Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
414/10.8TAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: VERIFICADA CIRCUNSTÂNCIA QUE OBSTA À APRECIAÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 113.º, N.º 9 E 333.º, N.º 5, DO CPP
Sumário: I - No caso de julgamento na ausência do arguido, nos termos do disposto no artigo 333.º do CPP, o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação (pessoal) da sentença àquele.

II - Assim, é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor do arguido antes de realizada a referida notificação.

Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA

I.

1. No âmbito do processo comum colectivo n.º 414/10.8TAMGR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, mediante acusação pública, foram os arguidos A..., B... e C..., todos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento – a qual, nos termos do artigo 333.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, teve lugar na ausência do arguido A... -, por acórdão de 09.11.2012, decidiu o tribunal colectivo:

a) Absolver C... da prática dos crimes conforme se alude em § 1;

b) Condenar A... pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. no art. 3.º n.º 2 do DL 2/98 de 3-1, ocorridos a 9- 5-2010 e 22-5-2010, nas penas respectivas de 1 ano de prisão e de 9 meses de prisão;

c) Condenar A... pela prática de quatro crimes de furto p. e p. no art. 203º nº 1 do C.P., ocorridos a 26-4-2010, 27-4-2010, 28-4-2010, nas penas de prisão respectivas de 6 meses de prisão, 8 meses de prisão, 8 meses de prisão e 6 meses de prisão;

d) Condenar A... pela prática em co-autoria de um crime de furto qualificado p. e p. nos arts. 203º nº 1 e 204º nº 2 e) do C.P., ocorrido a 14-5-2010, na pena de 3 anos de prisão, e em co-autoria de um crime de furto p. e p. no art. 203º nº 1 do C.P., ocorrido a 28-5-2010, na pena de 9 meses de prisão;

e) Condenar A... na pena única de quatro anos e nove meses de prisão;

f) Condenar B... pela prática de um crime de furto qualificado, em coautoria, p. e p. nos arts. 203º, nº 1e 204º, nº 2, al. e) do C.P., ocorrido a 14-5-2010, na pena de 3 anos de prisão, e por um crime de furto p. e p. no art.º 203º, nº 1 do C.P., ocorridos a 28-5-2010, na pena de 9 meses de prisão;

g) Condenar B... na pena única de três anos e quatro meses de prisão;

h) Condenar os arguidos nas custas, fixando-se a taxa de justiça no mínimo;

i) Declarar perdida a favor do Estado a vareta id. a fls. 12 (vol. C), e sua subsequente destruição;

j) Declarar perdido a favor do Estado a gazua id. a fls. 19 (vol. E), sua subsequente destruição; diligenciando-se pela entrega do PDA/GPS apreendido;

3. Do acórdão, do qual o arguido A... ainda não se mostra notificado, apenas, por este, foi interposto recurso subscrito pelo seu advogado.

4. Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a respectiva improcedência.

5. Admitido o recurso, fixado o regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

6. O Exmo. Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP, reagiu o arguido/recorrente, retomando, em síntese, a argumentação expendida na petição recursiva.

II.

                       Conforme se adiantou supra não resulta dos autos que o arguido A... haja sido notificado do acórdão condenatório – [cf. fls. actas de fls. 329 e ss., 377/378, fls. 382, 383, 470, 471, 485 e ss., 496 e ss.].

                        Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 9 e 333.º, n.º 5 do CPP, nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do último preceito legal, o arguido julgado na ausência tem de ser notificado da sentença, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso [pelo arguido] antes da sua notificação.

                         Por outro lado, parece incontroverso que a notificação da sentença a que alude o n.º 5 do artigo 333.º do CPP é a notificação pessoal ao arguido julgado na ausência – [cf., a título exemplificativo, os acórdãos do TC n.ºs 312/05 e 422/05, disponíveis in www.tribunalconstitucional, acórdão do TRP de 21.02.07 [proc. n.º 0646069], acórdão do TRC de 26.09.07 [proc. n.º 255/01.1PBTMR – A.C1] e o acórdão do TRG de 10.03.2003, a que adiante, com maior detalhe, se fará referência].

                         O que se pode questionar é se na eventualidade de o defensor/mandatário interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente, antes deste, da mesma, se mostrar notificado, deve aquele ser objecto de despacho de admissão e, sendo o caso, de apreciação pelo tribunal superior.

                         Com o devido respeito por opinião contrária [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 838], entendemos que não!

                         Como bem realça o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.03.2003 “Torna-se clara a ligação, ou imediação, que a lei faz entre a notificação do arguido e a possibilidade daí decorrente de interposição de recurso, dessa forma reagindo a uma decisão condenatória. Aquela define o momento a partir do qual o direito pode ser exercido.

                           E bem se compreende que assim seja, pois que, se fosse possível ao defensor do arguido logo dela recorrer, então a decisão condenatória poderia ser objecto de duas apreciações pelo Tribunal da Relação: uma por acção (…) do defensor do arguido, outra na decorrência da notificação que ao arguido fosse feita da decisão condenatória” – [cf. CJ, Ano XXVIII, T. II, pág. 289, vd., ainda, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.07.2005, CJ., Ano XXX, T. IV, págs. 220/221].

                           No mesmo sentido se pronunciam os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, quando referem “O termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, incluindo a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade” – [cf. “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, Coimbra Editora, págs. 832/833].

                              Também a propósito, foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.07.2010 “… No caso de julgamento na ausência do arguido … (art. 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) … é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …” – [cf. proc. n.º 1349/06.4TBLSD.P1].

                              Donde se conclui que apesar de o recurso ter sido [prematuramente] admitido no tribunal a quo, ocorre circunstância que obsta ao conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido A... julgado na ausência, nos sobreditos termos, não se mostrar notificado do acórdão condenatório contra si proferido, sendo certo que o despacho que o admitiu não vincula este tribunal - [artigo 414º, n.º 3 do CPP].

                  III.

                           Nos termos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso por ser prematura a sua apreciação em consequência de o arguido A... não se mostrar notificado do acórdão condenatório contra si proferido.

                           Sem tributação.

               


(Maria José Nogueira)