Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/12.0TBMBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE FACTO
RECURSO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
USUFRUTO
NUA PROPRIEDADE
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - M.BEIRA - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1439, 1440, 1446, 1471 CC, 640 CPC
Sumário: 1. Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

2. Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;

3. A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a transcrição, total ou parcial, de depoimentos das testemunhas, pois tal transcrição é uma mera faculdade.

4. O texto da lei e a sua interpretação histórico-actualista, repudiam interpretações facilitistas, que no fundo degeneram em violação: do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador.

5. Sendo de rejeitar, também, interpretações complacentes que se contentam com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; com a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; já que a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

6. Na verdade, a 1ª interpretação faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal “indicação com exactidão das passagens da gravação”; a 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, acabando por não observar o cumprimento do verdadeiro requisito legal, e por outro lado, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo; a 3ª interpretação, não contém objecção de relevo pois a exigência de formalismo nada tem de extraordinário, como o tribunal constitucional já sinalizou; e na 4ª interpretação não divisamos ofensa da exigência de proporcionalidade, pois que, na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, o cumprimento rigoroso da lei, quanto ao indicado requisito de impugnação da matéria de facto, não é oneroso e é de fácil execução, não sendo anómalo, no seu incumprimento, a respectiva rejeição do recurso.

7. As declarações da parte, a si favoráveis, só por si, não comprovam o facto probando afirmado; só relevando como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas.

8. O titular do direito de usufruto de um prédio urbano, que nele habite, pode fazer cessar o uso pelo nu-proprietário que ali habite, também, por mera tolerância, numa parte da casa, e peticionar a este a entrega da chave de tal casa;

9. Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.

10. O nu-proprietário realizando “Obras e melhoramentos” na sua coisa, não pode reclamar o seu valor ao usufrutuário, nem este está obrigado a pagá-las, (art. 1471º, nº 2, do CC).

Decisão Texto Integral:


I - Relatório

1. M (…), viúva, residente em S (...) , instaura a presente acção declarativa de processo comum contra D (…) casado, residente em Principado de Andorra, pedindo que seja o réu condenado: - a reconhecer e respeitar o seu direito de usufruto sobre o prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, situado no Bairro de B (...) , freguesia de S (...) , inscrito na respectiva matriz sob o art. 731º e descrito na CRP de S (...) sob o nº 1288/20061024 e, consequentemente, a entregar-lhe o mesmo e a respectiva chave; - e ainda no pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados no montante de 2.500 €, e juros legais a contar da citação.

Alegou, para tanto, a outorga de uma escritura de partilha, com base na qual lhe foi adjudicado o usufruto do aludido prédio, enquanto ao R., seu filho, foi adjudicada a nua propriedade. A A., emigrada, quando vem a Portugal de férias acolhe-se na casa em questão, tendo permitido que o seu filho também o fizesse, quando vinha de férias a Portugal, ocupando o 1º andar. Entretanto refez a sua vida sentimental, circunstância que o R. não aceitou, adoptando uma conduta agressiva, de injúria e ofensa física, perante a A. Por via de tal comportamento remeteu carta ao R., solicitando a entrega das chaves do 1º andar, o que este não fez.  

O R. contestou, dizendo que aquando da partilha R. e A. acordaram imediatamente que esta ficaria com o usufruto do rés-do-chão e ele com o usufruto do 1º andar. Porém surgiram divergências entre mãe e filho, por ela tentar interferir na sua vida. Que efectuou obras no 1º andar do prédio, pelo que na hipótese de ser obrigado a entregar ou devolver o 1º andar as benfeitorias que realizou devem ser pagas.

Finalizou pedindo a improcedência da acção e, caso assim não seja entendido, deve ser julgada procedente a reconvenção e, consequentemente, ser a A. condenada a pagar-lhe a quantia de 35.220,59 € (correspondente à totalidade dos trabalhos por si executados no 1º andar do prédio urbano em causa).

E subsidiariamente, formulou o mesmo pedido a título de enriquecimento sem causa.

A A. respondeu, negando que tenha ocorrido o alegado acordo de usufruto de rés-do-chão e 1º andar, reiterando o alegado inicialmente e pugnando pela improcedência dessa excepção e da reconvenção.

*

A final foi proferida sentença que julgou:

- a acção procedente, parcialmente, e condenou o R. a reconhecer e respeitar o direito de usufruto da A. sobre o prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, situado no Bairro de B (...) , freguesia de S (...) , comarca de Viseu, inscrito na respectiva matriz sob o art. 731º e descrito na CRP de S (...) sob o nº 1288/20061024 e, consequentemente, a entregar à Autora a respectiva chave;

- absolveu o R. do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização à A., a título de danos morais, no montante de 2.500,00 € e juros legais a contar da citação;

- julgou os pedidos reconvencionais, principal e subsidiário, improcedentes, e absolveu dos mesmos a A.

*

2. O R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões.

(…)

3. A A. contra-alegou, concluindo que:

(…)

4. A A. também pediu a ampliação do objecto do recurso, o que não foi admitido por despacho do relator, decisão já transitada.

 

II – Factos Provados

1 Por escritura de partilha, outorgada a 16/08/2006 no Cartório Notarial de S (...) , foi adjudicada à Autora o usufruto do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, situado no Bairro de B (...) , freguesia de S (...) , área desta comarca de Viseu, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 731, prédio urbano que se encontra descrito Conservatória do Registo Predial de S (...) sob n.º 1288/20061024 e o usufruto registado a favor da autora, sob AP 3 de 2006/10/24, prédio esse que não tinha constituída propriedade horizontal.

2 O Réu D (…) é dono da raiz ou nua propriedade desse mesmo prédio, direito que lhe foi adjudicado naquela mesma escritura de partilha.

3 Quer a Autora quer o Réu trabalhavam em Andorra - o Réu continua a fazê-lo e a Autora está actualmente em França - e só vinham a Portugal nos curtos períodos de férias, sendo que quando a Autora vinha - e vem - a Portugal sempre ficava - fica - na casa de que é usufrutuária, onde faz a sua vida normal e convive com os familiares e amigos.

4 O Réu não tinha qualquer casa em S (...) onde ficar, quando vinha de férias.

5 A Autora, já na qualidade de usufrutuária, fez obras no rés-do-chão que era composto por uma garagem, cozinha, um quarto e casa de banho tudo em mau estado; no caso demoliu as paredes interiores e fez, à sua custa, dois quartos, uma cozinha e sala comum e uma casa de banho, tudo de novo com as respectivas paredes divisórias devidamente rebocadas e pintadas, instalação de luz, água, gás e aquecimento, obras essas que tornaram o rés-do-chão- que poucas condições de habitabilidade tinha -num espaço agradável e com toda o conforto e comodidade para viver, a que acresce que mobilou parte do dito rés-do-chão com a qual gastou quantia não apurada em concreto.

6 Com a realização de tais obras pretendia a Autora passar as suas férias no rés-do-chão, continuando o Réu a passar as suas férias na parte de cima da casa, o que permitia que continuassem a conviver e passar férias juntos.

7 Assim a Autora após o óbito do marido e mesmo depois da celebração da referida escritura de partilha dos bens do casal, manteve boas relações com o Réu seu filho o qual, mesmo após a escritura de partilha, quando vinha de férias a Portugal, ficava no imóvel em causa - primeiramente ambos no 1º andar e após a realização de obras referidas no anterior artigo e ainda nos artigos infra, Autora no rés-do-chão e o Réu no primeiro andar - de forma gratuita e sem qualquer contraprestação e, para maior comodidade e privacidade sua, ali permanecia mesmo que acompanhado, sendo que a partir de certa altura, o dito 1º andar encontrava-se acabado e mobilado, em perfeito estado de habitabilidade, o que sucedeu pelo menos até ao ano de 2008.

8 Em Agosto de 2007 o Réu decidiu fazer também obras no prédio, compondo o telhado, caleiros, janelas e outras reparações para melhorar as condições de habitabilidade do prédio, acordando com a Autora um pedido de empréstimo na CGD de S (...) de 30.000,00 euros, tendo a Autora intervenção naquele acto notarial (Mútuo com Hipoteca) por via da sua qualidade de usufrutuária do referido bem imóvel.

9 Uma vez obtido o referido empréstimo bancário, o Réu aplicou pelo menos parte desse empréstimo, em quantitativo não apurado em concreto, a compor o telhado, os caleiros, a substituir as janelas antigas por janelas duplas e colocar aquecimento, sendo que pelo menos €3.50,00 foi destinado ao pagamento duma dívida que o Réu tinha em Andorra, decorrente da aquisição dum veículo automóvel.

10 As obras efectuadas pela Autora no rés-do-chão da referida casa de habitação foram executadas anteriormente àquela que o Réu executou parte das obras ao nível do 1 andar do mesmo prédio urbano, distanciadas por lapso temporal não apurado em concreto.

11 Nas ditas obras o Réu executou os seguintes trabalhos:

a) - Reparação do telhado;

b) - Colocação de caleiros;

c) - Aplicação de janelas;

d) - Rebocos das paredes exteriores e pintura;

e) - Construção de um anexo ou ‘barraco’ junto à casa de habitação para armazenar lenha e colocação da caldeira de aquecimento central;

f) - Terraplanagem e preparação do terreno envolvente da casa de habitação para a construção de uma garagem;

g) - Restauro das escadas de acesso do exterior ao 1º andar da casa de habitação;

h) - Reparação e pintura das grades da varanda;

i) - Aplicação de granito na varanda do 1º andar;

j) - Demolição de pelo menos uma parede interior;

k) - Pintura interior das divisões do 1º andar;

l) - Aplicação de azulejo no chão da cozinha, sala e corredor no 1º andar;

m) - Reforma das ligações de água e da electricidade.

12 Ainda o Réu, em materiais e mão-de-obra, para executar parte dos trabalhos em causa, gastou importância económica não apurada.

13 A Autora, em finais de 2008, decidiu refazer a sua vida afectiva ou sentimental, passando a viver com um companheiro, quer em Andorra quer em Portugal, onde continua a vir passar as suas férias.

14 Em Agosto de 2011, em S (...) , em época de férias, entre o Réu - que não aceitava o aludido relacionamento da Autora – esta e o então seu companheiro (…), pelo menos em duas ocasiões, em circunstâncias espácio-temporais não apuradas em concreto, ocorreram discussões e trocas de palavras em tom de voz exaltado e com agressividade.

15 A partir dessa ocasião os contactos entre mãe e filho passaram a ser escassos ou quase inexistentes, sem que entre ambos ocorra saudação, inexistindo contacto entre a Autora e um seu neto, filho do Réu D (…)

16 Na sequência de tais factos a Autora pediu ao Réu que deixasse de passar férias no 1º andar e lhe entregasse as chaves, sendo que por carta registada datada de 23/09/2011 solicitou a entrega das chaves do 1º andar, o que o Réu recusou, não tendo entregue as chaves do 1º andar até à data.

17 Com tais factos a Autora sentiu-se triste e angustiada.

*

Factos Não Provados:

(…)

2 Aquando da celebração da ajuizada escritura notarial de partilha Autora e Réu desde logo acordaram que a Autora ficava com o usufruto do rés-do-chão do aludido prédio urbano e o Réu com o usufruto do 1° andar.

3 O texto inserido na escrita de partilha se deveu apenas à circunstância do prédio urbano em causa não ter constituída a propriedade horizontal e o Réu confiar na Autora, sua mãe.

4 No ano de 2008 o Réu passou a ocupar definitivamente o dito 1° andar.

(…)

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade as questões a apreciar são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Título de ocupação por parte do R. do 1º andar do prédio em causa. 

- Indemnização por benfeitorias.

2. O recorrente na sua impugnação da matéria de facto pretende que os factos provados 1., 9. e 12., sejam complementados e os factos não provados 2. a 4., passem a provados (vide conclusões de recurso 1ª a 34ª). 

(…)

Por isso, nestes casos de irrelevância jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, Recursos em Pro. Civil, Novo Regime, 2ª Ed., 2008, nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, os pontos da matéria provada que o apelante pretende submeter a impugnação factual e análise por esta Relação, quedam irrelevantes, como acima ficou dito, já que, mesmo que dados por provados nos termos pretendidos, nenhuma influência podem ter na sorte da causa e no mérito do recurso. Mesmo que dados como provados, como o impugnante pretende, não alterariam a decisão que tem e deve ser tomada sobre o objecto do recurso com os restantes factos que ficaram assentes.

Desta sorte, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos indicados, seria inócua atenta a decisão que no recurso vai ser proferida.  

Inexiste, por isso, motivo para alterar as respostas à decisão da matéria de facto, nos termos pretendidos pelo impugnante.      

2.3. (…)

Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das suas alegações de recurso – corpo e conclusões - verifica-se que o recorrente não cumpriu o 5º dos indicados requisitos legais, pois não indicou, em lado algum, com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua impugnação, baseada nos indicados depoimentos testemunhais que referiu, apesar de, face à gravação efectuada (vide a respectiva acta a fls. 222/223), haver identificação precisa e separada de tais depoimentos.  

Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art. 640º, do NCPC não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem sequer com a transcrição, total ou parcial, dos depoimentos prestados, já que esta é meramente facultativa. Não deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs. 62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º do NCPC, e a título de exemplo os recentes Ac. desta Rel. de 28.9.2015, Proc.198/10.0TBVLF, 10.2.2015, Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA, e quanto à facultatividade das transcrições o Ac. do STJ, de 19.2.2015, Proc.405/09.1TMCBR, disponíveis em www.dgsi.pt).

Aliás, o NCPC no seu art. 640º, manteve em termos idênticos esse ónus, introduzido pelo regime de reforma de recursos (DL 303/2007, de 24.8) no anterior art. 685º-B, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento. Esta posição recente do legislador evidencia a desconformidade relativamente à lei, quer no seu elemento literal, quer no histórico-actualista (no discurso de apresentação da proposta de Lei de Autorização Legislativa 6/2007, de 2.2., publicado no Diário da assembleia da República de 21.12.2006, e ainda na Reforma dos Recursos em Processo Civil- trabalhos Preparatórios, págs. 343 e segs. o Ministro da Justiça referiu que na “proposta prevê-se, expressamente, que a gravação digital do julgamento possa ser em áudio, ou logo que possível, em vídeo e que haja identificação precisa e separada dos depoimentos. Isto, de modo a permitir às partes que indiquem as passagens da gravação em que se fundam…” - sublinhado nosso - como se retira de Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 143), de interpretações facilitistas, que por vezes se vêem, que no fundo degeneram em violação do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, como se pode constatar noutros processos que passam nos tribunais, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -, do princípio do contraditório -  por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor - e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador (vide neste sentido o Ac. da Rel. Lisboa de 12.2.2014, Proc.26/10.6TTBRR, em www.dgsi.pt).

Sendo também de rejeitar interpretações complacentes, que se vão vendo noutras instâncias de recurso, no seguinte sentido: a) o tribunal de recurso deve contentar-se, na impugnação da matéria de facto, com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; b) basta a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; c) a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; d) a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

Quanto à 1ª interpretação, ela faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal que consiste no cerne da questão e que se reporta à indicação “com exactidão das passagens da gravação” em que se funda o recurso, pelo que não pode aceitar-se a mesma.

A 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, quando esse elemento é o lógico antecedente do posterior cumprimento da indicação com exactidão das passagens da gravação. Com essa interpretação contenta-se o intérprete meramente com o pressuposto legal do cumprimento rigoroso da lei, acabando por não ser observado o cumprimento do verdadeiro requisito legal. E por outro lado, com tal interpretação, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo ! Não podemos, também, acompanhar tal entendimento.

Quanto ao “plus” da 3ª interpretação, não vemos objecção de relevo. Por um lado, quanto à modernidade da exigência legal referida só podemos constatar que assim é, pois foi introduzida no nosso ordenamento jurídico em 2007 e de caso pensado pelo legislador, como acima vimos. Por outro lado, a exigência de formalismo nada tem de extraordinário. Na verdade, a este propósito, no seu acórdão de 14.3.2002 o Tribunal Constitucional decidiu o seguinte: "As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vá representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo nº 1 do art. 20° da Constituição" [Diário da República, II, de 29.5.2001]. Ou seja, o formalismo processual é normal e aceitável, porque inerente naturalmente ao próprio processo.

Ponto é que não descambe em desrespeito do princípio da proporcionalidade, com a consequente dificuldade de acesso aos tribunais que a nossa constituição quer garantir. O que nos faz entrar no “quid” da 4ª interpretação. Concordando, obviamente, com a exigência de proporcionalidade, todavia na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, não divisamos ofensa de tal princípio na interpretação que fazemos. Indicar com exactidão as passagens da gravação não é oneroso, bastando ao Sr. Advogado que patrocina a parte e quer recorrer dispor de um aparelho/leitor de CD, com contador digital, que lhe permita essa indicação exacta, aparelhos esses que se vendem no mercado a preços perfeitamente acessíveis. Dificuldade não existe, bastando, ouvido o depoimento que se considera relevante, tomar nota do momento temporalmente em que ele ocorreu e fazer a sua indicação digital. Sendo estes dois elementos perfeitamente observáveis já não se detecta nenhuma anomalia na rejeição do recurso, a não ser que se quisesse erigir a “gravidade das consequências” como elemento de per si determinante, o que rejeitamos em absoluto, bastando pensar no fenómeno processual da preclusão (por ex., deixar passar um prazo peremptório para contestar, deixar passar um prazo para recorrer, etc), em que a defesa da parte pode ficar seriamente afectada, sem que se possa solidamente defender que foi violado, com implicações constitucionais, o princípio da proporcionalidade. 

(…)

De sorte que, tudo visto, improcede a impugnação da matéria de facto deduzida pelo mesmo.

3.1. O apelante defende que a acção improcede, pois deve reconhecer-se que adquiriu um direito de usufruto relativamente ao 1º andar do referido prédio urbano (vide as suas conclusões de recurso 37ª a 42ª).

Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Revertendo agora ao caso dos autos quais os factos que temos provados?

O primeiro- e essencial para bem dirimirmos a questão -é aquele que nos diz que por escritura de partilha, outorgada a 16/08/2006 no Cartório Notarial de S (...) , foi adjudicada à Autora o usufruto do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, situado no Bairro de B (...) , freguesia de S (...) , área desta comarca de Viseu, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 731, prédio urbano que se encontra descrito Conservatória do Registo Predial de S (...) sob n.º 1288/20061024 e o usufruto registado a favor da autora, sob AP 3 de 2006/10/24, ….. enquanto que o Réu D (…) é dono da raiz ou nua propriedade desse mesmo prédio, direito que lhe foi adjudicado naquela mesma escritura de partilha.

Ao invés, INDEMONSTRADO FICOU, que aquando da celebração da ajuizada escritura notarial de partilha Autora e Réu DESDE LOGO ACORDARAM que a Autora ficava com o usufruto do rés-do-chão do aludido prédio urbano e o Réu com o usufruto do 1° andar ou ainda que o texto inserido na escrita de partilha se deveu apenas à circunstância do prédio urbano em causa não ter constituída a propriedade horizontal e o Réu confiar na Autora, sua mãe e mesmo que no ano de 2008 o Réu passou a ocupar definitivamente o dito 1° andar.

Por outro lado Autora e Réu trabalhavam - e trabalham – no estrangeiro, vindo a Portugal nos curtos períodos de férias, sendo que quando a Autora se deslocava a Portugal sempre ficava - fica - na casa de que é usufrutuária, onde faz a sua vida normal e convive com os familiares e amigos, além de que o Réu não tinha qualquer casa em S (...) onde ficar, quando vinha de férias.

Acresce que a Autora, já na qualidade de usufrutuária, fez obras no rés-do-chão nos termos do artigo 5º da materialidade, visando passar as suas férias no rés-do-chão, continuando o Réu a passar as suas férias na parte de cima da casa, o que permitia que continuassem a conviver e passar férias juntos, o que sempre foi acontecendo após o óbito do marido da Autora e pai do Réu, fruto das boas relações que ambos mantinham entre si, alojamento que foi sucedendo mesmo depois da celebração da referida escritura de partilha dos bens do casal …..  a utilização do Réu a ser efectuada de forma gratuita e sem qualquer contraprestação, na ponderação de razões de comodidade e privacidade.

(…) A partir de Agosto de 2011 as relações entre mãe e filho deterioraram-se ou degradaram-se, sendo que este não aceitava um relacionamento amoroso da Autora sua mãe, levando a Autora a pedir ao Réu que deixasse de passar férias no 1º andar e lhe entregasse as chaves, sendo que por carta registada datada de 23/09/2011 solicitou a entrega das chaves do 1º andar, o que o Réu recusou, não tendo entregue as chaves do 1º andar até à data.

Em face desta factualidade, como aplicar-lhe o abordado regime legal?

Antes de mais que está ou permanece juridicamente intocada a realidade consagrada na escritura de partilha: a Autora é USUFRUTUÁRIA do aludido prédio urbano composto de rés-do-chão e 1º andar, enquanto o Réu detem a respectiva NUA PROPRIEDADE.

O acervo fáctico reflecte uma situação de tolerância, por parte da Autora, no que concerne à fruição do 1º andar, por banda do Réu, que por via da ocupação ocasional e muito temporária que dela faz - apenas num curto período de dias do ano, normalmente no Verão, quando em gozo de férias em S (...) - não tem ou reune virtualidades para ser algo mais que um mero acto de tolerância…

Por outro lado o usufruto mantém-se vigente, e a sua titular tem direito ao respectivo gozo na sua plenitude, sem a perturbação do Réu, leia-se ela tem direito a usufruir da totalidade do prédio, o que significa, do rés-do-chão e do 1º andar, uma vez que a Autora, como dimana da factualidade, na aludida veste de usufrutuária, tem usado, fruído, administrado o imóvel “como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico”.”.

O quadro legal diz-nos que o usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (art. 1439º do CC), o qual pode ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei (art. 1440º do CC).

O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico (art. 1446º do CC).

O usufrutuário tem, assim, integralmente o poder de uso e de fruição (jus utendi e fruendi), podendo, até, tais direitos conviver com os exercitados pelo nu-proprietário, desde que se respeitem mutuamente ou se encontrem de acordo.

Perante os factos provados a utilização do prédio por parte do R. só poderia ter lugar mediante tolerância da A. que é a titular do usufruto, à qual são juridicamente indiferentes os hábitos de uso do 1º andar pelo nu-proprietário ou mesmo necessidades habitacionais deste. Pretender o contrário seria subverter o âmbito dos direitos que cabem a A. e R. esvaziando o conteúdo do usufruto.

Mantendo-se o usufruto tem o respectivo titular sempre o direito de o fazer valer usando o prédio na totalidade.

Por conseguinte, face ao regime legal e factualidade apurada nada há a censurar à decisão recorrida.

Não procedendo o recurso nesta parte.

3.2. O apelante também defende que a acção improcede, pois deve reconhecer-se que adquiriu pelo menos um direito de uso e habitação relativamente ao referido 1º andar do mencionado prédio urbano (vide a sua conclusão de recurso 42ª).

Importa relembrar que o direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família, e quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação (art. 1484º nº 1 e 2 do CC).

E que os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293º, e são igualmente regulados pelo seu título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes.

Ora, ao contrário do que o R. sustenta não a factualidade apurada permita tal subsunção jurídica e a conclusão que se tenha constituído qualquer direito de uso e habitação a favor do R. nu-proprietário.

Trata-se, aliás, de questão nova, nunca invocada pelo R. no seu articulado, nem alegada em factos nem debatida contraditoriamente pela A. que nunca poderia ser objecto de apreciação neste tribunal de recurso. Como é de todos sabido, e já foi dito e redito, infindavelmente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Não cabe, pois, aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 5. ao art. 676º, pág. 7/8, e jurisprudência aí mencionada). Tratando-se, por isso, de uma questão nova, não pode, agora, ser conhecida em fase de recurso.

Pelo explicitado, não procede o recurso neste ponto.         

4.1. Quanto à indemnização por benfeitorias, o recorrente entende que tem direito a ser ressarcido por elas (vide as suas conclusões de recurso 43ª e 44ª).

A benfeitoria é a obra e despesa realizada, que visa uma de três coisas: conservá-la (necessária), melhorá-la (útil) ou embelezá-la (voluptuária) - art. 216º do CC. Podendo ser efectuada pelo proprietário, possuidor, locatário, comodatário e usufrutuário (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 1340º, pág. 163).

A terminologia geral neste campo é, contudo, o de “Obras e melhoramentos”, como se vê do art. 1471º do CC, onde se estatui que o usufrutário é obrigado a consentir ao proprietário quaisquer obras ou melhoramentos de que seja susceptível a coisa usufruída (seu nº 1). Sendo que das obras ou melhoramentos realizados tem o usufrutuário direito ao usufruto, sem ser obrigado a pagar juros das somas desembolsadas pelo proprietário ou qualquer outra indemnização (seu nº 2). 

Ou seja, no que concerne a obras realizadas pelo R., para além da A. estar obrigada a consenti-las (desde que da sua efectivação não resulte diminuição do valor do usufruto), a lei não só não a obriga a pagá-las como nem consente que o nu-proprietário as reclame.   

Tanto basta, para se concluir que a decisão recorrida se mostra acertada e esta parte do recurso improcede.

4.2. Quanto à indemnização por benfeitorias, igualmente entende o apelante que tem direito a ser ressarcido por elas sob pena de abuso de direito (vide as suas conclusões de recurso 45ª a 48ª e 50ª a 52ª).

Bom, nesta parte, em lado algum se vislumbra um qualquer abuso do direito, na definição legal do art. 334º do CC, onde se estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

Onde estão os factos provados para o recorrente chegar a essa conclusão ? Não os descortinamos.

O que constatamos é bem diferente. Como bem acentua a sentença recorrida, a A. teve uma conduta uniforme e consensual para com o R., enquanto as relações foram “normais”, mesmo depois das obras realizadas por ambos, com limitação da fruição do espaço do 1º andar ao período de férias. Mas a partir do momento em que surgem divergência entre ambos, em 2011, a A., no exercício normal de um direito a uma boa relação familiar, com paz, harmonia e tranquilidade, constatando da impossibilidade de tal suceder com a ocupação do 1º andar por parte do R., pediu-lhe a devolução da respectiva chave, para cabal usufruto do prédio, ainda que em vão, até que a formalizando por escrito em Setembro de 2011, acaba por instaurar a respectiva acção judicial. Inexiste aqui, relativamente ao comportamento da A., qualquer resquício de conduta abusiva do direito de accionar o recorrente.

E relativamente à pretendida indemnização, também como justamente observa a recorrida, se demonstrado ficou que decisão de realizar as obras foi do recorrente e sem qualquer incentivo por parte da apelada, que também realizou e pagou com dinheiro seu todas as obras e os melhoramentos efectuados no rés-do-chão, então nenhum abuso de direito se detecta.

Não tem fundamento legal, pois, a posição jurídica do apelante.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

ii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;

iii) A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a transcrição, total ou parcial, de depoimentos das testemunhas, pois tal transcrição é uma mera faculdade;

iv) O texto da lei e a sua interpretação histórico-actualista, repudiam interpretações facilitistas, que no fundo degeneram em violação: do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador;

v) Sendo de rejeitar, também, interpretações complacentes que se contentam com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; com a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; já que a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

vi) Na verdade, a 1ª interpretação faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal “indicação com exactidão das passagens da gravação”; a 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, acabando por não observar o cumprimento do verdadeiro requisito legal, e por outro lado, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo; a 3ª interpretação, não contém objecção de relevo pois a exigência de formalismo nada tem de extraordinário, como o tribunal constitucional já sinalizou; e na 4ª interpretação não divisamos ofensa da exigência de proporcionalidade, pois que, na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, o cumprimento rigoroso da lei, quanto ao indicado requisito de impugnação da matéria de facto, não é oneroso e é de fácil execução, não sendo anómalo, no seu incumprimento, a respectiva rejeição do recurso. 

vii) As declarações da parte, a si favoráveis, só por si, não comprovam o facto probando afirmado; só relevando como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas; 

viii) O titular do direito de usufruto de um prédio urbano, que nele habite, pode fazer cessar o uso pelo nu-proprietário que ali habite, também, por mera tolerância, numa parte da casa, e peticionar a este a entrega da chave de tal casa;

ix) Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.

x) O nu-proprietário realizando “Obras e melhoramentos” na sua coisa, não pode reclamar o seu valor ao usufrutuário, nem este está obrigado a pagá-las, (art. 1471º, nº 2, do CC).    

IV - Decisão

 

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.  

*

Custas pelo R./recorrente.

Coimbra, 16.2.2017

  Moreira do Carmo ( Relator )

  Fonte Ramos

  Maria João Areias