Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/10.4T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAR
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV SEVER DO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.427 C COMERCIAL, DL Nº 176/95 DE 26/7, DL446/85 DE 22/10, DL Nº 222/2009 DE 11/9
Sumário: 1. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova - artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho - artigo 78.° do DL 72/2008, de 16 de Abril (com o mesmo âmbito do anterior) e pelo artigo 342.° do Código Civil.

2. O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Ré Seguradora, e em que o Banco tomador apenas assume o papel de intermediário, no caso, para a aceitação deste contrato pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações entretanto introduzidas pelos Decretos-Leis 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 07 de Julho).

3. Apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do DL 446/85.

4. O facto de o Banco tomador não ter sido demandado nos autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente.

5. Celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo (seguro de vida, associado a um crédito à habitação, sendo mutuário uma pessoa singular), com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais o segurado se limitou a aderir, pode convocar-se para a resolução do litígio o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 220/95, de 31/08 e Dec. Lei 249/99 de 07/07.

6. O art. 4º do Dec. Lei 176/95 de 26/07 (com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 60/2004 de 22 de Março) tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora, definindo a cargo de quem — entre o tomador de seguro e a seguradora — fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, as cláusulas de exclusão etc; A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, estabelecendo uma norma delimitadora susceptível de derrogação por aquelas partes (n°4 do preceito), sendo o segurado alheio a esta equação, relevando ainda o preceito porquanto dele se infere, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.

7. Não se provando a comunicação de uma cláusula do contrato de seguro, alusiva ao âmbito da cobertura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele normativo (art 4º do Dcc. Lei 176/95) para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro — o que não impede que o possa fazer perante a entidade bancária, beneficiária da prestação.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

AUTORA

M (…), casada, inválida, Contribuinte Fiscal n°. (...) , residente no (...) , freguesia de (...) , concelho de Sever do Vouga.

Intentou a presente acção contra

RÉ:

1 - “COMPANHIA DE SEGUROS A (...), 5. A.”, Empresa Seguradora, Pessoa Colectiva n° (...) , com sede no (...) , n° (...) , (...) Lisboa.

2- “B (...) SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.”, Empresa Seguradora, Pessoa Colectiva n° (...) , com sede na Rua (...) , n° (...) Lisboa.

Alegando, para o efeito, que padece actualmente de esclerose múltipla,

Que a impede em absoluto de exercer qualquer actividade laboral.

De facto, foi diagnosticado à Autora, em Julho de 2003, a referida doença (esclerose múltipla),

A Autora está numa situação de elevada e irrecuperável incapacidade permanente,

Que a afecta em todas as suas funções físicas e psíquicas.

A Autora e o seu marido A (…), este na qualidade de “pessoa segura” e aquela na qualidade de “pessoa segura”, celebraram com a 1 Ré (então “COMPANHIA DE SEGUROS C (...) um Contrato do ramo “crédito à habitação seguro de vida grupo”, titulado pela apólice n° 16.000596,

Através do qual garantiam;

— Em caso de vida com Invalidez Total e Permanente por Doença (ou por acidente) da pessoa segura, e em caso de falecimento, o Q (...) até ao montante de € 23.602,37 (vinte e três mil, seiscentos e dois euros e trinta e sete cêntimos) e juros, relativo a um empréstimo contraído pela Autora (e marido) junto daquele Banco, com o n° (...) (doc. no. 2).

A situação clínica da Autora deve-se a causa exterior estranha à vontade da Segurada,

E acarretou à Autora lesões graves e irreversíveis, clínica e objectivamente constatáveis,

Que determinaram a Invalidez Absoluta e Permanente da mesma,

Situação que é abrangida pelas coberturas da apólice,

O que confere à Autora o direito a haver da Ré Seguradora a indemnização devida pelo capital e juros do empréstimo em débito desde Julho de 2003, data do início da incapacidade definitiva daquela (A).

A Autora efectuou, através do seu marido e outros familiares, múltiplas diligências no sentido de ser indemnizada de acordo com os termos e condições da apólice,

No decurso das quais a Ré “ A (...) ” a informou de que “a gestão dos seguros garantindo os processos de empréstimo contraídos na entidade Bancária da qual V Exa é cliente, ter passado a ser efectuada pelo B (...) Seguros “,

Que, quando contactado, igualmente declinou a sua responsabilidade.

Procedeu ao CHAMAMENTO À INTERVENCÃO, invocando que a Apólice de Seguro em causa garante, em caso de vida da pessoa segura com Invalidez total e permanente por doença (ou por acidente) e em caso de falecimento, o pagamento ao “ Q (...) , S.A.” até ao montante do capital em dívida, relativamente a empréstimo contraído pela Autora e marido,

De onde que o “ Q (...) , S.A.” tem interesse igual ao da Autora na presente acção — art°. 321° do C. P. Civil,

TERMOS EM QUE:

A) — Deve a presente Acção ser julgada procedente, por provada, e as Rés condenadas:

I. A pagar ao Q (...) os montantes a que este teria direito do capital e juros do empréstimo em dívida à data de Julho de 2003, deduzido das quantias a que a Autora tem direito de reembolso, relativas aos pagamentos da responsabilidade da Seguradora, e por esta (Autora) indevidamente pagas desde Julho de 2003 até à data do trânsito em julgado da Sentença.

II. A pagar à Autora o montante que se vier a liquidar, relativo às quantias pagas ao “ Q (...) , S.A.” indevidamente desde a data da baixa definitiva da Autora (Julho de 2003), até à data da Sentença a proferir nestes Autos, o qual haverá de ser deduzido dos montantes a que o “ Q (...) , S.A.” tenha direito desde a mencionada data até à da distribuição desta acção, quanto às já pagas, e até à data da Sentença quanto às que ainda forem pagas pela Autora.

III. A pagar juros à taxa legal, sobre o capital indemnizatório, a contar da data da baixa definitiva da Autora.

B) — Tudo com custas e procuradoria condigna a cargo das Rés.

Regularmente citadas,

Companhia de Seguros A (...) — SA, pessoa colectiva no (...) , com sede no (...) no (...) , em Lisboa, Ré nos autos melhor identificados em epígrafe, veio deduzir CONTESTAÇÃO, considerando que não existindo, na data em que ocorreu o sinistro, seguro válido na R., deverá o pedido contra ela deduzido improceder.

Por sua vez, em contestação diz o B (...) SEGUROS que, para que um segurado possa beneficiar da cobertura de invalidez total e permanente, tem que ter um grau de incapacidade reconhecida de 75%, pelo que sempre a pretensão da A improcede.

Na réplica, veio a A. considerar deverem ser julgadas improcedentes, por não provadas, as excepções deduzidas pelas Rés, com as legais consequências, requerendo a alteração (correcção! ampliação) do pedido, nos termos aí expressos.

BANCO B (...), SA., chamado nos autos à margem identificados em que é A. M (…), veio deduzir o seu ARTICULADO, invocando que, o Q (...) S.A. alterou a sua denominação social, para BANCO B (...) , S.A., pessoa colectiva n°(...) , com sede na Rua (...) Lisboa, registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° (...) , com o capital social de € 589.810.510,00,

Mais dizendo que apesar do teor dessa cláusula, o banco chamado não se pode pronunciar sobre a questão suscitada nestes autos — celebração ou não celebração do contrato de seguro de vida — uma vez que, não obstante a sua qualidade de beneficiário desse seguro, desconhece se de facto o mesmo foi ou não aceite pela seguradora.

Sendo que, entre essa data e 30.06.20 10, a A. pagou ao chamado, a título de capital e juros, os montantes constantes do mapa que se junta e aqui se reproduz para todos os efeitos legais - Doc. n° 1.

E sendo que nessa data — 30.06.2010 - o capital em dívida ascendia a € 17.792,99.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

“(…) a partir da intervenção o Q (...) passou a gozar de todos os direito dos autores, assumindo ele próprio a posição de autor — art.° 322° do Código de Processo Civil.

Assim, ainda que se viesse a apurar ser o Q (...) responsável perante os autores pelo ressarcimento dos danos por estes sofridos, tendo o banco sido chamado para intervir ao lado dos autores, que não da ré, não sendo aqui demandado, não havendo também contra ele qualquer pedido, não pode, nesta acção, ser apreciada a sua eventual responsabilidade civil.

Face ao exposto, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo as Rés do pedido.

Custas pelos Autores”.

M (…), Autora nos Autos à margem cotados, em que são Rés “COMPANHIA DE SEGUROS A (...) , S.A.” e “ B (...) SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.”, inconformada com a Sentença proferida a 30.06.2011 (Ref 11620929), veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

1 — É precisamente em virtude da estreita ligação entre ambos os contratos (celebrado entre seguradora/tomador e o celebrado posteriormente com os aderentes) que a seguradora não se pode eximir à sua responsabilidade com fundamento em ser o cumprimento devido ao Banco por isso esteve mal o Tribunal de 1ª Instância.

2 — Estamos igualmente perante um contrato de adesão, ainda que seja um contrato de seguro de grupo celebrado entre a Seguradora, o Banco (enquanto tomador de seguro) e a Autora (enquanto segurada); um contrato proposto pelo Banco à Autora, contrato esse que contém claramente cláusulas contratuais gerais — por isso sujeito à disciplina do Dec. Lei n° 446/85, beneficiando deste regime as partes contratantes.

3 — Ora, nos termos do regime geral das cláusulas contratuais gerais cabe à Seguradora a obrigação de comunicar na íntegra as cláusulas ao aderente, o segurado — o 5°, nºs 1 e 2 do citado diploma legal — ficando onerada com a prova daquela comunicação efectiva e adequada (art° 5°, n° 3).

4 — Todo o raciocínio plasmado no aresto sob censura se desenvolve à volta da ideia de que, face ao preceituado no art° 4° do DL 176/95, era ao Tomador de Seguro que cabia informar a Autora de todas as cláusulas (não só as coberturas como as exclusões), daí que, sendo os pedidos formulados contra a Seguradora e como a esta nenhuma falha pode ser apontada, teria a acção de improceder.

5 — Tal raciocínio está errado, pois que a falta de informação e comunicação das cláusulas também é um dever da Seguradora (decorrente do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), pelo que qualquer erro/lapso/falha do tomador de seguro nessa comunicação das cláusulas terá de ser dirimido no âmbito das relações entre Seguradora e Tomador, não podendo ser a mesma oposta ao aderente — neste caso, a Autora.

6 — Por outras palavras: apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador de seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do art. 5° do Dec-Lei no 446/85. Estamos perante obrigações distintas, que decorrem de preceitos legais também eles distintos, como não poderia deixar de ser.

7 — Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, também o facto de contra o Banco Interveniente não ter sido deduzido qualquer pedido não é motivo para a improcedência liminar da acção. Como consta do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.20 11, disponível em www.dgsi.pt “o facto de o banco tomador não ter sido demandado nestes Autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente”.

8 — Assim, tendo sido alegado pela Autora a falta de comunicação da cláusula de exclusão relativamente à incapacidade, sujeita a prova, naturalmente, em sede própria, nada mais restava ao Tribunal senão, finda a fase dos articulados, proferir despacho saneador e remeter os Autos para julgamento.

9 — Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art°s. 1°, 5°, 8° e 9° do DL 446/85 de 25.10, o art° 227° do Cód. Civil e o art° 4° do Dec-Lei n° 176/95 de 26.07, dos quais fez uma errada interpretação e / ou aplicação.

Não foram produzidas contra alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais com interesse para a decisão da causa que:

A Autora e o seu marido A (…), este na qualidade de 1 pessoa segura” e aquela na qualidade de “ pessoa segura”, celebraram com a 1 Ré (então “COMPANHIA DE SEGUROS C...”), um contrato do ramo “crédito à habitação seguro de vida grupo”, titulado pela apólice n° 16.000596,

Através do qual garantiam:

Em caso de vida com Invalidez Total e Permanente por Doença (ou por acidente) da pessoa segura, e em caso de falecimento, o Q (...) até ao montante de € 23.602,37 (vinte e três mil, seiscentos e dois euros e trinta e sete cêntimos-) e juros, relativo a um empréstimo contraído pela Autora (e marido) junto daquele Banco, com o n° (...) (doc. no. 2).

Na decisão de fls.182 ss. apreciou-se que:

“(…) O pedido dos autores tem como causa de pedir o seguro por estes outorgado.

Trata-se de um seguro de grupo contributivo regulado pelo Decreto-Lei n° 176/95, de 26 de Julho.

O seguro de grupo como o que está em causa nestes autos, outorgado pela seguradora e pelo Q (...) , caracteriza-se por ser celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum. Que, no caso em apreço, seria a obtenção de crédito hipotecário no banco tomador do seguro, o Q (...) .

O contrato de seguro, conforme resulta da documentação junta e é aceite pelas partes, foi celebrado com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que os segurados se limitaram a aceitar. Estamos, pois, no domínio das cláusulas contratuais gerais, cujo regime se encontra fixado no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 220/95, de 31 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.° 249/99, de 7 de Julho.

O contrato celebrado pela seguradora e pelo banco constitui um contrato de adesão, sujeito, genericamente, ao regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais. Isto apesar do controlo prévio do clausulado nos seguros por banda do Instituto de Seguros de Portugal.

Conforme resulta dos documentos juntos, os autores, segurados, não tiveram qualquer participação na discussão do clausulado do mesmo contrato de seguro.

Resulta do documento de fls. 174 que a seguradora aceitou a adesão da autora à apólice mas «com exclusão de invalidez, dado não exercer profissão remunerada».

Exclusão que é a consequência lógica do facto de na proposta de adesão — vide fls. 172 — a autora figurar como sendo «doméstica».

Os autores alegam:

- que se limitaram a assinar a proposta de adesão, tendo a mesma sido preenchida pelo banco;

- que à data da assinatura da proposta a autora trabalhava para a Lactogal S.A.;

- a seguradora não cumpriu com o dever de informação, acerca das coberturas e exclusões contratadas, pelo que o contrato de seguro deve valer sem a norma de exclusão de responsabilidade que não foi regularmente comunicada.

Importa decidir se a cláusula de exclusão do risco de invalidez, com fundamento na circunstância de a autora ser doméstica, é ou não inexistente, nomeadamente pelo facto de a seguradora não ter cumprido o dever de informação”.

Mais aí se apreciando que:

“(…) Existindo violação do dever de informar, os autores podem/devem pedir responsabilidades a quem o não cumpriu, o Q (...) , mas não às rés seguradoras sobre as quais não impendia esse dever.

Assim como inexiste fundamento para as demandar com base em responsabilidade civil na formação do contrato porque, como vimos, o contrato foi celebrado, não com os Autores, mas com o banco.

As seguradoras têm a sua responsabilidade limitada ao risco que aceitaram. No caso, e conforme resulta do documento de ACEITAÇÃO DO RISCO de fls. 174, a seguradora confirmação a aceitação da adesão da Autora ao seguro de grupo às condições normais de tarifa, com exclusão de invalide dado não exercer profissão remunerada.

A aceitação, naqueles termos, do risco foi feita em conformidade com o teor do documento de proposta de adesão assinado pelos Autores — cópia junta a fls. 172/173 — e onde consta expressamente que a Autora é doméstica.

Se se tratou de erro dos Autores ou do banco é matéria que não releva nestes autos. A verdade é que são os próprios Autores quem afirmam que foi o banco quem preencheu o impresso. Logo, um eventual erro só pode ser imputado aos Autores ou ao banco chamado, nunca à seguradora.

Na presente acção os autores requereram na petição inicial a intervenção principal provocada do Q (...) como seu associado. Isto porque aquele banco possui o mesmo interesse que os autores, permitindo o incidente deduzido que a decisão venha a produzir o seu efeito útil normal.

Ora, sobre o âmbito da intervenção principal provocada rege o art. 325.° do Código de Processo Civil, que dispõe que 1. Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

2. Nos casos previstos no art. 31. °-B (13). ‘ pode ainda o autor chamar a intervir o terceiro contra quem pretende dirigir o pedido.

3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento ejust o interesse que, através dele, pretende acautelar.

Com este incidente os autores chamaram a intervir na presente acção, do lado activo o Q (...) .

A partir da intervenção o Q (...) passou a gozar de todos os direito dos autores, assumindo ele próprio a posição de autor — art.° 322° do Código de Processo Civil.

Assim, ainda que se viesse a apurar ser o Q (...) responsável perante os autores pelo ressarcimento dos danos por estes sofridos, tendo o banco sido chamado para intervir ao lado dos autores, que não da ré, não sendo aqui demandado, não havendo também contra ele qualquer pedido, não pode, nesta acção, ser apreciada a sua eventual responsabilidade civil.

Face ao exposto, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo as Rés do pedido”.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

As questões suscitadas consistem em apreciar, no seu referencial de matriz, se:

I.

4 — Todo o raciocínio plasmado no aresto sob censura se desenvolve à volta da ideia de que, face ao preceituado no art° 4° do DL 176/95, era ao Tomador de Seguro que cabia informar a Autora de todas as cláusulas (não só as coberturas como as exclusões), daí que, sendo os pedidos formulados contra a Seguradora e como a esta nenhuma falha pode ser apontada, teria a acção de improceder.

5 — Tal raciocínio está errado, pois que a falta de informação e comunicação das cláusulas também é um dever da Seguradora (decorrente do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), pelo que qualquer erro/lapso/falha do tomador de seguro nessa comunicação das cláusulas terá de ser dirimido no âmbito das relações entre Seguradora e Tomador, não podendo ser a mesma oposta ao aderente — neste caso, a Autora.

6 — Por outras palavras: apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador de seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do O 5° do Dec-Lei no 446/85. Estamos perante obrigações distintas, que decorrem de preceitos legais também eles distintos, como não poderia deixar de ser.

7 — Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, também o facto de contra o Banco Interveniente não ter sido deduzido qualquer pedido não é motivo para a improcedência liminar da acção. Como consta do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.20 11, disponível em www.dgsi.pt “o facto de o banco tomador não ter sido demandado nestes Autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente “.

8 — Assim, tendo sido alegado pela Autora a falta de comunicação da cláusula de exclusão relativamente à incapacidade, sujeita a prova, naturalmente, em sede própria, nada mais restava ao Tribunal senão, fmda a fase dos articulados, proferir despacho saneador e remeter os Autos para julgamento.

9 — Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art°s. 1°, 5°, 8° e 9° do DL 446/85 de 25.10, o art° 227° do Cód. Civil e o art° 4° do Dec-Lei n° 176/95 de 26.07, dos quais fez uma errada interpretação e / ou aplicação.

Apreciando, diga-se - liminarmente - que a questão(ões) que aqui ganha(m) perfil se encontra(m) largamente tratadas em jurisprudência firmada, em termos, também, de dominância decisória. A tal respeito, haverá de convocar-se o perfil dela(s) constituído. Fazendo-o, consigne-se, pressuponentemente (tal como, em essência, feito no Ac. da Relação do Porto, de 12.04.2010, em www.dgsi.pt), que:

 «sendo o seguro de grupo um contrato de seguro deve ser-lhe aplicável, em primeira linha, a legislação relativa a seguros. Na verdade, o seguro de grupo não tinha regulamentação autónoma no nosso quadro legal estando apenas definido no artigo 1 aI. g), do Dec. Lei n.° 176/95, de 26 de Julho, diploma este no qual eram estabelecidas algumas regras específicas (cfr. artigo 4º do mesmo diploma).

Deste modo ao seguro de grupo aplicam-se as regras específicas do ramo que estiver em causa e, como se trata de um contrato, aplicam-se as regras gerais dos contratos.

No entanto, verifica-se a «necessidade de tomar em linha de conta as especificidades do seguro de grupo e, quer por via da interpretação que permita encontrar soluções razoáveis, quer por via da exclusão de aplicação de normas que não sejam compatíveis com a figura do seguro de grupo, terá de se encontrar o seu regime jurídico» [De sublinhar, ainda, que, segundo o artigo 427° do Código Comercial, o contrato de seguro regula-se pelas disposições da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse Código, sendo certo que a apólice é o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e é integrado pelas condições gerais, especiais e particulares acordadas. Além disso, estando em causa um contrato de seguro enquanto contrato de adesão, é inequívoco que teremos que atender também ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais.

Considerando que os contratos de seguro, sendo contratos de natureza formal, são inequivocamente contratos de adesão, estão como tal sujeitos ao regime instituído pelo Dec. Lei 446/85, de 22 de Outubro. Lembre-se que, mesmo após as alterações introduzidas nesse Decreto-Lei em 1995, em 1997 e em 2001, nunca o legislador incluiu nas excepções previstas no artigo 3° a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais aos contratos de seguro. Nem se diga, como já se pretendeu, designadamente as seguradoras, que as cláusulas inseridas nas apólices se encontram abrangidas pela alínea a) do artigo 3° desse Diploma.

Na verdade, o facto de haver controle «prévio por parte do Instituto de Seguros de Portugal do clausulado dos seguros obrigatórios não subtrai, actualmente, esses contratos ao regime do DL n.° 446/85, de 25-10» Em nossa opinião, tais cláusulas não constituem uma cláusula típica aprovada pelo legislador e, como tal, afastada do âmbito de aplicação do Dec. Lei 446/85 (cfr. o seu artigo 3°, aI. a). As apólices, que não são em si mesmas o contrato de seguro apenas o traduzindo, apesar de aprovadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, não são, nem constituem cláusula típica aprovada pelo legislador. Este, se pretendesse afastar do âmbito de aplicação do Dec. Lei 446/85 os contratos de seguro, certamente o teria dito de forma expressa e inequívoca.

Assim, entendemos que o regime de tal Decreto-Lei é aplicável claramente aos contratos de seguro.

Ora, dispõe o artigo 1°, no seu n.° 1 do DL 446/85, (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 220/95, de 31.8, e pelo DL 249/99, de 7.7) que são cláusulas contratuais gerais aquelas que são elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a, respectivamente, subscrever ou aceitar. E no seu n.° 2 prescreve que o presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, acrescentando o seu n.° 3 que, incumbe àquele que pretende prevalecer-se do seu conteúdo, provar que aquela resultou de negociação prévia entre as partes.

Nos termos do art.° 5° n.° 1 do mesmo diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, comunicação esta que deve ser realizada de modo adequado para que se torne possível o seu conhecimento por quem use de comum diligência, (n.° 2 do mesmo preceito). Acrescenta o n.° 3 desse artigo 5° que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais.

Por outro lado, para além de tal comunicação, deve o contraente que a estas cláusulas recorra, informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos, (art.° 6° do diploma em causa). Resulta, ainda, da alínea a) do art.° 8° do diploma referido, que são excluídas dos contratos singulares, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5°, tal como são excluídas, de acordo com a sua alínea b), as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde a que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.

No que respeita à interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais deveremos atender ao disposto no artigo 10.° do diploma em análise, nos termos do qual “as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”.

Por vezes, as cláusulas constantes de um determinado contrato não são claras e precisas pelo que, relativamente às cláusulas ambíguas, o artigo 11.° do diploma em análise, estatui que:

«1- As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.

2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente».

Sucede até que, muitas vezes, o tomador do seguro não é uma pessoa individual, um consumidor, mas sim uma pessoa colectiva, designadamente uma sociedade. Ora, em ambas as situações, o tomador do seguro, ainda assim, pode prevalecer-se do regime das cláusulas contratuais gerais porquanto o Decreto-Lei 446/85 não restringe o seu campo de aplicação» (Ac. da Relação do Porto, de 12.04.2010, em www.dgsi.pt.

Em sentido sequencial e convergente, convoque-se, igualmente, o dito no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/03/2008, disponível in www.dasi.pt, por sua vez a enunciar:

«Aqui chegados, há que tomar em atenção que, de acordo com o n.° 2 do art. 1° do DL 176/95 citado, o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo e que, nos termos do n.° 2 do art. 5º, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

O que, circunstancialmente, haverá de apreciar-se, uma vez que tal ónus impendia sobre a Seguradora. Não se desconhece a norma inserta no art.° 4°, n°1, do DL 176/95, segundo a qual nos seguros de grupo, cabe ao tomador do seguro prestar aos segurados as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro.

Porém, cremos que a falta de cumprimento dessa obrigação por parte do Banco Réu (se existiu, não ficou, para já, aqui provada) não é oponível à autora que para ela não contribuiu nem foi consultado na celebração do dito contrato de seguro de grupo.

Trata-se, assim, a nosso ver, de questão a resolver em sede própria, no domínio das relações entre as duas RR.

Perante a autora, não tendo a ré seguradora cumprido o aludido dever, acarreta que se considerem excluídas do contrato as referidas cláusulas gerais (art.° 8°).

De resto, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé — art.° 227° do Código Civil — sendo ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites por ela impostos, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito — art.° 334° do mesmo diploma.

Com o mesmo propósito, cite-se Joaquim de Sousa Ribeiro (“O Problema do Contrato”, pag.550 e seguintes) acerca da aplicabilidade deste princípio da boa-fé em matéria de cláusulas contratuais gerais:

“De norma basicamente comportamental que, a partir da posição originariamente assumida pelas partes, e tendo em conta o evoluir do contexto negocial, orienta a sua conduta com vista à plena realização dos fins relacionais, transforma-se aqui numa norma valorativa daquela posição, fixando os seus limites de validade. Em vez de actuar no interior de uma relação já constituída, modelando integrativa e restritivamente os procedimentos que as partes devem adoptar, na fase da sua execução, a boa-fé incide directamente, neste campo, sobre as estipulações que se propõem determinar o conteúdo contratual. Em posição frontalmente antagónica à autonomia privada, ela constitui-se aqui como uma heteronomia inevitável, pois, independentemente da concreta conduta do utilizador, traça, em abstracto, limites objectivos que ele tem imperativamente que observar como condição de eficácia das cláusulas por si introduzidas no contrato” (sublinhado nosso).

E mais à frente: «Nesta linha, se o que está em causa é avaliar a eficácia de conformações que, respeitando embora os limites gerais da liberdade contratual, se apresentam tipicamente como desvantajosas, em excesso, para uma das partes, surge como natural utilizar como parâmetro de valoração o modelo de uma justa composição de interesses, inferível das normas legais dispositivas, ou construído, na sua falta, “dentro do espírito do sistema” (v., entre nós, o art.° 10°, n°3, do Código Civil), pela entidade judicante. Dispondo desse seguro padrão de referência, ao intérprete caberia ajuizar, com a conveniente margem de liberdade apreciativa, se o afastamento, formalmente pactuado, mas unilateralmente predisposto, desse modelo, desfruta de uma justificação razoável, do ponto de vista dos interesses do beneficiado, não prejudicando, para além disso, de forma desproporcionada, os interesses da contraparte”.

E, citando uma decisão de 04.11.64 do Bundesgerichtshof: “Quem põe em vigor condições gerais dos contratos reivindica para si em exclusivo, no que respeita à conformação do conteúdo, a liberdade contratual. Está por isso obrigado, segundo a boa-fé, já na redacção das condições, a considerar devidamente os interesses dos seus futuros parceiros contratuais. Se fizer valer apenas os seus próprios interesses, abusa da liberdade contratual”.

“O pensamento material que liga, desta forma, a boa fé às CCG repousa no atendimento das peculiaridades deste modo de contratar. Com ele institui-se uma relação de poder, em que o utilizador de CCG se coloca numa posição de supremacia em face de cada um dos seus parceiros contratuais, privando-os da capacidade de comparticipação na modelação do conteúdo” (pag.554).

Este princípio da boa-fé, há-de, assim, orientar o julgador na apreciação da validade da cláusula em concreto invocada, por forma a que, no final, sempre esteja reposto o equilíbrio necessário e juridicamente exigido em qualquer relação contratual.

Para além disso, há que não esquecer que actualmente (como ocorreu no caso concreto), os Bancos beneficiários desses seguros, “agindo como intermediário das seguradoras, no âmbito do fenómeno que designou de “bancassurance” e que definiu como «ligação e colaboração entre Bancos e Companhias de Seguros, para desenvolver sinergias e economias de sistema, já sentidas, ictu oculi, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam, e depósitos a prazo), “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários, incluindo o crédito bancário concedido para financiar o prémio único do contrato de seguro de vida ...) ou mesmo “produtos” diversificados (...), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos como que esmagam a pessoa individual entre dois “elefantes” (no sentido de que se tratam de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro). Deste modo, dúvidas não nos restam em como as Rés Seguradora respondem perante a Autora (se tal se vier a demonstrar) pela falta de informação e comunicação, por parte do Banco Tomador.

Mas quais são as consequências da violação deste dever?

Apesar das divergências que têm surgido quanto às consequências da falta de comunicação, temos considerado que a omissão do dever de comunicação não gera a nulidade da cláusula mas sim a sua inexistência. Na verdade, acompanhando o Ac. do STJ de 11.4.2000, podemos afirmar que tanto «a omissão desse dever (quando alegada tenha sido)» como «a não satisfação desse ónus não tornam nula a cláusula mas inexistente» na medida em que se «deve considerar como excluída daquele concreto contrato (art. 8 a) e b) do Dec. Lei 446/85; se a lei não determinasse a sua exclusão do respectivo contrato singular a sanção seria a da sua inoponibilidade ao segurado e não a da nulidade)».

Na mesma senda, deverá consignar-se que, neste quadro,

«as garantias clássicas da liberdade contratual mostram-se actuantes apenas em casos extremos: o postulado da igualdade formal dos contratantes não raro dificulta, ou até impede, uma verdadeira ponderação judicial do conteúdo do contrato, em ordem a restabelecer, sendo caso disso, a sua justiça e a sua idoneidade. A prática revela que a transposição da igualdade formal para a material unicamente se realiza quando se forneçam ao julgador referências exactas, que ele possa concretizar”. O que passa pela concreta verificação dos requisitos de integralidade, adequação e tempestividade, supra enunciados. Trata-se de desenvolver uma actividade razoável, que permita ao consumidor mediano, em circunstâncias normais, abstractamente, ter a percepção dos termos do contrato e das obrigações que vai contrair, ou seja, de todos os elementos constitutivos do negócio. “O dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o n°2, esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de diligência comum. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto” Almeida Costa e Meneses Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1990, p. 25. Sobre a tutela da formação da vontade do aderente e a necessidade de estabelecer meios de controlo adequados no âmbito do processo de formação do contrato de adesão, vide Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade, 1985, Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, separata do vol. XXVIII, p. 347-361. A este propósito vide ainda Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição, Almedina, p. 266, aludindo ao controlo da inclusão das CCG nos contratos singulares.

Em suma, com as exigências alusivas à “comunicação” o legislador pretendeu salvaguardar, em primeira linha, uma correcta e eficiente transmissão dos termos do contrato, sendo a obrigação de informação dirigida à percepção do seu conteúdo, por parte do aderente. A violação destes deveres pelo proponente (a confirmarem-se, resultando provadas) determina a exclusão das respectivas cláusulas do contrato, nos termos do art. 8° alíneas a) e b), vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, nos termos do art.9°,n°1.

Retomando ao caso, haverá que provar-se que o conteúdo da cláusula aludida foi comunicado ao segurado e de que conteúdo este ficou apenas ciente, para que possa decidir-se pela exclusão da cláusula respectiva e, consequentemente, pela eventual inoponibilidade - ou não - da mesma ao segurado.

A solução assim enunciada é, em nosso entender, a que melhor salvaguarda os interesses em jogo, ponderando, fundamentalmente, a necessidade de protecção do segurado aderente e é a mais consentânea com os ditames da boa fé [no sentido que propugnamos vejam-se os acs. da R.G. de 27/03/2008, proc. no 369/08.1 (Relatora: Raquel Rego) e de 06/04/2010, processo 646/05.OTBAMR.G1 (Relator: Costa Fernandes), da R.P. de 11/09/2008, proc. no 0834361(Relator: Fernando Baptista), de 01/02/2010, proc. n° 3405/06.0TBVC Anabela Luna de Carvalho), de 12/04/2010, proc. n°1443/04.6TBGbM.P1 (Relator: Sousa Lameira), da R.C. de 11/03/2008, proc. n° 434/04.1 TBVNO.C1 (Relatora:Graça Santos Silva). A nível do STJ vão neste sentido os acs. de 29/04/2010, proc. no 5477/8TVLSB.L1.51 (Relator: Azevedo Ramos) e de 27/05/2010, proc. 976/06.4TBOAZ.P1.51 (Relator: Oliveira Vasconcelos).

Aliás, da necessidade de protecção do consumidor na celebração de contratos de seguro de vida associados ao crédito à habitação deu conta o Dec. Lei 222/2009 de 11/09, não podendo deixar de salientar-se o estipulado no seu art. 9, que, sob a epígrafe “incumprimento”, estabelece:

“1 - O incumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento da instituição de crédito estabelecidos no presente decreto-lei faz incorrer a instituição em responsabilidade civil, nos termos gerais.

2 - O incumprimento do dever de propor o seguro de vida com o conteúdo mínimo estabelecido no presente decreto-lei torna inoponíveis ao mutuário, pela instituição de crédito ou pela empresa de seguros com quem aquele haja contratado o seguro de vida associado ao crédito à habitação, quaisquer cláusulas contratuais incompatíveis com aquele conteúdo mínimo.

3 - O incumprimento do dever de fazer reflectir no cálculo dos prémios todas as actualizações ao capital seguro, com efeitos reportados à data de cada uma das actualizações do capital seguro, por motivo imputável à empresa de seguros, faz incorrer esta empresa em responsabilidade civil, nos termos gerais, e confere ao mutuário os direitos de, a qualquer momento, exigir a sua correcção e de resolver o contrato de seguro, caso se trate de seguro individual, ou do vínculo resultante da sua adesão a um contrato de seguro de grupo.

4 - Quando o incumprimento previsto no número anterior for imputável à instituição de crédito é aplicável o previsto no n° 1. 5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação dos regimes sancionatórios aplicáveis às empresas de seguros, nessa qualidade, e às instituições de crédito, nessa qualidade e na de mediador de seguros”. ».

Em vertente diferenciada, não pode deixar de se levar, igualmente, em consideração - tal como vem alegado - que

«“(…) contrariamente ao que consta da sentença recorrida, também o facto de contra o Banco Interveniente não ter sido deduzido qualquer pedido não é motivo para a improcedência liminar da acção.

De novo, por recorrência - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.2011, www.dgsi.pt - a impor destacar que

“(..) Face a este quadro desde logo somos levados a concluir que o ónus da prova relativamente ao cumprimento de tais obrigações impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova prevista pelo artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho (artigo 78.° do DL 72/2008, de 16 de Abril, com o mesmo âmbito do anterior) e pelo artigo 342.° do Código Civil.

Certo é também que a Seguradora sempre poderia ter pedido o chamamento do Banco à presente acção. Trata-se, porém, de questões paralelas e a que, neste momento, não cumpre dar seguimento até porque, a questão central, no nosso ponto de vista, soluciona-se em um outro quadrante.

Com efeito, no presente caso, determinante é termos de analisar não só apenas a obrigação que incidia sobre o tomador do seguro no sentido de explicar os termos das cláusulas insertas no contrato de seguro ao segurado aderente, mas também a obrigação que impende sobre a Seguradora de enviar a apólice de seguro ao segurado, por forma a que este pudesse analisar o seguro, sendo-lhe também imposta a obrigação de explicar correctamente o conteúdo das cláusulas contratuais desse mesmo seguro de grupo tanto mais que estamos perante um contrato de adesão.

Esta obrigação de explicação das cláusulas insertas no contrato espelha o princípio da boa fé contratual que deve reger a celebração dos contratos, no sentido de dar transparência a toda a actuação dos intervenientes, mormente daquele que está numa situação de desprotecção informativa até porque, não redigiu as normas constantes do contrato e, assim, não teve tempo de sobre as mesmas realizar qualquer reflexão, para além de não ter poder de negociação para as alterar. Acresce que, havendo, como é o caso, um conjunto de disposições limitativas das coberturas de seguro, incluídas no contrato como exclusões contratadas, sempre se imporia o cumprimento de tais obrigações para que o aderente de tais seguros pudesse ter a exacta percepção daquilo que está a contratar. Esta explicação das cláusulas deveria, mesmo, ser acompanhada do envio à aderente da respectiva Apólice de seguro.

Independentemente deste tipo de considerações, a verdade é que, no que à análise jurídica dos factos importa, o contrato de seguro de grupo em causa sempre teria de ser qualificado como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações entretanto introduzidas pelos Decretos-Leis 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 07 de Julho).

Na verdade, estamos perante um clausulado de seguro elaborado pela Ré Seguradora, tendo o Banco apenas assumido o papel de intermediário, no caso, para a aceitação deste contrato pelos aderentes ao Seguro de Grupo e figurando nesse mesmo contrato com a posição de tomador. Esta intervenção do Banco não implicou, porém, qualquer intervenção activa na elaboração das cláusulas que regem este tipo de contratos e, nessa medida, afastada está a sua responsabilidade única pela comunicação de tais cláusulas.

Conforme acima já deixamos expresso, impende sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, mas essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação, essa sim, principal, de comunicar as condições gerais do contrato ao aderente, obrigação essa inserta no artigo 5.° do DL 446/85, acima citado. Estamos perante obrigações distintas, que decorrem de preceitos legais também eles distintos, como não poderia deixar de ser.

O primeiro destes contratos, é o celebrado entre a Seguradora e o Banco, pelo qual aquela institui este último como intermediário para a celebração dos contratos de seguro de grupo, cujo clausulado é totalmente elaborado pela primeira; um segundo contrato, em que intervém o Banco, já na qualidade de tomador desse seguro de grupo, que tem por finalidade a angariação de aderentes que irão subscrever esse mesmo seguro.

A existência destes dois momentos negociais irá determinar obrigações autónomas para cada uma das partes subscritoras deste seguro de grupo, em face aos respectivos aderentes, conforme acima já frisamos».

Nesta conformidade - voltando a referenciar que esta questão está largamente debatida na jurisprudência podendo ser consultados, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 2010 (JusNet 1186/2010) e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2009 (JusNet 6912/2009) e de 01 de Fevereiro de 2010 (JusNet 565/2010) e respectiva doutrina ali abundantemente citada - não há como contrariar que -

- “o facto de o Banco tomador não ter sido demandado nestes autos é irrelevante para a decisão a proferir. A responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente”.

Torna-se, por isso, inevitável, tudo visto, averiguar e aferir - perante os elementos conformados nos Autos - finda a fase dos articulados, após se proferir despacho saneador adrede e remessa dos Autos para julgamento circunstancial, ou, por outro modo, o efectivando, com análise e decisão das questões perfiladas.

O que atribui resposta afirmativa às questões (todas as questões) em I. consideradas.

Podendo concluir-se, sumariando, aqui também, que:

1.

Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova - artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho - artigo 78.° do DL 72/2008, de 16 de Abril (com o mesmo âmbito do anterior) e pelo artigo 342.° do Código Civil.

2.

O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Ré Seguradora, e em que o Banco tomador apenas assume o papel de intermediário, no caso, para a aceitação deste contrato pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações entretanto introduzidas pelos Decretos-Leis 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 07 de Julho).

3.

Apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do DL 446/85, acima citado.

4.

O facto de o Banco tomador não ter sido demandado nestes autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente.

-

5.

 Celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo (seguro de vida, associado a um crédito à habitação, sendo mutuário uma pessoa singular), com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais o segurado se limitou a aderir, pode convocar-se para a resolução do litígio o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 220/95, de 31/08 e Dec. Lei 249/99 de 07/07.

6.

 O art. 4º do Dec. Lei 176/95 de 26/07 (com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 60/2004 de 22 de Março) tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora, definindo a cargo de quem — entre o tomador de seguro e a seguradora — fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, as cláusulas de exclusão etc; A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, estabelecendo uma norma delimitadora susceptível de derrogação por aquelas partes (n°4 do preceito), sendo o segurado alheio a esta equação, relevando ainda o preceito porquanto dele se infere, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.

7.

Não se provando a comunicação de uma cláusula do contrato de seguro, alusiva ao âmbito da cobertura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele normativo (art 4º do Dcc. Lei 176/95) para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro — o que não impede que o possa fazer perante a entidade bancária, beneficiária da prestação.

8.

Em todo o caso, sempre a averiguar e aferir - perante os elementos conformados nos Autos - finda a fase dos articulados, após se proferir despacho saneador adrede e remessa dos Autos para julgamento circunstancial, ou, por outro modo, o efectivando, com análise e decisão das questões perfiladas.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, impondo-se, tudo visto, averiguar e aferir - perante os elementos conformados nos Autos - finda a fase dos articulados, após se proferir despacho saneador adrede e remessa dos Autos para julgamento circunstancial, com análise e decisão integral das questões perfiladas.

 Sem Custas.  

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo