Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
817/14.9T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, ALCOBAÇA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º-A, N.º 3, 17.º-D, N.º 5 E 17.º- G, N.º 1 DO CIRE
Sumário: 1. O processo de revitalização reveste-se de natureza especial e urgente, o que não se compadece com a derrogação do prazo fixado para as negociações, tendo o legislador, expressamente, previsto a hipótese de o mesmo decorrer, sem que se tenha alcançado qualquer acordo, caso em que, determina o encerramento imediato do processo.
2. O plano de recuperação aprovado já depois de findo o prazo das negociações não pode ser homologado.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“A... , L.da”, já identificada nos autos, veio efectuar a comunicação de que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, al.s a) e b), do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/4, pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação através do procedimento especial de revitalização, juntando os documentos que acompanham tal requerimento, sugerindo a pessoa que poderia desempenhar o cargo de Administrador Provisório.

            Cf. despacho de fl.s 265, proferido em 13 de Novembro de 2014, foi declarado como validamente iniciado o processo especial de revitalização da requerente e nomeado como administrador judicial provisório o que a mesma havia indicado.

            Ordenou-se, ainda, a notificação dos requerentes, da credora, do administrador provisório, nos termos do disposto nos artigos 17.º-C, n.º 4 e 17.º-D, n.º 1 do CIRE e do MP, nos termos dos artigos 17.º-C, n.º 4 e 37.º, n.º 2 do CIRE.

            Determinou-se, também, a publicação do despacho no portal Citius e a comunicação à conservatória de registo civil, para registo e a inscrição no registo informático de execuções e na página informática do tribunal, cf. artigos 37.º e 38.º do CIRE.

            Posteriormente, cf. fl.s 318 a 340, em 26 de Dezembro de 2014, o Administrador Provisório apresentou a Lista Provisória de Créditos, a que se refere o artigo 17.º-D do CIRE, indicando os 124 credores nela identificados.

            Esta lista foi publicada no Portal Citius em 30 de Dezembro de 2014, cf. fl.s 341 e 342.

            Cf. requerimento de fl.s 361, entrado em juízo no dia 05 de Março de 2015, a requerente veio solicitar do prazo para concluir as negociações já encetadas, por um período não inferior a 30 dias, nos termos do disposto no artigo 17.º-D, n.º 5 do CIRE.

            Sobre o mesmo versou o despacho de fl.s 368, proferido em 20 de Março de 2015, que deferiu a pretendida prorrogação do prazo para a conclusão das negociações por um mês, nos termos do disposto no artigo 17.º-D, n.º 5, do CIRE.

            Este despacho foi publicado no Citius, no dia 27 de Março de 2015, cf. fl.s 369.

            Conforme despacho de fl.s 380, proferido em 30 de Abril de 2015, o M.mo Juiz a quo, ordenou a notificação do Administrador para que informasse do estado das negociações atento o decurso do prazo.

            Como consta de fl.s 382 a 435, o Administrador Provisório, em 04 de Maio de 2015, remeteu a Tribunal o “Auto de Abertura de Votos” e Plano aprovado, com vista à revitalização da requerida, tendo a respectiva votação ocorrido no dia 29 de Abril de 2015 e de onde consta ter sido aprovado o plano apresentado, verificando-se, igualmente, o necessário quórum deliberativo.

            Conclusos os autos ao M.mo Juiz, cf. fl.s 436 a 438, foi proferida decisão que não homologou o plano de revitalização e determinou o encerramento do processo, com o fundamento em que, resumidamente, a lista provisória de credores foi publicada no Citius no dia 30/12/2014, terminando o prazo para as impugnações no dia 07 de Janeiro de 2015, cf. artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, começando a correr o prazo de 60 dias, que terminava em 07 de Março de 2015, o qual foi prorrogado por 30 dias, pelo que o prazo para a conclusão das negociações terminou em 07 de Abril de 2015, pelo que, quando em 29 de Abril de 2015 se procedeu à votação para a aprovação do plano, já se tinha esgotado o prazo para as negociações.

            Trata-se de um prazo de caducidade, do que decorre não poder ser homologado o plano que seja aprovado já depois de findo o prazo concedido para as negociações.

            Inconformada com a decisão que ora se transcreveu, dela foi interposto recurso pela requerente (fls. 444), o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 457) finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1- A revitalização visa evitar os custos inerentes ao desaparecimento de agentes económicos que se encontram em dificuldades, no pressuposto de que ainda é possível mantê-los em actividade, por terem viabilidade e o esforço da recuperação não ser (pelo menos manifestamente) desfavorável aos credores (por contraposição com a liquidação do património do devedor em processo de insolvência).

2- O legislador ao introduzir o PER no nosso ordenamento jurídico, teve por fim alcançar a obtenção de acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa,

3- Sendo regra privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do coletivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor (neste sentido, vide, o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2013, tirado no Recurso nº 1008/12.9TYLSB.L1-8).

4- A revitalização visa evitar os custos inerentes ao desaparecimento de agentes económicos que se encontram em dificuldades, no pressuposto de que ainda é possível mantê-los em actividade, por terem viabilidade e o esforço da recuperação não ser (pelo menos manifestamente) desfavorável aos credores (por contraposição com a liquidação do património do devedor em processo de insolvência).

5- O legislador ao introduzir o PER no nosso ordenamento jurídico, teve por fim alcançar a obtenção de acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa,

6- Sendo regra privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do coletivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor (neste sentido, vide, o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2013, tirado no Recurso nº 1008/12.9TYLSB.L1-8).

7- A interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjetiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art. 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada” (neste sentido,vide, o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 25/03/2014, tirado no Recurso nº 3175/13.5TBSXL.L1-1).

8- Porém, foi entendido na douta sentença recorrida, que ultrapassado o prazo das negociações se deveria concluir pela conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano.

9- Nenhum dos credores veio ao processo reclamar a recusa de homologação do plano, em virtude do decurso do prazo de conclusão das negociações, estando o seu interesse assegurado como se encontrava o da Recorrente.

10-Continuando a ser possível a satisfação do interesse público, consubstanciado na necessidade de promover a recuperação das empresas.

11-Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, andou mal a douta Sentença recorrida ao ter concluído, sem mais, pela conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, atentas as normas legais e a jurisprudência a que aludiu.

12- Assim, o douto Despacho recorrido preconizou uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

13-Acresce que, o prazo para concluir as negociações encetadas não tem natureza perentória, desde logo por ser a própria lei a prever a sua eventual prorrogação (neste sentido, vide, o recente Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, tirado no Recurso nº 8972.13.9T2SNT.L1-7).

14-O PER destina-se a permitir ao devedor o estabelecimento de negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização (cf. art. 17º-A, do CIRE).

15-Sendo incompreensível que, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o acordo com os credores, seja pura e simplesmente recusada a homologação do plano aprovado, apenas por razões de ordem formal (neste sentido, vide ainda o recente Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, tirado no Recurso nº 8972.13.9T2SNT.L1-7).

16-Ora, não tendo o prazo previsto no nº 5 do art. 17º-D do CIRE, natureza perentória, não tendo ocorrido violação de normas imperativas, o decurso do prazo em causa, não permite presumir a conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação.

17-Conforme resulta dos autos, o AJP juntou aos autos a documentação legalmente prevista no artigo 17ºF do CIRE, em 4/5/2015,

18-No entanto o Mmº Juiz a quo não respeitou o prazo previsto no artigo 17º-F nº5, vindo a proferir a sentença de não homologação do plano 8 dias após o prazo legalmente previsto de 10 dias.

19-No entanto a recorrente entende, na sua modesta opinião, que também aqui se verifica uma violação negligenciável, uma vez que o resultado da votação do plano com maioria favorável já se encontra nos autos e os credores não seriam prejudicados por tal facto.

20-Efetuando assim a recorrente o mesmo raciocínio que fez para o facto da votação ter ocorrido após o prazo legalmente previsto.

21- Assim, a douta sentença recorrida ao ter decidido pela conclusão do processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, por decorrido o prazo previsto no nº 5 do art. 17º-D, preconizou uma incorreta interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo em consequência, também pelo ora exposto, permanecer na ordem jurídica.

22-A douta sentença viola os artigos 17º-A; 17º-D, nº10, 17-F, nº5 e 215º todos do CIRE

23-Pelo que deve ser revogada a douta sentença, com todas as consequências legais.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o plano de recuperação deve ser homologado, não obstante tenha sido aprovado já depois de findo o prazo das negociações.

            A matéria de facto a ter em conta para a apreciação e decisão destas questões é a que consta do relatório que antecede.

 Se o plano de recuperação deve ser homologado, não obstante tenha sido aprovado já depois de findo o prazo das negociações.

Como resulta do que se deixou dito no relatório que antecede e das posições assumidas pelos intervenientes processuais, a questão em apreço reconduz-se em saber se, ainda que decorrido o prazo que a lei concede para as negociações, deve ser homologado um plano aprovado pelos credores do requerente da revitalização.

Isto é, se se deve considerar, ou não, como peremptório o prazo que a lei concede (no artigo 17.º-D, n.º 5) para a conclusão das negociações que estão na génese do processo especial de revitalização.

Esta questão já foi apreciada e decidida por este Colectivo (Processo 1175/12.1T2AVR.C1, de 26/2/2013, disponível no sítio deste Tribunal da Relação, pelo que passamos a seguir o que ali se explicitou, na parte atinente).

Pensamos que não é despiciendo para a resolução desta questão que se faça uma breve análise do instituto do processo especial de revitalização e fins que lhe estão subjacentes.

Esta figura foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 3.º da Lei 16/2012, de 20/4, nascida já em plena vigência do designado regime excepcional de ajuda financeira externa, com todas as condicionantes que de tal situação emergem.

Como resulta do artigo 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, o procedimento ora em apreço, tem em vista permitir ao devedor que se encontre numa situação de sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (definição dada pelo seu artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

Apenas se exigindo (artigo 17.º-C) para que se inicie tal procedimento de revitalização uma manifestação de vontade, nesse sentido, por parte dos devedores e de, pelo menos, um dos seus credores.

Após o que, cf. artigos 17.º-C, n.º 3 e 17.º D, n.os 1 e 2, incumbe ao devedor comunicar ao tribunal que pretende dar início ás aludidas negociações, devendo o Juiz competente nomear, de imediato, o administrador provisório.

Logo que notificado desta decisão, o devedor tem de comunicar, de imediato, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial, que deu início a negociações com vista á sua revitalização, convidando-os a nelas participarem e prestando as demais informações aí referidas.

Acrescentando-se no n.º 2 do artigo 17.º-D, que qualquer credor tem o prazo de 20 dias contados da publicação no Citius do despacho a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º-C, para reclamar os seus créditos, devendo-as remeter ao administrador provisório, que, no prazo de 5 dias, elabora uma lista provisória de créditos.

Lista, esta, que, conforme n,º 3 do artigo 17.º-D, é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

Não sendo a mesma impugnada, a referida lista provisória converte-se de imediato em definitiva – cf. n.º 4 do artigo 17.º-D.

Referindo-se, por último, no seu n.º 5, que findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Ora, das normas a que ora nos referimos resultam, desde logo, duas ideias base que enformam e conformam a figura em causa, e a primeira é a de que as negociações a estabelecer com os credores estão subjacentes a tal procedimento, logo desde o início.

Por outro lado, trata-se de procedimento sujeito a prazos muito curtos, atenta a sua natureza de processo com carácter urgente, como resulta do disposto no artigo 17.º-A, n.º 3, o que tem consequências directas no seu não cumprimento, designadamente, a nível da sua conclusão com ou sem aprovação do plano, como resulta dos artigos 17.º-F e 17.º-G.

Retornando à questão em apreço, há que ter em conta o disposto no n.º 5 do artigo 17.º-D, já acima transcrito.

Ora, de acordo com este preceito, conjugado com o seu n.º 3, importa concluir que a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e findo o prazo para as impugnações, conta-se o prazo de 2 meses mais um (se solicitada a prorrogação ali prevista) para a conclusão das negociações encetadas, como decorre do n.º 5 do preceito em análise.

Daqui decorre, pois, salvo o devido respeito, que se determina que a lista provisória seja imediatamente apresentada no tribunal e publicada no Citius, desde logo se iniciando o prazo as impugnações e findos os 5 dias úteis em que estas podem ser arguidas, se começa a contar o prazo para a conclusão das negociações.

O que nos leva ainda a concluir que relevante, para tais efeitos, é a apresentação da lista inicial provisória de créditos e ainda que outras venham a ser apresentadas, o prazo conta-se desde a publicação da primeira.

Como acima referimos, o procedimento especial de revitalização visa ser expedito, célere, com prazos muito curtos e tem carácter urgente e a assim não se considerar, estaria aberto o caminho para que inexistisse, de facto, prazo para a conclusão das negociações, bastando, para tal que o administrador fosse apresentando sucessivas listas de créditos ou alterando-as, para que o prazo curto previsto no artigo 17.º-D, n.º 5, fosse completamente postergado.

O prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória (e não definitiva) de créditos no Citius, desde logo se iniciando o prazo para a respectiva impugnação e findo o prazo para estas serem deduzidas, logo se inicia o prazo para a conclusão das negociações.

Ou seja, este prazo não fica dependente nem da decisão das impugnações formuladas, nem da conversão em definitiva da lista provisória de créditos.

No caso dos autos, como acima já referido, a lista provisória de créditos acha-se junta a fl.s 318 e seg.s e foi publicada no Citius em 30 de Dezembro de 2014 (fl.s 341 e 342), pelo que o prazo para a mesma ser impugnada terminou em 07 de Janeiro de 2015.

Consequentemente, o prazo de dois meses para a conclusão das negociações ocorreu em 07 de Março de 2015, prorrogado por um mês (cf. despacho de fl.s 368), pelo que, como referido na decisão recorrida, o prazo para a conclusão das negociações, terminou em 07 de Abril de 2015.

A proposta de acordo/plano de revitalização, só veio ser votada e aprovada em 29 de Abril de 2015, ou seja, já para além do terminus da data que a requerente e os seus credores dispunham para tal e referido no artigo 17.º-D, n.º 5 do CIRE.

Ora, nos termos do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1 do CIRE, dado ter sido ultrapassado o prazo previsto naquele artigo 17.º-D, n.º 5, sem que as negociações tivessem sido concluídas, impunha-se, tal como decidido em 1.ª instância, o encerramento do processo negocial de revitalização até então em curso.

Efectivamente, no n.º 1 do artigo 17.º-G, dispõe-se, claramente, que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado.

Consequentemente, tudo o que foi acordado depois de expirado este prazo carece de relevância, uma vez que o legislador imprimiu a este procedimento especial de revitalização um carácter de bastante celeridade, impondo que as negociações sejam concluídas no prazo máximo de três meses, contados nos moldes acima já explicitados, para o que as partes intervenientes se devem rodear de todas as cautelas a fim de o mesmo (prazo) não ser ultrapassado, sob pena de o processo negocial ser, sem mais, encerrado, com as consequências que daí advêm.

A leitura que fazemos dos preceitos em causa veio a ser seguida no Acórdão desta Relação, de 21 de Outubro de 2014 (Processo n.º 2081/13.8TBPBL-A.C1, disponível no respectivo sítio da dgsi).

 E é, também, a posição defendida por Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, a pág. 161, que ali referem:

“Percebe-se, assim, que o prazo a quo para o decurso das negociações se inicie com o termo do que é fixado para se poder impugnar, tal como fixado no n.º 5.

Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art.º 215.º, aplicável por imperativo do art.º 17.º -F, n.º 5. Aliás, segundo a disposição expressa do art.º 17.º-G, n.º 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.

Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exatamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.”.

Contrapõe a recorrente, apoiando-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 10/04/2014, Processo n.º 8972/13.9T2SNT.L1-7, que o prazo em causa não tem natureza peremptória e que, no caso de uma prorrogação justificada do prazo que culmine com a celebração de um acordo de revitalização, este deve ser homologado pelo Juiz, não obstante não tenha sido aprovado no prazo legalmente fixado.

Com o devido respeito por esta opinião, não cremos que a redacção do preceito em causa permita tal conclusão.

Efectivamente, reitera-se, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º-D, n.º 5 e 17.º-G, n.º 1, do CIRE, a lei fixa para as negociações o prazo normal de dois meses, prorrogável por mais um, findo o qual, sem que haja acordo, é encerrado o processo negocial, se o não for antecipadamente, no caso de existir informação da impossibilidade de se alcançar acordo.

Ou seja, nos termos deste último preceito, o processo é encerrado por duas ordens de razões:

- antecipadamente, se o administrador informar que é inviável a existência de acordo ou;

- decorrido o prazo, sem que tenha sido apresentado acordo.

E a lei não prevê quaisquer excepções a esta regra, pelo que verificada qualquer uma de tais possibilidades, imperativa e peremptoriamente, se impõe o encerramento do processo de revitalização.

De resto, mesmo no Acórdão ora referido, se impõe que se verifique uma situação de prorrogação justificada do prazo, o que não acontece in casu, dado que o Administrador ou a requerente nada alegaram quanto a tal.

Por outro lado, concedendo-se que o prazo em causa não tem natureza peremptória, até quando poderia o mesmo ser alargado?

Qual o prazo razoável para se aguardar pelo desfecho das negociações?

Como acima referido, o processo de revitalização reveste-se de natureza especial e urgente (cf. artigo 17.º-A, n.º 3, do CIRE), o que não se compadece com a derrogação do prazo fixado para as negociações (artigo 17.º-D, n.º 5), tendo o legislador, expressamente, previsto a hipótese de o mesmo decorrer, sem que se tenha alcançado qualquer acordo, caso em que, cf. artigo 17.º- G, n.º 1, determina o encerramento imediato do processo.

Assim, tem de improceder o presente recurso.

            Nestes termos se decide:      

            Julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

            Coimbra, 15 de Setembro de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves