Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
90/10.8TBPNL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: VENDA POR PROPOSTAS EM CARTA FECHADA
PRAZO
FORMALIDADES
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 817.º N.º 1, 820.º E 822.º DO NCPC
Sumário: 1. Uma vez que a lei é omissa nessa matéria, na venda mediante propostas em carta fechada em que não tenha sido fixado prazo para a sua apresentação as propostas podem ser entregues ou enviadas até à última hora ou até ao último instante em que hão-de ser abertas.

2. Cumprem o formalismo legal as propostas apresentadas em carta fechada que identifiquem a venda (processo) a que respeitam.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Nos autos de execução comum que o “A..., SA”, move a B... e C..., já identificados nos autos, foi designado o dia 27 de Fevereiro de 2014, pelas 14.00 horas, para abertura de propostas em carta fechada para se proceder à venda de um imóvel penhorado no âmbito dos aludidos autos de execução.

Conforme auto de abertura de propostas, aqui junto de fl.s 2 a 4, cuja diligência se iniciou às 14 horas e 30 minutos, foram apresentadas duas propostas: a primeira apresentada por D...e E..., no valor de 41.008,00 €, acompanhada de cheque caução no valor de 1.902,00 €, do A... com o n.º 6561902007 e a segunda: apresentada por F... , no valor de 41.050,00 €, acompanhada de cheque caução no valor de 9.000,00 €, da CGD com o n.º (...).

Como ali, igualmente, consta, após a abertura das propostas pela M.ma Juiz, foi pedida a palavra pela Ilustre Mandatária dos 1.os proponentes, a qual, no uso da mesma, requereu o seguinte:

“Considerando que a segunda proposta apresentada não reúne os elementos formais de que a Lei faz depender a sua aceitação e deu entrada nos serviços de secretaria deste Tribunal após a hora designada para a abertura de propostas, e porque tal irregularidade, susceptível de influir no exame ou decisão da causa, constitui nulidade, deve a mesma nulidade ser declarada para os devidos efeitos legais.”.

Consta, ainda, do referido auto de abertura que:

“Pelo 2.º proponente F... foi referido que desconhece até quando teria de ser apresentada a proposta, sendo que se encontrava no átrio do Tribunal desde as 13 horas e 30 minutos e que, de facto, apenas apresentou a sua proposta na secretaria após as 14 horas.”.

Ali se acrescentando que:

“Pela MMª Juiz foram pedidos esclarecimentos à secretaria, nomeadamente à senhora funcionária judicial que se encontrava presente na diligência, tendo esta referido que o proponente F... apenas apresentou a sua proposta em envelope fechado às 14 horas e 14 minutos, conforme consta no envelope.”.

Após o que foi proferido o seguinte despacho (aqui recorrido):

“Pelos proponentes D...e E... foi arguida a irregularidade da apresentação da proposta de aquisição do prédio em venda apresentada por F..., porquanto a mesma foi apresentada às 14 horas e 14 minutos, após a hora designada para a abertura de propostas (14 horas).

Determinada a venda mediante abertura de propostas em carta fechada, o Juiz designa dia e hora para a abertura de propostas, devendo aquela ser publicitada pelo Agente de Execução com a antecipação de 10 dias (art.º 817.º NCPC).

Do anúncio consta o nome do executado, a identificação do Agente de Execução, o dia, hora e local da abertura de propostas, a identificação sumária dos bens e o valor a anunciar para a venda (art.º 817.º, n.º 3 do NCPC).

As propostas são entregues na secretaria do Tribunal e abertas na presença do Juiz, devendo assistir à abertura o Agente de Execução, e podendo a ela assistir o executado, a exequente, os reclamantes de créditos com garantias sobre os bens a vender e os proponentes (art.º 820.º do NCPC).

Uma vez que a lei não marca prazo para a apresentação das propostas, tem-se entendido que podem ser entregues até ao momento da abertura (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 4.ª edição, pág. 300 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012).

De facto, no Código nada se diz a tal respeito, nem se fixa momento preciso até ao qual podem apresentar-se ou enviar-se propostas. Assim, quando não se marca prazo para a sua apresentação e nada resulta da Lei, entende-se naturalmente que as propostas podem ser entregues ou enviadas até à última hora ou até ao último instante em que hão-de ser abertas.

Por sua vez, diga-se, sem prejuízo dos proponentes D...e E... não concretizarem em que sentido a proposta apresentada por F... não cumpre o formalismo legal, sempre se diga que a Lei também nada diz quanto à forma de apresentação das propostas.

Aliás, diga-se que a proposta foi apresentada com identificação do número do processo, do nome do proponente e do respectivo valor, entendendo-se do teor da mesma que se oferece o valor de 41.050,00 euros.

Por isso, tendo a proposta de F... dado entrada no Tribunal às 14 horas e 14 minutos, e tendo a abertura de propostas tido início às 14 horas e 30 minutos do mesmo dia, é de concluir que aquele entregou a sua proposta atempadamente até ao momento da abertura das propostas, constando da mesma a identificação do processo, o nome do proponente e o valor da aquisição e vindo acompanhada de cheque caução, pelo que a admito.”.

Na sequência do que foi aceite a proposta apresentada por F..., o qual, no acto, foi, de imediato, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do NCPC, por ser a proposta de maior preço, entre as duas que foram apresentadas e ambas, admitidas.

Como resulta da análise de fl.s 29 e 30, o envelope contendo a proposta apresentada por F..., deu entrada na secretaria do Tribunal recorrido às 14 horas e 14 minutos do dia 27 de Fevereiro do ano corrente, dele constando, manuscrita a menção “90/10.8TBPNL” e uma assinatura “ F...”.

Da proposta constam, igualmente manuscritas (denotando caligrafia bastante rudimentar), as seguintes expressões e assinaturas, pela ordem que se segue:

“proceço 90 – 10.8 TBPNL”

“ F...”

“41.050 E”

“ F...”.

A fl.s 31, encontra-se fotocópia do cheque emitido pela CGD, Agência de Penela, no montante de 9.000,00 €, a favor do Agente de Execução, que aqui se dá por reproduzido.

            Inconformados com a decisão proferida acerca da alegada irregularidade da proposta apresentada por F..., acima transcrita, dela interpuseram recurso os proponentes D...e E..., recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 27), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1ª- Vem o presente recurso interposto da decisão proferida a fls… dos presentes autos de execução, por via da qual o Tribunal a quo, que, não se pronunciando expressamente sobre a arguição da irregularidade da proposta apresentada por F..., arguida pelos ora Recorrentes, admitiu e aceitou a dita proposta, por entender que a mesma foi “ apresentada com identificação do número do processo, do nome do proponente e do respectivo valor, entendendo-se do teor da mesma que se oferece o valor de 41.050,00 €”; e por considerar que a mesma foi entregue atempadamente porque “(…) até ao momento da abertura das propostas, constando da mesma a identificação do processo, o nome do proponente e o valor da aquisição e vindo acompanhada do cheque caução, pelo que admito.”.

2ª- Pese embora a arguição da irregularidade da proposta e da sua aceitação tenha ocorrido no acto de abertura de propostas em carta fechada, no despacho que proferiu, o Tribunal a quo não se pronunciou expressamente sobre tal questão; o que, nos termos do disposto na primeira parte da alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, constitui causa de nulidade da decisão, cuja declaração se peticiona;

3ª- Caso assim não se entenda - o que se admite, por mera hipótese académica -, sempre se mostrará violada a disciplina contida nas disposições conjugadas dos arts. 816, nº1; 817º; 820º, nº1; 822º, nº 1 e 824º, nº 1, todos do CPC.; uma vez que, nem o escrito apresentado pode ser tido como proposta de compra; nem - para valer como tal - se mostra idoneamente instruído com cheque visado ou garantia bancária; nem foi entregue em termos e momento susceptíveis de permitir a sua aceitação.

4ª- Pois que, os elementos que constam da folha introduzida no sobrescrito, exteriormente identificado apenas pelo nome do subscritor – F... - ; e uma vez que o nº do processo foi aposto por funcionário judicial ao serviço do Tribunal -, são:“90-10.8TB?NL”;  “ F...”; “41.050 E” e, novamente, “ F...”;

5ª- Elementos que não são, só por si, suficientes para que possa considerar-se cumprida a essencialidade de uma proposta de compra;

6ª- Pois que a identificação de um interessado deve ter por referência as exigências legais de identificação de qualquer parte no processo ex vi art. 552º, n.º 1 al. a) – indicação do nome, domicilio ou sede e, sempre que possível, número de identificação civil e de identificação fiscal, dispensada que seja, por irrelevante, a indicação eventual da profissão e do local de trabalho.

7ª- Tanto mais, porque da proposta de aquisição de um bem imóvel, afigura-se dever constar como elemento identificativo do sujeito adquirente, porque absolutamente essencial, o número de identificação fiscal; nomeadamente para efeitos da subsequente formalização da compra com cumprimento das devidas obrigações fiscais.

8ª -Na indicada folha de papel e pretensa proposta de compra, nenhuma menção é feita à identificação do bem para cuja aquisição esta é feita;

9ª- E o cheque aquela junto como caução, não é visado; mas antes um cheque bancário – absoluta preterição do disposto no art. 824º, n.º 1 do C.P.C.

10ª- Por tudo isto, se entende ter sido aceite nos autos, como proposta, um escrito que, para além de não respeitar as exigências específicas de identificação quer do proponente, quer do bem a comprar, vem acompanhada de uma caução inidónea;

11ª- O que, no entender dos Recorrentes, constitui ofensa expressa às exigências formais e materiais impostas pelo estatuído nos arts. 816º, n.º 1; 820º, n.º 1; 824º, n.º 1; 552º, n.º 1, al. a) do C.P.C.

12ª- E que, tendo sido arguido no acto pelos ora Recorrentes, foi tacitamente desatendido pelo Tribunal a quo, que, não se pronunciando sobre a procedência ou improcedência da arguição de nulidade, decidiu admitir também a dita proposta de F... vinda de referir.

13ª- Decisão com que os ora Recorrentes não se conformam e que, por força dos argumentos expostos, entendem dever ser revogada e substituída por outra que, considerando procedente a arguição de nulidade dos recorrentes, não aceite o escrito de F..., pelo facto de o mesmo não conter os elementos essenciais necessários à sua qualificação como proposta de compra, por um lado; e por não vir acompanhado de cheque visado ou garantia bancária, por outro.

14ª- Acresce ainda que, o escrito de F... – considerado pelo Tribunal a quo como proposta de compra – não foi entregue na secretaria do Tribunal até ao inicio do acto de abertura de propostas, antes se tendo aguardado pela apresentação do escrito de F... para dar inicio à dita abertura.

15ª- Tal situação materializa o estabelecimento legalmente infundado de privilégios distintos para proponentes que não gozam de uma especial qualidade jurídica; pois que faz depender da maior ou menor bondade e paciência dos serviços de um Tribunal, a fixação do momento limite para aceitação de propostas em carta fechada e condução das mesmas a fim de dar inicio à respectiva diligência de abertura.

16ª- Aguardar-se o tempo necessário a que o proponente F... preparasse o escrito identificado nos autos, para só depois – mais precisamente pelas 14h30m – dar início a uma diligência marcada para as 14:00h – momento em que o escrito de F... nem sequer estava em preparação - não satisfaz as exigências previstas na disciplina legalmente prevista para o acto de abertura de propostas em carta fechada.

 17ª- Por tudo isso se entende, que também por tal via, não pode deixar de proceder a arguição de irregularidade feita pelos ora Recorrentes, na diligência de abertura de propostas.

18ª- Contudo, e caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese académica e dever de patrocínio; sempre teria de se considerar inaceitável, por extemporâneo o escrito de F...; pois que, tal como ensinam Eduardo Paiva e Helena Cabrita, Juízes de Direito, in “O Processo Executivo e o Agente de Execução – A Tramitação da Acção Executiva face às alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro”; Coimbra Editora, 2009, página 160n – “As propostas, em carta fechada, são entregues na secretaria do Tribunal, até à hora designada para a sua abertura e, uma vez apresentadas só podem ser retiradas se a respectiva abertura for adiada por mais de 90 dias (art. 893º, n.º 1 e 4 do C.P.C)” – sublinhado da inteira responsabilidade da signatária, mercê da relevância para o tratamento da questão em apreço.

19ª- Quer isto dizer que o momento que, efectivamente, releva para efeitos de apresentação de propostas é a hora fixada por despacho judicial; que não se confunde com o momento em que as mesmas venham a ser abertas.

20ª- Assim, estando fixadas nos autos as 14:00 horas, como hora de abertura das propostas em carta fechada, e tendo a proposta dado entrada pelas 14:14 h, não podia a mesma ter sido aceite, porque extemporânea.

 21ª- Assim, também por força de tais argumentos se entende, salvo o devido respeito por diverso entendimento, que a arguição de nulidade dos recorrentes deve proceder, revogando-se a decisão que, sem dela conhecer expressamente, admitiu como proposta de compra o escrito de F....

22ª- Em consequência de tal procedência deverá ser declarada nula a proposta de F...; e também nula a decisão que a aceitou, anulando-se, igualmente, os subsequentes termos do processo – o que se requer.

Só assim se fazendo Justiça!

            Contra-alegando, o proponente F..., pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta invocados, designadamente que a proposta poderia ser apresentada até ao momento da abertura das propostas; não se exige qualquer forma para a apresentação das propostas; que o despacho recorrido se pronunciou sobre as arguidas irregularidades, pelo que não é nulo e é extemporânea a alegação de que o cheque entregue pelo recorrido não é um cheque visado, por isso só poder ser arguido no próprio acto, o que assim não aconteceu.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4, n CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

            A. Se o despacho recorrido padece da nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC;

B. Se o escrito apresentado pelo proponente F... não pode ser considerado como proposta de compra, por não conter os elementos necessários para tal;

C. Se a decisão recorrida viola o disposto no artigo 824.º, n.º 1, do NCPC, por o cheque apresentado pelo proponente F..., juntamente com a sua proposta, não ser visado e;

D. Se o escrito apresentado pelo proponente F... tem de ser considerado como extemporâneo, por não ter sido apresentado até à hora fixada para a abertura das propostas apresentadas.

A matéria de facto a considerar para a decisão desta questão é a que consta do relatório que antecede.

A. Se o despacho recorrido padece da nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC.

Defendem os recorrentes que assim é, com o fundamento em o mesmo não se pronunciar expressamente sobre a arguição da irregularidade apresentada por F....

            O artigo 615, n.º 1, al. d), sanciona com a nulidade a sentença/despacho quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

            Esta nulidade, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre da análise da decisão recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer: tempestividade da apresentação da proposta do recorrido e da sua regularidade formal (cf. fl.s 3, última parte e 4, 1.º e 2.º parágrafos) e só destas, nos assinalados termos, não indicando a recorrente, em concreto, qual a questão que ficou por conhecer.

Os recorrentes manifestam o seu desacordo quanto à forma como tais questões foram apreciadas, mas isso, como é óbvio, não configura a invocada nulidade,

Consequentemente, não padece a decisão recorrida da apontada nulidade, improcedendo, quanto a esta questão, o recurso.

B. Se o escrito apresentado pelo proponente F... não pode ser considerado como proposta de compra, por não conter os elementos necessários à sua qualificação como tal.

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que a proposta de compra tem de obedecer aos requisitos de uma petição inicial, isto é, deve conter todos os elementos mencionados no artigo 552.º, n.º 1, al. a), do NCPC, designadamente a indicação do nome do proponente, domicilio ou sede, número de identificação civil e fiscal.

Como vimos, no despacho recorrido, considerou-se que nada dispondo a lei quanto à forma de redacção/apresentação das propostas, era válida a apresentada pelo proponente F....

Efectivamente, no artigo 820.º, n.º 1, do NCPC, apenas se preceitua que “As propostas são entregues na secretaria do tribunal e abertas na presença do juiz …”, nada dali resultando quanto à necessidade de as mesmas conterem uma formalidade especial e não lhe sendo de aplicar o disposto no citado artigo 552.º, n.º 1, uma vez que o mesmo rege apenas e tão só as formalidades que deve conter a petição inicial, peça que marca o início de um processo judicial e que, por isso, deve ser preciso e completo, o que não se justifica (tal grau de exigência descritiva e formal) para a apresentação de uma proposta de compra.

Nesta bastará que sejam apresentadas em carta fechada e se identifique a venda (processo) a que respeitam.

Neste sentido, veja-se Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13.ª edição, Almedina, 2010, a pág. 374 e Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol 3.º, Coimbra Editora, 2003, a pág. 580, que ali citam Remédio Marques, Curso …, p. 388, ali referindo que “As propostas, como o nome indica, são apresentadas em carta fechada, indicando no rosto do envelope a venda a que respeitam ou referindo o anúncio ou o processo a que respeitam …”.

In casu, tanto o envelope como a própria proposta, identificam o processo a que respeita a proposta de compra e neles se identificando o proponente, o que, nos termos expostos, é o necessário e suficiente para que a mesma seja considerada para a venda a que respeita.

Assim, igualmente, quanto a esta questão improcede o recurso.

C. Se a decisão recorrida viola o disposto no artigo 824.º, n.º 1, do NCPC, por o cheque apresentado pelo proponente F..., juntamente com a sua proposta, não ser visado.

No que a esta questão respeita, alegam os recorrentes que a decisão recorrida viola o preceito em referência, com o fundamento em o cheque apresentado pelo recorrido, juntamente com a sua proposta, não ser visado.

Efectivamente, dispõe o artigo 824.º, n.º 1, do NCPC, que os proponentes devem juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução, no montante correspondente a 5% do valor anunciado ou garantia bancária do mesmo valor.

No entanto, independentemente da questão de saber se o cheque junto pelo recorrido, de que se acha junta fotocópia a fl.s 31, é ou não um cheque visado, o facto é que esta questão aqui não pode ser conhecida.

Isto porque, nos termos do disposto no artigo 822.º, n.º 1, do NCPC:

“As irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas só podem ser arguidas no próprio acto.”.

Como resulta do requerimento apresentado pelos recorrentes no decurso do acto da abertura de propostas, as únicas questões ali arguidas são a falta de elementos formais para que o “escrito” apresentado pelo outro proponente possa ser considerado como proposta de compra e a sua extemporaneidade.

Assim, não sendo arguida a sua irregularidade com base neste fundamento, como deriva do exposto, não pode, agora, dela conhecer-se.

Pelo que, também, quanto a esta questão improcede o recurso.

D. Se o escrito apresentado pelo proponente F... tem de ser considerado como extemporâneo, por não ter sido apresentado até à hora fixada para a abertura das propostas apresentadas.

            Relativamente a esta questão pugnam os recorrentes pela extemporaneidade da proposta apresentada pelo proponente F..., com o fundamento em as propostas terem de ser apresentadas na secretaria do Tribunal até à hora fixada para a abertura das propostas, que se encontrava designada para as 14 horas, o que não aconteceu no caso em apreço, uma vez que a proposta ora em apreço só foi entregue às 14 horas e 14 minutos.

            Como já referido, na decisão recorrida entendeu-se que não fixando a lei o preciso momento até ao qual as propostas podem ser entregues, o podem ser até ao momento em que hão-de ser abertas.

            O artigo 817.º, n.º 1, do NCPC, apenas obriga a que, sendo determinada a venda mediante propostas por carta fechada, seja designado dia e hora para a abertura das respectivas propostas, devendo esta diligência ser publicitada, nos moldes ali previstos nas suas alíneas a) e b), com a antecipação mínima de 10 dias.

            E o artigo 820.º, n.º 1, do mesmo Código preceitua que as propostas devem ser entregues na secretaria do tribunal e abertas na presença do juiz, devendo assistir à abertura o agente de execução e podendo a ela assistir o executado, o exequente, os reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender e os proponentes.

            Nada daqui resultando quanto ao momento até ao qual as mesmas devem ser apresentadas, sendo que, para poderem ser consideradas/atendidas, como é óbvio, o tenham de ser antes da abertura das propostas, mas podendo sê-lo até ao momento imediatamente anterior à prática de tal acto, sendo irrelevante que o sejam já depois da hora designada para a abertura das mesmas.

            Como se refere no Acórdão do STJ, de 16/10/2012, Processo 2389/10.4TBAMT-1.P1.S1, disponível no itij, referido na decisão recorrida “Uma vez que a lei não marca prazo para a apresentação das propostas, tem-se entendido que podem ser entregues até ao momento da abertura.”.

Este é, igualmente, o entendimento perfilhado por Fernando Amâncio Ferreira, ob. e loc. cit., que ali refere que as propostas “…devem ser entregues na secretaria do tribunal até ao momento da abertura” e ali citando em abono de tal solução, Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. II, pág. 345, onde tal Ilustre Mestre defende que “desde que se designa dia e hora para a abertura das propostas e não se marca prazo para a sua apresentação, segue-se naturalmente que as propostas podem ser entregues ou enviadas até à última hora, até ao instante em que hão-de ser abertas.”.

O mesmo entendimento têm Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, ob. e loc. cit., que ali referem que as propostas podem ser entregues até ao momento de se iniciar a respectiva abertura.

Ora, no caso em apreço, não obstante a abertura das propostas se encontrar designada para as 14 horas, o facto é que tal diligência apenas teve início às 14 horas e 30 minutos (cf. respectivo auto, aqui junto, através de certidão) e a proposta apresentada pelo proponente F... deu entrada na secretaria do Tribunal às 14 horas e 14 minutos (cf. fl.s 29), pelo, face ao que se deixou exposto, tal proposta é de considerar como tempestiva e, por isso, podia, como o foi, ser considerada válida para a venda a que se destinava.

Assim, também, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

           

Nestes termos se decide:      

            Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

            Custas pelos apelantes.

            Coimbra, 14 de Outubro de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves