Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1361/02.2TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
PENA PRINCIPAL
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
MULTA
MANDADOS DE DETENÇÃO
EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125.º E 126.º DO CP
Sumário: I - A pena de substituição (no caso, a multa) está sujeita a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal, de prisão, substituída.

II - Assim, nos termos do disposto no artigo 122.º do CP, a prescrição da pena de substituição em causa acontece com o decurso do respectivo prazo (4 anos), contado a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das circunstâncias suspensivas e interruptivas que venham a ocorrer.

III - A prolação do despacho que, em prejuízo da aplicação da pena de multa, repõe a pena substituída, determinando o cumprimento da prisão aplicada, estabelece o início do prazo de prescrição da referida pena principal.

IV - O início de execução de pena de prisão não se verifica, seguramente, perante a simples emissão de mandados de detenção ou com as diligências realizadas, nomeadamente pelas entidades policiais, no sentido de determinar o paradeiro e concretizar a detenção do condenado; mas ocorre com a dita detenção ou com o trânsito em julgado da decisão condenatória, se já antes o condenado se encontrava em prisão preventiva.

V - Consequentemente, na situação revelada nos autos, em que, no cumprimento dos devidos mandados, o condenado foi detido, mas indevidamente libertado, após trinta minutos, depois de ter procedido ao pagamento do valor da multa, ocorre a circunstância interruptiva prevista no artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª secção (criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.                No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal singular, n.º 1361/02.2TACBR, do 1.º Juízo Criminal de Coimbra, o arguido A..., melhor identificado nos autos, foi condenado por sentença de 4 de Março de 2004 e transitada em julgado em 2 de Julho de 2007.

A condenação foi proferida nos seguintes termos – certidão de fls. 30 a 32 dos presentes autos apensos de recurso:

«Pela autoria material de um crime de desobediência simples, p. e p. pelos art.ºs 16.º, 2, do Dec. Lei 54/75, de 12.02 e 348.º, 1 b) do Cód. Penal, na pena de cinco (5) meses de prisão, substituídos por igual período de multa, à razão de cinco euros (€ 5,00) dia, num total de setecentos e cinquenta euros (€ 750,00).

Se a multa não for paga o arguido cumpre a pena de prisão aplicada (art.º 44.º, 2 do Cód. Penal).

Mais se condena o arguido nas custas do processo (…).»

O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da multa.

Em 2 de Setembro de 2008 foi proferido despacho que, perante a omissão de pagamento da multa, a impossibilidade de pagamento coercivo e o silêncio do arguido que, com referência ao disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, nada disse, não provando portanto que a razão do não cumprimento não lhe é imputável, determinou o cumprimento da prisão aplicada – teor de fls. 33 e 34 dos presentes autos apensos de recurso.

Este despacho transitou em julgado em 8 de Outubro de 2008 – certidão de fls. 43.

Em 20 de Novembro de 2008 foi emitido “mandado de detenção/libertação (cumprimento de pena)”, nos termos documentados a fls. 35 e 36, onde, além do mais, se ordenava a detenção do arguido e a sua condução ao estabelecimento prisional competente, para cumprimento da pena em que foi condenado “por decisão transitada em julgado em 02-07-2007”, pela prática do crime de desobediência, consignando-se aí, relativamente à decisão proferida na sentença: “Prisão substituída por multa: 05 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00, o que faz o total de 750,00 Euros” (trechos a negrito no original).

Mais se consignou no mandado que, “findo o cumprimento da pena, deverá ser restituído à liberdade sem necessidade de outros mandados”.

O arguido veio a ser detido em 28 de Dezembro de 2009 e nessa mesma data foi restituído à liberdade, após ter efectuado o pagamento integral da quantia correspondente ao valor da multa (€ 750,00), nos termos certificados a fls. 36 verso, pela Guarda Nacional Republicana.

Em 26 de Janeiro de 2010 foi proferido despacho determinando a devolução dos mandados de detenção à entidade policial para integral cumprimento, entendendo que a libertação do arguido desrespeitou os mandados, na medida em que neles não constava que o arguido podia pagar a multa e que tal pagamento permitia a sua libertação imediata – cópia certificada a fls. 37.

Em 14 de Dezembro de 2012, o Ministério Público promoveu a prolação de despacho considerando extinta a pena de prisão, por prescrição, nos seguintes termos (fls. 320 do processo e cópia certificada a fls. 38 dos presentes autos):

«O fls 155, por decisão transitada em julgado a 08 de Outubro de 2008, foi determinado o cumprimento dos mandados de captura do aqui arguido, com vista ao cumprimento da pena de prisão em que foi originariamente condenado.

Uma vez que são passados 4 anos, após a data acima indicada, sem que se tenha alcançado o início do cumprimento da pena, (tendo até ocorrido um anómalo cumprimento dos primitivos mandados por parte do OPC, como resulta relatado a fls 221, a que acresce recurso interposto pelo arguido, na sequência do despacho de fls 221 a 223, julgado improcedente), verificamos que, atento o lapso temporal decorrido desde que, a fls 290, se ponderou o prazo de prescrição desta pena de prisão, “renascida” como se acentua, a fls 269, no acórdão do Tribunal Superior, após a revogação da pena de multa de substituição, pelo mencionado despacho de fls 155, afigura-se-nos que, considerando o que dispõe os arts 122º 1 d), 2 e 125º 1 a) do CP, uma vez que se verifica a situação de suspensão da prescrição, já que por força da lei, entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da pena de substituição, a execução da pena principal, de prisão, não podia legalmente iniciar-se, temos que se verifica que a pena de prisão deverá ser considerada extinta, por prescrição, o que se promove, urgindo solicitar a sustação e devolução dos mandados.»

Conclusos os autos, em 18 de Dezembro de 2012, foi nessa data proferido despacho nos seguintes termos (fls. 321 e 322 do processo e cópia certificada a fls. 39 e 40 dos presentes autos):

«O arguido, A (...) , foi condenado, a fls. 44 e segs., pela autoria material de um crime de desobediência simples, p. e p. pelos art.os 16.º, 2, do Dec. Lei n.º 54/75, de 12.02, e 348.º, 1 b), do Cód. Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por igual período de multa, à razão de € 5 dia, num total de € 750.

A decisão transitou em julgado a 2.07.2007 (cfr. fls. 109).

Por não ter efectuado o pagamento da multa (pena de substituição) foi determinado o cumprimento da pena de prisão (pena principal) por decisão de 02.09.2008, transitada em julgado a 08.10.2008.

A 28.12.2009, pelas 14:00 horas, foi o arguido detido para cumprimento da pena de prisão e solto nesse mesmo dia, pelas 14:30 horas, por lapso da GNR (cfr. fls. 181 a 186).

O Ministério Público promove se declare a extinção da pena principal por prescrição (cfr. promoção de fls. 320).

Cumpre apreciar e decidir.

Sendo a pena de substituição (a pena de multa) uma pena autónoma da pena principal de prisão, tem cada uma o seu próprio prazo de prescrição, que no caso é de 4 anos (cfr. art.º 122.º, 1 d), do Cód. Penal).

Porque o prazo de prescrição da pena principal se achava suspenso até ao trânsito em julgado do despacho que revogou a pena de substituição (nos termos do art.º 125.º, 1 a), e 2, do CPP), uma vez que esta não opera ope legis (art.º 43.º, 2, do Cód. Penal), começando nessa altura a correr o prazo de prescrição da pena principal, foi o mesmo interrompido a 28.12.2009 (altura em que o arguido foi detido para cumprimento da pena principal de prisão), conforme decorre do disposto no art.º 126.º, 1 a), do Cód. Penal, começando, depois desta interrupção, a correr novo prazo de prescrição (art.º 126.º, 2, do Cód. Penal).

Assim, se não ocorrer qualquer outra causa de suspensão ou interrupção (art.os 125.º e 126.º, ambos do Cód. Penal), a prescrição da pena principal apenas ocorrerá a 28.12.2013.

Face ao exposto, devem os autos prosseguir os seus termos por não se verificar a invocada prescrição da pena.»

2.1 O arguido, não se conformando com esta decisão, veio interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1. O MP promoveu no sentido de que a pena de prisão deverá ser considerada extinta por prescrição, nos termos previstos nos artigos 122.º 1 d), 2 e 125.º 1 a) do C.P., uma vez que já decorreram mais de 4 anos sobre a decisão de cumprimento da pena de prisão transitada em julgado em 8/10/2009.

2. Tal como o MP o ora recorrente tem o mesmo entendimento, pelo que o despacho ora recorrido não faz uma correcta interpretação da lei, ao considerar que o episódio anómalo de detenção e libertação ocorrido em 28/12/2009, pelo período de 30 m não pode ser considerado como causa de interrupção da prescrição, nos termos previstos no artigo 126.º 1 a) do C.P.

Termina afirmando que o despacho que considerou que a pena de prisão não se encontrava prescrita deve ser revogado e em sua substituição outro que declare a extinção da pena principal por prescrição, tal como foi promovido pelo MP a fls. 320.

2.2 O Ministério Público veio responder.

Confirmando que na promoção de fls. 320 se pronunciou no sentido da consumação da prescrição da pena aplicada ao arguido, admite que o entendimento expendido no despacho recorrido é igualmente defensável no âmbito do bom direito que se quer aplicar no caso concreto.

Termina afirmando aguardar a posição assumida por este Tribunal da Relação.

2.3 Aqui, o Ministério Público teve vista nos autos, emitindo parecer onde defende que o arguido A (...) foi legalmente detido para cumprimento de pena no dia 28.12.2009, e tal facto, independentemente do erróneo cumprimento do conteúdo do mandado, consubstancia um facto interruptivo que implica que novo prazo de prescrição comece a correr, conforme disposto no artigo 126.º, n.ºs 1 alínea a) e 2 do C. Penal. Consequentemente, a pena em causa não está prescrita.

Conclui que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.

2.4 O arguido, notificado nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Penal, não respondeu.

3.                Colhidos os vistos e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal, a motivação do recurso enuncia especificamente os respectivos fundamentos e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido.

No caso presente, o objecto do recurso consubstancia-se na apreciação da seguinte questão:

• Determinar se operou ou não a prescrição da pena imposta ao arguido.

II)

Fundamentação

1.                Factos relevantes.

Valem aqui os factos que se deixaram enunciados no relatório que antecede, relativamente aos termos da condenação do arguido e ocorrências subsequentes, que culminam na prolação do despacho que é objecto do recurso e que aí também se deixou transcrito.

2.                As penas que não sejam iguais ou superiores a 2 anos de prisão prescrevem no prazo de quatro anos, começando o prazo a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena – artigo 122.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código Penal.

2.1 A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar, vigorar a declaração de contumácia, o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade, ou perdurar a dilação do pagamento da multa, voltando a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão – artigo 125.º do Código Penal.

A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução, ou com a declaração de contumácia, começando a correr novo prazo de prescrição depois de cada interrupção, na certeza de que a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade – artigo 126.º do mesmo diploma legal.

A pena de substituição (no caso, a multa) está sujeita a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída (no caso, a prisão). Assim, nos termos do disposto no artigo 122.º do Código Penal, antes citado, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo da suspensão e interrupção da prescrição, nos termos antes enunciados.

Enquanto se mantiver a pena de substituição o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão (pena principal) não pode ocorrer, operando a respectiva suspensão nos termos enunciados no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

A prolação do despacho que, em prejuízo da aplicação da pena de multa, repõe a pena principal substituída, determinando o cumprimento da prisão aplicada, estabelece o início do prazo de prescrição desta pena principal.

No caso dos autos, releva o despacho transitado em 8 de Outubro de 2008 e que, perante a omissão injustificada do pagamento da multa e sem que tivesse decorrido o prazo de prescrição desta pena, determinou o cumprimento da prisão aplicada ao arguido.

Tendo em conta este despacho e por aplicação das regras dos artigos 122.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2 e 125.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, o prazo de prescrição de quatro anos relativamente à pena de prisão completou-se em 8 de Outubro de 2012 – o que, na ausência de qualquer elemento impeditivo, determinaria a prescrição da pena.

A promoção do Ministério Público que motivou a prolação do despacho recorrido parte do pressuposto da inexistência de qualquer elemento que impeça que operem os quatro anos, reportados a 8 de Outubro de 2008.

O despacho recorrido, ao contrariar este entendimento, afirmando que não se verifica a prescrição da pena, considera a existência de uma causa de interrupção da prescrição: a detenção do arguido, ocorrida em 28 de Dezembro de 2009 e que, por força do disposto no artigo 126.º do Código Penal, determinou que começasse a correr novo prazo que, na ausência de outras causas de suspensão ou interrupção, se completará em 28 de Dezembro de 2013 – na certeza de que, mesmo com novas interrupções e salvo causas de suspensão, a prescrição sempre operará em 8 de Outubro de 2014, quando se completar o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

A decisão a proferir passa então pela valoração e qualificação do facto ocorrido em 28 de Dezembro de 2009; concluindo-se que determinou a interrupção da prescrição, necessariamente improcede o recurso, impondo-se a confirmação da decisão recorrida; concluindo-se que se trata de episódio anómalo que não determinou a interrupção da prescrição, como pretende o recorrente, impõe-se a procedência do recurso, em prejuízo da decisão recorrida.

2.2 Como antes se mencionou, em 2 de Setembro de 2008 foi proferido despacho que, perante a omissão de pagamento voluntário da multa, a impossibilidade de pagamento e o silêncio do arguido, determinou o cumprimento da prisão aplicada.

Em 20 de Novembro de 2008 e perante este despacho – que transitou em julgado em 8 de Outubro de 2008 – foi emitido “mandado de detenção/libertação (cumprimento de pena)”, tendo em vista o cumprimento, pelo arguido, da pena de 5 meses de prisão.

O arguido veio a ser detido em 28 de Dezembro de 2009 e nessa mesma data foi restituído à liberdade, 30 minutos depois da detenção e após ter efectuado o pagamento integral da quantia de € 750,00 – correspondente ao valor da multa.

Questiona-se se a detenção assim efectuada configura a previsão do artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, onde se estabelece que a prescrição da pena se interrompe com a sua execução.

Toda a pena criminal envolve, por definição, um sacrifício ou perda para o condenado. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade.

Entrando a pena em execução com o início do seu cumprimento, a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade do condenado, exigindo-se a prática no processo de determinados actos idóneos a esse fim.

Importa salientar que são realidades distintas a execução da pena e os actos destinados a fazê-la executar, na certeza de que não é por um determinado acto estar sistematicamente inserido na fase processual da execução de uma espécie de pena que constitui acto de execução dessa pena.

Esta conclusão é imposta pela história do actual artigo 126º do Código Penal.

«Esse preceito corresponde ao artigo 124.º da versão inicial do Código Penal de 1982, cujo texto, no que aqui importa, era o seguinte:

1. A prescrição da pena interrompe-se:

a) Com a sua execução;

b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.

2. (…)

3. (…)

Previam-se aqui como causas de interrupção da prescrição da pena «a sua execução» [alínea a) do n.º 1] e «a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar», se a execução se tornasse «impossível» por o condenado se encontrar em local donde não pudesse «ser extraditado» ou onde não pudesse «ser alcançado» [alínea b)].

Nesta versão, não haverá dúvidas de que os actos destinados a fazer executar a pena não podiam ser vistos como execução da pena, pois aqueles e esta configuravam causas de interrupção da prescrição distintas. Se os actos destinados a fazer executar a pena se devessem já considerar como execução, a disposição da alínea b) seria totalmente inútil, por prever matéria já abarcada na previsão da alínea a), sendo de afastar uma tal conclusão em face da regra de interpretação estabelecida no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

Já no artigo 115.º do Projecto de 1963, da autoria do Prof. Eduardo Correia, que está na génese do artigo 124.º da versão originária do Código Penal de 1982, execução da pena e actos destinados a fazê-la executar eram colocados lado a lado, sem se confundirem: «A prescrição da pena interrompe-se pela sua execução, bem como por qualquer acto da autoridade competente que vise fazê-la executar» (BMJ 151º, páginas 53 e 54). A distinção veio a tornar-se mais nítida no texto da lei (esse artigo 124.º), integrando, como se viu, a execução da pena e os actos destinados a fazê-la executar diferentes causas de interrupção da prescrição da pena, operando os últimos somente se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado.

E nesta matéria nada se alterou da versão inicial do Código Penal de 1982 para a versão actual, introduzida pela reforma de 1995, visto o texto da alínea a) do n.º 1 do anterior artigo 124.º ter passado a constituir, sem qualquer alteração, o texto da alínea a) do n.º 1 do actual artigo 126.º: «A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução».

A alteração que houve foi da alínea b), sendo que, se na versão inicial do Código a prescrição da pena se interrompia com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazer executar a pena, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado, com a reforma de 1995, essa causa de interrupção da prescrição foi substituída pela «declaração de contumácia», leitura que, segundo Figueiredo Dias, já devia fazer-se da anterior redacção, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987: «Fundamentos da interrupção são, por um lado, a execução da pena e, por outro, a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em lugar onde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado (…). Torna-se notório que este segundo fundamento deve ser lido, de acordo com o nosso novo sistema processual penal, como correspondendo às situações de contumácia» (ob. cit., § 1155).

Essa alteração teve consequências, pois restringiu a aplicação da causa de interrupção da prescrição da alínea b) à pena de prisão e à medida de internamento, as únicas reacções criminais que podem conduzir à situação de contumácia, mas não interferiu com o âmbito de previsão da disposição da alínea a), sendo-lhe alheia» – Acórdão de fixação de jurisprudência 2/2012, do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Março de 2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 12 de Abril de 1012, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt), processo 204/05.0GBFND.C1-A.S1.

O início de execução da pena, no caso de penas de prisão, não se verifica, seguramente, perante a simples emissão de mandados de detenção ou com as diligências realizadas, nomeadamente pelas entidades policiais, no sentido de determinar o seu paradeiro e concretizar a detenção; mas já ocorre com a detenção do arguido ou com o trânsito em julgado da decisão condenatória, se já antes se encontrava preso preventivamente.

Reportando-nos ao caso dos autos, é certo que o arguido foi detido, em 28 de Dezembro de 2009, no cumprimento de mandado de detenção, tendo este em vista o cumprimento, pelo arguido, da pena de 5 meses de prisão que lhe foi imposta.

A detenção não admitia a libertação do arguido por outra causa que não o cumprimento da pena de prisão; assim, era este o pressuposto da libertação do arguido, decorridos os cinco meses. Apesar disso e em resultado de uma errada interpretação dos termos do mandado de detenção por parte da entidade policial que procedeu ao seu cumprimento, o arguido veio a ser restituído à liberdade escassos 30 minutos depois da respectiva detenção e após ter efectuado o pagamento da quantia de € 750,00 – correspondente ao valor da multa, no pressuposto errado de que este pagamento era admissível e obstava à execução da pena, nos termos do artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal.

Como salienta o Ministério Público, no respectivo parecer, a detenção do recorrente visava justamente o cumprimento da pena.

A mesma não deixou de concretizar a respectiva finalidade, apesar da indevida libertação, na certeza de que a ordem de detenção para cumprimento da pena foi legal e emanou da entidade competente.

Assim, não deixou de operar os seus efeitos, mesmo quando, por erro, é admitida pela autoridade policial, a sua libertação pelas razões anteriormente expendidas. Entre esses efeitos inclui-se o início da execução da pena de prisão, para cuja verificação não se exige que o arguido seja, nomeadamente, entregue num específico estabelecimento prisional.

Reportando-nos de novo ao parecer do Ministério Público, a argumentação do recorrente no sentido da inexistência de interrupções seria procedente caso tivesse ocorrido uma situação de prisão ilegal; mas não é manifestamente o caso, dado que aquilo que esteve mal foi a sua libertação.

É certo que não há penas imprescritíveis e que não é desejável que o cumprimento de uma pena aplicada com referência a factos ocorridos em 2002, por decisão proferida em Março de 2004 (mas que, por razões que não resultam dos elementos que constam do presente apenso, apenas transitou em julgado em 2 de Julho de 2007), esteja ainda em aberto, sem se mostrar integralmente cumprida.

Estes factos, no entanto, não prejudicam nem alteram o que se deixa exposto, relativamente à interrupção da prescrição e às consequências que daí decorrem.

Conclui-se então que não há fundamento para alterar a decisão recorrida, com a consequente improcedência do recurso.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC o valor da taxa de justiça.

*

(Joaquim Correia Pinto - Relator)

(Fernanda Ventura)