Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
968/18.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PEAP
PLANO
HOMOLOGAÇÃO
DIREITO DE VOTO
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS17-F, 215, 212 CIRE, DL Nº 26/2015 DE 6/2
Sumário: 1.- A remissão do art. 17.º-F/3 do CIRE (na redacção anterior ao DL 26/2015 de 6/2) para o art.212 do CIRE significava que os créditos que não fossem modificados pela parte dispositiva do plano não conferiam direito de voto.

2.- Foi esta interpretação que a redacção que o DL 26/2015 trouxe ao “novo” art. 17.º-F/3/a) (hoje 17.º-F/5/a)) confirmou , na medida em que a explícita referência aos créditos relacionados com direito a voto incute, fora de toda a dúvida, que será aplicável o disposto no art. 212.º/2 do CIRE .

3.- Por isso, tanto ao PER como ao PEAP é aplicável o que consta do art. 212.º/2/a) do CIRE, o que significa que não conferem direito de voto os créditos que não foram modificados pelo Plano ou pelo Acordo.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

C (…) e M (…) , já identificados nos autos, intentaram os presentes autos de processo especial para acordo de pagamento (PEAP), com o fundamento em, apesar de se encontrarem em difícil situação económica, reunirem as condições para tal, como consta do requerimento inicial de fl.s 2 a 5 v.º.

Apresentaram a lista dos seus credores.

Considerando-se que se encontravam verificados os requisitos formais para a prossecução do requerido, foi proferido despacho liminar, cf. fl.s 64 e 65.

No seguimento do que os requerentes vieram apresentar a lista provisória de créditos, que consta a fl.s 83, a qual, não tendo sido impugnada, foi convertida em definitiva, cf. despacho de fl.s 85.

Figuram como credores as seguintes entidades:

1- B (…), SA, pelo montante de 55.767,67 €, com a natureza de crédito garantido por hipoteca, correspondendo a 59,795%;

2- I (…) pelo montante de 4.283,47 €, como crédito comum e correspondendo a 4,593%;

3- B (…), SA, pelo montante de 12.786,09 €, crédito comum, correspondendo a 13.709%;

4- C (…), pelo montante de 19.428,02 €, crédito comum, correspondendo a 20.831%;

5 – I (…), pelo montante de 1.000,00 €, com a natureza de crédito comum, correspondendo a 1.072% e;

6- A (…)), pelo montante de 779,91 €, crédito sob condição e sem direito a voto.

Após, foi apresentado o Plano de Recuperação e Pagamento, nos seguintes moldes:

“3) Por Classificação de Créditos

Para efeitos da presente proposta de regularização dos Créditos sobre a Insolvência, foram considerados os discriminados em anexo (Documento 1).

a) Credores Comuns

Estes créditos não beneficiam de garantia real, pelo que, num cenário de liquidação de património do devedor, e considerando a relação de bens dos devedores, não se prevê obtivessem qualquer valor na repartição do produto obtido pelos credores.

As taxas de juro variam, não só entre instituições, mas também na mesma instituição consoante o tipo produtos/créditos obtidos, refletindo a taxa de juro, (livremente negociada entre a instituição de crédito e o cliente bancário, com o limite das taxas máximas definidas pelo banco de Portugal), o “risco” assumido pelo financiador.

Assim, e dentro do princípio da igualdade dos credores, e existindo diferentes condições de pagamento (taxas de juros e comissões de produto e serviço), está de natureza justificado o tratamento diferenciado.

Até porque, grande parte dos créditos de natureza comum são posteriores aos de natureza garantida, logo, as instituições tiveram em conta a taxa de esforço existente na sua análise de risco, e que necessariamente veio a refletir-se na taxa proposta para os créditos.

Credores Comuns:

Propõe-se 2 alternativas com opção de escolha aos credores.

Sendo que, se o credor não mani festar expressamente a escolha de uma opção, e o mesmo for aprovado, será aplicada a opção A para dar cumprimento dos pagamentos.

Em ambas as alternativas, em relação aos montantes em mora até à data da reclamação de créditos, e incluídas na relação de créditos, propõe -se a capitalização do capital e pagamento dos juros vencidos.

Opção A

Propõe-se o pagamento em 30% do montante reclamado, em 120 prestações mensais sucessivas, e com uma Taxa de Juro Fixa (spread + Euribor), calculada com base numa TAN de 0.977% - Euribor a 90 dias (média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, com arredondamento à milésima), que para este mês, e para efeitos de cálculo, é de -0.323 % - acrescida de spread a título de margem de 1.300 %.

Opção B

Propõe-se o pagamento em 40% do montante reclamado, em 150 prestações, sem juros. Em relação aos eventuais montantes em mora (juros) entre a data da reclamação de créditos, (e não incluídas na relação de créditos), até ao início de pagamentos 30 dias após a douta sentença de homologação, propõe-se o perdão total.

Não se propõem outras alterações às garantias que possuam e com início de pagamentos 30 dias após a douta sentença que aprove a Proposta de Plano de Pagamentos.

Credores Garantidos:

Em relação aos montantes em mora até à data da reclamação de créditos, e incluídas na relação de créditos, propõe -se a capitalização do capital e pagamento dos juros vencidos.

Propõe-se o pagamento em 100 % do montante reclamado, no número de prestações contratadas, e tendo em consideração a relação financiamento garantia, propõe-se uma Taxa de Juro (spread + Euribor) calculada com base numa TAN de 0.977 % - Euribor a 90 dias (média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, com arredondamento à milésima), que para este mês, e para simples efeito de calculo, é de – 0.323 % acrescida de spread a tí tulo de margem de 1.300%

Em relação aos eventuais montantes em mora (juros) entre a data da reclamação de créditos, (e não incluídas na relação de créditos), até ao início de pagamentos 30 dias após a douta sentença de homologação, propõe -se o perdão total.

Não se propõem outras alterações às garantias que possuam e com início de pagamentos 30 dias a pós a douta sentença que aprove a Proposta de Plano de Pagamentos.

Credores Privilegiados:

Não se aplica.

b) Credores Subordinados e Sob condição

Não se propõe por ora qualquer pagamento, pelo que se trata de créditos sob condição.

Caso as condições subjacentes aos respetivos créditos, se venham a verificar e t ratando-se da ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira), propõe-se as condições de pagamento decorrentes da Lei do tributo a pagar.

Créditos impugnados

Caso os créditos impugnados, venham a ser reconhecidos, e sendo exigível o pagamento aos devedores, desde já se propõe que sejam aplicadas as mesmas condições, tal como supra descriminadas, conforme a natureza do crédito.

4) Resumo do Activo – Património

Este plano de pagamentos não prevê quaisquer alterações ou “constituições de garantias, extinções, totais ou parciais, de garantias reais ou privilégios creditórios existentes”, diferentes da situação actual.

5) Medidas já Realizadas

Os devedores já tomaram todas as medidas de redução das despesas operacionais que é possível razoavelmente adoptar.

Medidas a Implementar

Os devedores continuarão empenhados em melhorar a sua situação económica e financeira, envidando todos os esforços para o cumprimento deste Plano de recuperação financeira.”.

Este Plano foi complementado/esclarecido cf. requerimento de fl.s 104 e v.º, relativamente ao crédito do M (…), nos seguintes moldes:

“… serve o presente documento para clarificar as condições relativas à taxa de juro a aplicar, a saber;

Contrato MLS ....

Propõe-se o pagamento em 100% do montante reclamado, no número de prestações contratadas, e tendo em consideração a relação financiamento garantia, propõe-se uma taxa de juro (spread + Euribor) calculada com base Euribor a 360 dias (média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, com arredondamento à milésima), acrescida de spread a título de margem de 1.600%.

Contrato MLS ....

Propõe-se o pagamento em 100% do montante reclamado, no número de prestações contratadas, e tendo em consideração a relação financiamento garantia, propõe-se uma Taxa de juro (spread + Euribor) calculada com base Euribor a 360 dias (média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, com arredondamento à milésima), acrescida de spread a título de margem de 1.200%”.

 

Sujeito a votação, foi o seguinte o resultado (cf. fl.s 108 a 109 v.º):

Votaram favoravelmente:

B (…), SA;

I (…) e;

A (…)

Votaram contra:

B (…)e;

C (…)

Não se pronunciou I (…)

Sendo o total de créditos, no montante de 94.045,16 €; o total de créditos com direito de voto no valor global de 93.265,25 € e o total de créditos votantes de 88.981,78 €.

A percentagem de votos favoráveis foi de 63,797%; a de não favoráveis de 36,203%.

Em face do que o Administrador judicial, formulou as seguintes conclusões (cf. fl.s 109):

“ Os votos expressos representam 88.981,78 €, o que equivale a uma participação de 95,407% dos créditos constantes da Lista Provisória de Créditos. Em face do n.º 1 do art.º 211.º do CIRE, está verificada a existência de quórum deliberativo.

Assim, votaram favoravelmente o Plano de Recuperação proposto pelos devedores, créditos que totalizam 56.767,67, ou seja, que corresponde a 63,797 % dos votos, sobre o valor total de votantes.

Votaram contra a aprovação do Plano de Recuperação proposto créditos que totalizam 32.214,11 €, ou seja a 36,203% sobre o valor total de votantes.

Assim nos termos do n.º 1 do art.º 212.º do CIRE, aplicável por força do n.º 3 do artigo 222.º F do CIRE, o Administrador Judicial Provisório informou o ilustre mandatário/representante dos devedores que o Plano de Recuperação de Casimiro Caetano Bento e esposa se considera Aprovado.”.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, foi proferida a seguinte decisão (fl.s 111 e v.º):

Nos presentes autos de Processo Especial Para Acordo de Pagamento (CIRE) em que são requerentes C (…) com o contribuinte nº (…) e, M (…)  contribuinte (…) casados entre si e com morada na Rua (…) , foi por esta apresentado o Acordo de Pagamento junto aos autos, cuja votação se encontra expressa no requerimento que antecede, e em que se pode retirar a conclusão quanto ao resultado da votação no sentido que o quórum a que se refere a primeira parte da alínea a) do nº 3 do artigo 222.º-F do CIRE é de 95,407% dos créditos com direito de voto.

O Plano de Acordo de Pagamento recolheu votos favoráveis de 63,797% e votos contra de 36,203%, num caso e noutro dos votos expressos, não se considerando como tal as abstenções, tendo, assim, sido recolhidos mais de 2/3 de votos favoráveis, correspondendo aquela percentagem à totalidade de créditos não subordinados, do que resulta ter sido o Acordo de Pagamento aprovado na medida em que mais de 2/3 da totalidade dos votos expressos a votos favoráveis e mais de metade dos votos emitidos correspondem a créditos não subordinados.

Deste modo, não há dúvida que o acordo de pagamento se encontra aprovado.

Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer actos ou medidas que devem preceder a homologação (art. 215º do CIRE).

Por outro lado, não foi solicitada a não homologação nos termos do disposto no art. 216º do CIRE.

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Em conformidade, e pelo exposto, decide-se homologar o Acordo de Pagamento que foi proposto nos presentes autos pelos requerentes C (…) com o contribuinte nº (…)e, M (…) (cfr. alínea a) do nº 3 e nº 5, do artº 222º-F, do CIRE), sendo que a decisão de homologação vincula o devedor e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 222.º-C, do CIRE.

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O processo especial para acordo de pagamento considera-se encerrado após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de pagamento-artº 222º-J, nº 1, al. a), do CIRE.

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Custas pelos devedores com taxa de justiça reduzida a ¼ - arts. 222º-F, nº 10 e 302º nº 1, ambos do CIRE – sendo o valor da acção para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação (30.000,01€), nos termos do art. 301º do CIRE.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso, o credor C (…), recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 138), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A. Os Devedores C (…) e M (…) deram início a um Processo Especial para Acordo de Pagamento, nos termos do artigo 222.º-C do CIRE, manifestando a sua intenção de dar inicio às negociações com vista à aprovação de um acordo de pagamento.

B. A ora Recorrente reclamou créditos ao abrigo do nº 2 do artigo 222.º- D do CIRE no valor total de € 19.428,02 (dezanove mil, quatrocentos e vinte e oito euros e dois cêntimos, tendo o seu crédito sido reconhecido como crédito comum e devidamente incluído na lista provisória de créditos, entretanto, convertida em definitiva.

C. Na sequência das negociações entre Devedores e Credores – às quais a aqui Recorrente aderiu – foi apresentado acordo de pagamento.

D. O referido acordo foi votado desfavoravelmente pela ora Recorrente e pelo Credor Banco (…) S.A., cujos créditos, no valor de € 19.428,02 e € 12.786,09, representavam, respetivamente, 21,83% e 14,37% dos credores votantes.

E. Tendo sido votado favoravelmente pelos Credores B (…), S.A. e I (…) Lda, cujos créditos, nos valores de € 55.767,67 e € 1.000,00, representavam, respetivamente, 62,67% e 1,12% dos credores votantes.

F. Pelo que, o Senhor Administrador Judicial Provisório comunicou aos autos a aprovação do acordo de pagamento apresentado pelos Devedores por mais de 1/2 do total de créditos relacionados com direito de voto, nos termos do artigo 222.º - F nº 3, alínea b) do CIRE.

G. Dispõe o artigo 222.º-F, n.º 3 alínea b) do CIRE que se considera aprovado o plano de recuperação que: “Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.

H. Por sua vez, na alínea a) da referida disposição legal refere-se que esse cálculo é efetuado considerando os créditos contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 222.º-D do CIRE.

I. Assim, em 01/08/2018, foi proferida sentença homologatória do acordo de pagamento.

J. A qual foi notificada à aqui Credora na pessoa da sua mandatária em 02/08/2018.

K. Salvo o devido respeito, não poderá a Credora C (…) concordar com o teor da douta sentença proferida.

Senão vejamos,

L. Na verdade, o plano de pagamentos apresentado pelos Devedores não deveria ter sido homologado porquanto:

M. O Acordo de Pagamento apresentado pelos Devedores no que respeita ao Credor B (…), S.A. - prevê:

Propõe-se o pagamento em 100 % do montante reclamado, no número de prestações contratadas, e tendo em consideração a relação financiamento garantia, propõe-se uma Taxa de Juro (spread + Euribor) calculada com base numa TAN de 0.977 % - Euribor a 90 dias (média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, com arredondamento à milésima), que para este mês, e para simples efeito de calculo, é de – 0.323 % acrescida de spread a título de margem de 1.300%

N. Nos termos do artigo 212.º, n.º2, alínea a) do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 222.º-F nº 5 do CIRE, não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.

O. No caso em apreço e no que respeita ao crédito do Credor B (...) , S.A., Credor hipotecário, não houve qualquer alteração ao Contrato inicial previsto no acordo de pagamento.

P. A aprovação do plano pelo Credor B (…), S.A., não comporta para aquela entidade qualquer redução do crédito ou constrangimento à sua cobrança, razão pela qual o voto de tal entidade não pode entrar no cômputo do quorum deliberativo, pela singela razão que nem sequer tinha direito de voto.

Q. Pelo que, e salvo o devido respeito, não poderia o Credor B (…)S.A., ter tido expressão no mapa de votação do plano – cfr. artigo 212.º, n.º2, alínea a) do CIRE.

R. O que, considerando que o plano de pagamento dos Devedores foi aprovado com os votos dos Credores B (…), S.A. e I (…)Lda, implicaria que o mesmo tivesse sido recusado, por não se verificar existência de quorum necessário à sua aprovação.

S. Ora, dos credores com direito de voto e que expressaram esse direito, dos quais se excluiria o Credor B (…), S.A., o voto favorável do Credor I (…)Lda representaria 3,01%.

T. Por outro lado, o voto desfavorável da ora Recorrente e do Credor Banco C (…) S.A. representaria, respetivamente 96,99%.

U. Pelo exposto – e porque o acordo de pagamento apresentado pelos Devedores não deveria ter sido alvo de homologação pelo douto Tribunal a quo – deverá tal decisão ser revogada.

Termos em que, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, assim, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo de homologação do acordo de pagamento apresentado, fazendo V. Exas. a tão costumada justiça.

Contra-alegando, os recorridos, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que o crédito do B (...) , SA, foi alterado com o plano, por a taxa de juro ter sido substancialmente reduzida e deixou de ser obrigatório terem seguros e cartões de crédito, devendo, por isso, tal credor ser admitido a votar.

Para além de que, a assim não ser, ficaria violado o princípio da igualdade dos credores, por ser impedida a aprovação do plano por um credor que detém apenas 22,48% dos votos, contra a aprovação de um que detém 59,56%.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o plano de pagamentos apresentado pelos requerentes, não deve ser homologado, em virtude de o credor B (…), SA, não poder ser admitido à votação, por o seu crédito não ter sofrido qualquer alteração ou modificação, decorrente do plano apresentado.

A matéria de facto relevante é a que consta do relatório que antecede.

Se o plano de pagamentos apresentado pelos requerentes, não deve ser homologado, em virtude de o credor B (…), SA, não poder ser admitido à votação, por o seu crédito não ter sofrido qualquer alteração ou modificação, decorrente do plano apresentado.

Como resulta do anteriormente exposto, defende a recorrente que o plano de pagamentos apresentado pelos requerentes, não deve ser judicialmente homologado, porquanto o credor M (…)não pode ser admitido à votação, com o fundamento em o seu crédito não ser afectado com tal plano, do que decorre a impossibilidade de sobre ele votar e, consequentemente, não pode o mesmo plano ter-se como aprovado, desde logo, por falta de quórum.

Ao que, os requerentes contrapõem que o crédito do B (...) foi modificado pelo plano e, por isso, deve tal credor, ser admitido à respectiva votação.

Efectivamente, como já referimos em anteriores decisões, sobre esta problemática, é aplicável, ao PER, o que consta do art. 212.º/2/a) do CIRE, o que significa que não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pelo acordo/plano de pagamento.

Expliquemo-nos:

No âmbito do PER, discutiu-se o sentido a dar à remissão que o então art. 17.º-F/3 do CIRE (na redacção anterior ao DL 26/2015[1]) fazia para o 212.º do CIRE.

Argumentava-se que, se o art. 17.º-F/3 remetia para o art. 212.º/1, não fazendo qualquer alusão ao nº 2 do mesmo artigo[2], então os créditos que não fossem modificados pela parte dispositiva do plano não estariam inibidos do direito de voto.

Argumento este, formal/literal, que acabou por ceder perante o atinente argumento racional, ou seja, o de o art. 212.º/1 do CIRE só ser inteiramente inteligível se associado com o seu n.º 2, podendo/devendo dizer-se que a remissão para o art. 212.º/1 contém implícita a remissão para o seu n.º 2 (sendo deste que resulta, por exclusão de partes, quais são os créditos com direito de voto)[3]; por outro lado – acrescentava-se ainda – nos termos do art. 17.º-F/5 (hoje 17.º-F/7), o juiz aplica “com as necessárias adaptações as regras previstas no título IX”, em que se incluem as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, as quais se iniciam no art. 209.º e vão até ao art. 216.º do CIRE.

Em resumo, a remissão do então art. 17.º-F/3 do CIRE (na redacção anterior ao DL 26/2015) significava que os créditos que não fossem modificados pela parte dispositiva do plano não conferiam direito de voto; interpretação essa que a redacção que o DL 26/2015 trouxe ao “novo” art. 17.º-F/3/a) (hoje 17.º-F/5/a)) confirmou[4], na medida em que a explícita referência aos créditos relacionados com direito a voto incute, fora de toda a dúvida, que será aplicável o disposto no art. 212.º/2 do CIRE[5].

Enfim, como refere Catarina Serra[6], “atendendo àquilo que [o art. 212.º/2/a) do CIRE] visa, justamente, evitar, ou seja, que o plano de insolvência seja imposto aos credores afectados por aqueles que o não são, é aconselhável, por igualdade de razões, que ela se aplique ao PER. Tem sido esta, aliás, a posição da maioria esmagadora da jurisprudência portuguesa (…)”.

E esta “mesmíssima igualdade de razões” que também se verifica em relação ao PEAP.

Também no PEAP o art. 222.º-F/5 manda, a propósito da decisão de homologar ou não homologar o acordo de pagamento, aplicar “(…), com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX”, em que, repete-se, se incluem as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, as quais se iniciam no art. 209.º e vão até ao art. 216.º do CIRE.

Também no PEAP há que evitar que o acordo de pagamento seja imposto aos credores afectados por aqueles que não são afectados.

É pois a nosso ver indiscutível o que começámos por referir, ou seja, que ao PER e ao PEAP é aplicável o que consta do art. 212.º/2/a) do CIRE, o que significa que não conferem direito de voto os créditos que não foram modificados pelo Plano ou pelo Acordo, isto é, revertendo ao caso sob recurso, se o B (…) SA não viu os seus créditos modificados pelo Plano – não tinha, no caso, direito de voto.

Por outro lado, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 819, em anotação ao artigo 212.º do CIRE “o sentido do texto só pode ser o de haver como afetados apenas os créditos que se proponha venham a ser considerados em termos distintos daqueles que revestiam à data da declaração de insolvência, seja pelo montante, condições de pagamento, garantias ou outros aspectos”.

Ora, analisando o plano de pagamentos apresentado, acima transcrito, no que concerne ao crédito do M (…), efectivamente, o mesmo, em nada é alterado ou modificado em resultado da aprovação daquele.

Como ali, expressamente, consta, com o acrescento de fl.s 104 e v.º (que, igualmente, se transcreveu), no que respeita a tal crédito, refere-se que é pago o montante total do crédito reclamado, no número de prestações contratadas, sendo a taxa de juros calculada com base na Euribor a 360 dias, com spread de 1.600%, para o contrato ..... e de 1.200%, para o contrato .....

Ora, compulsando tal proposta com o que consta a fl.s 37, verifica-se que tal taxa de juros e spread (corrigida a pedido do M (…), como resulta de fl.s 104, pontos 1 e 2), é a mesma que já vigorava anteriormente, relativamente a cada um de tais contratos, em que se baseia o crédito reclamado por tal credor.

Ou seja, tem de se concluir, que o crédito reclamado pelo M (…), não foi modificado, em qualquer das suas vertentes relevantes, com o plano apresentado: recebe o total do montante reclamado, no número de prestações contratadas e com o mesmo spread, que já, antes, vigorava, pelo que, nos termos expostos, não pode ser admitido a votar tal plano.

Não podendo assim tal credor impor (votando favoravelmente) aos outros credores, afectados (uma vez que cf. as opções que lhes são concedidas, ou recebem 30% dos seus créditos em 120 prestações, com os juros acima referidos ou 40%, em 150 prestações, sem juros) um Plano em que ele não é afectado, por outras palavras, era a partir de votos dos restantes credores que teriam que ser encontrados/computados o “mínimo de participação” e, depois, o “mínimo de votos favoráveis” (de que falam as alíneas a) e b) do n.º 5 do art. 17.º-F do CIRE[7])[8].

Ora, atento a que o B (…) detém créditos que ascendem a 59,795%, do total dos reclamados e, pelas razões expostas, não pode ser admitido a votar e, para além deste, o plano só foi aprovado pelo credor I (…), cujo crédito ascende 1,072%, dos créditos reclamados e não aprovado pelos demais, é indubitável a falta de quórum de aprovação, a que se refere o artigo 222.º F, n.º 3, al.s a) e b), do CIRE, em consequência do que, o plano não pode ser aprovado, não podendo, por isso, subsistir a decisão recorrida.

Consequentemente, procede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara não homologado o plano apresentado.

Custas pelos apelados.

Coimbra, 22 de Janeiro de 2019.

           

Arlindo Oliveira ( Relator )

 Emídio Santos

Catarina Gonçalves

No âmbito do PER, discutiu-se o sentido a dar à remissão que o então art. 17.º-F/3 do CIRE (na redacção anterior ao DL 26/2015 ) fazia para o 212.º do CIRE.

Argumentava-se que, se o art. 17.º-F/3 remetia para o art. 212.º/1, não fazendo qualquer alusão ao nº 2 do mesmo artigo , então os créditos que não fossem modificados pela parte dispositiva do plano não estariam inibidos do direito de voto.

Argumento este, formal/literal, que acabou por ceder perante o atinente argumento racional, ou seja, o de o art. 212.º/1 do CIRE só ser inteiramente inteligível se associado com o seu n.º 2, podendo/devendo dizer-se que a remissão para o art. 212.º/1 contém implícita a remissão para o seu n.º 2 (sendo deste que resulta, por exclusão de partes, quais são os créditos com direito de voto) ; por outro lado – acrescentava-se ainda – nos termos do art. 17.º-F/5 (hoje 17.º-F/7), o juiz aplica “com as necessárias adaptações as regras previstas no título IX”, em que se incluem as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, as quais se iniciam no art. 209.º e vão até ao art. 216.º do CIRE.

A remissão do art. 17.º-F/3 do CIRE (na redacção anterior ao DL 26/2015) para o art.212 do CIRE  significava que os créditos que não fossem modificados pela parte dispositiva do plano não conferiam direito de voto.

Foi esta interpretação que  a redacção que o DL 26/2015 trouxe ao “novo” art. 17.º-F/3/a) (hoje 17.º-F/5/a)) confirmou , na medida em que a explícita referência aos créditos relacionados com direito a voto incute, fora de toda a dúvida, que será aplicável o disposto no art. 212.º/2 do CIRE .

Por isso, tanto  ao PER e como ao PEAP é aplicável o que consta do art. 212.º/2/a) do CIRE, o que significa que não conferem direito de voto os créditos que não foram modificados pelo Plano ou pelo Acordo.

[1] Dispunha-se então no art. 17.º-F/3 do CIRE: «Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida».

[2] Que estipula: «Não conferem direito de voto: a) Os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano; b) Os créditos subordinados de determinado grau, se o plano decretar o perdão integral de todos os créditos de graus hierarquicamente inferiores e não atribuir qualquer valor económico ao devedor ou aos respectivos sócios, associados ou membros, consoante o caso».
[3] Nesse sentido, Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Almedina, 2012, pág. 62/3; e Ac. Rel de Lisboa de 23/01/2014, in ITIJ.

[4] Em que deixou de haver a alusão ao art. 212.º/1 do CIRE, passando a dizer-se que se considera aprovado o plano de recuperação que “a) sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.º 3 e 4 do art. 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.

[5] Embora a falta de remissão expressa possa sempre conduzir ao surgimento de novas indecisões, como refere Soveral Martins, obra citada, pág. 489, “com o DL 26/2015 (…) muitas das dúvidas atrás expostas foram resolvidas. Outras surgirão.” Em todo o caso, continuará a “valer” o art. 17.º-F/5, em que se diz, lembra-se que o juiz aplica “com as necessárias adaptações as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência”.
[6] In Lições de Direito da Insolvência, pág. 426.

[7] E de que falam, identicamente, as alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 222.º-F do CIRE.
[8] No art. 212.º/2/a) do CIRE procede-se a uma delimitação negativa do universo da lista de créditos incluídos na lista: os créditos não afectados pelo plano, uma vez que não emitem direito de voto, devem ser deduzidos da lista de créditos incluídos na lista para efeitos de voto.