Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
606/11.2TBPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ACÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 21º, NºS 1 E 7 DO DL Nº 149/95, DE 24/06.
Sumário: I – Não satisfeita a entrega do bem que justificou recurso à providência cautelar, não tem apoio legal, mesmo depois de ter sido proferida decisão no âmbito do artigo 21º/7 do DL nº 149/95, de 24/6, remeter a parte para um processo executivo quando a providência cautelar ainda não está cumprida.
II - O envio da parte para a acção executiva coloca em causa a finalidade do instituto vazado no nº 1 daquele artigo 21º – apreensão e entrega do equipamento objecto do contrato de locação – para além de ser por todos conhecida uma certa ineficácia da acção executiva, tal como o legislador a desenhou, que sacrifica e penaliza os credores que muitas vezes chegam ao fim com uma mão cheia de nada e na outra com o crédito incobrável.

III - São estas razões que nos levam a não partilhar o entendimento de remeter a apelante para a acção executiva quando a providência cautelar de entrega judicial do bem locado ainda não está cumprida.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

                O requerente Banco A…, SA propôs uma providência cautelar de entrega judicial contra T…, SA alegando em síntese ter celebrado com a requerida um contrato de locação financeira que teve por objecto um semi-reboque de carga da marca Riotrailer com a matrícula L – …, encontrando-se registada a propriedade a seu favor na Conservatória do Registo Automóvel, formalizando o pedido de cancelamento do registo do encargo de locação financeira. A requerida não pagou as rendas vencidas em Setembro, Outubro e Novembro de 2009, tendo sido interpelada para cumprir o pagamento das rendas em atraso com a advertência que se não o fizesse o contrato seria resolvido. A requerida não pagou os montantes em dívida nem restituiu os veículos que haviam sido locados.

                Citada a requerida não deduziu oposição.

                Por decisão de 6 de Março de 2012, o Tribunal julgou procedente o procedimento cautelar e ao abrigo do disposto no artigo 21º do DL nº 149/95, de 24.6 determinou a entrega ao requerente do motociclo de marca Benelli, modelo tornado TRE com a matrícula ...

                Ouvidas as partes nos termos e para os efeitos do disposto no nº 7 do artigo 21º do DL nº 149/95, de 24 de Junho, nada disseram, levando a que o Tribunal elaborasse sentença que antecipando o juízo sobre a causa principal condenou a requerida a restituir o bem locado ao requerente – folhas 128.

                Evidenciam os autos as razões de incumprimento, sendo que a requerente através do seu requerimento de folhas … solicitou a notificação do legal representante da requerida para proceder à entrega imediata do bem objecto dos autos, caso se frustre requereu a sua notificação para indicar a sua localização exacta, com a advertência expressa que incorre num crime de desobediência se não cumprir o requerido ou prestar informações falsas.

                Sobre este requerimento, recaiu o despacho de folhas 164 cujo teor passamos a transcrever:

                Indefere-se o solicitado no requerimento antecedente, na medida em que no presente processo foi antecipado o Juízo sobre a causa principal, o que significa que nela foi proferida sentença que até já transitou em julgado. Ora, sendo assim e não tendo sido possível, até ao momento, efectuar a entrega do bem em causa, deverá o requerente intentar a competente execução.


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                Notificado, o requerente interpôs recurso que instruiu com as suas doutas alegações que a final rematou formulando as seguintes conclusões:

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   2. Delimitação do objecto do recurso

                A questão decidir na apelação e em função da qual se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 668º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte:

ü Manutenção da providência cautelar até à apreensão do equipamento versus acção executiva quando já foi proferida sentença que transitou em julgado.


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                Por despacho de folhas 22, o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e em separado com efeito meramente devolutivo.

                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

                Tal como referimos em 2, a intervenção do Tribunal da Relação não pode deixar de estar vinculada às questões que os recorrentes colocam à sua apreciação, sem prejuízo naturalmente das que por dever de ofício delas deva conhecer.

                Este pequeníssimo intróito não tem outra finalidade que não a de evidenciar uma claríssima desconformidade entre o conteúdo da providência cautelar de entrega judicial que identificou o veículo apreender como um semi-reboque de carga de marca Riotrailer com a matrícula L – … de resto melhor identificado no documento/factura de folhas 19 e 20 e o equipamento que o Tribunal a quo mandou entregar ao requerente ao abrigo do disposto no artigo 21º do DL nº 149/95, de 24.6 a saber: motociclo de marca Benelli, modelo tornado TRE com a matrícula ...              

Em nossa modestíssima opinião impunha-se à requerente, já que não houve iniciativa por parte do Sr. Juiz de suscitar a clara inexactidão, lapso ou erro de escrita e requerer a sua correcção nos termos do disposto no artigo 667º do CPC ex vi artigo 249º do CC.

                Ou seja, embora este Tribunal concorde e partilhe com os argumentos aduzidos pelo apelante não só porque a providência ainda não está finda nos termos do artigo 21º/1 do DL 149/95, de 24.6 na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do DL nº 265/97, de 2.10 e pelo artigo 1º do DL nº 20/2008, de 25 de Fevereiro, mas ainda porque a mesma – a providência cautelar – consiste na entrega do equipamento objecto do contrato de locação financeira ao requerente em bom estado de conservação, sem um desgaste superior a uma utilização correcta, com todos os componentes que dele faziam parte à data da entrega, sendo que a sua não entrega é claramente passível de potenciar riscos quer para o próprio quer para terceiros, a verdade é que não toma qualquer posição sobre aquela desconformidade que não poderá deixar de ser analisada e decidida em sede própria.

                A conduta da requerida consubstanciada no incumprimento do contrato, na não devolução e entrega do semi-reboque, no seu uso indevido associado ao decurso do tempo e ao seu uso ilícito aumentando-lhe quilometragem e desgaste, e ainda ao facto de a requerida apresentar ter incumprido o contrato de locação financeira e de estar a braços com uma insolvência encerrada por insuficiência da massa insolvente – folhas 54 – é mais do que suficiente à caracterização de uma situação que coloca o requerente numa posição de clara incerteza quanto ao recebimento das quantias em dívida, entrega do equipamento e ao estado em que se encontrará a viatura quando lhe for efectivamente entregue, o que indicia fortemente a possibilidade da requerente não vir a ser ressarcida dos prejuízos – incumprimento contratual + não entrega da viatura no termo do contrato + depreciação pelo uso – por si já sofridos[1].

                Incumprida a entrega do equipamento que ancorou o recurso à providência cautelar é claramente injustificável mesmo depois de ter sido proferida decisão no âmbito do artigo 21º/7 do DL nº 149/95, de 24.6 remeter a parte para um processo executivo quando a providência cautelar ainda não está cumprida, sendo que aquela posição coloca em causa a finalidade do instituto vazado no nº 1 daquele artigo 21º – apreensão e entrega do equipamento objecto do contrato de locação – para além de ser por todos conhecida, infelizmente, uma certa ineficácia, para não se afirmar, uma grande ineficácia da acção executiva tal como o legislador a desenhou que sacrifica e penaliza os credores que muitas vezes chegam ao fim com uma mão cheia de nada e na outra com o crédito incobrável.

                São estas razões que nos levam a não partilhar o entendimento de remeter a apelante para a acção executiva quando a providência cautelar de entrega judicial do bem locado ainda não está cumprida. Salvo o devido respeito, esta decisão só beneficiaria o incumpridor deixando o locador sem possibilidades de reagir em tempo, postergando o princípio da celeridade deste procedimento processual com reflexos seguramente negativos na esfera patrimonial do requerente.

                Em síntese:

I. Não satisfeita a entrega do bem que justificou recurso à providência cautelar não tem apoio legal, mesmo depois de ter sido proferida decisão no âmbito do artigo 21º/7 do DL nº 149/95, de 24.6, remeter a parte para um processo executivo quando a providência cautelar ainda não está cumprida.

II. O envio da parte para a acção executiva coloca em causa a finalidade do instituto vazado no nº 1 daquele artigo 21º – apreensão e entrega do equipamento objecto do contrato de locação – para além de ser por todos conhecida uma certa ineficácia da acção executiva tal como o legislador a desenhou que sacrifica e penaliza os credores que muitas vezes chegam ao fim com uma mão cheia de nada e na outra com o crédito incobrável.

III. São estas razões que nos levam a não partilhar o entendimento de remeter a apelante para a acção executiva quando a providência cautelar de entrega judicial do bem locado ainda não está cumprida.

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso de apelação e consequentemente revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento da providência cautelar até à efectiva entrega do bem.

                Custas pela apelada.

Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

Sílvia Pires


[1] Ac. RP, datado de 18.6.2008, processo nº 0833386, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador José Ferraz e disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt.