Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
491/09.4GAMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º, Nº1 DO CP 124º, 125º, 127º,355º,374º, Nº2 412ºE428º DO CPP
Sumário: 1.Para afirmar a inverosimilhança de um depoimento, ao qual o tribunal deu crédito, o recorrente (arguido) deve, nomeadamente, concretizar as contradições e incongruências do mesmo, não lhe bastando alegar que a testemunha fez um depoimento contrário ao seu.
2.Não basta haver duas versões da ocorrência dos factos para que necessariamente resulte a dúvida. Se as declarações do arguido, motivadamente forem consideradas manifestamente inverosímeis, e o depoimento da testemunha, também de forma motivada, for considerado idóneo, não chega a colocar-se a questão da dúvida
3.O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
Decisão Texto Integral: pág. 18
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida contra o arguido:
A, solteiro, desempregado, filho de R e de O, nascido a ….1953, natural da freguesia …., concelho de Oliveira do Bairro, residente …. .
Sendo decidido:
1.º Condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a quantia global de € 500,00 (quinhentos euros);
2.º Indeferir a acusação na parte em que pede a condenação do arguido no cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir, por o mesmo não ser possuidor de carta de condução;
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Inconformado interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1- Não se provou que o arguido - recorrente circulasse de bicicleta, PELO QUE DEVERIA TER SIDO ABSOLVIDO.
2- A convicção do Tribunal recorrido fundou-se nas declarações do ofendido e na da testemunha GNR.
3- Que, no seu depoimento não diz ter dado qualquer destino à bicicleta, ou feito qualquer advertência ao arguido para não conduzir, após a saída do Posto - depoimento gravado a rotações 16.53.
4- Tal só podia ter acontecido por nenhuma bicicleta existir.
5- A não ser assim, o comportamento do elemento da Guarda violaria todas as normas de segurança rodoviária e estaria em perfeito desacordo com as regras estradais e da experiência comum.
6- O princípio basilar do nosso Direito Penal, obrigará sempre a, em caso de dúvida, esta beneficiar o arguido.
E, dúvida sempre teria de existir no espírito do julgador que analisa a prova de forma isenta.
7- Por outro lado, e face aos factos dados como provados, nomeadamente às condições de vida e rendimentos do arguido, consideramos ser a pena de multa excessiva, no seu montante diário.
8- O arguido não sofreu qualquer condenação por este crime, sendo pois primário, no que a estes autos reporta.
9- Verificam-se os pressupostos que impõem a absolvição do arguido e se assim se não entender, estão verificados, pelo menos, os pressupostos para que pena de multa de montante inferior lhe fosse aplicada.
10- No que respeita ao Vicio da aI. a) do nº 2 do arte 410° do C.P.Penal, a nossa critica traduz-se, materialmente, no desacordo com a própria decisão de facto, por esta não ter meios de prova suficientes e sérios a apoiá-la.
11- A sentença não apreciou criticamente a prova, para apurar a verdade, tendo aceite como credível o depoimento da testemunha L que é única e que contraria as declarações do arguido.
12- A sentença recorrida não respeitou o princípio da presunção da inocência do arguido e o de que, em caso de dúvida, esta terá sempre que favorecer o arguido e não prejudicá-lo. E, esta dúvida haveria de ter surgido no espírito do julgador.
13- A sentença enferma do vicio da aI. a) do nº 2 do art. 410° do C.P.Penal, pois o facto que se deu como provado "..conduzia um velocípede", que na essência se coloca em causa, não encontra qualquer apoio racional, objectivo, nos meios de prova que na sentença se descrevem para justificar a decisão de facto a que se chegou.
14- Discorda-se pois da decisão de facto, por ter como único meio de prova, o depoimento da testemunha GNR que não é credível.
15- Houve assim, também erro na apreciação da prova - Vicio aI. c) do nº 2 do art. 410º do C.P.PenaI.
16- Ao julgar como julgou, o Tribunal recorrido violou o decidido pelo Tribunal Constitucional ao impor que a livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária da prova.
17- Assim, não há elementos de prova suficientes para condenar o arguido pela prática do crime por que foi condenado.
Deve dar-se provimento ao recurso e absolver o recorrente, ou pelo menos, atenuar-se a pena.
Foi apresentada resposta pelo magistrado do Mº Pº que conclui:
1. Do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, analisada criticamente à luz das regras da experiência comum, temos de concluir que se encontram provados todos os factos constantes da acusação.
2. Resulta de forma indubitável do depoimento desinteressado e congruente do militar autuante L que o arguido foi visto a conduzir um velocípede (veja-se o seu depoimento transcrito a partir de fls. 11 do auto de transcrição apenso).
3. Referiu o militar que, à excepção do dia anterior em que procedeu à detenção do arguido, não o conhecia (fls. 12 do autos de transcrição), não tendo sido recolhidos quaisquer factos ou sequer indícios de que esta testemunha tivesse um conflito com o arguido ou qualquer outra motivação para uma falsidade de depoimento.
4. No início do seu depoimento, inquirido genericamente sobre o sucedido, o Guarda L esclareceu de forma espontânea as circunstâncias da detenção "este senhor dirigiu-se ao posto de bicicleta embriagado" (fls. 13 dos autos de transcrição). Inquirido especificamente sobre se viu o arguido a circular no velocípede, referiu que sim, que o viu a chegar ao posto a conduzir uma bicicleta sem matrícula, como referido no auto de notícia.
5. Por apresentar sinais de embriaguez foi submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue tendo acusado uma taxa de 2,62 g/I, taxa que resulta do talão de alcoolímetro já referido constante de fls. 11 e assinado pelo militar autuante e pelo próprio arguido.
6. Contra esta prova existe apenas as declarações do arguido que não merecem credibilidade, por serem contraditórias com os demais elementos recolhidos, como pelo facto de não terem sequer sido indiciariamente corroboradas, nomeadamente pela exibição do bilhete de comboio relativo à viagem que afirmou ter efectuado no dia anterior.
7. Acresce que, ao contrário do alegado pelo arguido no seu recurso, foi este advertido de que não poderia conduzir durante o período de 12 horas após a realização do teste sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência qualificada, conforme consta da notificação de fls. 8, que o arguido, depois de ler e ciente do seu conteúdo, assinou.
8. Assim, o facto de o militar autuante não ter apreendido a bicicleta ou "tê-la mantido no Posto para que o arguido não a conduzisse durante determinado período ou mesmo ter mantido o arguido no Posto até que ficasse em "estado normal", como refere o recorrente, não é elemento suficiente a abalar a credibilidade que o depoimento ajuramentado do militar autuante merece.
9. Por todo o exposto, entendemos que, inexistindo qualquer elemento susceptível a afectar a credibilidade dos elementos probatórios devidamente valorados pelo tribunal. inexistindo qualquer situação de dúvida que deva beneficiar o arguido, bem decidiu o tribunal ao julgar aqueles factos como provados.
10. Da medida da pena: uma vez que não se discute a pena a aplicar, uma vez que de acordo com o sistema penal português a pena de multa é a sanção menos grave aplicável a um arguido, ao julgador colocava-se a opção por uma pena localizada numa moldura entre 10 e 120 dias de multa.
11. Para a determinação do n.º de dias é de relevar: o facto de o arguido ter actuado como dolo, pelo menos necessário; a ilicitude da sua conduta ser elevada atendendo à taxa de álcool no sangue que apresentava (2, 62 g/I), mais do dobro do limite previsto no tipo legal de crime; o arguido não confessou os factos; possui antecedentes criminais pela prática de 16 crimes. Para além disso, as exigências de prevenção geral, neste tipo de crime, revelam-se elevadas, dada a relação entre este tipo de crime e os altos índices de sinistralidade estradal em Portugal. constituindo a "condução sob a influência do álcool, só por si, uma conduta objectivamente perigosa e, atentatória da segurança rodoviária" (Acórdão da Relação de Guimarães de 25.02.2008, relatado pelo Desembargador Estelita Mendonça, processo n.º 2601/07-1, disponível em www.dgsi.pt) por o condutor nestas circunstâncias colocar potencialmente em perigo a vida de qualquer cidadão, impondo, por isso, na determinação de medida da pena, especiais exigências de prevenção.
12. Perante estes factos, temos assim de concluir que a pena encontrada de 100 dias de multa, revela-se adequada à situação em apreciação, o que aliás o arguido não contesta.
13. No que diz respeito ao quantitativo diário da pena de multa fixado, tendo sido fixado no mínimo permitido pelo artigo 47, n.º 2 do Código Penal, nada existe a apontar ao tribunal recorrido.
14. Na verdade, apesar da situação económica do arguido não lhe permitir efectuar o pagamento de uma só vez da quantia global fixada, ao contrário do alegado pelo recorrente, esta não é "uma forma camuflada de o obrigar a cumprir pena de prisão", pois a lei apesar prever a aplicação da pena de multa como a sanção penal menos gravosa e medida regra, acautela a situação daqueles que, como o arguido, não possuem meios económicos suficientes ao seu cumprimento, circunstância que não lhe sendo imputável, não o poderá desfavorecer, permitindo-lhe, não só o pagamento em prestações como a possibilidade de, a requerimento do condenado, ser substituída por dias de trabalho nos termos do disposto no artigo 48 do Código Penal.
A decisão recorrida apreciou correctamente a prova examinada e produzida em audiência, devendo ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido e fundamentado, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS PROVADOS
Da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos:
1.º No dia 26 de Outubro de 2009, cerca das 16h53, na Rua Bernardino Felgueiras, na Mealhada, o arguido conduzia um velocípede, sem matrícula, quando foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue tendo acusado uma T.A.S. de 2,62 g/l.
2.º O arguido agiu de forma deliberada, voluntária e conscientemente ao conduzir o referido veículo depois de ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que estas lhe poderiam determinar, como determinaram, uma taxa de álcool no sangue de 2,62g/l.
3.º Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
4.º O arguido é solteiro e vai pernoitando em casa da mãe ou de um irmão.
5.º O arguido está desempregado e aufere o respectivo subsídio, no montante de € 185 mensais, que lhe permite pagar a sua alimentação, o tabaco e o álcool.
6.º O arguido recebe ajuda em géneros alimentícios.
7.º O arguido não dispõe de quaisquer outros bens ou rendimentos.
8.º O arguido tem a 4.ª classe.
9.º Do Certificado de Registo Criminal do arguido constam as seguintes condenações:
- O arguido foi condenado três vezes pelo crime de furto, nos anos de 1973, 1975 e 1978;
- Foi condenado duas vezes por crime de roubo, nos anos de 1990 e 1999;
- Foi condenado duas vezes por injúria a autoridade e a Tribunal, nos anos de 1977 e 1990;
- Foi condenado três vezes por injúria, nos anos de 1977, 1987 e 1994;
- Foi condenado uma vez por burla, no ano de 1987 e uma vez por ameaça no ano de 1996;
- Foi condenado uma vez por desobediência no ano de 1974;
- Foi condenado duas vezes por ultraje à moral pública, nos anos de 1976 e 1977 e uma vez por ultraje público ao pudor no ano de 1977;
tudo nos termos inscritos no certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 20 a 35 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10.º O arguido não admitiu os factos de que vinha acusado.
11.º O arguido não é possuidor de carta de condução.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a boa decisão da causa.
*
C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido quis prestar declarações, no âmbito das quais negou a prática dos factos. Efectivamente, o arguido disse que se dirigiu ao Posto da GNR da Mealhada para saber informações sobre uma notificação por si recebida e que no interior do Posto lhe foram oferecidas bebidas alcoólicas para ingerir e que, após, efectuou o teste de pesquisa do álcool. Afirmou que se deslocou da sua residência para a Mealhada de comboio, não tendo, porém, exibido em tribunal o respectivo bilhete, apesar de lhe ter sido perguntado pelo mesmo e que efectuou o resto do percurso até ao Posto da GNR a pé. Afirmou por fim que não é proprietário de qualquer velocípede.
O Tribunal alicerçou-se fundamentalmente na prova testemunhal produzida, designadamente, no depoimento da testemunha L Guarda da GNR, a exercer funções no Posto da Mealhada, que depôs de forma que ao Tribunal pareceu verdadeira, objectiva e descomprometida.
Na verdade, a testemunha referiu que não conhecia o arguido e que este é que se apresentou no Posto, circulando de bicicleta e embriagado, razão pela qual foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, que acusou uma taxa de 2,62 g/l.
Por sua vez, o arguido apresentou um discurso incoerente, descabido e inverosímil, ao invés da testemunha ouvida, que mereceu a credibilidade do tribunal, sendo certo que não resultaram provados quaisquer factos que ponham em causa o seu depoimento nem a sua idoneidade.
Este depoimento foi conjugado com a prova documental produzida, tendo o tribunal valorado positivamente o auto de notícia junto aos autos e, bem assim, o teor do resultado do teste quantitativo de pesquisa do álcool, efectuado através do aparelho Dräger Alcootest, modelo 7110 MKIII P, com o n.º de série ARZL-0199, constante do talão junto aos autos a fls. 11, que acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,62g/l.
No que respeita às condições económicas e sociais do arguido, o tribunal baseou-se nas declarações por si prestadas em audiência, que se revelaram credíveis.
Por fim, quanto aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal valorou o teor do certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 20 a 35.
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Conhecendo:
A recorrente insurge-se contra a matéria de facto apurada, alegando que a prova foi mal apreciada, já que inexistia veículo.
Que o tribunal formou a convicção em exclusivo no depoimento da testemunha de acusação, ignorando as declarações do arguido.
Em caso de dúvida deve o arguido beneficiar do princípio in dúbio pró reo.
Tem como exagerada a taxa diária da multa aplicada.
Alega os vícios das alíneas a) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP.
Alega falta de análise crítica da prova.
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Matéria de facto:
Embora o recurso da matéria de facto não cumpra todos os requisitos expostos no art. 412 do CPP, é de simples percepção o teor da impugnação, daí a desnecessidade de qualquer aperfeiçoamento.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (declarações, depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
Não há que reexaminar toda a prova produzida, mas apenas aquela que (concretizando-a) o recorrente tem como deficientemente apreciada.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
Desde já se diz, e conforme se constata do depoimento prestado pelo agente da autoridade e convicção que formou no tribunal, que não assiste razão ao recorrente.
É certo e conforme refere o recorrente, das suas declarações deveria resultar serem outros os factos provados. No entanto, olvida a recorrente que também há que ter em conta e ponderar, o depoimento da testemunha de acusação.
E, não aconteceu como o recorrente diz, que a sentença não teve em conta o depoimento do arguido pois que tal depoimento foi tido em conta, só que na sentença se considerou não considerar credível o depoimento do arguido. Se não foi considerado credível, foi tido em conta, embora pela negativa.
Na sentença se refere, relativamente aos depoimentos de arguido e testemunha de acusação: “o arguido apresentou um discurso incoerente, descabido e inverosímil, ao invés da testemunha ouvida, que mereceu a credibilidade do tribunal, sendo certo que não resultaram provados quaisquer factos que ponham em causa o seu depoimento nem a sua idoneidade”.
Os depoimentos são valorados pelo grau de credibilidade e convencimento do julgador.
Como se refere no Ac. desta Rel. de 28-04-2009, proc. 435/07.8PATNV.C1 “As provas produzidas têm de ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas”.
E não basta o recorrente alegar que o juiz fundamentou toda a decisão no depoimento da testemunha de acusação por ser agente policial. Há que concretizar as contradições e incongruências de cada depoimento, para que de forma justificada se compreenda o motivo alegado pelo recorrente de se julgar inverosímil o depoimento da acusação. Não é suficiente alegar que é contrário ao depoimento de arguido, até porque este depoimento foi tido como não merecedor de crédito.
Para o julgador, que presidiu ao julgamento e perante quem os depoimentos foram prestados (oralidade e imediação), o da acusação foi o que o convenceu.
Face ao exposto, e conforme as regras da experiência, o julgador só poderia convencer-se nos termos em que se convenceu, valorando a prova que teve como coerente e isenta.
A prova é valorada tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
As normas da experiência são, como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira, «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág.300.
E, não se trata de apreciação arbitrária, antes tendo como pressupostos valorativos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica.
Segundo as regras da experiência e após serem ouvidos os depoimentos, verifica-se que a versão dos factos narrada pelo arguido, não passa de “uma história bem engendrada”, mas em nada convincente.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
Como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” (sublinhado nosso).
E essa motivação consta da sentença recorrida, conforme transcrição supra.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
Refere Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (e testemunha) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afecte o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade , o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Como se refere no recurso desta Rel. nº 4172/05, de 15-03-2006, “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso”.
Como se salienta no Ac. da rel. de Lx. de 12-12-2006, in col. jurisp. tomo V, pág. 136, “o local ideal para apreciar criticamente as provas é a audiência de discussão e julgamento, em que os julgadores dispõem de melhores condições para as apreciar. A conclusão que se impõe é que, perante o texto da decisão recorrida, nada ressalta que indique apreciação notoriamente errada”.
Basta atentar no teor dos depoimentos que se encontram transcritos.
O que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções e não segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
E, diremos que o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
O alegado pela recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Assim que nesta parte se julga improcedente o recurso.
Certamente por lapso o recorrente refere as declarações do ofendido e testemunha – conclusão 2ª- quando apenas há testemunha, inexistindo ofendido no tipo de crime como o ora em análise. Embora na conclusão 11ª o recorrente refira que apenas o depoimento da testemunha “contraria as declarações do arguido”.
E, para o cometimento do crime, ou seja, para preencher o elemento objectivo do tipo não é necessário que se faça prova em audiência de que o arguido foi advertido para não conduzir, ou de que o veículo foi apreendido ou outro qualquer destino lhe foi dado. Aliás não se percebe a que rotações se refere a conclusão 2ª, pois que nada consta da transcrição e a gravação digital no sistema habillus, relativamente ao depoimento da testemunha apenas tem a duração de 2 minutos e 17 segundos. Acrescendo que conforme consta da transcrição a defensora do arguido nenhuma pergunta fez à testemunha, acerca desta matéria ou de outra.
Sem que haja qualquer dúvida em relação a dar como provados os factos.
Violação do princípio in dúbio pró reo:
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus" - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange (situação alegada no recurso), a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.
Como já se disse, o que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira da recorrente, substituindo-se ele -recorrente- ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
Não basta haver duas versões da ocorrência dos factos para que necessariamente resulte a dúvida. É que no caso concreto a versão da defesa apresentada pelo arguido não suscitou essa dúvida relevante, pois que as suas declarações foram julgadas “manifestamente inverosímeis”.
Não se verifica violação de tal princípio.
Alega o recorrente os vícios das als. a) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP, mas sem sustentar onde a sentença contém tais vícios. E, os vícios hão-de ser manifestos no texto da decisão, para se verificarem.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto (tal como a configura a acusação ou a defesa), podendo fazê­-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
Vício que não se verifica.
O recorrente pretendia que se provasse que não houve veículo, mas a testemunha diz que viu o arguido a chegar ao posto a conduzir o velocípede (bicicleta).
Erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
O que o recorrente entende é que há erro na apreciação da matéria de facto em ordem a aplicar o direito.
A situação apontada não consubstancia o vício do art. 410 nº 2 do CPP, mas antes erro de julgamento da matéria de direito, na perspectiva do recorrente.
Circunstância já analisada.
Assim, não se verifica o vício do erro.
Taxa diária da multa:
Como se verifica da conclusão 7ª, o recorrente apenas questiona a taxa diária que não os dias de multa pois refere, “consideramos ser a pena de multa excessiva, no seu montante diário”. Sendo esta a expressão usada na motivação.
E, assim sendo, verifica-se que a taxa diária da pena de multa é a taxa mínima prevista na lei, 5,00€, nos termos do nº 2 do art. 47 do CP.
A situação económica do condenado, como se mostra dos factos apurados, é muito baixa. Mas, há sempre a possibilidade de requerer e poder ser deferido o pagamento a prestações, nos termos do nº 4 do referido art. 47.
Assim como existe a pena subsidiária prevista no art. 48 do mesmo CP.
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Pelo exposto, entendemos ter ficado demonstrada a sem razão do recorrente, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso do arguido Al e, em consequência, mantém-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

JORGE DIAS (RELATOR)
BRÍZIDA MARTINS