janelas, porque esta construção afectaria a entrada de ar e luz no prédio dominante, nem ao mesmo nível ou, inclusive, em certos casos, imediatamente abaixo, pois, como assinalam Pires de Lima/Antunes Varela, transcrevendo um texto da Revista de Legislação e de Jurisprudência (ano 96.º, pág. 334), «Também não há, em princípio, impedimento a que se construa na parte inferior, desde que as obras não importem, de per si, violação do artigo 2325.º, ou prejudiquem a função normal das janelas (…).

É necessário, quanto a estas construções baixas, notar que elas podem em certas circunstâncias, prejudicar o exercício da servidão. A janela deixará, por exemplo, de exercer a sua função normal, se o vizinho fizer um levantamento do terreno que o coloque ao nível do exterior ou a nível aproximado. Como poderá continuar a janela a assegurar a entrada de e luz se tiver, transformada praticamente em porta, de se fechar para evitar que a casa seja devassada?

Mas estes casos são excepcionais» - Ob. cit., págs. 221-222.


*

Quanto à servidão de luz, no que respeita à parte da parede com tijolos de vidro.

Não resulta dos factos provados que esta parede com tijolos de vidro existisse à data da separação dos prédios em 1943.

Sendo assim, é inviável, como resulta do já dito atrás em relação à cancela, a constituição de uma servidão por destinação de pai de família.

 (III) Que no momento da separação do domínio não seja elaborado documento a declarar que não se mantém para futuro aquela situação de serventia.

No caso dos autos não foi elaborado qualquer documento a declarar que o uso dado à porta e à janela terminavam nesse momento.

Concluindo.

Do exposto resulta que se constituiu por destinação de pai de família nos termos do artigo 1549.º do Código Civil e artigo 2274.º do Código Civil de Seabra, em vigor à data dos factos, cujo teor é idêntico a ambos, uma servidão de passagem desde o portão do prédio dos Réus, que abre para o Largo do C (...) , até à porta existente no rés do chão do prédio da Autora e vice versa, bem como uma servidão de vistas protagonizada pela janela existente na mesma parede, ao lado dessa porta.

Não resulta dos factos que se tenha constituído por destinação de pai de família qualquer servidão de passagem desde o mesmo portão até à cancela que dá acesso ao quintal ou servidão de luz, no que respeita à parte da parede com tijolos de vidro.

Passando à questão seguinte.

3 – Vejamos se as servidões se extinguiram por não uso.

A resposta está limitada às duas servidões cuja constituição acabou de ser reconhecida.

A resposta à pergunta é negativa.

No que respeita à janela ela está lá e a sua mera existência permite a entrada de luz e também de ar, mesmo que não seja aberta, pois é manifesto que se trata de uma janela antiga sem características de estanquicidade, permitindo sempre alguma circulação de ar.

No que respeita à porta, provou-se no facto provado n.º 93  «Que Até ao momento da aquisição pela 1.ª Ré do prédio acima identificado, em Agosto de 2009, o portão estava sempre aberto e usavam aquele “corredor” quer os arrendatários habitacionais da autora (para acederem ao seu logradouro pela cancela visível nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 30), quer os sucessivos arrendatários do que hoje é uma loja de óptica (para acederem à porta visível nas fotografias juntas à petição inicial como Docs. 26 e 27), quer outras pessoas tais como o funcionário camarário que fazia a leitura dos consumos registados pelos contadores visíveis nas fotografias juntas à petição inicial como Doc. 31, para aceder a estes»,

Certo é, também, que não existem factos provados de onde resulte o não uso.

Passando à questão seguinte

4 – Cumpre verificar se há consequências a retirar do facto de não se encontrarem descritas as servidões de modo a serem identificadas em termos espaciais.

Cumpre começar por referir que esta afirmação não corresponde exatamente à realidade, sem prejuízo de se dizer que a matéria de facto poderia ser mais completa, referindo os metros a que se encontram a porta e relação ao portão que dá acesso ao Largo do C (...) , dimensões do «corredor» e dimensões quer da porta, quer da janela, pois bastava ter medido.

Porém, afigura-se que esta falta de especificação escrita está suprida pela planta anexa à escritura de divisão do prédio de 1943, de onde se retira que o corredor tem 3 metros de largura, e pelas fotografias juntas com a petição inicial, as quais permitem ter uma imagem da porta e da janela e sua localização, sendo possível definir onde elas se encontram e como se exercem em termos espaciais.

Por conseguinte, não se verifica obstáculo a que se conheça de mérito (se assim não fosse, seria caso para determinar a ampliação da matéria de facto).

5 – Má fé dos Réus.

Não há matéria que permita concluir que os Réus conheciam a existência da escritura pública de divisão que juntaram com o recurso e sendo assim não há base para lhes imputar litigância com má fé.

6 – O recurso respeita apenas à existência das servidões e à sua extinção pelo   não uso, pelo que não se analisarão os aspetos relativos ao impedimento colocados pelos réus ao seu exercício.

Cumpre ainda deixar referido que apesar de não corresponder à realidade a data indicada pela Autora relativamente ao momento histórico da separação dos prédios, o que ficou claro pela junção da escritura pública de divisão do prédio, datada de 1943, tal circunstância não inviabiliza só por si a ação, porquanto se mantém em pé o facto dos prédios terem feito parte de um só prédio e proprietário no momento em que foram separados.

A erro na data do evento (divisão do prédio) sendo um seu elemento importante não suprime, no entanto, o evento do mundo dos factos e daí que se tenha moldado a matéria de facto em função da informação fornecida pela escritura de divisão.  

Outro aspeto a referir ainda respeita ao facto de constar da escritura de divisão a constituição de uma servidão de passagem pelo mencionado «corredor», o que parece incompatível com a existência da servidão por destinação de pai de família.

Não existe tal incompatibilidade por duas razões:

Em primeiro lugar, porque se trata de títulos jurídicos diversos e não há obstáculo a que exista concorrência entre títulos constitutivos de direitos com o mesmo conteúdo e objeto.

No caso, é compatível a existência de sinais visíveis permanentes geradores de uma servidão de passagem por destinação de pai de família e a previsão de uma servidão de passagem com igual conteúdo numa escritura pública, seja por se ignorar a existência da servidão, seja para prevenir dúvidas e até futuros litígios.

A autonomia da vontade consagrada no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil, onde se determina que «Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver» permite a existência de uma situação deste tipo.

7 – Custas.

Dada a dificuldade que existe em quantificar monetariamente os diversos pedidos, cujo valor não foi autonomizado pelas partes, afigura-se que em relação à ação o ganho e a perda de ambas as partes se equivale, o mesmo sucedendo em relação ao recurso, pelo que se repartem as custas em partes iguais.

No que respeita à reconvenção verifica-se que houve decaimento total porquanto o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios não tem autonomia em relação aos outros pedidos, tratando-se de um antecedente lógico que é necessário alegar e provar, mas não é o verdadeiro pedido, tratando-se apenas de um pedido aparente (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III. Coimbra 1946, pág. 147/148), pelo que não se justifica a sua autonomização para efeitos de custas, até porque a propriedade sobre o prédio dos Réus não foi objeto de litígio.

Por conseguinte, as custas da ação e do recurso serão repartidas em partes iguais e as relativas ao pedido reconvencional são a cargo dos Réus.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente nos seguintes termos:

1 – Revoga-se a sentença na parte em que julgou a ação procedente no que respeita ao reconhecimento da existência de uma servidão de passagem do portão com o número de polícia 12 do Largo do C (...) , até ao contador de água ali existente e até à entrada para o quintal do prédio da Autora, bem como a servidão de luz no que toca à parte da parede com tijolos de vidro, constituídas por destinação de pai de família.

2 – Mantém-se a sentença na restante parte.

3 – Custas da ação e do recurso em partes iguais; as relativas ao pedido reconvencional são a cargo dos Réus.


*

Coimbra, 3 de novembro de 2020


Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo


[1] Neste sentido, por exemplo, Colin Mcginn quando diz que «…as acções são acontecimentos corporais teleológicos: trata-se de movimentos dirigidos para um estado futuro de coisas em que as necessidades ou desejos do agente são satisfeitos como resultado da acção» – O Carácter da Mente – Uma introdução à filosofia da mente. Lisboa: Gradiva, 2011, pág. 205-206.
[2] Sobre esta problemática, de modo mais detalhado, da autoria do ora relator, Prova e Formação da Convicção do Juiz, 2.ª edição (2.ª reimpressão), Almedina, 2018, págs. 333-349.