Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
508/07.7JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES ELEMENTOS DO TIPO
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
Data do Acordão: 06/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 21.º, N.° 1, COM REFERÊNCIA ÀS TABELAS I-B, ANEXAS 25ºE 35º,Nº2 DO D.L. 15/93, DE 22/01 ; ART. 3.º, N.ºS 1 E 2 DO CÓDIGO DA ESTRADA; 40º 70ºE 71º DO CP; 127º, 412º 428º,431ºDO CPP
Sumário: 1. Remetendo o recorrente nas conclusões da motivação para o início e fim das gravações de 5 depoimentos por ele mencionados, e defendendo que é da totalidade do depoimento de cada uma das daquelas testemunhas que resulta o erro de julgamento do ponto de facto que entende incorrectamente julgado, o Tribunal da Relação deve conhecer da impugnação da matéria de facto.
2.O objecto da prova tanto pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).
4 O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
4.Comete o crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21º do D L 15/93 – e não crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do mesmo diploma legal – o agente que tem escondidos, subdivididas em 13 pequenos sacos de plástico, 123,509 gramas de cocaína, destinada a venda; que nesta actividade de tráfico utiliza pelo menos um veículo automóvel e se faz acompanhar de menores, sendo ainda verdade que os bens que lhe foram apreendido, e declarados perdidos a favor do Estado, eram de elevado valor.
Decisão Texto Integral: Relatório

Pela Vara de Competência Mista de Coimbra, 1.ª Secção, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos
AC, filho de A e de M nascido em Coimbra, Sé Nova, em 08…1967, solteiro, vendedor ambulante, residente no Bairro …. Coimbra;
SA filha de S e de MI nascida em…, Caldas da Rainha, em 25….1969, solteira, vendedora ambulante, residente no Bairro …. Coimbra;
imputando-se-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22.1., por referência à tabela anexa I-B; e em concurso efectivo com tal crime, a prática, a cada um, como autor material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 18 de Fevereiro de 2010, decidiu julgar a acusação procedente e, consequentemente:
- condenar o arguido AC , como autor de um crime p. e p. pelo art. 21.º, n.° 1, com referência às Tabelas I-B, anexas ao D.L. 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- condenar o arguido AC, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
- operar o cúmulo e condenar o arguido AC na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão;
- condenar a arguida SA como autora de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz a quantia de 540 euros;
- absolver a arguida SA da prática de um crime p. e p. pelo art.21.º, n.°1, com referência às Tabelas I-B, anexas ao D.L. 15/93, de 22/01.
- Declarar perdida a favor do Estado a droga apreendida (art.35.º, 2, do citado Dec. Lei 15/93).
- Declarar perdidos a favor do Estado os bens apreendidos em poder do arguido, com excepção das duas viaturas automóveis ainda apreendidas, as quais deverão ser entregues aos proprietários dos mesmos, que deverão comprovar nos autos tal qualidade no prazo de 90 dias, notificando-se os mesmos para esse efeito.

Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido AC, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. Relativamente à matéria de facto dada como assente, impugnam-se os seguintes pontos:
- que o produto estupefaciente apreendido ao arguido se destina a ser por si vendido a terceiros a troco de quantias de dinheiro
- que o produto estupefaciente apreendido não resultasse da circunstância de aquele ter acedido a guardá-lo a troco de 500, 00, correspondendo a uma solicitação de um familiar.
2. Relativamente a tal matéria de facto, está erradamente julgada porquanto não decorre da prova produzida em audiência de julgamento (declarações do arguido e depoimentos das testemunhas) bem como dos RDE juntos aos autos.
3. Os depoimentos das testemunhas que situaram o recorrente em termos de comportamento delituoso:
a. M, depoimento gravado em CD na sessão de 11-01-2010, das 14:40:59 a 14:54:57:
b. F, depoimento gravado em CD na sessão de 11-01-2010, das 14:54:58 a 15:05:03:
c. A, depoimento gravado em CD na sessão de 11-01-2010, das 15:05:05 a 15:20:52:
d. MM, depoimento gravado em CD na sessão de 11-01-2010, das 15:20:53 a 15:31:25;
e. H depoimento gravado na sessão de 25-01-2010, das 14:17:39 a 14:44:10 não fazem qualquer menção, com a dose necessária de certeza e segurança sobre a propriedade e destino do estupefaciente apreendido, nem situam o arguido próximo de indivíduos referenciados com o tráfico de estupefacientes.
4. O depoimento do arguido (gravado em CD na sessão de 11-01-2010, das 12:02:22 a 12:42:34) situa a detenção como consequência de um trato por si feito com um primo seu que visava que o recorrente, mediante a retribuição de 500,00 guardasse o produto estupefaciente pertença daquele.
5. Se dúvidas restarem a V. Exc., face à documentação da prova, deverão ser renovadas as declarações dos arguidos, e de todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.
6. Esta sindicância sobre a matéria de facto dada como assente, assim como a que decorre do texto do acórdão proferido é relevante na medida em que reduzindo a extensão da actividade delituosa do recorrente, tal tem expressão sobre o tipo de ilícito efectivamente praticado e consequentemente na sanção a cominar.
7. Em nossa opinião, o recorrente terá praticado o crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art. 25.º do DL 15/93 de 22/1, e não aquele pelo qual foi condenado - art.21.º daquele diploma.
8. O facto de o arguido se encontrar já na segunda metade da sua vida, sem ter qualquer antecedente criminal relacionado com o tráfico de estupefacientes, a apreensão de toda a droga, a postura adoptada durante todo o período de cumprimento da medida de coacção que lhe foi aplicada - art. 201.º do CPP - , a assunção de responsabilidades face aos factos, a sua positiva inserção familiar, social e profissional, e a sua reinserção social após o cumprimento da pena, recomendariam a aplicação de uma pena de prisão de 4 anos.
9. A decisão recorrida violou nesta parte o disposto no art. 71.º do CP.
10. Pena que poderia ser suspensa na sua execução (art. 50.º do CP) pelos motivos já por nós expendidos.
11. A decisão recorrida violou nesta parte o disposto neste normativo
12. No que tange ao crime de condução sem habilitação legal, como resulta da motivação exposta, o arguido não pôs em causa com a sua conduta os bens jurídicos que a norma visa tutelar.
13. Assim, a pena de 9 meses de prisão é injustificável, revelando-se inadequada e demasiado violenta.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, assim sendo feita Justiça.

O Ministério Público na Comarca de Coimbra respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante do acórdão recorrido é a seguinte:
Factos provados
Os arguidos vivem em união de facto no Bairro …, em Coimbra, com três filhas menores.
O arguido AC nunca apresentou qualquer declaração de rendimentos e a arguida SA apresentou declarações de rendimentos referentes aos anos de 2003 a 2006 e 2008, sem declarar nas mesmas quaisquer valores.
O filho dos arguidos, B, em 2005 registou em seu nome um Audi A4 de matrícula 38-93…, do ano de 1998 e em 2006 C registou em seu nome um BMW de matrícula 23-65- do ano de 1998.
Os arguidos, desde Setembro de 2008, utilizaram o veículo de marca Nissan Primastar com matrícula 30-..-20 que o seu proprietário tinha entregue a um terceiro para venda.
No dia 3 de Dezembro de 2008 a arguida SA conduziu o veículo de marca Nissan Primastar com matrícula 30--20, no qual seguia o arguido como passageiro, até Vilarinho e depois para o interior de um pinhal antes de Logo de Deus.
No dia 6 de Dezembro de 2008, pelas 17.10 horas, o arguido AC conduziu o veículo de marca Audi A4 com matrícula 15-57- na companhia de uma filha e de uma sobrinha menores e dirigiu-se para o pinhal situado entre Vilarinho e Logo de Deus e ali junto a uma árvore do lado direito descendente, recolheu um frasco contendo arroz e um embrulho que envolvia 13 pequenos sacos plásticos com o peso bruto de 129,400g e liquido de 123,509g de cocaína.
Quando foi detido o arguido tinha consigo, num dos bolsos traseiros das calças, a quantia de 450 € em dinheiro e um telemóvel de marca Samsung, modelo SGH-M610 com cartão da Vodafone inserido com o nº 700745792681, com o Imei 355811011416188, avaliado em aproximadamente 10 €.
Em busca realizada à residência dos arguidos, nesta cidade, na sala foram encontrados e apreendidos, numa carteira de senhora, a quantia de 2.650 €, constituída por uma nota de 100 €, três notas de 50 €, dez notas de 5 €, noventa e cinco notas de 10 € e setenta notas de 20 €, um cartão Payshop do número de telemóvel 960332951, um cartão de segurança da USO referente ao telemóvel 960409617, uma metade de uma nota de 5 €, um telemóvel Samsung com o Imei 353867027561773, avaliado em aproximadamente 10 €, e uma carteira com a inscrição “Dior” contendo os seguintes artigos:
- um crucifixo em ouro amarelo, com o peso de 10, 8 g, avaliado em 220 €;
- uma pulseira em ouro amarelo com turquesa, com o peso de 66, 1 g, avaliada em 790 €;
- um fio em ouro amarelo “3+1”, com o peso de 35, 4 g, avaliado em 490 €;
- um fio de ouro “friso”, com o peso de 17, 5 g, avaliado em 270 €;
- um crucifixo em ouro amarelo com o peso de 3, 2 g, avaliado em 30 €;
- uma pulseira “3+1” com dois corações, com o peso de 2, 8 g, avaliada em 25 €;
- uma pulseira em ouro amarelo com 5 pedras brancas, com o peso de 3, 3 g, avaliada em 30 €;
- um anel com uma pedra oval de cor roxa, com o peso de 3., 4 g, avaliado em 35 €;
- um anel “duas filas”, com o peso de 4, 2 g, avaliado em 33 €;
- um brinco em ouro amarelo tipo “argola”, com o peso de 1, 1 g, avaliado em 10 €;
- um anel de bebé, com o peso de 0, 2 g, avaliado em 2 €;
- um anel em ouro, com flores e pedras verdes, com o peso de 6, 1 g, avaliado em 80 €;
- uma medalha em ouro amarelo, com o peso de 47 g, avaliada em 470 €.
Ainda na sala foram encontrados e apreendidos:
- um televisor LCD Sony, avaliado em aproximadamente 1.500 €;
- um bilhete de identidade com o número 13101510;
- documentação vária, entre a qual um “Contrato de Noivado”, firmado entre a “Filfoto Digital, Multimédia, Lda.” e a arguida SA , referente a uma reportagem vídeo e fotográfica do “noivado” de uma das filhas da arguida, pelo preço de 450,00 €, o vídeo, e 3€ por fotografia, datado de 25.11.2008;
- uma “Playstation 3”, avaliada em aproximadamente 150 €;
- um conjunto Home Cinema “Panasonic”, avaliado em aproximadamente 150 €;
- um receptor digital “Metronic”, avaliado em aproximadamente 10 €;
- um DVD “Panasonic”, avaliado em aproximadamente 10 €.
Num quarto foi apreendido um computador portátil de marca “Acer”, avaliado em aproximadamente 150 €, e no quarto dos arguidos foram encontrados e apreendidos:
- um LCD “Samsung”, avaliado em aproximadamente 100 €;
- um DVD LG, avaliado em aproximadamente 40 €;
- uma máquina de filmar “Sony”, avaliado em aproximadamente 250 €;
- um telemóvel Nokia modelo 6100, Imei 352549005158316, avaliado em aproximadamente 15 €;
- um telemóvel Sagem modelo 6100, Imei 352549005158316, avaliado em aproximadamente 15 €;
- um sabre com bainha de 70 cm de lâmina de comprimento, avaliado em aproximadamente 7 €.
Depois, na arrecadação da habitação dos arguidos foram encontrados e apreendidos:
- duas jantes de automóveis, de marca “Momo”, avaliadas em aproximadamente 200 €;
- uma rebarbadora “Rybox”, avaliada em aproximadamente 20 €;
- uma serra de recortes de marca “Raybox”, avaliada em aproximadamente 20 €;
- uma lixadora “Workbull” , avaliada em aproximadamente 10 €;
- um auto-rádio “Sony”, avaliado em aproximadamente 70 €;
- oito cartuchos de calibre 12;
- um faqueiro acondicionado em estojo próprio, avaliado em aproximadamente 60 €;
- uma E-scooter, avaliada em aproximadamente 60 €,
- duas malas de transporte de acessórios de pesca, com o valor aproximado de 80 €;
- um carreto sem marca, com o valor aproximado de 30 €;
- um carreto “Rain B.W.”, com o valor aproximado de 30 €;
- dois carretos “Geologic”, com o valor aproximado de 100 €;
- um carreto “Rain B.W”, com o valor aproximado de 150 €;
- um carreto “Shimano”, com o valor aproximado de 400 €;
- um carreto “Sert”, com o valor aproximado de 250 €;
- um carreto “Sert”, com o valor aproximado de 200 €;
- uma cana de pesca “Geologic”, com o valor aproximado de 60 €;
- uma cana de pesca “Geologic” com o valor aproximado de 60 €;
- uma cana de pesca”Shimano”, com o valor aproximado de 150 €;
- uma cana de pesca “Vega”, com o valor aproximado de 100 €;
- uma cana de pesca “Geologic Set”, com o valor aproximado de 35 €;
- uma cana de pesca “Barros Match Power Carp”, com o valor aproximado de 150 €;
- uma cana de pesca “Team Milo Class 300”, com o valor aproximado de 30 €;
- uma cana de pesca “Fighter Spin 300”, com o valor aproximado de 60 €;
- uma cana de pesca “Demon Spin 300”, com o valor aproximado de 60 €;
- uma cana de pesca “Mini Vanguard”, com o valor aproximado de 40 €;
- um cabo para xalavar, com o valor aproximado de 10 €;
- dois tubos em alumínio para suporte de material de pesca, com o valor aproximado de 5 €;
- um tripé para suporte de canas, com o valor aproximado de 50 €;
- um indicador de picada, com o valor aproximado de 30 €;
- um saco de transporte de canas de pesca, com o valor aproximado de 40 €;
- um saco para transporte de tripé, com o valor aproximado de 20 €.
Foi apreendido o veículo Audi A4 de matrícula 15-…VZ, que o arguido AC conduzia aquando da sua detenção, bem como os objectos que nele se encontravam:
- diversos documentos referentes à viatura BMW de matrícula 17--01, em nome de C;
- duas cadernetas bancárias, uma em nome do filho do arguido, B, e outra em nome da nora do mesmo, com movimentos significativos;
- um cartão USO, um outro pedaço de um cartão USO, um talão multibanco relativo à transferência da quantia de 150 € para a conta de B;
- quatro cartões Multibanco, sendo três em nome de B da CGD, Millenium BCP e Citibank e outro também do Millenium BCP de titular não identificado;
- um telemóvel da marca Samsung Imei 35386702756196302 e cartão da rede USO nº 960409597, avaliado em 10 €.
E no veículo de matrícula 30-.-20, então apreendido, foram apreendidos diversos documentos referentes ao mesmo, nomeadamente uma autorização de venda da viatura a B, com a qual os arguidos conduziam o veículo, bem como outros documentos relativos a outras viaturas e, ainda, um contrato de comodato celebrado entre a Câmara Municipal de Coimbra e a arguida SA referente à arrecadação sita …., uma planta dessa arrecadação, diversos cartões de segurança de números de telemóvel diversos e um papel com uma morada manuscrita: Bairro São João de Deus, Rua A,…., residência de MJ, já referenciada em processos de tráfico de estupefacientes e receptação.
No veículo de matrícula 19-26.., também apreendido, foi encontrado e apreendido o título de registo de propriedade e livrete que tinham agrafado um comprovativo relativo à transferência da propriedade da viatura para B.
O arguido sabia que não lhe era permitido deter, transportar e pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem as substâncias estupefacientes referidas na acusação, cujas características bem conhecia, agindo de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido destinava a cocaína que tinha em seu poder à comercialização, procurando com isso a obtenção de lucro económico.
Os arguidos conduziram os referidos veículos automóveis nas ocasiões descritas e noutras sem que fossem titulares de carta de condução que a tal os habilitasse, sabendo que tal era necessário e que por isso não poderiam conduzir, agindo de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses, por sentença proferida em 22.6.2007; pela prática de um crime de falsas declarações foi condenado na pena de 1 ano, suspensa por 1 ano, por sentença proferida em 9.6.2008; pela prática de um crime de condução sem habilitação legal foi condenado na pena de 90 dias de multa, por sentença proferida em 23.5.2008; pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 45 dias de multa e de 3 meses de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
A arguida não regista antecedentes criminais.
O arguido AC reconheceu a detenção do produto estupefaciente e admitiu ter conduzido veículos automóveis sem ter a necessária habilitação legal.
Os arguidos suportam despesas mensais com a renda (36€), com a água e electricidade. Vivem em união de facto, têm cinco filhos, os dois mais velhos já com agregado familiar próprio.
Factos não provados:
Que com os arguidos vivam ainda outros filhos, incluindo-se o filho B e a companheira deste, C.
Que a arguida se tenha dedicado à distribuição e venda de estupefacientes.
Que a carteira apreendida em casa dos arguidos fosse propriedade da arguida.
O momento a partir do qual o arguido iniciou a distribuição e venda de estupefacientes.
Que no período compreendido entre Julho de 2005 e Dezembro de 2008 os arguidos tivessem adquirido e pago um Seat Ibiza de matrícula 19-.26-…, do ano de 1999 e um BMW série 3 de matrícula 17-01.. de 2002.
Que o filho dos arguidos B tenha entregue no stand o veículo de matrícula 17-..-01, por avaria do motor, e que em troca lhe tenha sido cedido o Audi A4 de matrícula 15-57---
Qual a proveniência do dinheiro utilizado pelos arguidos para fazer face às despesas do dia-a-dia, onde se incluía a utilização de veículos automóveis e para adquirirem os bens que lhes foram apreendidos.
Convicção
A convicção do Tribunal relativamente às circunstâncias em que o produto estupefaciente foi apreendido resulta, desde logo, das declarações prestadas pelo arguido, que assumiu ter-se deslocado àquele local para o recolher, pois ali o tinha colocado.
As circunstâncias em que decorreu a apreensão estão plasmadas na RDE datada de 6.12.2008 e foram mencionadas pelas testemunhas D, F e H, todos inspectores da PJ.
Não obstante o arguido ter dito que se limitou a guardar o produto estupefaciente que lhe foi apreendido, a troco de dinheiro (500 euros), não logrou o mesmo identificar cabalmente tal primo. Por outro lado, o modo como o produto estupefaciente se encontrava acondicionado (dividido em quantidades de 10 grs), o tipo de bens que o arguido tinha em sua casa, associado ao facto de não ter declarado quaisquer rendimentos (nem a sua mulher), levam a que se conclua, de acordo com regras de experiência, quanto ao destino que o arguido pretendia dar à droga (venda), apesar de não se ter provado há quanto tempo o arguido se dedicava a tal actividade. Aliás, se o arguido apenas estivesse a guardar a droga, a troco de dinheiro não se compreenderia a razão pela qual 3 dias antes se tinha deslocado ao local onde escondera a cocaína, tanto mais que na versão do arguido a droga tinha-lhe sido entregue uma semana antes.
Como já referimos, não se provou o período de tempo a que o arguido se dedicava a tal actividade ilícita. Quer porque as RDE anteriores foram muito espaçadas no tempo (hiatos temporais que foram admitidos pelo inspector D), quer porque das mesmas não se conclui, por não ter sido percepcionada, actos atinentes à detenção ou venda de produtos estupefacientes (em momento anterior).
No que concerne à participação da arguida SA o único elemento de prova que foi recolhido atém-se à observação plasmada na RDE de 3.12.2008 (explicitada pelo inspector A). Foi então visualizada a arguida SA a conduzir a viatura Nissan, acompanhada do arguido, tendo sido seguida e visualizado o facto de tal veículo ter entrado para o interior de um caminho de terra batida, estando a viatura imobilizada cerca de 50 metros para o interior desse caminho. A fls. 108 e 109 está fotografado o caminho onde a viatura estava parada e que corresponde ao local (caminho) onde veio (dias depois) a ser detido o arguido AC na posse da cocaína. Acontece que os inspectores que presenciaram tais factos seguiam de carro e não puderam parar a respectiva viatura (sob pena de serem identificados). O inspector da PJ A e H relataram de forma mais detalhada o que observaram. Foi explicitado que o local onde a droga veio a ser recolhida 3 dias depois na posse do arguido AC ainda distava do local onde estacionaram o carro naquele dia (3.12). Ora, tendo sido apenas visto o arguido AC a sair do carro (no dia 3/12), tendo este arguido negado o conhecimento por parte da sua companheira, e inexistindo outros elementos probatórios, entendemos que não existe prova suficiente quanto à participação desta arguida na actividade desenvolvida pelo arguido AC.
Para além do que foi percepcionado no dia 3.12.2008 pelos inspectores da PJ existe a referência nos autos à vigilância efectuada a 12.6.2008, na qual a arguida SA conversa com uma pessoa de nome O, que foi identificada pelos agentes policiais como estando ligada à venda de droga (tendo já sido condenada pela prática de tal ilícito). Contudo, entre ambas existe uma relação de parentesco e o contacto que mantiveram não conduz, por si, ao relacionamento desta arguida com a actividade de tráfico.
As condições de vida de ambos os arguidos foram relatadas pelo arguido AC e estão documentadas nos relatórios sociais que foram elaborados.
A condução dos veículos automóveis sem licença bastante foi confirmada pelo arguido AC e percepcionada pelos inspectores da PJ que participaram nas RDE de 3.12.2008, de 6.12.2008, de 28.11.2007, de 12.6.2008, de 11.7.2008, de 29.9.2008 e de 4.12.2008. Nessa diligências foram também identificados os veículos que os arguidos conduziam. As informações relativas à propriedade de tais veículos constam de fls. 35, 38, 52 e 54. A inexistência de licença de condução foi confirmada pelo arguido AC e está documentada nos autos quanto a ambos os arguidos.
O arguido AC reconheceu a detenção de produto estupefaciente, se bem que tenha negado destinar o mesmo à venda, apresentando a esse respeito uma justificação, que não se logrou provar.
A fls. 63 e ss consta a informação prestada pela Direcção Geral dos Impostos - Direcção de Finanças de Coimbra, de acordo com a mesma não consta qualquer declaração de IRS do arguido, que não está colectado em nenhuma actividade. A arguida está colectada como comerciante de retalho em bancas e feiras, mas nas declarações de IRS que apresentou (referentes aos anos de 2003, a 2006 e 2008 - fls. 67 e ss) não foram declarados rendimentos.
Foi, ainda, valorado o auto de noticia por detenção (fls. 117), as fotografias do produto que lhe foi apreendido (fls. 125 ss), o auto de revista e apreensão efectuada ao arguido (fls. 122 e 123), o auto de busca e apreensão efectuado na residência dos arguidos e respectivas fotografias (fls. 129 e ss), o auto de busca e apreensão de viatura com matrícula 15-57-.. o auto de busca e apreensão de viatura (Nissan 30-..-20), e respectivas fotografias (fls. 169 e ss), o auto de busca e apreensão de viatura (Seat Ibiza – 19-26-,,), o doc. de fls. 104, 189 a 204, o auto de exame de fls. 427 e ss., 316 e ss
A testemunha J, proprietário da viatura Nissan 30--20 esclareceu as circunstâncias em que este veículo estava a ser utilizado pelo arguido (sem a sua autorização e conhecimento), veículo esse que já lhe foi restituído.
No que respeita à identificação do proprietário da carteira apreendida em casa dos arguidos, pela sua descrição apenas sabemos que correspondia a uma carteira de senhora, desconhecendo-se se efectivamente a arguida SA era a sua proprietária.
Refere-se, em último lugar que, parte dos factos que foram considerados como não provados estão em oposição com aqueles que resultaram provados. Sobre os demais não se fez prova ou aquela que se fez é inconsistente, como supra se refere.
Os restantes factos não especificamente dados como provados ou não provados, ou são a negação de outros especificamente considerados provados ou não provados ou são irrelevantes para a decisão, por serem conclusivos ou encerrarem questões de Direito.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido AC as questões a decidir são as seguintes :

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provado que o produto estupefaciente apreendido ao arguido se destinava a ser por si vendido a terceiros a troco de quantias de dinheiro e, por outro lado, que o produto estupefaciente apreendido não resultasse da circunstância de aquele ter acedido a guardá-lo a troco de € 500,00, correspondendo a uma solicitação de um familiar;
- se os factos provados integram o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93 de 22/1, e não o de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º do mesmo diploma;
- se a pena aplicada ao arguido é excessiva, devendo fixar-se em 4 anos de prisão, suspensa na execução, nos termos do art.50.º do Código Penal; e
- se é igualmente excessiva a pena de 9 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2 do Código da Estrada.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P. ) .
No entanto, a modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código, ou seja :
« a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
c) Se tiver havido renovação de prova .”.
Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:
« a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
c) As provas que devam ser renovadas.»
E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).
Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.
Sobre esta problemática importa ainda aqui mencionar o acórdão do STJ, de 4 de Dezembro de 2008, que decidiu que tendo o recorrente especificado os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados e indicado as concretas provas que impunham decisão diversa, referenciando-as aos respectivos suportes técnicos, mas de uma forma genérica em relação a cada uma das provas, pela indicação das voltas onde começavam e acabavam os depoimentos gravados, cumpriu substancialmente o ónus de impugnação que a lei lhe impõe.
O facto de o recorrente não ter localizado com precisão, nos respectivos suportes , os excertos das provas com que foi ilustrando os seus pontos de vista, não constitui fundamento de rejeição liminar do recurso. Antes de rejeitar o recurso, deve o tribunal convidar o recorrente a corrigir as conclusões, referenciando as provas que impunham decisão diversa da recorrida aos precisos locais, nos suportes técnicos, onde se encontravam os excertos de que se serviu para fundamentar os seus pontos de vista. – C.J., n.º 121, pág. 247.
O art.417.º, n.º 3 do C.P.P., na actual redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, permite o convite ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões formuladas.
No presente caso, o recorrente AC indica nas conclusões da motivação o concreto facto que foi dado como provado no acórdão recorrido e que no seu entender não o deveria ter sido, bem como o facto que deveria ter sido dado como provado e não foi, e ainda as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida.
Nas conclusões da motivação o arguido não localiza com precisão o excerto da prova que ilustra o seu ponto de vista, remetendo para o início e fim das gravações de 5 depoimentos, mas uma vez que defende que é da totalidade do depoimento de cada uma das testemunhas por ele mencionadas, que resulta o erro de julgamento do facto provado, traduzido nessas testemunhas não fazerem menção a que o destino do estupefaciente apreendido fosse a venda e em não situarem o arguido próximo de indivíduos referenciados com o tráfico de estupefacientes, o Tribunal da Relação procederá à audição dessa prova. Quanto ao facto que o arguido entende que deveria ter sido dado como provado remete para as suas próprias declarações, em termos genéricos.
Considerando que o arguido/recorrente está privado de liberdade, sujeito à obrigação de permanência na habitação e que a localização das declarações do arguido relativamente às razões da sua alegada detenção do estupefaciente, não traz dificuldades de maior, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, o Tribunal da Relação considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, que o recorrente impugna.
Antes da abordagem directa da questão ora objecto de recurso, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova , previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.
As normas da experiência são, como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira , «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.
Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento , encontrando afloramento , nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova , na recepção directa de prova.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo , pessoal , entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar , e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo: « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal . Já de há muito , na realidade , que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita , desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha , e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios , com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem , por outro lado , avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. - In “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 233 a 234 .
Na verdade, a convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Do exposto resulta que, para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum , ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289.
Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996 , “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
O recorrente AC defende que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, violando o princípio in dubio pro reo e o disposto no art.127.º do C.P.P., quando deu como provado que o produto apreendido se destina a ser vendido a terceiros a troco de quantias em dinheiro e, por outro lado, ao não considerar a versão do arguido de que apenas acedeu a guardar a cocaína a troco de € 500,00, a solicitação de um seu primo.
Alega, para este efeito e em síntese, o seguinte:
Não resulta dos depoimentos das testemunhas M, F, A, MM e H, que o arguido retirou uma ou mais porções de estupefaciente do frasco onde estava acondicionado; elas foram unânimes, nos seus depoimentos, em afirmar que o arguido retirou do frasco a totalidade das 13 porções do produto. Só seria legítimo concluir que o arguido destinava as 13 porções de cocaína à venda a terceiros se, aquando das suas deslocações ao local, tivesse retirado uma ou mais porções de estupefaciente do frasco onde estava acondicionado.
Quer dos referidos depoimentos, quer dos RDE elaborados, não resulta que o arguido convivesse ou acompanhasse com consumidores e ou traficantes de produtos estupefacientes. Tal circunstância inviabiliza que se possa firmar a conclusão de que o arguido destinasse as 130 gramas de cocaína à venda a terceiros.
O arguido foi investigado durante mais de um ano, não tendo sido carreada para os autos algo que permita sustentar a tese de que o produto estupefaciente apreendido se destinasse à venda de terceiros.
A versão apresentada pelo arguido nas suas declarações não foi infirmada.
Vejamos.
Ouvidos os depoimentos gravados das testemunhas M, F, S, MM, prestadas na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de Janeiro de 2010, e da testemunha H, prestada na sessão de audiência de julgamento do dia 25 de Janeiro de 2010, não resulta efectivamente desses depoimentos que o arguido AC retirou uma ou mais porções de estupefaciente do frasco onde estava acondicionado. De acordo com as testemunhas M, F .S e H, aquando da detenção do arguido, num pinhal entre o lugar de Vilarinho e Logo de Deus, este retirou de uma lixeira ou monte de entulho ali existente algo que, quando se dirigia para o veículo em que se transportava e foi abordado pela PJ., atirou de imediato para umas silvas e que recolhido se veio a verificar ser um frasco contendo treze porções de cocaína, cada uma com cerca de 10 gramas.
Também quanto ao arguido AC não conviver ou acompanhar com consumidores ou traficantes, não resulta dos depoimentos mencionados pelo arguido e dos RDE (Relatos de Diligência Externa) juntos aos autos, que aquele fosse visto a conviver ou acompanhar com consumidores ou traficantes como tal condenados judicialmente.
É correcta também a afirmação do arguido/recorrente de que foi investigado durante mais de um ano, considerando que a abertura do inquérito contra o arguido se iniciou no dia 27 de Novembro de 2007 e o mesmo foi detido no âmbito deste processo em 6 de Dezembro de 2008.
Relativamente à versão do arguido, sobre as circunstâncias em que possuía a cocaína no dia 6 de Dezembro de 2008, é pacífico que mencionou que lhe foi deixada à sua guarda, por um primo, cujo nome não revela, que vive para os lados da Chamusca ou Abrantes, a troco de € 500,00.
Neste ponto, importa fazer algumas considerações.
A testemunha H dá início ao presente processo porque da recolha de informações na cidade de Coimbra, lhe chegou ao conhecimento que o arguido AC se dedicaria ao tráfico de estupefacientes.
A investigação não se inicia porque terá chegado à PJ a informação que um primo do arguido lhe terá entregue cocaína para este guardar em Coimbra.
Não vemos qualquer razoabilidade na versão do arguido de que um seu primo, que vive para os lados da Chamusca ou Abrantes, lhe pedisse para guardar, a troco de € 500,00, a quantidade de cocaína que foi apreendida. Também não vemos justificação para o seu dito primo, traficante de cocaína, lhe pedir para guardar o produto estupefaciente, quando ele próprio não se mostraria impedido de o esconder num qualquer local isolado. Para além de evitar dar a conhecer ao arguido que era um traficante de estupefacientes, teria ainda o dito primo a vantagem de não dar € 500,00 ao arguido, que é uma pequena quantia monetária.
Não existe também nenhuma regra da experiência comum no sentido de que quem é surpreendido pela autoridade policial, num caminho, com um frasco contendo várias porções individualizadas de produto estupefaciente, não destina essas porções à venda.
O que resulta da experiência comum, é que, quem não sendo consumidor, detém e transporta consigo porções individualizadas de produtos estupefacientes, os destina à venda.
Se as porções são constituídas por pequenas doses individuais, o normal é elas serem vendidas aos consumidores. Se as porções são constituídas por quantias bem superiores às habituais doses individuais, então, o normal, em resultado das regras da experiência comum, é que essas doses se destinem à venda a outros traficantes de estupefacientes.
Como diz a testemunha S, invocando a experiência da PJ, “ ao
consumidor não se vendem pacotes de 10 gramas.”. No seu entender e apelando à sua experiência, a testemunha defende que a existência da droga fraccionada, acondicionada no frasco, reforça a sua convicção que o arguido tinha uma posição superior à dos que vendem aos consumidores e que o mesmo não era um vendedor de estupefacientes de “porta aberta” aos consumidores, mas a outros vendedores.
Por sua vez, a testemunha F realça que actualmente o modus operandi dos traficantes é não guardar a droga em casa.
O Tribunal da Relação não vê, pois, qualquer razão lógica para concordar com a afirmação do arguido/recorrente de que apenas seria legitimo concluir que este destinava o produto à venda se lhe fossem encontradas uma ou algumas porções individualizadas, mas não um frasco contendo cocaína em 13 pequenos sacos de plástico.
Relativamente à convivência ou acompanhamento do arguido com consumidores ou traficantes, importa acentuar, como consta do RDE de 28-11-2007 , elaborado no dia seguinte à abertura do inquérito, que as testemunhas J consignaram que se deslocaram ao Bairro .. e fizeram uma passagem pelo Bloco 12 e que apesar da tentativa de encontrar um local onde pudessem efectuar uma vigilância às movimentações do suspeito, tal não foi possível em virtude de se tratar de uma rua interior, onde passam constantemente indivíduos que além de conhecerem os elementos da PJ, conhecem as viaturas que utilizam.
O que resulta dos RDE são essencialmente vigilâncias móveis, por algumas horas, com identificação e seguimento dos vários veículos automóveis utilizados pelo arguido AC e pela sua companheira, realizadas com espaçamento de meses. Logo entre o primeiro RDE e o segundo RDE, em 12-6-2008, decorre meio ano.
Considerando a dificuldade na realização de vigilância no Bairro.. e quem concretamente dentro do Bloco 12 se dirigia à casa do arguido AC, não é de estanhar que o arguido nessas poucas vigilâncias não tenha sido visto em convívio e acompanhado com consumidores ou traficantes.
O que foi determinante para o Tribunal a quo não dar credibilidade à versão do arguido AC e dar como provado que « o arguido destinava a cocaína que tinha em seu poder à comercialização, procurando com isso a obtenção de lucro económico», foi, essencialmente: o não ter identificado cabalmente o dito primo; o modo como o produto se encontrava acondicionado ( dividido em quantidades de 10 gramas) e o tipo de bens que o arguido tinha em sua casa, designadamente os apreendidos, associado ao facto de não ter declarado nem ele nem a mulher quaisquer rendimentos.
Acrescentamos nós que os € 450,00 em dinheiro que o arguido tinha num dos seus bolsos quando foi detido, não são compatíveis com a vivência num bairro social e em que os arguidos não apresentam quaisquer rendimentos que comprovem a possibilidade de ter o afogo patrimonial que apresentavam.
Considerou-se, ainda, na fundamentação que “se o arguido apenas estivesse a guardar a droga, a troco de dinheiro não se compreenderia a razão pela qual 3 dias antes se tinha deslocado ao local onde escondera a cocaína, tanto mais que na versão do arguido a droga tinha-lhe sido entregue uma semana antes.”.
O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
Do princípio in dubio pro reo, que decorre do principio da presunção da inocência , consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, resulta, designadamente , que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. Estabelece o mesmo que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido - cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 ( C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177 ) .
No caso em apreciação, e face ao exposto, a convicção do Tribunal recorrido expressa na sentença, adquirida na base da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, no sentido de que o arguido praticou os factos dados como provados, desatendendo à versão do arguido AC de que apenas era « uma espécie de “fiel depositário” do estupefaciente apreendido» pertencente a outrem, não é irracional, nem viola as regras da experiência comum, mostrando-se objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, como o exige o princípio da livre apreciação da prova.
Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto da sentença recorrida não se vislumbra ainda nela que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido AC dos factos que deu como provados, designadamente que destinava a cocaína que tinha em seu poder à comercialização, procurando com isso a obtenção de lucro económico.
O que resulta da fundamentação é um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pelo arguido/recorrente dos factos dados como provados.
Afastada fica assim, a violação pelo Tribunal recorrido – e bem face à prova produzida – do principio “in dubio pro reo”.
Não se reconhecendo a existência de erro de julgamento da matéria de facto, pelo Tribunal a quo, consideramos definitivamente fixada a matéria de facto nos termos que constam do acórdão recorrido.
Passemos agora à segunda questão.
O art. 21º, n.º 1, do DL nº15/93, estatui o seguinte :
« 1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrém, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos .»
Por sua vez, sobre o crime denominado de “tráfico de menor gravidade” estatui o art.25.º , do DL. n.º 15/93 , o seguinte :
« Se nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção , a qualidade ou a quantidade das plantas , substâncias ou preparações , a pena é de :
a) Prisão de 1 a 5 anos , se se tratar de plantas , substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III , V e VI ;
b) Prisão até dois anos ou multa até 240 dias , no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.» .
O regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos factores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal.
Na Nota Justificativa da Proposta de Lei enviada à Assembleia da República , que deu lugar ao actual regime jurídico aplicável ao tráfico de estupefacientes reconheceu-se que o « tráfico de quantidades diminutas» do DL n.º 430/83, não oferecia a maleabilidade necessária , justificando-se por isso a sua revisão « em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante ou significativo do tráfico menor (…), havendo, portanto, « que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que , ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.».
Logo após a entrada em vigor do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e durante algum tempo, a jurisprudência fez uma interpretação algo restritiva do seu art.25.º, quase o esvaziando, remetendo para o art.21.º a generalidade das situações de tráfico de estupefacientes.
Posteriormente, e nos anos mais recentes, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do STJ, convergiu no sentido de que « a integração do tráfico de menor gravidade do art.25.º não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta», pois que « resulta, designadamente da moldura prevista na sua al. a) , a ilicitude pode ser considerável; deve é situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art.21.º, já que « a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral.» - cfr. acórdão do S.T.J. , de 15 de Fevereiro de 1999, proc. n.º 912/99.
Por outras palavras, « os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas , constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção , com alargados espaços de indeterminação, de “ considerável diminuição de ilicitude”. – cfr. acórdão do S.T.J. , de 13 de Abril de 2005 ( C.J. n.º 184.º, pág. 173).
Neste espírito, a jurisprudência vem alargando o campo de aplicação do art.25.º, do DL n.º 15/93, aos “retalhistas de rua”, sem ligações a quaisquer redes e que desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes. – cfr. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 13 de Fevereiro de 2003 ( C.J., n.º 166, pág. 191), de 29 de Novembro de 2005 ( C.J., n.º 187, pág. 219), de 30 de Março de 2006 ( proc. n.º 06P771, Cons. Santos Carvalho, in www.dgsi.pt), de 15 de Fevereiro de 2007 ( C.J., n.º 198, pág. 191) e de 30 de Abril de 2008 ( proc. n.º 08P1416, Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt) e acórdão do Tribunal da Relação Coimbra , de 28 de Março de 2007, ( proc. n.º 37/04.0GBAVR.C1).
Tanto a quantidade do estupefaciente traficada, como a sua natureza ou o seu grau de pureza, influenciam decisivamente na aferição da gravidade do tráfico permitindo diferenciar entre os grandes ( art.s 21.º, 22.º e 24.º do DL n.º 15/93) e os pequenos traficantes ( art.25.º do DL n.º 15/93) – cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, de 4 de Julho de 2007 ( CJ, n.º 200, pág. 234) e 24 de Fevereiro de 2010, proc. n.º 141/08.6P6PRT.S1 ( www.dgsi.pt.).
Em suma, o art.25.º do DL n.º 15/93, deve ser aplicável aos casos de pouca gravidade, designadamente do pequeno “tráfico de rua” ; o art.21.º aos casos graves; o art.24.º aos casos muito graves e o art.26.º ao tráfico com finalidade exclusiva de conseguir estupefacientes para uso pessoal. – cfr. acórdão do STJ de 28 de Junho de 2006 ( C.J., n.º 187, pág. 219).
No caso concreto, a quantidade do estupefaciente apreendida ao arguido AC, de 123,509 gr., já é elevada por menção à Portaria n.º 94/96, que nos dá no mapa elaborado com referência ao respectivo art.9.º, uma indicação dos limites quantitativos diários de consumo no que concerne a estupefacientes, apontando-se o valor de 0,2 gramas no que concerne à àquele produto.
A cocaína é um tipo de estupefaciente que produz efeitos particularmente graves.
Não se provou que o arguido vendia a cocaína directamente a consumidores, nem a quantidade de cada uma delas das 13 porções em que aquele produto estava acondicionado não permite concluir o que arguido era um “traficante de rua”.
Para o tráfico utilizou, pelo menos um veículo automóvel, e na execução do crime agiu com particular cautela, escondendo o estupefaciente num pinhal. Durante a sua actividade criminosa fez-se acompanhar, no veículo automóvel, de menores. Os bens apreendidos ao arguido – e declarados perdidos a favor do Estado – são de valor elevado.
O juízo global e abrangente da descrita conduta delitiva do arguido AC leva-nos a considerar que o Tribunal a quo decidiu bem ao integrar a conduta do arguido no tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º do DL n.º 15/93, afastando o preenchimento do tipo que prevê o tráfico de menor gravidade.
Improcede assim esta questão.
A questão seguinte respeita à medida da pena aplicada ao arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes.
O art.70.º do Código Penal estatui , como critério de orientação geral para a escolha da pena , que « Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.». Ou seja, sempre que possível, deverá o Tribunal optar pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade em detrimento da privativa da liberdade.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. ( art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal ).
A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa , censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”- cfr. Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.
Posto isto, importa aqui frisar que o legislador visou com a criação do crime de tráfico de estupefacientes evitar a degradação e destruição da pessoa, provocada pelo consumo de estupefacientes que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.
O tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos, como a vida, a integridade física e a liberdade dos consumidores, afecta a vida em sociedade, dificultando a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos, estando na base de elevado número de crimes contra o património e pessoas, mesmo alheias aos malefícios das drogas.
No caso em apreciação, no âmbito de um tráfico de estupefacientes do art.21.º do DL n.º 15/93, a ilicitude é em grau bem razoável, porquanto detinha, para venda, um tipo de estupefaciente que produz efeitos particularmente graves, cocaína e em quantidade que daria para largas dezenas de doses médias diárias individuais, ou seja, para um consumo médio individual de vários meses.
O arguido agiu com dolo directo.
O arguido tem já antecedentes criminais, tendo sido condenado:
- pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses, por sentença proferida em 22.6.2007;
- pela prática de um crime de falsas declarações, na pena de 1 ano, suspensa por 1 ano, por sentença proferida em 9.6.2008;
- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, por sentença proferida em 23.5.2008; e
- pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 14-1-2004, na pena de 45 dias de multa e de 3 meses de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, por sentença proferida em 9-2-2009.
Não se vislumbra dos factos provados a existência de actividade económica estruturada e correspondente autonomia de vida para suportar as despesas do seu agregado familiar, sendo que, desde Fevereiro de 2009, este beneficia do rendimento social de reinserção no valor de € 673.00 mensais ( Relatório Social junto de folhas 589 a 593).
O arguido AC admitiu apenas os factos que sabia estarem praticamente provados em face da sua detenção em flagrante delito. Não beneficia de arrependimento sincero, nem de concretos actos demonstrativos do mesmo.
As exigências de prevenção geral são aqui muito elevadas, pois o tráfico de estupefacientes é um flagelo para a sociedade pelas inúmeras consequências negativas que tem no domínio da saúde pública, da família, e da vida , entre outras.
As exigências de prevenção especial são prementes, pois para além de ter já antecedentes criminais, o arguido tem conhecimento da gravidade da sua conduta e ainda assim não resulta dos factos provados que a rejeite a prática da mesma actividade no futuro se vier a ter possibilidades de a continuar.
Tendo em conta que o crime de tráfico é punível em abstracto com prisão de 4 a 12 anos, considera-se, face aos critérios definidos nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, que a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido é adequada e proporcional à sua culpa e às exigências de prevenção geral e especial.
Assim, mantém-se a pena em que foi condenado.
Passemos agora ao conhecimento da última questão.
O arguido AC defende que é também excessiva a pena de 9 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2 do Código da Estrada.
Vejamos.
O crime de condução sem habilitação legal é punível, em alternativa, com as penas principais de prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias.
O Tribunal a quo, atento o disposto no art.70.º do Código Penal, optou por aplicar ao arguido uma pena de prisão, em detrimento da pena de multa - decisão que não é objecto de recurso.
No caso em análise e para determinação da medida da pena relativamente ao crime de condução sem habilitação legal, nos termos do art.71.º, n.º1 e 2 do Código Penal, importa realçar que as exigências de prevenção geral são elevadas e prementes, pois é o grande número de cidadãos que continuam a circular nas nossas estradas sem estarem habilitados a conduzir, presumindo-se que desconhecem, por ausência de aprendizagem e certificação de habilitação pelo Estado, as respectivas técnicas e regras a que deve obedecer a circulação rodoviária. No elevado índice de sinistralidade rodoviária, com graves consequências para a vida, o corpo e o património quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes, surgem frequentemente condutores sem habilitação legal.
As razões de prevenção especial ou individual são também prementes considerando que o arguido já tem antecedentes criminais, tendo sido anteriormente condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença de 2008.
Ao voltar a delinquir com a prática do mesmo crime de natureza rodoviária, o arguido demonstra alguma insensibilidade ao quadro de desgraças na estrada resultante designadamente de condução de veículos sem habilitação legal - , para além de demonstrar que a pena de multa que então lhe foi aplicada não foi sanção adequada e suficiente para o afastar da criminalidade.
À data em que o arguido foi detido, no âmbito do presente processo, e conduzia um veículo automóvel, encontrava-se em pleno período de suspensão de execução de uma pena de 2 anos e 6 meses, pela prática de um crime de falsificação de documento - o que deixa ainda claro que o arguido não se deixou intimidar com a aplicação de uma pena de prisão suspensa na execução.
Considerando o grau elevado de ilicitude do facto; o dolo intenso e directo; a condução de veículo, designadamente no âmbito do tráfico de estupefacientes; os antecedentes criminais; a sua situação económico-social e as necessidades de prevenção criminal descritas, cremos que a aplicação pelo Tribunal a quo de uma pena de 9 meses de prisão - numa moldura abstracta de 1 mês a 2 anos de prisão -, não é uma pena excessiva.
Nenhuma das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, como a pena de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e a prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do C.P.), ou em sentido impróprio, como o regime de permanência na habitação ( art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua, devem ser aqui aplicadas quando, para além do mais, lhe é aplicada uma pena de prisão efectiva de 6 anos de prisão, a cumprir em Estabelecimento Prisional.
Em suma, o recurso interposto pelo arguido AC não merece provimento.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AC e manter o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente , fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,