Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
431/09.0TBSRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: VÍCIOS DA SENTENÇA
NULIDADE
FIANÇA
LITISCONSÓRCIO NÃO NECESSÁRIO
DEVEDOR
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
VÍCIOS
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 668º, Nº 1 DO CPC; 627º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O vício da nulidade substancial da sentença, por contradição intrínseca só ocorre quando a colisão se verifica entre os fundamentos e a decisão.

II - Mesmo no caso em que o fiador goza do benefício da excussão, a lei não impõe o litisconsórcio necessário entre aquele o devedor principal, podendo a execução ser promovida que contra o devedor, quer contra o fiador, quer contra ambos.

III - Se o contrato que esteve na base do trespasse é uma compra e venda, são aplicáveis, em matéria de incumprimento, as regras gerais deste tipo contratual, designadamente, as relativas à venda de bens defeituosos, sempre que o estabelecimento alienado exiba vícios materiais ocultos, que o desvalorizem ou impeçam a realização da sua função económico-produtiva própria, ou não exiba as qualidades acordadas ou necessárias a essa função.

IV - Os vícios ocultos do próprio estabelecimento como um todo, que não dos seus elementos individualmente considerados, que se projectem sobre a unidade jurídico-económica do estabelecimento, afectando a sua actividade, aviamento ou valor globais, facultam ao adquirente a resolução do contrato transmissivo, mas apenas no caso de não cumprimento definitivo pelo alienante da sua prestação.

V - É ineficaz a resolução do contrato transmissivo do trespasse que não tenha juridicamente fundamento, por o resolvente não dispor do direito potestativo extintivo correspondente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

F… deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que, no Tribunal Judicial da Comarca de Soure, contra ele e J…, foi promovida por A…, Lda., pedindo a sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, a sua absolvição do pedido.

Alegou, como fundamento da oposição, que interveio, com J…, no contrato de trespasse dado à execução, celebrado com a exequente, na qualidade de legal representante da sociedade comercial a constituir, como meros garantes da obrigação desta de pagamento do preço, sociedade que, sob a firma P…, Lda., veio a ser constituída e registada, e de que são sócios e gerentes, de esta sociedade não ter sido citada como executada, pelo são partes ilegítimas, dado que são meros fiadores não tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, que não existe título executivo por terem, em nome daquela sociedade, resolvido o contrato de trespasse, que o alvará do estabelecimento trespassado, emitido pela Câmara Municipal de … não contempla nem permite o exercício das actividades de comércio de pneus e óleos e sua substituição, calibragem, alinhamento de direcções e lavagem de viaturas, não pretendendo aquela Câmara viabilizar a utilização do estabelecimento para tais finalidades, e que se soubessem que o estabelecimento não tinha licença nem era licenciável, para comércio de pneus e oficina de automóveis, nunca tinham celebrado o contrato, o que exequente bem sabia por lhe ter sido transmitido durante as negociações.

 A excepção dilatória da ilegitimidade do executado foi julgada improcedente no despacho saneador e esta Relação, em recurso que foi dele interposto, julgou improcedente o fundamento da oposição representado pela inexistência de título executivo.

A sentença final da oposição julgou-a improcedente.

É esta sentença e a decisão contida no despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade ad causam dos executados, que o opoente F… impugna no recurso, no qual pede a sua revogação e a sua substituição acórdão que julgue a oposição procedente.

O recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões:

...

Não foi oferecida resposta.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. Foram insertos na base instrutória, entre outros, os enunciados de facto seguintes:

3.º) De acordo com a Câmara Municipal de …, o estabelecimento mencionado em A) só pode ser utilizado para garagem, isto é, aparcamento de automóveis?

4.º) Devido ao pé direito ser inferior a 3 metros, as casas de banho não terem condições de salubridade e não constituir um prédio autónomo das demais utilizações, designadamente para stand de automóveis?

5.º) Se soubessem dos factos mencionados em 3.º e 4.º, os executados não teriam celebrado o negócio mencionado em A)?

11.º) Os executados quiseram alargar o âmbito da sua actividade para “oficina de automóveis”, o que tem exigências acrescidas à actividade mencionada em C)?

12.º) E outorgaram novo contrato de arrendamento com o senhorio?

2.2. O Tribunal da audiência decidiu os pontos de facto referidos em 2.1. nestes termos:

Artigo 3.º - Provado. Artigo 4.º - Provado. Artigo 5.º - Não provado. Artigo 10.º - Provado. Artigo 11.º - Provado. Artigo 12.º - Provado.

2.3. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.2., esta motivação:

...

2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte:

...

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

O âmbito objectivo do recurso é delimitado, desde logo, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão ou decisões impugnadas, que for desfavorável ao recorrente (artº 684 nº 2, 2ª parte do CPC). A restrição objectiva do âmbito do recurso pode, no entanto, ainda ser feita pelo proprio recorrente, tanto no requerimento de interposição do recurso, como nas conclusões da alegação (artº 684 nº 2, 1ª parte, e 684 nº 3 do CPC).

Nestas condições, tendo em conta o conteúdo das decisões impugnadas e das alegações do recorrente, as questões concretas controversas que esta Relação é chamada a resolver são as de saber se:

a) A sentença final da oposição impugnada se encontra ferida com o valor negativo da nulidade;

b) O recorrente é ou não dotado de legitimidade ad causam para a execução;

c) O título que serve de fundamento à execução é ou não extrinsecamente exequível.

Diversamente das duas primeiras questões, a última traz implicada ou tem subjacente um problema de facto.

O executado alegou, na oposição, que resolveram o contrato de trespasse dado à execução – dado que foi celebrado no pressuposto de que o estabelecimento podia ser utilizado para oficina de automóveis e comércio de automóveis e que caso soubessem que não tinha licença para essa finalidade não o teriam celebrado – com fundamento no seu incumprimento pela exequente. Todavia, a sentença final da oposição, com fundamento em que os executados souberam que o estabelecimento apenas podia ser utilizado para garagem e stand, antes da assinatura o escrito que documenta aquele contrato, teve por ineficaz, por falta de fundamento legal, a declaração de resolução dos executados, mantendo-se intacto o contrato de trespasse firmado entre as partes.

Mas esta conclusão – diz o apelante – apenas se explica pelo error in iudicando, por erro na valoração da prova, em que incorreu o decisor de facto da 1ª instância.

Maneira que a resolução dos problemas apontados exige a ponderação, ainda que leve, da causa de nulidade da sentença representada pela contradição intrínseca, dos critérios de aferição da legitimidade plural na acção executiva, da condição desta acção em que resolve a exequibilidade extrínseca do título executivo e dos parâmetros de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

3.2. Nulidade substancial da sentença (final) impugnada.

Como é comum, o recorrente imputa à sentença o vício grave da nulidade substancial.

De todas as causas possíveis de nulidade, assaca-lhe esta: a contradição intrínseca (artº 668 nº 1 c) do CPC).

A decisão é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[1]. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.

A coerência ou justificação interna da decisão reporta-se à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito, dado que a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.

De harmonia com a alegação do recorrente o valor negativo apontado, decorreria da contradição entre os fundamentos de facto expostos na sentença impugnada com os nºs 3, 4 e 5: no seu ver, é contraditório dar-se como provado, por um lado, que o estabelecimento se destinava ao comércio de pneus e de óleos e à sua substituição, e que a exequente comunicou aos executados que o estabelecimento dispunha de alvará para o exercício dessas actividades, e, por outro, que aqueles sabiam que o estabelecimento dispunha de alvará apenas para garagem e aparcamento de automóveis.

Portanto, a colisão acusada verifica-se, não entre os fundamentos e a decisão – mas entre os fundamentos com que a decisão impugnada se mostra motivada e entre uma mesma espécie de fundamentos: os fundamentos de facto. Realmente, a contradição de que o recorrente extrai a conclusão da nulidade substancial da sentença recorrida, respeita unicamente os factos relevantes para a decisão julgados provados pelo tribunal na fase da audiência (artº 653 nº 2 do CPC).

Todavia, a colisão entre os motivos da decisão, sejam eles de direito ou de facto, não constitui causa de nulidade substancial da sentença: a nulidade por contradição intrínseca só ocorre quando a colisão se verificar entre os fundamentos e à parte decisória ou dispositiva (artº 668 nº 1 d) do CPC).

O quadro dos valores negativos da sentença está nitidamente pensado para um sistema de cisão entre a decisão da matéria e aquela sentença (artºs 653 nº 2, 658 e 659 nºs 1 a 3 do CPC).

Num contexto de um sistema de césure entre o julgamento da matéria de facto e a sentença, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório[2].

Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: aquela decisão é impugnável por meio de reclamação, acto contínuo à sua publicação, e não é autonomamente recorrível, i.e., apenas pode ser impugnada no recurso que for interposto da sentença final, podendo, neste caso o controlo sobre o julgamento da matéria de facto ser feito pela Relação, nos termos gerais (artºs 653 nº 4, 2ª parte, e 712 do CPC).

Portanto, qualquer vício – v.g. a contradição - que afecte a decisão da matéria de facto não constitui realmente causa de nulidade da sentença.

Assim, embora este poder cassatório seja puramente subsidiário, a Relação pode anular e mandar repetir, mesmo oficiosamente, o julgamento da matéria de facto, quando repute contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto (artº 712 nº 4 do CPC).

Portanto, a contradição entre os fundamentos de facto não constitui causa de nulidade da sentença – dando apenas lugar à actuação pela Relação dos seus poderes – de resto, subsidiários – de cassação da decisão da matéria de facto (artº 712 nº 4 do CPC).

Mas ainda que o contrário, ex-adverso, se devesse entender, é seguro que não se verificaria a nulidade da sentença acusada pelo recorrente. É que não se verifica a colisão apontada.

Realmente, não há qualquer contradição entre julgar-se provado que um estabelecimento está organizado para o exercício de certa actividade e que esse escopo foi comunicado ao outro contraente, mas que o respectivo alvará não permite o exercício de algumas dessas actividades, e que este último facto era do conhecimento desse mesmo contraente em momento anterior à da conclusão do contrato transmissivo. Um e outro facto não são logicamente incompatíveis e, portanto, não ficam incursos no vício da contradição.

Na verdade, o problema colocado pelo facto identificado na sentença com o nº 5 - que o recorrente reputa de mal julgado - é bem diverso.

De harmonia com este ponto dos fundamentos de facto, os executados souberam dos factos mencionados em 4., designadamente do conteúdo da licença de utilização, antes de assinarem o acordo escrito mencionado em 1.

Todavia, um tal facto nem foi inserto na base instrutória nem foi julgado provado – nem sequer foi mesmo alegado.

Realmente, o que se perguntou, no ponto 5º da base prova, em linha com a alegação do opoente, foi se soubessem dos factos mencionados em 3.º e 4.º, os executados não teriam celebrado o negócio mencionado em A) – pergunta que obteve esta resposta singela: não provado.

Ora, a resposta negativa dada sobre a prova de um facto não implica que se tenha demonstrado o facto contrário, pelo que tudo se passa como se o facto não tivesse articulado, devendo o juiz resolver a questão contra a parte onerada com a prova[3]. Quer dizer: da resposta de não provado ao facto de os executados não conhecerem uma certa realidade, não decorre o facto inverso – o conhecimento dessa mesma realidade. E sendo isto exacto segue-se que a sentença impugnada utilizou um facto de que não era lícito socorrer-se (artº 664, 2ª parte, do CPC).

A observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão em nítida confusão com o erro de julgamento. E a verdade é que por vezes, se torna difícil distinguir o error in iudicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica a eles aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da nulidade da decisão.

                Assim, por exemplo, a indevida utilização de um qualquer facto na sentença surge, não raro, ligada á questão da sua nulidade da sentença por excesso de pronúncia[4]. Ao socorrer-se de um facto cujo uso lhe não é lícito, a sentença teria conhecido de questão de facto que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz: a sentença teria assentado em factos meramente supostos; logo, ocupou-se de questão que as partes não suscitaram e, portanto, seria nula por pronúncia indevida (artº 668 nº 1, d), 2ª parte, do CPC).

                Mas realmente parece que não se verifica a nulidade em discussão quando o juiz, na decisão, se serve de factos que não podia servir-se por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes. Isto porque uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra bem diversa, conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento: o facto material é um elemento para a solução da questão – mas não a própria questão. Uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer de questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento.

                Como quer que seja, a conclusão a tirar – sem prejuízo, contudo, do apontado erro de julgamento - é, realmente, a de que a sentença não se encontra ferida com o vício da nulidade que o recorrente lhe assaca.

De resto, a apontada nulidade sempre se deveria, no caso, por irrelevante.

Na verdade, a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.

                O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.

                Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC).

                No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC).

                Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso.

                Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário.

O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (artº 684-A nº 2 do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.

                Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).

                A arguição da nulidade da decisão – embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária. A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal ad quem, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.

                Quanto a este ponto da impugnação é, pois, clara a falta de bondade do recurso.

3.3. Ilegitimidade ad causam do recorrente para a acção executiva.

Além de uma função constitutiva, o título executivo exerce uma função delimitadora: é pelo título executivo que se determinam os fins e os limites, objectivos e subjectivos, da acção executiva (artº 45 nº 1 do CPC).

Os limites subjectivos da acção executiva são, naturalmente, os respeitantes às partes da acção executiva: em regra, só podem ser partes na execução o sujeito que figura no título como credor e aquele que nele tem a posição de devedor ou os respectivos sucessores (artºs 55 nº 1 e 56 nº 1 do CPC).

Note-se que não se diz que é parte legítima como exequente o credor e como executado o devedor; não se diz, nem se deve dizer sob pena de uma lamentável confusão entre a questão da legitimidade e da procedência: é que o exequente e o executado podem ser partes legítimas, apesar de não serem credor e devedor.

Portanto, a legitimidade executiva deriva da posição que as pessoas têm no título executivo. Se, por exemplo, esse título é negocial, é parte legítima como exequente a pessoa que figura como credor, i.e., a pessoa a favor de quem foi constituída a obrigação – e como executado, a pessoa que figura como devedor i.e., que se obrigou.

Se mais tarde se apura que o exequente não era realmente credor ou que o executado não era devedor, nem por isso, se deve concluir que, nem um nem outro, não são partes legítimas: eram e continuam a sê-lo dado que constam do título como credor e devedor, respectivamente.

Nos termos gerais há, porém, que distinguir entre a legitimidade singular e a legitimidade plural.

No tocante ao litisconsórcio inicial – nos casos em que o título executivo abrange todos os interessados e em que, por isso, a opção entre o litisconsórcio necessário e o voluntário respeita à necessidade ou á dispensa da presença na execução de todos os sujeitos que figuram nesse título – a regra é a seguinte: constando os vários interessados no título – i.e., se o título abranger todos os titulares activos e passivos do direito à prestação – o carácter voluntário ou necessário do litisconsórcio é determinado nos termos gerais (artºs 27, 28 e 28-A do CPC).

A admissibilidade do litisconsórcio voluntário na acção executiva acompanha o regime que vale para a – eventual – acção declarativa. De modo que, se a obrigação for solidária, a acção executiva pode ser instaurada, quanto à totalidade da prestação, por qualquer dos credores ou contra qualquer dos devedores e, portanto, a presença de todos estes interessados na acção executiva constitui, por isso, caso de litisconsórcio voluntário (artº 512 nº 1 do Código Civil); se a obrigação for conjunta, o litisconsórcio entre os vários credores ou devedores é também voluntário, embora se não estiverem todos presentes na execução, esta só possa ser instaurada quanto á quota-parte respeitante ao exequente ou executado (artº 27 nº 1, 2ª parte, do CPC).

Como modalidade possível de litisconsórcio necessário na acção executiva, há que ponderar, fundamentalmente, o litisconsórcio legal (artº 28 nº 1 do Código Civil).

Embora a doutrina não seja acorde quanto à admissibilidade do litisconsórcio necessário na acção executiva[5], a verdade é que a imposição do litisconsórcio tem uma justificação clara sempre que a execução tenha por objecto uma prestação de dare ou de facere, que, segundo a lei ou a convenção das partes, só a todos os devedores possa ser exigida: se a coisa deve ser entregue ou o facto deve ser realizado por todos os devedores, todos eles devem ser demandados como executados (artº 28 nº 1 do CPC e 535 do Código Civil).

Mas o mesmo deve ser observado na execução para pagamento de quantia certa, sempre que a dívida só possa ser exigida, por força da lei ou da convenção das partes, a todos os devedores, de modo a evitar que o património de um só deles responda pelo pagamento da dívida: esta circunstância justifica que se a lei ou a convenção impuser a presença de todos os devedores, o litisconsórcio necessário deva ser mantido na acção executiva (artº 28 nº 1 do CPC)[6].

A ilegitimidade decorrente da preterição de um litisconsórcio necessário pode ser conhecida oficiosamente e ser invocada pelo executado como fundamento da oposição à execução (artºs 495, 814 c) e 816 do CPC).

No ver do recorrente, seria essa justamente a situação jurídica objecto da causa. Apesar da notória confusão entre ilegitimidade substantiva – que se resolve num vício do negócio jurídico quanto às pessoas e que consiste na relação entre a pessoa e o direito ou vinculação que está em jogo no negócio jurídico, relação essa que justifica (legitima) que a pessoa possa por sua vontade interferir com esse direito ou vinculação e que caso não exista determina a nulidade do negócio[7] – e a legitimidade processual, de harmonia com a alegação do apelante, a sua ilegitimidade ad causam resultaria do facto de não se ter obrigado a título principal mas só como garante da sociedade e de não ter sido demandado conjuntamente com esta.

Todavia, este ponto de vista não toma em devida e boa nota a circunstância de a existência de um devedor principal e de um devedor subsidiário não colocar um problema de legitimidade – mas, quando muito, dadas certas circunstâncias, de penhorabilidade subsidiária subjectiva.

É seguro, de harmonia com a cláusula sétima do instrumento que documenta o contrato de trespasse, que o recorrente assumiu uma obrigação de garantia acessória – e uma obrigação de garantia acessória pessoal, dado que adicionou a sua responsabilidade patrimonial à responsabilidade patrimonial de outra pessoa, embora com a particularidade relevante de a pessoa garantida não ter, no momento da constituição da garantia, existência actual.

E esse contrato de garantia pessoal acessória outra coisa não é que uma fiança (artº 627 do Código Civil).

O termo fiança é, porém, polissémico, dado que tanto se refere a uma obrigação de garantia pessoal e acessória – como ao acto jurídico que é fonte dessa obrigação: com este sentido, a fiança é, assim, o acto pelo qual uma pessoa – o fiador – garante ao credor, a título acessório, o pagamento de uma obrigação de terceiro.

O acto pelo qual se presta uma fiança pode ser um contrato – mas no direito português não é incontroverso que tenha de ser um contrato Civil)[8].

                Como contrato, a fiança pode definir-se como o acordo pelo qual uma pessoa - o fiador – garante, face a outra – o credor – a satisfação do seu crédito sobre uma terceira pessoa – o devedor principal (artº 627 nº 1 do Código Civil).

Partes no contrato são, portanto, apenas o fiador e o credor: pode, por isso, haver fiança sem o conhecimento ou mesmo contra a vontade do devedor (artº 628 nº 2 do Código Civil).

                A fiança segue a forma requerida para a obrigação garantida[9], devendo resultar das respectivas declarações de vontade a exacta identificação daquela, o seu valor[10], os sujeitos, etc. (artº 628 nº 1 do Código Civil).

                Entre as características distintivas da obrigação do fiador avulta, seguramente, a da sua acessoriedade (artºs 627 nº 2, 628 nº 1, 628 nº 1, 631 nº 1 e 651 do Código Civil).

                O conteúdo da obrigação do fiador tem o conteúdo da obrigação principal (artº 634 do Código Civil).

                O fiador pode opor ao credor os meios de defesa do devedor e ainda os meios de que defesa que lhe são próprios (artºs 637 e 642 do Código Civil). No perímetro dos meios de defesa específicos do fiador sobressai o benefício da excussão.

                Pelo benefício da excussão, o fiador pode recusar o cumprimento da obrigação garantida enquanto o credor não tiver excutido os bens do devedor, sem obter a satisfação do seu crédito (artº 638 nº 1 do Código Civil e 828 do CPC).

                O fiador pode, porém, renunciar a esse benefício, seja directamente, seja assumindo a obrigação de principal pagador (artº 640 do Código Civil).

A fiança é sempre acessória da obrigação afiançada, mas pode, pois, ser ou não subsidiária desta. No primeiro caso, diz-se que o fiador goza do benefício da excussão, que consiste na faculdade de o fiador se opor à execução dos seus bens enquanto não estiverem executados todos os bens do devedor, susceptíveis de penhora.

Entre nós valem duas presunções de sentido inverso: se a obrigação afiançada for civil, presume-se o benefício da excussão e, portanto, a natureza subsidiária da obrigação do fiador (artº 638 do Código Civil); se, porém, a obrigação afiançada for comercial, presume-se a solidariedade do fiador com o devedor afiançado, ainda que o fiador não seja comerciante (artº 101 do Código Comercial)[11].

Todavia, a circunstância de o fiador gozar do benefício da excussão prévia dos bens do devedor não obsta à sua demanda inicial na acção executiva (artº 828 nºs 2 e 3 do CPC). A execução pode, portanto, ser instaurada quer contra o devedor principal, quer contra o fiador – quer ainda contra ambos (artºs 627 nº 1 do Código Civil e 27 nº 1 do CPC). Se a execução tiver sido movida apenas contra o fiador e este invocar o benefício da excussão, pode o exequente requerer no mesmo processo execução contra o devedor principal, que será citado para integral pagamento (artº 828 nº 2 do CPC); se a execução tiver sido proposta apenas contra o devedor principal e os bens deste se revelarem insuficientes para a satisfação do crédito exequendo, pode esta parte requerer, no mesmo processo, execução contra o fiador (artº 828 nº 3 do CPC).

Este regime torna, pois, patente, que a lei não impõe o litisconsórcio passivo entre o devedor principal e o fiador e, portanto, que este último é dotado de legitimidade ad causam para a execução, desacompanhado do devedor garantido.

De resto, deve ter-se por certo, que, no caso, o recorrente nem sequer goza do benefício de excussão.

Num universo económico disperso por empresários individuais de pequena dimensão, a negociação empresarial processa-se inevitavelmente mediante a transmissão directa da própria empresa, enquanto organização de meios produtivos: no nosso direito, a modalidade clássica desta forma de transmissão é o chamado trespasse do estabelecimento comercial – que pode ser genericamente definido como o negócio de transmissão da propriedade de uma empresa. Este caracteriza-se por duas notas essenciais: por um lado, trata-se de um negócio que tem por objecto directo a empresa, enquanto organização unitária de meios produtivos; por outro, trata-se de um negócio de transmissão da empresa a título definitivo.

Consabidamente, o trespasse tem a natureza de negócio abstracto, portanto, apto a realizar a transmissão da propriedade do estabelecimento através de uma multiplicidade de figuras negociais concretas – doação, troca, dação em cumprimento, entrada social, venda executiva, etc.

Todavia, o negócio mais comum na prática negocial é o contrato de compra e venda (artº 874 do Código Civil).

Na espécie do recurso, tem-se, por certo – sem prejuízo de melhor detalhe - que o negócio translativo do estabelecimento é constituído por uma compra e venda, com a particularidade de os executados – sem prejuízo da obrigação de garantia pessoal que logo assumiram – terem actuado nesse negócio aquisitivo como gestores – representativos - de negócio de pessoa futura, dado que o adquirente – a sociedade comercial P…, Lda. - não tinha no momento da conclusão do contrato, existência actual (artº 464 e 471 do Código Civil)[12].

Portanto, tanto o vendedor como o comprador são comerciantes (artº 13, 2º, do Código Comercial).

Trata-se, assim, de um contrato de compra e venda comercial ou mercantil, ao menos subjectivamente, revestindo a obrigação de pagamento do preço igual natureza (artº 2, 2ª parte, do Código Comercial). E sendo a obrigação de pagamento do preço uma obrigação mercantil, a responsabilidade do recorrente, como fiador, é solidária, solidariedade que, como sabemos, significa, no caso – ausência do benefício da excussão.

Como quer que seja, exacto é, em todo, o caso que o recorrente, ainda que desacompanhado da sociedade comercial em nome da qual concluiu o contrato de trespasse é dotado de legitimidade ad causam para a execução, dado que a lei não impõe em caso algum – mesmo no caso em que o fiador possa invocar o beneficium excussionis – o litisconsórcio entre ele e o devedor principal.

Por este lado, a oposição e o recurso também não dispõem, pois, de bom fundamento.

3.4. Inexequibilidade extrínseca.

A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artºs 2, 4 nº 3 e 45 nº 1 do CPC).

A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artº 45 nº 1 do CPC).

O título executivo cumpre, no processo executivo, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução.

O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[13].

O título executivo exerce, assim, a par da já apontada função delimitadora, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal – uma função probatória – o título executivo é um documento e a sua eficácia probatória é aquela que corresponde ao respectivo documento (artº 45 nº 1 do CPC)[14].

A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título.

O título deve, portanto, incorporar o direito de execução, quer dizer o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação.

Nestas condições não pode ser reconhecido valor executivo ao documento que não contenha, ao menos implicitamente, a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação e o correspondente dever de cumprimento. Para que possa ser usado como título executivo o documento deve incorporar o direito a uma prestação; quando isso não ocorre, nada há a prestar por um sujeito passivo e, por isso, nada há a executar.

Nos casos em que documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível.

                A inexequibilidade extrínseca - do título - constitui idóneo fundamento de contestação da execução (artºs 814 nº 1 a), e 816 do CPC). Se for considerado procedente, esse fundamento traduz-se na falta de um pressuposto processual da execução, o que conduz à instância executiva bem como à caducidade de todos os efeitos produzidos na execução (artº 817 nº 4 do CPC).

Na verdade, o objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

O título que aparelha ou serve de suporte à execução é um documento negocial que corporiza um contrato de trespasse de um estabelecimento comercial.

O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio[15].

O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática do comércio.

                No tocante ao activo o estabelecimento compreende coisas corpóreas e incorpóreas.

No que toca a coisas corpóreas ficam abarcados os direitos relativos, por exemplo, a móveis – mercadorias, matéria primas maquinaria, mobília, instrumentos de trabalho – portanto, todas as coisas que, estando no comércio, sejam, pelo comerciante, afectas a esse exercício. No tocante a coisas incorpóreas pode-se distinguir, por exemplo, o direito ao uso exclusivo da insígnia, do nome do estabelecimento, das marcas, patentes de invenção e os direitos a prestações provenientes de posições contratuais – contratos de trabalho, contratos com fornecedores, contratos de distribuição, de publicidade, de concessão comercial, de agência, de franquia e mesmo contratos relativos a bens vitais (v.g. água, electricidade, gás, telefone) e, bem assim, os direitos provenientes de licenças concedidas pela administração.

Portanto, apesar de no Código Comercial o estabelecimento surgir, algumas vezes, na acepção de armazém ou loja a verdade é que a confusão do estabelecimento com o direito ao local é um erro grosseiro, só compreensível numa fase pré-histórica da teoria do estabelecimento ou da empresa (artºs 95 nº 2 e 263 § único do Código Comercial)[16].

É claro que esta conclusão não colide com a eventualidade do elemento local – independentemente de o empresário ser titular do direito real de propriedade sobre ele ou simplesmente titular de um direito de uso – assumir, no estabelecimento concreto, uma importância extraordinária, qualquer que seja a causa. Com aquela conclusão quer-se simplesmente vincar que, como princípio, o que não se pode afirmar é que o direito ao local absorve o estabelecimento, tanto em termos de função, como em termos de valor.

O estabelecimento notou-se já, pode ser objecto de transmissão definitiva ou temporária. Trata-se, de resto, do ponto mais significativo do seu regime: a possibilidade da sua negociação unitária, através de trespasse – se essa transmissão for definitiva – ou cessão de exploração - se a cedência do estabelecimento for meramente temporária (artºs 1109 e 1112 nº 1 a) do CC)[17].

Em princípio, perante um conjunto de situações jurídicas distintas funciona a regra da especialidade: cada uma delas, para ser transmitida, exige um negócio jurídico autónomo. Estando em causa um acervo de bens ou direitos, a lei e a prática consagrada admitem que a transferência se faça unitariamente. Trata-se de um aspecto que abrange não apenas as coisas corpóreas articuladas, susceptíveis de negociação conjunta através das normas próprias das universalidades de facto, mas também todas as realidades envolvidas, incluindo o passivo. Há-de, porém, reparar-se que não deixa de haver transmissão unitária pelo facto de para a perfeita transferência de alguns dos elementos envolvidos se exigir o consentimento de terceiros. É o que sucede com o passivo, com os contratos de prestação de serviços e com a própria firma (artºs 424 nº 1 e 595 do Código Civil e 44 RNPC). O trespasse do estabelecimento que tudo englobe continua a fazer-se por um único negócio, com todas as facilidades que isso envolve.

O trespasse é, portanto, a transmissão definitiva e unitária do estabelecimento comercial, o que o afasta da cessão de exploração e da concessão do usufruto, por serem transferências pro tempore.
O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente estiver na sua base.

E contrato que está na base da transmissão é, no caso, um contrato de compra e venda, que, de resto, constitui o baricentro dos modernos negócios translativos da empresa (artº 874 do Código Civil).

Há, portanto, que lidar com as regras gerais em matéria de incumprimento do contrato de compra e venda, as quais são aqui aplicáveis, embora com as adaptações impostas pela natureza peculiar e complexa da res negocial (artºs 798 e 892 e ss. do Código Civil e 466 e ss. do Código Comercial)[18].

Do contrato de compra e venda emergem no Direito Português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.

No que tange ao incumprimento do comprador – maxime da sua obrigação de pagamento do preço – deve reconhecer-se ao alienante o direito de promover acção judicial de cumprimento destinada a exigir o pagamento do preço em dívida, acrescido de eventuais juros moratórios ou da cláusula penal que eventualmente tenha sido estipulada e, caso essas prestações se mostrem incorporadas num título, o de promover a sua realização coactiva (artºs 806, 810 e 817 do Código Civil e 102 § 3º do Código Comercial).

No que toca ao incumprimento do vendedor – de longe o mais importante, tanto prática como teoricamente – a questão é bem mais complexa.

                As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

                O vendedor, adstrito ao dever de entregar o estabelecimento, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certo estabelecimento; ele encontra-se ainda vinculado a entregar um estabelecimento isento de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código Civil).

                Prestação de coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado[19].

                Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artº 913 nº 2 do Código Civil). Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Por exemplo, pressupõe-se que o veículo automóvel esteja em condições, físicas e jurídicas, de circular.

                Há, assim, que considerar os regimes próprios previstos em matéria de incumprimento da compra e venda, em particular das garantias legais por vícios da coisa vendida. É decerto o caso da venda de bens defeituosos, sempre que o estabelecimento alienado exiba vícios materiais ocultos, que o desvalorizem ou impeçam a realização da sua função económico-produtiva própria, ou não exiba as qualidades acordadas ou necessárias a essa função, o que sucederá, por exemplo, quando não disponha de acto autorizativo da administração – alvará de licença – para o exercício da actividade económica para que se encontra organizado (artº 913 e ss. do Código Civil). Note-se, porém, que para estes efeitos, relevantes são apenas os vícios do próprio estabelecimento como um todo, que não dos seus elementos individualmente considerados. Não obstante os vícios materiais respeitem frequentemente a determinado ou determinados elementos, decisivo é que aqueles se projectem sobre a unidade jurídico-económica do estabelecimento, afectando a sua actividade, aviamento ou valor globais.

                Neste contexto, deve naturalmente reconhecer-se ao adquirente do estabelecimento o acesso aos meios gerais de defesa contemplados na lei, incluindo a anulabilidade do contrato por erro ou dolo – rectius, a sua resolução – a sanação do vício, a redução do preço e a indemnização (artºs 905 a 915 do Código Civil).

                A lei assinala à prestação de coisa defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do CC)[20].

Assim faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil)[21]. É de caso pensado que se utiliza a expressão supressão do contrato e não a anulabilidade dele, directamente indicada na lei. O uso daquela expressão teve em vista compreender o entendimento segundo o qual a venda de coisa defeituosa faculta ao comprador não o exercício da faculdade de requerer a anulação do contrato, mas de promover resolução dele e que, portanto, não trata de um problema de erro mas de incumprimento

A remissão para o regime da venda de bens onerados operada na lei no caso de venda de coisas defeituosas, levaria, realmente a pressupor que não se está perante um caso de resolução, dado que se fala na anulabilidade do contrato (artº 905, ex-vi artº 913 do Código Civil). Mas à semelhança do que deve entender-se relativamente à venda de bens onerados, no tocante à venda de coisas defeituosas, o caso é de resolução e não de anulabilidade do contrato[22]. Trata-se, de resto, como nota a doutrina, da posição quase unânime da jurisprudência[23].

Em qualquer caso, o defeito da coisa prestada só pressupõe a aplicação do regime da venda de coisas defeituosas, caso o comprador o desconheça sem culpa. Há, portanto, que fazer um distinguo entre o defeito oculto do defeito aparente e do defeito conhecido. Defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente: inversamente, sempre que a desconformidade se puder revelar mediante um exame diligente – o defeito é aparente. Por último, o defeito conhecido corresponde aos vícios da coisa que foram relevados ao comprador, quer pelo vendedor quer por terceiro, ou de que ele se apercebeu pela sua perícia. Por força do princípio da boa fé, é radicalmente diferente a situação do comprador que desconhece o defeito, daquele que tem inteira consciência dele ou que o desconhece por falta de diligência. Numa palavra: os remédios que a lei disponibiliza ao comprador para o caso de defeito da prestação - v.g. a resolução do contrato – só podem actuar-se no caso de defeito oculto. Nos termos gerais, a prova do defeito vincula o comprador, presumindo-se a culpa do vendedor, se realmente padecer do defeito alegado (artºs 342 nº 1 e 799 nº 1 do Código Civil).

Qualquer cessação do contrato, e salvo determinadas excepções legais, acarreta a extinção das obrigações dele emergentes, o mais das vezes complexas. A figura que deve ser isolada, dado o problema que o acórdão deve resolver, é a da resolução.

                A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (artº 433 do Código Civil). Fala-se também por vezes em rescisão: esta equivale à resolução, sendo utilizada, preferencialmente, para designar a resolução fundada na lei.

                Este esquema é meramente tendencial: a própria lei introduz algumas variantes, sendo certo que as partes, dentro de certos limites, podem também incluir adaptações. Assim, por exemplo, a resolução pode ser não retroactiva (artº 434 nº 2 do Código Civil). É o que sucede nos contratos de execução continuada e com trato sucessivo – v.g., os contratos de locação, de fornecimento e de seguro – em que a resolução não afecta as prestações já efectuadas, a não ser que a sua interligação com a causa resolutiva legitime uma resolução plena.

                A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432 nº 1 do Código Civil).

                O caso mais nítido de resolução com base legal é o que ocorre perante o incumprimento definitivo do contrato: quando uma das partes não cumpra um contrato bivinculante - ou na expressão da lei, bilateral – tem a outra direito à resolução.

                O Código Civil fala na resolução por incumprimento a propósito da impossibilidade culposa imputável ao devedor (artº 801 nº 1 do Código Civil). A ideia é a de que perante o incumprimento definitivo, o interesse do credor desvanece-se e o contrato é, juridicamente, impossível. Em qualquer caso, dúvida não resta que a lei visa, com aquela disposição, permitir a um contraente livrar-se de um contrato que o outro incumpriu.

                A resolução por incumprimento implica o chamado incumprimento definitivo (artº 801 nº 1 do Código Civil). O não cumprimento simples apenas levaria à mora; só quando fosse ultrapassado o prazo razoavelmente fixado pelo credor ou, quando objectivamente, desaparecesse o interesse deste na prestação, se poderiam transcender as consequências da mora. O credor poderia, então, resolver o contrato, entre outras medidas, com relevo para a indemnização.

                Há mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado (artº 804 nº 2 do Código Civil). A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido. Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efectuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efectivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor (artº 799 nº 1 do Código Civil). Da mora do devedor emerge, como primeira consequência, uma imputação dos danos, constituindo-se aquele no dever na obrigação de reparar todos os prejuízos que, com o atraso, tenha causado ao credor (artº 804 nº 1 do Código Civil).

                A regra estabelecida na lei é, portanto, a de que a mora do devedor não faculta imediatamente ao credor a resolução do contrato do qual emerge a obrigação que não foi pontualmente cumprida. Tendo a obrigação não cumprida por fonte um contrato bivinculante para que o credor possa resolvê-lo, libertando-se do seu dever de prestar, é necessário, em princípio, que a prestação da contraparte se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor (artº 801 nº 1 do Código Civil).

                Só assim não será, acrescenta o mesmo Código, se, em consequência da mora, o credor perder o interesse que tinha na prestação, ou o devedor não a realizar dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor. Em qualquer destes casos, considera-se, também, para todos os efeitos, a obrigação não cumprida (artº 808 nº 1 do Código Civil)[24]. Quando isso ocorre, a mora é equiparada, para todos os efeitos, ao não cumprimento definitivo culposo, e, consequentemente, abre ao credor a porta da resolução do contrato (artºs 802 nº 2 e 801 do Código Civil).

                A lei, porém, não se contenta, para facultar ao credor o remédio da resolução do contrato, com a simples perda subjectiva do interesse do credor na prestação em mora. A lei é muito mais exigente, reclamando, para que se produza esse efeito, que a perda do interesse na prestação seja apreciada objectivamente.

                Não basta, portanto, que, por exemplo, o contraente alegue ter perdido o interesse que tinha na realização do contrato prometido definitivo; é indispensável que a perda seja justificada à luz de circunstâncias objectivas, quer dizer, segundo um critério de razoabilidade, próprio do comum das pessoas.

                Portanto, a perda do interesse na prestação não pode assentar numa simples mudança de vontade do credor, sendo-lhe, por isso, vedado alegar, para fundamentar a resolução, o facto de, por virtude de o devedor se haver constituído em mora, o contrato definitivo não ser já do seu agrado; também não basta para fundamentar a resolução, qualquer circunstância que, segundo o juízo do credor, justifique a supressão da fonte da obrigação não cumprida na altura própria: devendo aquela perda ser valorada objectivamente, não é suficiente o critério subjectivo do credor[25].

                E porque se exige, não simplesmente a diminuição ou redução do interesse do credor na realização da prestação, mas a perda absoluta, completa, desse interesse, esta só ocorrerá no caso de desaparecimento da necessidade do credor a que a prestação visava responder.

                Nestas condições, a perda do interesse do credor significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visava satisfazer. Se o credor já não tem interesse na prestação, o caso já não é em rigor de simples retardamento do cumprimento – mas de não cumprimento definitivo. Assim, não há que exigir ao credor que fixe ao devedor um prazo para o cumprimento, pois dada a sua falta de interesse, essa fixação não teria qualquer justificação: o credor pode recusar a prestação e exigir indemnização pelo não cumprimento, como se de qualquer outro não cumprimento definitivo se tratasse.

                Por último – como se notou já - o incumprimento definitivo surge não apenas quando for força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento. Quando tal ocorra, não se torna necessário que o credor lhe assine um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo: a declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato, ou afirma de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação.

                Abstraindo dos casos em que a mora faz desaparecer o interesse do credor na prestação, há que considerar toda uma constelação de situações em que não seria razoável forçar o credor a esperar indefinidamente o cumprimento, i.e., a realização da prestação devida. A lei, sensível à injustiça da situação, concede ao credor a faculdade de, relativamente ao devedor constituído em mora, lhe fixar um prazo razoável, peremptório e suplementar, dentro do qual deverá cumprir sob pena de extinção, por resolução, do contrato (artº 808 nº 1, 2ª parte, do Código Civil). Trata-se da interpelação ou intimação cominatória que pode conduzir à extinção do contrato se a obrigação não for satisfeita dentro do prazo razoável nela fixado (artº 801 nºs 1 e 2 do Código Civil).

                Este remédio que a lei disponibiliza ao credor tem directamente em vista os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial ou em que o credor não possa alegar, de modo objectivamente fundado, a perda, por efeito da mora, do interesse na prestação.

                A interpelação admonitória, com fixação de um prazo peremptório para o cumprimento, resolve-se, portanto, numa intimação formal, dirigida ao devedor incurso em mora, para que cumpra, dentro do prazo assinado, sob esta pena grave: considerar-se definitivo o seu não cumprimento.

                Aquela interpelação desdobra-se, analiticamente, em três elementos: a intimação para o cumprimento; a fixação de um terminus ad quem peremptório para esse cumprimento; a cominação – declaração admonitória – de que a obrigação se considera definitivamente não cumprida se a realização da prestação devida se não verificar dentro do prazo assinado[26].

                Na interpelação de prazo admonitório, para além da consequência de se considerar a prestação devidamente incumprida, por economia de meios, pode incluir-se a declaração condicional de resolução do contrato; caso em que, transformando-se a mora em incumprimento definitivo pelo decurso do prazo suplementar, preenche-se a condição suspensiva e o contrato resolve-se[27].

                A interpelação admonitória é nitidamente uma declaração receptícia e, por isso, torna-se definitiva e irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou dele é conhecida, e, como regra, a partir desse momento, ao credor já não é lícito exigir o cumprimento (artº 224 do Código Civil).

                A lei é terminante na declaração de que o prazo fixado pelo credor deve ser razoável. É intuitivo que a razoabilidade do prazo variará em função da natureza da prestação. Sem pretensão de formulação de uma regra de valor universal, dir-se-á que o prazo é razoável se, em face das circunstâncias concretas, tendo em conta a regra de cooperação intersubjectiva representada pela boa fé, permitir ao devedor a realização da sua prestação (artº 762 nº 2 do Código Civil)[28]. Deve, portanto, ser um prazo suficiente para que o devedor cumpra e, simultaneamente, que não prejudique ou importe o desaparecimento do interesse do credor na prestação. O devedor pode, naturalmente, de modo a evitar as consequências que a lei assinala ao não cumprimento definitivo, discutir posteriormente em tribunal a razoabilidade do prazo. Caso se lhe dê razão, nem por isso se ressuscita uma relação extinta: a sentença limitar-se-á a declarar a subsistência da relação anterior em virtude da ineficácia a declaração admonitória anterior e da consequente declaração de resolução.

                A questão de saber qual a consequência jurídica de uma resolução indevida, i.e., sem fundamento legal ou convencionado, não tem sido objecto de atenção detida da doutrina.

                A solução que deve ter-se por exacta obriga a um distinguo, consoante o resolvente tem ou não o direito de por termo ao contrato mediante uma denúncia ad nutum, embora, eventualmente, o faça sem pré- aviso. No primeiro caso, a resolução sem fundamento, ao menos na maioria dos casos, deve ser equiparada a uma denúncia sem pré-aviso; no segundo caso, a resolução será ineficaz, por não ter, juridicamente, fundamento e o resolvente não dispor do direito potestativo correspondente[29].

                Se a relação contratual, cuja resolução foi declarada ilícita, ainda pode ser executada, não obstante esta declaração de vontade ter efeito extintivo, o vínculo obrigacional subsiste. A declaração de ilicitude da resolução e a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria implica a manutenção do contrato. A subsistência do vínculo ilicitamente resolvido depende, em todo o caso, do preenchimento de três pressupostos: que o cumprimento das prestações ainda se mostre possível; que parte lesada tenha interesse na execução do contrato; que essa execução não seja excessivamente onerosa para quem o resolveu ilicitamente.

Tudo isto deve, porém, ser lido à luz desta consideração: a interpelação admonitória pressupõe que o credor ainda não tenha perdido o interesse no cumprimento. Se o credor perdeu já, objectivamente, o interesse da prestação, se esse interesse já desapareceu, não faz sentido assinalar ao devedor qualquer prazo suplementar para o cumprimento, uma vez que a realização da prestação dentro desse prazo já não serve o interesse do credor em vista do qual se convencionou a prestação.

                A lei civil substantiva fundamental portuguesa adopta no tocante à resolução do contrato um sistema declarativo: a resolução opera por simples declaração à outra parte, portanto, sem necessidade de intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. Por outras palavras, a resolução opera ope voluntatis e não ope judicis (artº 436 nº 1 do Código Civil). A natureza potestativa da declaração de resolução imprime-lhe as características da unilateralidade recipienda, da irrevogabilidade, da incondicionalidade e da concretização dos respectivos fundamentos (artºs 224 nº 1, 1º parte, e 230 nº 1 do Código Civil).

                Essa declaração não está sujeita a forma especial, ainda que o contrato a cuja resolução se dirige o esteja[30] e, por isso, pode ser meramente tácita (artº 217 nºs 1 e 2 do Código Civil). A declaração negocial da qual resulta a resolução do contrato pode ser expressa, afirmando a parte peremptoriamente que pretende a resolução; mas pode também ser meramente tácita, o que ocorrerá com a declaração na qual a parte que a emite não afirma claramente que tem a intenção de extinguir o contrato, mas de que se deduza que é esse o seu propósito. Assim, por exemplo, a reclamação da entrega da coisa vendida a prestações por parte do vendedor consubstancia, tacitamente, numa declaração de resolução do contrato[31].         

Na espécie do recurso, os executados, com fundamento no facto de o estabelecimento não dispor de alvará para o exercício da actividade de oficina de automóveis mas apenas para a de garagem, promoveram, extrajudicialmente, a resolução do contrato de trespasse – rectior, do contrato de compra e venda – tendo feito chegar à exequente a declaração receptícia correspondente.

E fundados nessa resolução – e, portanto, na extinção da fonte da obrigação cuja realização coactiva é objecto da execução – concluíram pela inexequibilidade do título que lhe serve de suporte.

Simplesmente, a sentença apelada desamparou um tal motivo de contestação da execução, tendo concluído - com base no facto de os executados conhecerem, no momento da conclusão do contrato, o exacto conteúdo do alvará de que o estabelecimento dispunha - pela falta de fundamento da resolução e, portanto, pela ineficácia da declaração resolutiva dirigida pelos executados à exequente.

Mas uma tal proposição conclusiva – sustenta o recorrente – só se explica pelo error in iudicando em que incorreu o decisor da 1ª instância da questão de facto relevante.

 3.5. Parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

                É indiscutível a afirmação de que, a par da utilização de um processo justo e da escolha e interpretação correctas da norma jurídica aplicável, um dos fundamentos de uma decisão justa é o da verdade na reconstituição dos factos objecto do processo.

De nada vale ao juiz uma compreensão exacta da norma aplicável ao caso se, do mesmo passo, se deixa equivocar na apreciação da matéria de facto. O error in iudicando da questão de facto traz consigo, inevitavelmente, um erro de direito; erro esse que, nem por ter aquela causa, resultará menos sensível para os destinatários lesados.

A reconstrução da espécie de facto, o saber na realidade como as coisas são ou se passaram, quando este conhecimento dependa de elementos de prova cuja apreciação é deixada ao prudente critério do juiz, é uma actividade extraordinariamente delicada – que ele terá de levar a cabo sem nenhuma ou quase nenhuma ajuda, pode dizer-se, da ciência do direito, que, nada ou quase nada, lhe pode dizer[32].

As dificuldades do controlo da exactidão do julgamento da questão de facto resultam, fundamentalmente, da falta de homogeneidade da assunção das provas pelo tribunal de 1ª instância e pela Relação e da natureza da actividade de julgamento da questão de facto.

A Relação é normalmente um tribunal de 2ª instância. Pela sua própria índole, a Relação tem competência para apreciar e conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto. O recurso de apelação é precisamente aquele que, segundo a sua natureza de recurso amplo, deveria ter eficácia e alcance para submeter à consideração da Relação toda a matéria da causa.

A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido.

O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas.

Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem. É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento ou a sua transcrição (artºs 685-B nºs 1 a 4 e 712 nºs 1, a) e b), e 2 do CPC).

O registo dos actos de produção da prova é feito por gravação, em regra, por meios sonoros (artºs 522-B e 522 C) nºs 1 e 2 do CPC). Essa gravação é efectuada, também em regra, por equipamentos existentes no tribunal e por funcionário de justiça (artºs 3 nº 1 e 4 do Decreto Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro).

O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).

Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in iudicando[33]. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.

Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[34].

Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação.

De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não-verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[35]. Realmente, a expressão oral é apenas uma parte bem diminuta da comunicação e, por isso, existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[36]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem.

A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[37] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. As dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.

Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[38].

Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.

O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.

Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa maior é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit - daquilo que normalmente sucede[39].

Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[40].

O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta.

Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, no sentido já apontado. É o caso, por exemplo, da prova testemunhal (artº 396 do Código Civil). Essa apreciação baseia-se – já se notou – na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, quer dizer, em regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artº 655 nº 1 do CPC). Neste contexto, nada impede, por exemplo, que a convicção do juiz se funde no depoimento de uma única testemunha[41].
Constitui património comum dos operadores judiciários a extraordinária cautela com que deve ser manejada a prova testemunhal, dado o perigo da sua infidelidade, seja ela involuntária – v.g., por erro de percepção ou de retenção do facto – ou voluntária – por vício de parcialidade.
Dadas todas as possíveis causas de erro que actuam sobre a prova testemunhal, é natural uma atitude de desconfiança e desânimo por parte de quem se vê forçado a decidir sobre a base de semelhante prova e uma atitude de desconforto por banda de quem tem de controlar uma decisão assente numa prova a que se associa uma tão larga falibilidade. O desencanto é tanto mais lamentável quanto é certo que na prática dos tribunais a prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir.
Considerada a enorme variedade de causas que podem dar lugar a que a testemunha não possa ou não queria dizer a verdade, deve usar-se de grande cautela em relação a esta prova e só a sua valoração sob o signo estrito da oralidade e da imediação permite estabelecer, adequadamente, o efeito persuasivo que, em cada caso, lhe deve ser assinalado. De resto, aquele princípio e este seu corolário são comprovadamente adequados a extirpar um dos maiores males da prova testemunhal: a mentira.
Como já se reparou, o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática.
No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal.
A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[42].

As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela.

3.5.1. Reponderação da decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância.

3.5.1.1. Delimitação do objecto da impugnação e da reponderação.

O recorrente reputa de incorrectamente julgados os pontos de facto inclusos na base instrutória sob os nºs 3º a 5º, 11º e 12º.

Mas é claro que não há que reponderar o julgamento de todos estes pontos de facto.

                De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa[43].

Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção. E relativamente aos factos que correspondam aos possíveis enquadramentos jurídicos da causa, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos principais ou essenciais e não sobre os instrumentais. È que se o facto principal for julgado provado ou não provado, os respectivos factos instrumentais tornam-se irrelevantes.

Nestas condições, de todos os factos objecto da impugnação da recorrente, apenas há que reponderar o julgamento deste facto principal: o relativo à ignorância, pelos executados, do facto de o local em que se encontra instalado o estabelecimento apenas dispor de licença de utilização para garagem e não também para o exercício do comércio de pneus e de oficina de automóveis, objecto do ponto de facto incluso na base instrutória sob o nº 5 e que foi declarado não provado.

De resto, sempre estaria excluída a possibilidade de reponderação dos factos insertos na mesma base sob o nºs 3º e 12º. Por esta razão simples mas sólida.

O tribunal da audiência deve restringir a sua apreciação à prova validamente produzida na audiência, por isso que é considerada inexistente qualquer resposta desse tribunal sobre factos que só possam ser provados por documento (artº 646 nº 4, 2ª parte, do CPC).

Realmente, o acto administrativo autorizativo, a licença administrativa em que resolve a autorização de utilização – que é titulada por alvará – só documentalmente pode provar-se (artºs 4 nº 1 e 62 nº 1 do RJEU, aprovado pelo DL nº 555/99, de 16 de Dezembro). O mesmo sucede com o contrato de arrendamento se, como é comum, a sua duração for superior a seis meses (artº 1069 do Código Civil). Como a licença de utilização só documentalmente pode provar-se, qualquer resposta do decisor de facto sobre tal facto sempre se teria por não escrita e, logo, por inexistente (artº 646 nº 4, 2ª parte do CPC). O que não impediria o uso do facto correspondente pela sentença, já que esta deve utilizar, como fundamentos de facto, todos os factos adquiridos durante a tramitação da causa, designadamente os provados por documentos juntos ao processo, por iniciativa das partes ou tribunal (artºs 523, 524, 535 e 659 nº 3 do CPC).

E o alvará de licença de utilização emitido pela CM de … incluso a fls. 45, mostra que, realmente, no local em que se encontra instalado o estabelecimento, apenas pode ser exercida a actividade de garagem e stand – e não também a de comércio de pneus e de oficina de automóveis.

De outro aspecto – e como já se observou – apesar de ter julgado não provado o facto objecto do quesito 5º, a sentença impugnada, por nítido erro de julgamento, utilizou como fundamento de facto, um facto que nem sequer foi alegado: que os executados tiveram conhecimento do conteúdo da licença de utilização do local antes da assinatura do documento que corporiza o contrato de trespasse.

E que provas é que, segundo o recorrente, foram incorrectamente valoradas? Só uma: o depoimento da testemunha …, reformado, que conhece os executados há mais de 12 anos, sobretudo o opoente, que é quase seu vizinho.

3.5.1.2. Reponderação do julgamento.

A leitura da motivação com que o decisor de facto da 1ª instância fundamentou o julgamento do ponto de facto incluso na base instrutória com o nº 5 mostra que a prova que teve por decisiva para o julgar não provado, foi o depoimento da testemunha, oferecida pelo recorrente, J…, economista, que conhece os executados por ter tido com eles uma relação profissional – a elaboração de um projecto de investimento para uma candidatura a um programa estatal.

E, realmente, no interrogatório fundamental e nas instâncias a que foi sujeito, esta testemunha asseverou que no dia em que eles estavam a assinar o contrato o Sr. … telefonou-me e disse-me: olhe, eles têm aqui uma licença e acho que era para stand de automóveis ou coisa assim. E eu disse-lhe, assim não vai dar; e ainda assim, eles assinaram o contrato. Interrogado pela Sra. Juíza de Direito, a testemunha assegurou, que no dia do contrato, quando me ligou ele – o recorrente – ele disse que não há também problema, consigo resolver a situação na Câmara, aquilo já está aberto há tanto tempo; a Câmara sabe, não deve haver problema.

Este depoimento convence – dada a razão de ciência que o anima a espontaneidade com que foi prestado e o desinteresse da testemunha no desfecho da causa – para além da dúvida que se deva ter por razoável, que os executados antes da conclusão do contrato tiveram conhecimento do exacto conteúdo da licença de utilização do local em que o estabelecimento estava instalado e, portanto, das actividades que nele era lícito exercer e, não obstante, optaram pela sua celebração.

Na sua alegação, o recorrente não adianta qualquer argumento ordenado para o propósito de diminuir ou desvalorizar a força persuasiva deste depoimento nem alega qualquer circunstância que ponham o tribunal de sobreaviso na apreciação da respectiva força probatória, limitando-se a contrapor-lhe, para mostrar o erro de julgamento que assaca ao ponto de facto discutido, o depoimento da testemunha ...

Quanto ao depoimento desta testemunha, o primeiro aspecto que fere a atenção diz respeito à sua razão de ciência, que assenta, quanto ao facto cujo julgamento se controverte, sobretudo, em conversas que manteve com o recorrente. Isto é, aliás, patente, desde logo, nos extractos do depoimento da testemunha que o recorrente transcreveu na sua alegação.

 É verdade que, perguntada pelo Exmo. Advogado do recorrente, que se eles – os executados - soubessem que não podiam exercer lá essa actividade, que aquilo não se podia fazer lá mudanças de óleo, reparações de automóveis, etc., o negócio teria sido feito, eles teriam optado por aquele local, ou teriam arranjado outra solução, a testemunha foi peremptória em declarar que é óbvio que não fariam esse negócio; se eles iam para uma actividade de mecânica, é óbvio que eles não iam para esse negócio, se aquilo não dava para esse efeito.

Todavia, neste troço, a testemunha não narra um facto, antes exprime uma opinião ou um juízo de valor. E não é óbvio que, apesar das limitações da licença de utilização, não quisessem a concretização do negócio, como linearmente decorre do depoimento da testemunha Jorge Pinto, do qual se depreende que o contrato foi concluído com inteiro conhecimento das limitações da licença de utilização do local, embora na esperança, parece, de conseguir o licenciamento autárquico para uma utilização mais ampla.

O depoimento da testemunha em que o recorrente funda a impugnação, quer considerado de per se, quer quando contrastado com o depoimento da testemunha José Pinto, é nitidamente inidóneo para julgar provado o facto objecto do quesito 5º, que, portanto se deve ter, definitivamente, por não provado – embora dessa resposta negativa não decorra o facto inverso indevidamente utilizado pela sentença: o conhecimento pelos executados, antes da assinatura do contrato, do conteúdo exacto do alvará de utilização que integrava o estabelecimento.

Em absoluto remate: apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – através da audição do registo sonoro dos depoimentos prestados em audiência, conjugado com a leitura dos extractos de um desses depoimentos constantes da alegação da recorrente – não há razão para concluir que a decisão recorrida tenha incorrido num error in iudicando das provas e, correspondentemente, para modificar esse julgamento.

O sentido da decisão é dado pelos factos fornecidos pelo processo com consideração do princípio da aquisição processual e da análise do ónus da prova (artºs 515 e 516 do CPC e 346, 2ª parte, do CPC). E face aos factos apurados, a improcedência deste fundamento recurso é meramente consequencial.

3.6. Concretização.

Decorre dos factos apurados que a exequente comunicou aos executados que o estabelecimento alienado dispunha de alvará para o exercício das actividades de comércio de pneus e óleos e sua substituição, calibragens, alinhamento de direcções e lavagem de viaturas, facto que não é exacto, dado que a licença de utilização apenas permitia, efectivamente, o exercício, no local, das actividades de garagem e stand.

Todavia, como resulta da exposição anterior, o recorrente não demonstrou que esse vício material do estabelecimento fosse oculto, e, portanto, que na conclusão do contrato a sua vontade – e a do co-executado - estivesse ferida por um erro-vício, traduzido na ignorância ou na falsa representação de uma realidade com intervenção relevante entre os motivos da declaração negocial, ou, vistas as coisas pelo lado do cumprimento, que a exequente tivesse cumprido mal e definitivamente a sua prestação de entrega do estabelecimento alienado, entregando aos executados um estabelecimento com defeito.

E na falta da prova desse facto essencial – verdadeiramente constitutivo do direito potestativo extintivo de resolução do contrato – segue-se que os executados não dispunham de um tal direito e, correspondentemente, que a declaração de resolução daquele contrato que dirigiram à exequente é ineficaz. E sendo a resolução ineficaz, aquele contrato mantém-se e, portanto, continuou a incorporar o direito à execução, ou seja, o direito da exequente a executar o património dos executados para obter a satisfação coactiva do seu direito à prestação pecuniária em que o preço da alienação, de que os executados são devedores, se resolve. Numa palavra: o título executivo que serve de suporte à execução é – em face da ineficácia da resolução do negócio jurídico que documenta – extrinsecamente exequível, concedendo à exequente o direito de execução.

Nestas condições, o recurso deve improceder.

Expostos todos os argumentos afirma-se, em síntese, que:

a) O vício da nulidade substancial da sentença, por contradição intrínseca só ocorre quando a colisão se verifica entre os fundamentos e a decisão;

b) Mesmo no caso em que o fiador goza do benefício da excussão, a lei não impõe o litisconsórcio necessário entre aquele o devedor principal, podendo a execução ser promovida que contra o devedor, quer contra o fiador, quer contra ambos;

c) Se o contrato que esteve na base do trespasse é uma compra e venda, são aplicáveis, em matéria de incumprimento, as regras gerais deste tipo contratual, designadamente, as relativas à venda de bens defeituosos, sempre que o estabelecimento alienado exiba vícios materiais ocultos, que o desvalorizem ou impeçam a realização da sua função económico-produtiva própria, ou não exiba as qualidades acordadas ou necessárias a essa função;

d) Os vícios ocultos do próprio estabelecimento como um todo, que não dos seus elementos individualmente considerados, que se projectem sobre a unidade jurídico-económica do estabelecimento, afectando a sua actividade, aviamento ou valor globais, facultam ao adquirente a resolução do contrato transmissivo, mas apenas no caso de não cumprimento definitivo pelo alienante da sua prestação;

e) É ineficaz a resolução do contrato transmissivo do trespasse que não tenha juridicamente fundamento, por o resolvente não dispor do direito potestativo extintivo correspondente.

As custas do recurso deverão ser satisfeitas pelo recorrente, dado que nele sucumbe (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2 deste diploma legal e 8 nº 1 e 9 nº 1 da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro).

                4. Decisão.

                Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

                Custas pelo recorrente, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da tabela I-B, que integra o RCP.

                                                                                                                            

                                                                                                                             Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                                             José Avelino Gonçalves

                                                                                                                             Regina Rosa                        


[1] Acs. da RC de 11.01.94, BMJ nº 433, pág. 633, do STJ de 21.10.88, BMJ nº 380, pág. 444 e de 30.05.89, BMJ nº 387, pág. 456 e da RC de 21.01.92, CJ, I, pág. 86.
[2] V.g., Ac. do STJ de 31.01.91, BMJ nº 403, pág. 382 e 09.04.92, BMJ nº 416, pág. 558.
[3] Acs. do STJ de 23.10.73, BMJ nº 228, pág. 230, de 04.06.74, BMJ nº 228, pág. 211, de 08.01.91, Act. Jud. nº 15/16, da RC de 07.07.92, BMJ nº 419, pág. 835 e da RE de 16.12.93, BMJ nº 432, pág. 453.
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, págs. 144 e 145.
[5] Contra essa admissibilidade, José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Coimbra, 1984, pág. 97 e restringindo-a às execuções para entrega de coisa certa e para prestação de facto, Anselmo de Castro, A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, 2ª edição, Coimbra, 1973, pág. 83.
[6][6] José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, págs. 136 e 137 e Miguel Teixeira de Sousa, pág. 151.
[7] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, Lisboa, 1995, págs 427 e 428.
[8] Cfr., sobre o problema de saber se a fiança pode ser prestada por negócio unilateral ou se o deve ser por contrato, cfr., Manuel Januário da Costa Gomes, A Estrutura Negocial da Fiança e Jurisprudência Recente, Estudos de Direito das Garantias, vol I., Almedina, Coimbra, 2004 págs. 48 a 107, M. Henrique Mesquita, Parecer, CJ, XI, IV, pág. 25 e Vaz Serra, Fiança e Figuras Análogas, BMJ nº 71 (Separata), Lisboa, 1957, págs. 11 e ss.
[9] A exigência de forma vale, no entanto, apenas para a declaração de vontade do fiador; a do credor não reclama qualquer forma especial. Cfr. Acs. da RC de 28.02.89 e de 05.07.89 e da RL de 01.10.92, CJ, XIV, II, pág. 45 e IV, pág. 50 e XVII, II, pág. 163, respectivamente.
[10] Sobre a determinabilidade do objecto na fiança omnibus, cfr. o Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/01, DR, I Série, A, nº 57 de 08.03.01 e Manual Januário da Costa Gomes, O Mandamento da Determinabilidade na Fiança Omnibus e O AUJ nº 4/2001, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 49 e ss. Evaristo Mendes, Fiança Geral, RDES XXXVII (1995), pág. 137 e António Menezes Cordeiro, Impugnação Pauliana - Fiança de Conteúdo Indeterminável, CJ, XVII, III, pág. 61.
[11] Esta solidariedade é, porém, imperfeita, porque a acessoriedade impede a aplicação do regime da solidariedade em toda a sua extensão, particularmente nas relações entre fiador e devedor afiançado.
[12] No sentido da admissibilidade da gestão de negócio para pessoa futura, cfr. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 409, e Vaz Serra, BMJ nº 66, pág. 99. Mas como a pessoa futura é uma sociedade comercial, há que lidar com as regras específicas da assunção pela sociedade de negócios anteriores ao registo – problema que não foi nem vem colocado no recurso (artº 19 do CSC).
[13] J. C. Ferreira de Almeida, “Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19 (1965), pág. 317 e ss.
[14] A exequibilidade do título é aferida pela lei vigente à data da proposição da acção executiva, de maneira que, ainda que o documento não possua força executiva no momento em que é elaborado, a execução torna-se admissível se essa eficácia lhe foi conferida por lei posterior. Relativamente às modificações da eficácia executiva de um título nas execuções pendentes, rege o princípio da aplicação imediata da lei nova, sempre que esta conceda exequibilidade a um documento que anteriormente dela não dispunha, visto que, caso se devesse julgar inadmissível, por inexequibilidade do título, a execução pendente, o exequente poderia requerer de imediato uma outra acção executiva com base no mesmo título. Cfr. Acs. da RE de 02.02.89, BMJ nº 384, pág. 681 e do STJ de 29.08.93, CJ, STJ, III, pág. 49.
[15] A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Lex, Reprint págs. 117 a 120; Barbosa de Magalhães, Do Estabelecimento Comercial, 2ª ed., 1964 e Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª ed., 1979, pág. 259.
[16] Orlando Carvalho, “Alguns aspectos de negociação do estabelecimento”, RLJ, ano 115, pág. 9).
[17] Manuel Januário Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento, Almedina, Coimbra, 1980, págs. 175 e 176 e Ac. do STJ de 29.9.98, CJ, STJ, ano VI, 3, pág. 41.
[18] José Engrácia Antunes, “A empresa como objecto de negócios – “asset deals”, versus “share deals”, ROA, Ano 68, Setembro/Dezembro de 2008, pág. 651 e ss.
[19] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim da coisa prestada pelas partes – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[20] Ressalva-se, evidentemente, a responsabilidade sem culpa do vendedor, se for dada garantia de bom funcionamento (artº 921 do Código Civil). Mas esta responsabilidade objectiva não vale para todas as pretensões edilícias – mas apenas para os deveres de reparar a coisa e de proceder à sua substituição.
[21] Cfr., v.g., Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, págs. 129 e 130, e Acs. do STJ de 26.6.95, CJ (STJ), II, pág. 143, da RC de 28.03.89 CJ XIV, II, pág. 47 e da RP de 13.05.93, CJ, XVIII, III, pág. 201.
[22] Assim, v.g., João Batista Machado, “Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas”, BMJ nº 215, págs. 45 e ss., Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 136 e 137, Carneiro da Frada, “Erro e incumprimento na não conformidade da coisa com o interesse do comprador”, O Direito, Ano 121, 1989, págs. 463 e ss. e “Perturbações típicas do Contrato de compra e venda”, Direito das Obrigações, 3º Volume, sob a coordenação de Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, págs. 89 e ss. Em sentido contrário, v.g., Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, Contratos em Especial, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 122,
[23] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 254. Todavia, como este mesmo autor, faz notar, há que fazer um distinguo entre as espécies jurisprudenciais que, aludindo à anulação com base no erro, não retiram qualquer conclusão do regime do erro, e as que afirmam peremptóriamente não se tratar de erro – mas de incumprimento.
[24] Ac. do STJ de 07.03.06, www.dgsi.pt.
[25] João Batista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, págs. 135 a 137 e Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Lisboa, 1968, pág. 20, nota 3, e Ac. do STJ de 05.07.07, www.dgsi.pt.
[26] João Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, pág. 164 e Ac. do STJ de 10.07.08, www.dgsi.pt.
[27] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 139 e Ac. da RP de 27.04.95, BMJ nº 446, pág. 352.
[28] Ac. do STJ de 29.06.96, www.dgsi.pt.
[29] Cfr., sobre o problema, António Pinto Monteiro, Denúncia de um contrato de concessão comercial, RLJ, Separata, 1998, págs. 71 a 73 e Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, Coimbra, 2009, pág. 1674, nota 4861.
[30] Como sucede, por exemplo, no tocante ao contrato promessa. Cfr. Ac. do STJ de 09.05.95, CJ (STJ), II, pág. 66
[31] Ac. do STJ de 28.11.75, BMJ nº 251, pág. 272 e Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 71 e 72 e 175.
[32] Manuel de Andrade, Sentido e Valor da Jurisprudência, BFDUC, Vol. XLVIII, Coimbra, 1972, pág. 227.
[33] Ac. do STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[34] Acs. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[35] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221.
[36] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[37] Acs. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[38] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[39] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[40] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[41] Ac. da RC de 18.05.94, BMJ nº 437, pág. 598.
[42] Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330.
[43] Ac. da RE de 09.06.94., BMJ nº 438, pág. 571.