Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
537/12.9TBGRD-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: INSOLVÊNCIA
MASSA INSOLVENTE
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
VENDA EXECUTIVA
PRODUTO DA VENDA
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 85, 88, 149 CIRE, 733, 735, 824, 886 CC, 333, 377 CT.
Sumário: 1. Se teve lugar a venda do imóvel da devedora, no âmbito de acção executiva, em data anterior à sua declaração de insolvência, o produto da venda do mesmo, que ainda não foi pago ou repartido pelos credores, tem de ser apreendido para a massa, em face da imposição do artº 149 nº 2 do CIRE.

2. A partir do momento em que o produto da venda tem de ser apreendido para a massa, a acção executiva deve ser requisitado para ser junta ao processo de insolvência, de acordo com o estabelecido no artº 85 nº 2 do CIRE.

3. Tanto a hipoteca como o privilégio creditório especial que incide sobre um bem em concreto, são direitos reais de garantia, na medida em que há uma afectação de determinado bem ao crédito que por ele é abrangido, concedendo ao credor uma situação de preferência relativamente a outros.

4. Os credores que detêm um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel vendido, verdadeiro direito real de garantia e na medida em que tal privilégio se constituiu no momento da aquisição do crédito e não precisa de ser registado, vêm os seus direitos transferidos para o produto da venda, sendo abrangidos pela previsão do artº 824 nº 2 e nº 3 do C.Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.Relatório
Por sentença de 26 de Abril de 2012 foi decretada a insolvência da S (…), Ldª.
Foi fixado o prazo para a reclamação de créditos, tendo a 11/07/2012, a Sr.ª Administrador da Insolvência apresentado a lista dos créditos reconhecidos nos termos do art. 129.º do CIRE.
Foram apresentadas impugnações pela credora K..., S.A. quanto à natureza dos créditos reconhecidos dos trabalhadores da Insolvente, por entender que os mesmos não beneficiam de privilégio imobiliário especial.
Os credores alvo da impugnação vêm responder pugnando pela improcedência da mesma.
Realizada tentativa de conciliação a mesma não surtiu efeito.
Foi proferido despacho saneador afirmando a validade e regularidade da lide. Foi efectuada a verificação parcial de alguns créditos, selecionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal adequado, tendo o tribunal respondido à matéria de facto sem que tenha havido reclamação.
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela K... e julgou verificados e reconhecidos os créditos reclamados por oito trabalhadores da insolvente, no valor que indica, procedendo à graduação de todos os créditos, sendo que quanto ao produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o n.º (...)/19951018 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º (...) graduou em primeiro lugar para serem ser pagos, em igualdade de circunstâncias e por rateio se necessário, os créditos dos trabalhadores da insolvente que considerou beneficiarem de privilégio imobiliário especial sobre o produto da venda do imóvel; em segundo lugar o crédito da K... garantido por hipoteca; em terceiro lugar, o crédito do Intituto da Segurança Social, I.P., em quarto lugar, o crédito da Fazenda Nacional e em quinto lugar em igualdade de circunstâncias e por rateio se necessário, os restantes créditos comuns. Fez também a graduação para o produto da venda dos bens móveis.
A credora K..., S.A. não se conformando com a sentença proferida, na parte em que reconheceu como privilegiados os créditos dos trabalhadores a fim de serem pagos com preferência sobre o produto da venda do imóvel adjudicado à Recorrente no âmbito de processo de execução fiscal anterior à declaração de insolvência, vem dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. Decorridos os termos normais do processo de execução fiscal e decorridas as formalidades legais de venda, a aqui recorrente no âmbito desse mesmo processo de execução adquiriu o imóvel, em referência, tendo sido emitido o respectivo título em 24 de Janeiro de 2012 e registada a seu favor a respectiva propriedade.
B. No âmbito dos presentes autos de execução, a aqui recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 256º n.º 1 alínea h) do CPPT, não obstante a sua qualidade de credor hipotecário, procedeu ao depósito do respectivo preço, ou seja, Euros. 42.000,00 (quarenta e dois mil euros).
C. Por decisão de 26 de Abril de 2012, foi a sociedade declarada insolvente e, por conseguinte, foi apreendido à ordem dos presentes autos de insolvência, o produto da venda.
D. Ora, no que tange à graduação especial e respeitante ao produto da venda do imóvel vendido no âmbito do processo de execução fiscal, o crédito da aqui reclamante deveria ter sido graduado em primeiro lugar, à frente dos créditos dos trabalhadores.
E. Com excepção de algum valor, eventualmente sobrante, o preço respeitante à venda não pertence à insolvente.
F. Assim, decretada a insolvência da sociedade na fase pós-venda (como foi o caso), o produto da venda obtido através da execução, não pode ser rateado, na sua totalidade, pelos credores, nos termos em que se encontra
decidido.
G. O produto da venda já não se encontra na disponibilidade do executado para ser entregue à massa insolvente e rateado, na sua totalidade, pelos credores.
H. Já não há nenhum bem penhorado; o que há (o que agora há) são, tão-só, créditos: o crédito da reclamante (ora recorrente), o crédito de eventuais
credores reclamantes, o crédito das custas da execução e, enfim, se algo sobejar, o crédito remanescente final do executado (entenda-se insolvente) referente ao preço do bem vendido na execução.
I.Assim o único bem da insolvente nestes autos é o valor que sobrar, após pagamento dos créditos resultantes do processo de execução.
J. O rateio do valor, na totalidade, do produto da venda não preenche o fundamento de remessa previsto no artigo 85º nº 2 do CIRE;
K. A declaração de insolvência determina a suspensão das diligências executivas e providências requeridas que atinjam bens integrantes da massa insolvente.
L. Não sendo o produto da venda um bem da insolvente não são aplicáveis in casu os artigos 85º e 88º do CIRE.
M. A transferência da titularidade do direito sobre a coisa faz-se, aquando da venda em execução, do executado para o adquirente (artigo 824º, nº 1 do CC). Por isso, o vendedor não é, nem o tribunal, nem o exequente, mas
sim o executado, apesar da venda poder ser realizada contra a sua vontade. De outro modo não se entenderia que o remanescente do preço, depois de pagos os créditos, revertesse para o executado.
N. O que não existe, no caso do depósito à ordem da execução do preço da venda nesta realizada, é algo configurável em termos de pertença ou de direito de propriedade do Executado, que possamos reconduzir à facti species do artigo 85º, nº 2 do CIRE, quando se refere a actos (…) de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
O. Não é este, com efeito, o estatuto do produto ou valor da venda no período em que este se mostra capturado pela execução, expressando tal valor um crédito (depositado num banco à ordem do Tribunal) dotado, nesse período, de uma afectação funcional específica (a que decorre do fim visado por aquela execução em concreto) que só poderá ser referenciada ao património do Executado (aqui à massa insolvente) na parcela sobrante, após satisfação das custas da execução e dos créditos graduados.
P. Outra interpretação, viola, salvo melhor entendimento, o princípio da confiança, ínsito do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição, donde ressalta, além do mais, a garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.
Q. Bem como, “o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo
(abrangendo, pois, a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”.
R. A sentença recorrida viola as disposições constantes dos artigos 85º e 88º do CIRE, dos artigos 824º, 874º C. Civil, artigo 919º do C. Processo Civil e violação frontal do princípio da confiança ínsito no princípio do estado de direito e dos princípios dos artigos 2º e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrentes nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.
- do preço respeitante à venda não pertencer à insolvente, não devendo por isso verificar-se a remessa da execução ao processo de insolvência nos termos do artº 85º nº 2 do CIRE;
- dos créditos dos trabalhadores da insolvente não beneficiarem de privilégio sobre o produto da venda do imóvel adjudicado à Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal.
III. Fundamentação de Facto.
Tendo em conta o disposto no artº 713 nº 2 e 659 nº 2 do C.P.C. resultam provados os factos enunciados na decisão sob recurso, a que se aditam outros com interesse para a decisão da causa e que resultam dos elementos juntos aos autos:
1) Consta do documento apresentado pelo Credor A(…) à Administrador da Insolvência, denominado «CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO», datado de 16 de Junho de 1998, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) Entre: A (…), Solteiro, Contribuinte N.º (...), com o Bilhete de Identidade N.º (...), Filho de (...) e de (...), natural de (...) e Residente em (...) – Pinhel.---------------------------- E a Firma: S (…). LDA. Contribuinte N.º (...), com sede na (...) N.º18 – (...) – Guarda, é feito um contrato de trabalho a prazo regido pelas seguintes cláusulas que ambas as partes se obrigam a cumprir ------------------------------------
1- A primeira outorgante obriga-se pelo presente contrato a dar á segunda outorgante o concurso do seu trabalho na profissão de Serralheiro 1ª, mediante o ordenado mensal de Esc.:80.502$00 ----------------------------
2- O trabalho da primeira outorgante é prestado nas obras a que a segunda outorgante está a proceder no Distrito de Guarda.-------------------- (…)».
2) Consta de missiva junta aos autos, por A (…)datada de 30 de Novembro de 2011, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte:
« Exmo. Sr.: Gerente da Firma S (…) Lda
Eu, A (…), venho por este meio rescindir, com justa causa, o contrato de trabalhoque me liga a esta empresa por falta de pagamentos dos salários dos meses de Agosto de 2011, Setembro de 2011,
Outubro de 2011 e Novembro de 2011.
Aproveito a mesma, para solicitar que nos termos do artigo 43º do Decreto de Lei 220/2006, de 3/12 e artigo 341 do Código do Trabalho, se digne a passar-me, no prazo legal de cinco dias úteis, a declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044-DGSS, sob pena de, havendo recusa, ter de recorrer ás[sic] entidades competentes. (…)
RECEBI O ORIGINAL NO DIA 2 DE DEZEMBRO 2011 [manuscrito] (…)».
3) Consta de documento junto aos autos, por A (…)datado de 29 de Julho de 2011, denominado «Recibo de Remunerações Nº 1576», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê: «(…) Nome: A (…) (…) (…) Vencimento Base: 496,00 (…) Remunerações Descontos Ordenado Base 496,00 Imposto S/Rendimento 5,00% 36,00 Subsídio de Refeição 21,00 4,40 92,40 Segurança Social 11,00% 80,41 Subs./Produção 235,00 (…)».
4) O documento descrito em 1) foi assinado por A (…)como «PRIMEIRO OUTORGANTE» e pelo representante da Insolvente como «SEGUNDO OUTORGANTE».
5) A missiva descrita em 2) foi entregue por A (…)à Insolvente, que a recebeu, tendo o seu representante assinado a mesma.
6) A (…) trabalhou ao serviço da Insolvente.
7) À data indicada em 2), A (…) trabalhava nas instalações descritas em 62).
8) A Insolvente não pagou a A (…) os vencimentos referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2011.
9) A Insolvente não pagou a A (…) o subsídio de Natal e dois sextos do subsídio de férias relativos ao ano de 2011.
10) A Insolvente não pagou a A (…)os proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao ano de 2012.
11) A Insolvente não pagou a A (…) qualquer quantia a título de indemnização.
            12) Consta do documento apresentado pelo Credor A (…) denominado «CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO», datado de 01 de Setembro de 2005, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) Entre: A (…), (…) E a Firma: S (…). LDA. Contribuinte N.º (...), com sede na (...) N.º18 – (...) – Guarda, é feito um contrato de trabalho sem termo regido pelas seguintes cláusulas que ambas as partes se obrigam a cumprir ------------------------------------
1- O primeiro outorgante obriga-se pelo presente contrato a dar á segunda outorgante o concurso do seu trabalho na profissão de CARPINTEIRO DE 1ª, mediante o ordenado mensal de 750 EUROS ----------------------
2- O trabalho da primeira outorgante é prestado nas instalações da segunda outorgante sita em (...)- Guarda e no assentamento de obras por todo o país. ------------------ (…)».
13) Consta de missiva manuscrita junta aos autos, por  (…)datada de 30 de Maio de 2010, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte:
« Exmo Senhor Gerente da Firma S (…), Lda
Eu A (…); venho por este meio rescindir o contrato de trabalho que me liga a essa empresa com justa causa; por ter em atraso o Pagamento dos salários dos meses de Fevereiro de 2010; Março de 2010; e Abril de 2010.
Aproveito a mesma, para solicitar que nos termos do artigo 43º do Decreto de Lei 220/2006, de 3/12 e artigo 341 do Código do Trabalho, se digne a passar-me; no prazo legal de cinco dias úteis; a declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044-DGSS, sob pena de; havendo recusa; ter de recorrer ás[sic] entidades competentes. (…)».
14) Consta de sentença (transitada em julgado) junta aos autos, assinada electronicamente pelo Dr. (…), do Tribunal do Trabalho da Guarda e data de 24 de Janeiro de 2011, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) A transacção celebrada entre o autor A (…)e a ré S (…), L.da, formalizada através do requerimento que anecede (folhas 51-52), é validade, quer atendendo ao seu objecto (direitos disponíveis), quer à qualidade das pessoas que nela intervieram (o autor e o legal representante legal da ré). Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 293º n.º2, 299º n.º1 “a contratio sensu” e 300º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil (“ex vi” artigo 1º n.º1 al. a) do Código de Processo de Trabalho), decido homologar, por sentença, a mencionada transacção, condenando e absolvendo nos seus precisos termos. (…)».
15) Consta junto da sentença transcrita em 14), um documento escrito, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê: «(…) A (…), autor nos autos à margem identificados e S (…) Lda., ré nos presentes autos, acordam o seguinte:
1. O autor reduz o seu pedido para a quantia de €8.000,00 (oito mil euros), imputados a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, que a ré aceita pagar.
2. A ré obriga-se a pagar a quantia supra referida em 27 prestações mensais e sucessivas no valor de €300,00/cada, sendo a última prestação, no valor de €200,00; (…)».
16) O documento descrito em 12) foi assinado por A (…)como «PRIMEIRO OUTORGANTE» e pelo representante da Insolvente como «SEGUNDO OUTORGANTE».
17) A missiva descrita em 13) foi entregue por A (…) à Insolvente.
18) A (…) trabalhou ao serviço da Insolvente.
19) À data indicada em 13), A (…) trabalhava nas instalações descritas em 62).
20) Do acordo descrito em 15) a Insolvente não pagou a quantia de €5.900,00 (cinco mil e novecentos euros).
            21) Consta da acta de audiência de julgamento junta aos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, datada de 23 de Fevereiro de 2011, realizada no Tribunal de Trabalho da Guarda e assinada pelo Dr(…), o seguinte: «(…) TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
Aberta a audiência de Julgamento, o Sr. Juiz exortou as partes à conciliação, tendo estas declarado terem chegado a acordo nos termos seguintes: TRANSACÇÃO
1- O autor (…) reduz o pedido para €7.000,00 (sete mil euros), que recebe a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho.
2 – A quantia acima mencionada será paga pela ré S (…) Lda, em 22 prestações, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 08-03-2011 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, (…)
SENTENÇA
A transacção que as partes acima celebraram é válida, quer pelo seu objecto, quer pela qualidade dos intervenientes. Deste modo, atento o disposto no artºs 293º, nº2, 294º, e 300º nº4, do C.P.C., homologando-a por sentença, condenado e absolvendo nos seus precisos termos. (…)».
22) C (…) trabalhou ao serviço da Insolvente, nas instalações descritas em 62).
23) Do acordo descrito em 21) a Insolvente não pagou a quantia de €5.090, 92 (cinco mil e noventa euros e noventa e dois cêntimos), nem qualquer quantia a título de juros.
24) Consta de missiva junta aos autos, por F (…), datada de 30 de Novembro de 2011, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: « Exmo. Sr.: Gerente da Firma S (…), Lda
Eu, F (…), venho por este meio rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho que me liga a esta empresa por falta de pagamentos dos salários dos meses de Agosto de 2011, Setembro de 2011,
Outubro de 2011 e Novembro de 2011.
Aproveito a mesma, para solicitar que nos termos do artigo 43º do Decreto de Lei 220/2006, de 3/12 e artigo 341 do Código do Trabalho, se digne a passar-me, no prazo legal de cinco dias úteis, a declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044-DGSS, sob pena de, havendo recusa, ter de recorrer ás[sic] entidades competentes. (…)
RECEBI O ORIGINAL NO DIA 2 DE DEZEMBRO 2011 [manuscrito] (…)».
25) Foi junto aos autos, por F (…), documento escrito, datado de 29 de Julho de 2011 e denominado «Recibo de Remunerações Nº 1577», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê: «(…) Nome: F (…) (…) (…) Vencimento Base: 496,00 (…) Remunerações Descontos Ordenado Base 496,00 Imposto S/Rendimento 5,00% 36,00 Subsídio de Refeição 21,00 4,40 92,40 Segurança Social 11,00% 80,41 Subs./Produção 235,00 (…)».
26) Foi junto aos autos por F (…), documento escrito, emitido pela Segurança Social e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê: «(…) NISS PS Nome PS Tipo NISS EE Nome EE Data Início Data fim (…) 11180184233 (...) 20004647084 (...)- SOCIEDAD… 1991-08-01 2011-11-30 (…)».
27) A missiva descrita em 24) foi entregue por F (…) à Insolvente, que a recebeu, tendo o seu representante assinado a mesma.
28) F (…) trabalhou ao serviço da Insolvente.
29) À data indicada em 24), F (…) trabalhava nas instalações descritas em 62).
30) A Insolvente não pagou a F (…) os vencimentos referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2011.
31) A Insolvente não pagou a F (…) o subsídio de Natal e subsídio de férias relativos ao ano de 2011.
32) A Insolvente não pagou a F (…) os proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao ano de 2012.
33) A Insolvente não pagou a F (…) qualquer quantia a título de indemnização.
            34) Consta da acta de audiência de julgamento junta aos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzida, datada de 26 de Janeiro de 2012, realizada no Tribunal de Trabalho da Guarda e assinada pela Dr.ª (…) o seguinte: «(…) Autor: J (…), NIF – (...)(…) Réu: S (…) Ldaª, NIF – (...)(…) (…)
PRESENTES: Todas as pessoas convocadas para este acto, estando em representação da ré o Sr. (…), portador do Cartão de Cidadão n.º (...). (…)
ACTOS DA AUDIÊNCIA
Aberta a Mm.ª Juiz ordenou que conduzisse ao seu gabinete as parte e a Digna Patrona do autor, o que fiz. Nesta altura pelo legal representante da ré foi dito que a ré se vai apresentar à insolvência, e declarou que confessa todos os factos alegados na petição inicial. Seguidamente a Mmª Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO
Considerando a qualidade do declarante e a natureza dos direitos em causa, julgo válida a confissão efectuada, pelo que a homologo, condenando a ré no pagamento das quantias confessadas. (…)».
35) Consta da petição inicial referida em 34) e aqui junta aos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) J (…) (…) vem, como o patrocínio do M.º Público, instaura Acção Declarativa Emergente de Contrato Individual de Trabalho, com Processo Comum, e isenção de custas (…), contra: S (…) LDA. (…) Neste termos, e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, por via dela: I – ser declarada a justa causa de rescisão do contrato pelo A com efeitos a partir de 2/12/2011, e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de 10953,33€. II – mais deve a Ré ser condenada a pagar ao A: a retribuição dos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro (2 dias) de 2011, no montante de 2.525,40€; O subsídio de alimentação corresponde aos dias de trabalho prestado nos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro (2 dias) de 2011, no montante de 374,00€; o subsídio de férias correspondente às férias vencidas em 1/01/2011, bem como as férias proporcionais de 2011, e o subsídio de férias correspondente, no montante de 1.410,77€; o subsídio de natal proporcional ao tempo de trabalho prestado em 2011, no montante de 457,39€; III – Deve ainda a Ré ser condenada a pagar ao A juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde o respectivo vencimento até integral pagamento. (…)».
36) J (…) trabalhou ao serviço da Insolvente, nas instalações descritas em 62).
37) A Insolvente não pagou a J (…) as quantias descritas em 34), nem qualquer valor a título de juros.
            38) Consta da acta de audiência de julgamento junta aos autos por J (…), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, datada de 25 de Maio de 2011, realizada no Tribunal de Trabalho da Guarda e assinada pelo Dr. (…), o seguinte:«(…) TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
Aberta a audiência de Julgamento, o Sr. Juiz exortou as partes à conciliação, tendo estas requerido um prazo não inferior a meia hora para conversações, o que o Sr. Juiz deferiu.
Findo o prazo e sendo as 14:50 horas, vieram as partes e os seus ilustres mandatários, os quais declararam ter chegado a acordo nos termos da seguinte: TRANSACÇÃO
1- O autor J (…) reduz o pedido para €13.500,00 (treze mil e quinhentos Euros), quantia que a ré S (…) Ld.ª, se obriga a pagar-lhe, a título de compensação global pela cessação do contrato, pondo assim termo ao litígio dos autos; (…)
SENTENÇA
A transacção que as partes fizeram lavrar em acta é válida pelo seu objecto e pela qualidade dos intervenientes. Assim, e apesar do disposto nos artigos 51º/1 e 2, 70º/1 do Código de Processo de Trabalho, decido, nos termos dos artigos 300º/4 do Código de Processo Civil e 1248º do Código Civil, homologá-la por sentença, condeno e absolvendo nos seus precisos termos. (…)».
39) J (…)S trabalhou ao serviço da Insolvente, nas instalações descritas em 62).
40) Do acordo descrito em 38), a Insolvente não pagou a J (…) a quantia de €11.900,00 (onze mil e novecentos euros), acrescida entretanto de €328,64 (trezentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de juros de mora, à data de 14 de Junho de 2012.
41) J (…) procedeu ao pagamento de €424,56 (quatrocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de honorários ao Agente de Execução, no âmbito de uma acção executiva intentada na sequência da acção judicial referida em 38).
            42) Consta de documento junto aos autos, denominado «CONTRATO DE TRABALHO SEM TERMO», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, datado de 02 de Maio de 2005, o seguinte: «(…) Entre: M (…) (…) E a Firma: S (…) LDA, (…) é feito um contrato de trabalho sem termo e regido pelas seguintes cláusulas que ambas as partes se obrigam a cumprir--------------------------
1- O primeiro outorgante obriga-se pelo presente contrato a dar à segunda outorgante o concurso do seu trabalho na profissão de ENGENHEIRO MECÂNICO, mediante o ordenado mensal de 749.40 EUROS-----------
2- O trabalho da primeira outorgante é prestado nas instalações da segunda outorgante sita em (...)- Guarda e nas obras a executar por todo o país. ------------------ (…)».
43) Consta da missiva junta aos autos por M (…) datada de 30 de Novembro de 2011, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte:
« Exmo. Sr.: Gerente da Firma D (…), Lda
Eu, M (…), venho por este meio rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho que me liga a esta empresa por falta de pagamentos dos salários dos meses de Agosto de 2011, Setembro de 2011, Outubro de 2011 e Novembro de 2011. Aproveito a mesma, para solicitar que nos termos do artigo 43º do Decreto de Lei 220/2006, de 3/12 e artigo 341 do Código do Trabalho, se digne a passar-me, no prazo legal de cinco dias úteis, a declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044-DGSS, sob pena de, havendo recusa, ter de recorrer ás[sic] entidades competentes. (…)
RECEBI O ORIGINAL EM 02/11/2011 [manuscrito] (…)».
44) Consta um documento junto aos autos, por M (…) datado de 29 de Julho de 2011, denominado «Recibo de Remunerações Nº 1580», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde, nomeadamente, se lê: «(…) Nome: M (…) (…) (…) Vencimento Base: 749,40 (…) Remunerações Descontos Ordenado Base 749,40 Imposto S/Rendimento 6,00% 49,00 Subsídio de Refeição 21,00 4,40 92,40 Segurança Social 11,00% 90,68 Subs./Produção 75,00 (…)».
45) O documento descrito em 42) foi assinado por M (…)como «PRIMEIRO OUTORGANTE» e pelo representante da Insolvente como «SEGUNDO OUTORGANTE».
46) A missiva descrita em 43) foi entregue por M (…) à Insolvente, que a recebeu, tendo o seu representante assinado a mesma.
47) M (…) trabalhou ao serviço da Insolvente.
48) À data indicada em 43), M (…) trabalhava nas instalações descritas em 62).
49) A Insolvente não pagou a M (…) os vencimentos referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2011.
50) A Insolvente não pagou a M (…)o subsídio de Natal e o subsídio de férias relativos ao ano de 2011.
51) A Insolvente não pagou a M (…) os proporcionais de férias e de subsídio de férias relativos ao ano de 2012.
52) A Insolvente não pagou a M (…) qualquer quantia a título de indemnização.
            53) Consta do documento apresentado pelo Credor V (…)denominado «CONTRATO DE TRABALHO», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) Entre: V (…) (…) E a Firma: S (…), Lda, Contribuinte n.º500 927 863, com sede na (...) N.º18 – (...) – Guarda, é feito um contrato de trabalho regido pelas seguintes cláusulas:
1ª. A primeira outorgante obriga-se pelo presente contrato a dar à segunda outorgante o concurso do seu trabalho, na profissão de Oficial de 1ª, mediante o ordenado mensal de Esc.:50.200$00 ----------------------------
2ª. O trabalho da primeira outorgante é prestado nas oficinas e obras a que a segunda outorgante está a proceder no Concelho da Guarda. ------------------------------- (…)».
54) Consta de missiva manuscrita junta aos autos, por V (…), datada de 9 de Abril de 2010, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte:
« Exmo Senhor Gerente da Firma S (…), Lda
Eu, V (…) venho por este meio rescindir o contrato de trabalho que me liga a essa empresa, com justa causa, por ter em atraso o pagamento dos salários dos meses de Janeiro de 2010, Fevereiro de 2010 e Março de 2010.
Aproveito a mesma para solicitar que nos termos do artigo 43º do Dec. Lei 220/2006, de 3/12, e artigo 341 do Código do Trabalho, se digne passar-me, no prazo legal de cinco dias úteis, a declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044-DGSS, sob pena de, havendo recusa, ter de recorrer às entidades competentes. (…)».
55) Consta de sentença (transitada em julgado) junta aos autos, assinada electronicamente pelo Dr. (…), do Tribunal do Trabalho da Guarda e data de 27 de Janeiro de 2011, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) A transacção celebrada entre o autor V (…) e a ré S (…), L.da, formalizada através do termo junto a folhas 37-38 dos autos, é valida, quer atendendo ao seu objecto (direitos disponíveis), quer à qualidade das pessoas que nela intervieram (o autor e o legal representante legal da ré). Assim, nos termo das disposições conjugadas dos artigos 293º n.º2, 299º n.º1 “a contratio sensu” e 300º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil (“ex vi” artigo 1º n.º1 al. a) do Código de Processo de Trabalho), decido homologar, por sentença, a mencionada transacção, condenando e absolvendo nos seus precisos termos. (…)».
56) Consta junto da sentença transcrita em 52), documento escrito, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê: «(…) V (…),, autor nos autos à margem identificados e S (…) Lda., ré nos presentes autos, acordam o seguinte:
1. O autor reduz o seu pedido para a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), imputados a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, que a ré aceita pagar.
2. A ré obriga-se a pagar a quantia supra referida em 30 prestações mensais e sucessivas no valor de €400,00/cada; (…)».
57) O documento descrito em 53) foi assinado por V (…) e pelo representante da Insolvente.
58) A missiva descrita em 54) foi entregue por V (…)à Insolvente, que a recebeu.
59) V (…) trabalhou ao serviço da Insolvente.
60) À data indicada em 54), V (…) trabalhava nas instalações descritas em 62).
61) Do acordo descrito em 56) a Insolvente não pagou a quantia de €9.200,00 (nove mil e duzentos euros).
62) Consta de documento junto aos autos, denominado «Certidão Permanente», cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) Conservatória do Registo Predial de Freguesia Guarda (Sé) Guarda (...)/19951018 – A (…) DESCRIÇÃO FRACÇÃO AUTÓNOMA
COMPOSIÇÃO: CAVE Rendimento Colectável: 54.000,00 Escudos (…) AVERB. - AP. 1464 DE 2009/01/19 12:01:04 UTC – Actualização Registado no Sistema em: 2009/01/19 12:01:04 UTC DA APRESENT. 4 de 1982/01/26 – Aquisição SUJEITO (S) ATIVO (S): **S (…) LDA NIPC (...) Sede: (...), Bairro das (...) Localidade: Guarda (…) AP. 3060 DE 2009/07/03 14:29:47 UTC – Hipoteca Voluntária Registado no Sistema em: 2009/07/03 14:29:47 UTC PROVISÓRIO POR NATUREZA – Artigo 92º nº1 al. i) (…) CAPITAL: 90.000,00 Euros MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 135.315,00 Euros CONFIRMADO EM: 2009/07/06
SUJEITO (S) ATIVO (S): ** K..., S.A. NIPC: (...) (…)
SUJEIRO (S) PASSIVO (S): ** S (…)LDA NIPC (...) (…)
AVERB. – AP. 4881 DE 2009/12/30 16:25:53 UTC – Conversão em Definitiva (…)
AP. 109 de 2011/11/10 09:33:00 UTC – Penhora Registado no Sistema em: 2011/11/10 09:33:00 UTC DATA DA PENHORA: 2011/11/10 QUANTIA EXEQUENDA: 11.923,47 Euros
SUJEITO (S) ATIVO (S): ** (…) (…)
SUJEITO (S) PASSIVO (S): ** S (…)Processo nº321/10.4TTGRD-A da Secção Única do Tribunal de Trabalho da Guarda (…)».
Aditam-se os seguintes factos:
63. A S (…)Ldª foi declarada insolvente por sentença de 26 de Abril de 2012.
64. Encontra-se apensa ao processo de insolvência, sob o apenso B, a execução fiscal nº 1228201001028030, em que a insolvente é executada.
65. Em tal execução teve lugar em Janeiro de 2012 a venda do imóvel identificado em 62), que foi adjudicado à K..., S.A., tendo sido depositada a quantia de € 42.000,00 como valor da venda.
66. O imóvel em questão era aquele em que a insolvente exercia a sua actividade.
IV. Razões de Direito
- do preço respeitante à venda não pertencer à insolvente, não devendo por isso verificar-se a remessa da execução ao processo de insolvência nos termos do artº 85º nº 2 do CIRE.
A decisão sob recurso considera apreendida para a massa insolvente o produto da venda do imóvel identificado nos autos, destinado à actividade desonvolvida pela insolvente, no valor de € 42.000,00 e que resulta de venda que teve lugar em processo de execução fiscal que se encontra apenso a estes autos.
Na verdade, esta questão vem agora a ser colocada pela Recorrente pela primeira vez. Até agora, nunca a mesma se insurgiu nem quanto ao facto da execução fiscal ter sido apensa ao processo de insolvência, nem quanto ao facto do produto da venda do imóvel que pertencia à insolvente ter sido apreendido para a massa. Aliás, quando a Recorrente vem impugnar a lista de créditos elaborada pelo Sr. Administrador, com referência aos créditos dos trabalhadores da insolvente, o que a mesma refere é que, apreendido que seja o produto da venda do imóvel, não assiste aos trabalhadores qualquer direito e/ou privilégio sobre tal montante, para ser pago em primeiro lugar face ao crédito da impugnante, uma vez que o imóvel já foi vendido e à data da reclamação já não era pertença da insolvente.
De qualquer modo, afigura-se que a Recorrente não tem razão, em face da norma especial que constitui o artº 149 nº 2 do CIRE que dispõe que: “Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou por eles repartido.”
Na verdade, nas suas alegações a Recorrente discorre sobre a questão de saber a quem pertence o produto da venda depositado em sede de processo executivo, mas parece esquecer o artº 149 nº 2 do CIRE, já que nunca o refere, norma esta que vem ultrapassar essa mesma questão, ao impor a apreensão do produto da venda dos bens da insolvente, que ainda não tenha sido pago ou repartido pelos credores.
No caso em presença é certo que a venda do imóvel da devedora teve lugar no âmbito do processo de execução em data anterior à sua declaração de insolvência, já não existindo tal bem no seu património, de forma a poder ser apreendido para a massa; no entanto, encontra-se depositado naquele processo a quantia de € 42.000,00 relativa ao preço da venda do mesmo, que ainda não foi atribuída aos credores. E, nesta medida, em face da imposição do artº 149 nº 2 do CIRE, tal quantia tem de ser apreendida para a massa- neste sentido decidiram também, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02/03/2010 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/10/2012, ambos in. www.dgsi.pt
Ora, a partir do momento em que o produto da venda tem de ser apreendido para a massa, o processo de execução deve ser requisitado para ser apensado ao processo de insolvência, de acordo com o estabelecido no artº 85 nº 2 do CIRE que determina que o juiz requisita, a fim de ser apensado ao processo de insolvência, todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
Aliás, a execução nem poderia prosseguir, nomeadamente com o pagamento aos credores, atento o disposto no artº 88 nº 1 do CIRE que prevê que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam bens integrantes da massa e obsta ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
Por força do artº 149 nº 2 do CIRE o produto da venda ainda não atribuído aos credores é apreendido para a massa, o que se percebe, uma vez que o valor de venda de um bem surge como contrapartida do próprio bem, sendo certo que o bem vendido passa a integrar o património do licitante, por lhe ter sido adjudicado. Daqui resulta que, mesmo depois de ter sido vendido um bem do insolvente, no âmbito de uma acção executiva, não só é possível como deve ter lugar a apensação desta ao processo de insolvência, nos termos do artº 88 nº 1 do CIRE, desde que o produto da venda se encontra depositado à ordem do processo e ainda não tenha tido lugar o pagamento dos credores, pelo facto de tal produto da venda ter de ser apreendido para a massa insolvente.
- dos créditos dos trabalhadores da insolvente não beneficiarem de privilégio sobre o produto da venda do imóvel adjudicado à Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal.
Alega a Recorrente que, uma vez que o imóvel onde os trabalhadores da insolvente exerciam a sua actividade não foi apreendido para a massa, por já ter sido vendido à data da declaração da insolvência, não pode reconhecer-se aos seus créditos a preferência no pagamento pelo produto da venda do mesmo. Refere que o produto da venda deve ser utilizado apenas para satisfação dos créditos que no âmbito de tal processo executivo se encontram efectivamente garantidos.
Ao efectuar a graduação dos créditos, a sentença recorrida determinou quanto ao produto da venda do imóvel, graduar para serem pagos em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores da insolvente reconhecidos nos autos e em segundo lugar o crédito da Recorrente, concluindo que, por força do disposto no artº 824 nº 3 do C.Civil o privilégio imobiliário especial dos trabalhadores reclamantes se transfere para o produto da venda do imóvel.
Vejamos.
Em face dos factos que resultam provados, não existem dúvidas de que o imóvel vendido no âmbito do processo executivo era aquele em que os trabalhadores da insolvente exerciam a sua actividade, encontrando-se apreendido nos autos o produto da venda do mesmo em tal execução.
Os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, gozam de privilégio imobiliário especial, nos termos do disposto no artº 333 nº 1 b) do C. Trabalho, sobre os imóveis da sociedade insolvente onde exerciam a sua actividade, onde se inclui o imóvel vendido no processo de execução, impondo-se até à hipoteca, de acordo com o disposto no artº 751 do C.Civil, na redacção do Decreto Lei nº 38/2003 de 8 de Março.
Diz a sentença recorrida, a nosso ver bem, citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/02/2012, disponível in. www.dgsi.pt que: “A venda executiva produz, entre outros, um efeito extintivo e um efeito sub-rogatório. Os bens alienados através dela são transmitidos livres de direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais de garantia que não tenha registo anterior ao de qualquer arresto, penhora, ou acto equivalente, ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente do registo (artº 824 nº 2 do Código Civil).
Assim, se os bens penhorados e vendidos estiverem onerados, por exemplo, com uma hipoteca, um privilégio creditório ou um direito de retenção, o comprador adquire-os desonerados destas garantias reais (artº 824 nº 2, 1ª parte, do Código Civil).
Os direitos reais de terceiro que se extinguem com a venda executiva transferem-se para o produto da venda dos bens penhorados ou apreendidos: dá-se, assim, ope legis, uma sub-rogação objectiva ou real, dado que o direito passa a ter como objecto o produto apurado com a venda daqueles bens (artº 824 nº 3 do Código Civil). Relativamente aos direitos reais de garantia, o produto daquela venda exerce uma função solutória: ele é utilizado para satisfazer os créditos que se encontravam garantidos pelo direito que se extinguiu com aquela venda.“
            Em face do exposto, constata-se que o produto da venda deverá então ser utilizado para a satisfação dos créditos garantidos pelo direito que se extinguiu com a venda.
            A Recorrente defende que são apenas os créditos garantidos que se encontrem reclamados em tal processo onde é realizada a venda que deverão ser contemplados com o produto da venda do bem. Contudo, tal distinção a lei não a faz, em concreto o artº 824 nº 3 do C.Civil diz-nos que: “Os direitos de terceiro que caducarem, nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.” Estes direitos, de acordo com o nº 2, são os direitos de garantia que oneram os bens vendidos, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente de registo. No âmbito desta norma integra-se, naturalmente a hipoteca da Recorrente, que caduca, transferindo-se o seu efeito para o produto da venda, mas também os privilégios imobiliários especiais que incidem sobre o imóvel vendido.
            Senão vejamos.
            De acordo com o artº 686 nº 1 do C.Civil a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certa coisa, imóvel ou equiparada, do devedor ou de terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Por seu turno, de acordo com a noção do artº 733 do C.Civil: “Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.”
Os privilégios creditórios podem ser gerais ou especiais, conforme recaiam sobre um conjunto de bens ou sobre um bem determinado, de acordo com a distinção feita pelo artº 735 do C.Civil. Só estes últimos são direitos reais- vd. neste sentido, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in. As Garantias Especiais das Obrigações, pág. 331.
Assim, tanto a hipoteca como o privilégio creditório especial que incide sobre um bem em concreto, são direitos reais de garantia, na medida em que há uma afectação de determinado bem ao crédito que por ele é abrangido, concedendo ao credor uma situação de preferência relativamente a outros.
Diz-nos com toda a propriedade o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/02/2012, in. www.dgsi.pt :”Os privilégios – mobiliários - gerais constituem-se apenas no momento da penhora ou acto equivalente, não pressupõem uma relação entre o crédito e a coisa garante, não são oponíveis a direitos reais e não traduzem qualquer afectação específica de bens (artº 733 nº 2 e 749 do Código Civil). Inversamente, os privilégios especiais – mobiliários e imobiliários – constituem-se no momento da formação do crédito garantido, assentam numa relação entre o crédito e a coisa que o garante e são oponíveis a direitos reais (artºs 750 e 751 do Código Civil). São, portanto, verdadeiros direitos reais de garantia.”
            Verifica-se assim que tanto a Recorrente, por ser titular de um crédito garantido por hipoteca, vê transferido para o produto da venda o seu direito que caduca por força da venda em execução, como isso também acontece com os credores que detêm um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel vendido, verdadeiro direito real de garantia e na medida em que tal privilégio se constituiu no momento da aquisição do crédito e não precisa de ser registado, sendo por isso igualmente abrangido pela previsão do artº 824 nº 2 e nº 3 do C.Civil.
            Nestes termos, transferindo-se para o produto da venda quer o direito do credor hipotecário, quer o direito dos trabalhadores pelos créditos laborais, devem estes ser graduados à frente daquele, atento o disposto no artº 751 do C.Civil que dispõe que os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca, ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
Invoca ainda a Recorrente a violação do princípio da confiança, ínsito do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artº 2º da CRP, ao reconhecer-se o privilégio aos créditos dos trabalhadores, para serem graduados e pagos em primeiro lugar sobre o produto da venda do imóvel vendido na execução.
A questão da inconstitucionalidade da alínea b), do nº 1, do artº 377 do C. Trabalho, tem vindo já a ser profusamente debatida na nossa jurisprudência, como já anteriormente o havia sido a propósito da alínea b) do nº 1 do artº 12º da Lei 17/86 na interpretação, segundo a qual, o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artº 751º do Código Civil. Já a esse respeito se havia pronunciado, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 498/2003, de 22.10.03, publicado no DR de 03/01/2004, II Série vindo a fazê-lo no sentido de de considerar tal interpretação conforme à constituição.
Em tal acórdão refere-se: “O princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança que decorrem do princípio do Estado de direito democrático constante do art. 2º da Constituição da República credenciam a prevalência registral (…). Do outro lado, porém, encontra-se um direito constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, o direito à retribuição do trabalho, que visa «garantir uma existência condigna», conforme preceitua o art. 59º,n.º 1, al. a) da Constituição, e que o Tribunal Constitucional já considerou como direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (…). O caso dos autos coloca-nos assim perante uma situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o direito dos trabalhadores à retribuição do trabalho, e o princípio geral da segurança jurídica e da confiança no direito”. Ponderadas as exigências do princípio da proporcionalidade, perante a natureza dos direitos conflituantes, concluiu-se “dever entender-se que a restrição do princípio da confiança operada pela norma impugnada não encontra obstáculo constitucional”.
            Aliás o Tribunal Constitucional já se pronunciou em concreto, sobre a al. b) do nº 1 do artº 377 do C. Trabalho, no Acórdão nº 335/08 de 19/06/2008, in. www.tribunalconstitucional.pt no sentido de tal norma ser conforme à constituição, com argumentação com a qual se concorda na íntegra e para a qual se remete.
Aí se refere: “Mas, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se entendesse que a recorrente era titular de uma expectativa atendível de que o seu crédito preferia sobre os créditos dos trabalhadores da devedora, em caso de falência desta, tal expectativa deveria ceder perante a sua ponderação com o interesse que motivou a valorização da garantia legalmente atribuída aos créditos laborais.
O regime previsto no art. 377.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, destinou-se nitidamente a melhorar a graduação concedida aos créditos laborais no confronto com outros direitos reais de garantia.
Ora, os salários devem gozar expressamente de garantias especiais segundo a Constituição pelo que o legislador ordinário está constitucionalmente credenciado para limitar ou restringir os direitos patrimoniais dos demais credores para assegurar aquele desiderato (artigo 59.º, n.º 3 da C.R.P.).
Aliás, com o objectivo de reforçar a ténue tutela do salário inicialmente prevista no art. 737.º, n.º 1, al. d), do Código Civil de 1966, tem sido o que tem acontecido sucessivamente com as intervenções legislativas consubstanciadas na aprovação do regime constante do art. 12.º da Lei 17/86 e das suas ulteriores alterações, entre as quais se conta o próprio regime previsto no art. 377.º do Código do Trabalho.
Esta última intervenção do legislador procurou sobretudo evitar que, numa situação de falência da entidade empregadora, os créditos laborais não obtivessem pagamento pelos bens da falida, face a uma preferência dos créditos garanti­dos por hipoteca, os quais, muito frequentemente, pelo seu valor elevado, exaurem a massa falida, colocando a sobrevivência condigna dos trabalhadores e seus agregados familiares em risco.
“A protecção especial de que beneficiam os créditos salariais advém – como refere NUNES DE CARVALHO – da consideração de que a retribuição do trabalhador, para além de representar a contrapartida do trabalho por este realizado, constitui o suporte da sua existência e, bem assim, da subsistência dos que integram a respectiva família.
(…) Esta especial consideração pelos créditos laborais afasta qualquer juízo de arbitrariedade sobre a aplicação retrospectiva da norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 377.º, do Código Trabalho, com a consequência dos créditos laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador onde o trabalhador preste a sua actividade prevalecerem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal, desde que a data do evento que determinou o concurso entre os dois tipos de créditos – a falência do devedor-empregador – seja superveniente.”
Em face do exposto, conclui-se que não viola o princípio constitucional consagrados no artº 2º da CRP, o artº 333 nº 1 b) do C. do Trabalho quando interpretado no sentido de dever prevalecer o crédito dos trabalhadores garantido por privilégio imobiliário especial que incide sobre o imóvel onde os mesmos exerceram a sua actividade, não obstante o mesmo seja objecto de hipoteca constituída e registada em data anterior à entrada em vigor desta norma. Neste sentido, decidiram já também, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação Lisboa de 26/03/2009, do Tribunal da Relação de Guimarães 12/05/2011, do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2009 e de 11/09/2012, todos in. www.dgsi.pt
Não há por isso qualquer censura a fazer à decisão sob recurso.
V. Sumário
1. Se teve lugar a venda do imóvel da devedora, no âmbito de acção executiva, em data anterior à sua declaração de insolvência, o produto da venda do mesmo, que ainda não foi pago ou repartido pelos credores, tem de ser apreendido para a massa, em face da imposição do artº 149 nº 2 do CIRE.
2. A partir do momento em que o produto da venda tem de ser apreendido para a massa, a acção executiva deve ser requisitado para ser junta ao processo de insolvência, de acordo com o estabelecido no artº 85 nº 2 do CIRE.
3. Tanto a hipoteca como o privilégio creditório especial que incide sobre um bem em concreto, são direitos reais de garantia, na medida em que há uma afectação de determinado bem ao crédito que por ele é abrangido, concedendo ao credor uma situação de preferência relativamente a outros.
4. Os credores que detêm um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel vendido, verdadeiro direito real de garantia e na medida em que tal privilégio se constituiu no momento da aquisição do crédito e não precisa de ser registado, vêm os seus direitos transferidos para o produto da venda, sendo abrangidos pela previsão do artº 824 nº 2 e nº 3 do C.Civil.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
                                                           *
                                               Coimbra,
                                              

Maria Inês Moura (relatora)
Luís Cravo (1º adjunto)
Maria José Guerra (2º adjunto)