Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1075/09.2TBCTB-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 362, 368, 733, 868 CPC
Sumário: Propondo-se o executado obter a suspensão do prosseguimento da execução ou suspensão da instância da acção executiva, o procedimento cautelar comum não é o meio processual adequado para tal desiderato.
Decisão Texto Integral:









I – Relatório

1. C (…), por apenso a execução para prestação de facto, propôs a presente providência cautelar (em 12.1.2019), preliminar de acção declarativa por acessão imobiliária, requerendo, a final, a imediata suspensão da instância executiva, bem como ser autorizada e fixada prestação de caução.

Alegou, para o efeito que nos autos principais foi condenado a demolir parcialmente um edifício anexo à sua casa de habitação que se estendeu inadvertidamente sobre uma faixa de terreno que veio a ser declarada pertencer aos exequentes. Que com a referida ocupação teve lugar a aquisição originária da propriedade da faixa de terreno em apreço por acessão imobiliária, aquisição que o executado reivindica propondo-se intentar a respectiva acção de que o presente procedimento cautelar é preliminar. Pelo que deve ser de imediato suspensa a presente execução, não havendo lugar a quaisquer acto de demolição parcial, nem de qualquer sanção pecuniária compulsória, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão final de tal acção. Ademais, alega que estão verificados os requisitos quer da aquisição da propriedade, quer da providência cautelar porquanto foi manifesta a boa fé de tal ocupação, confundindo-se a referida parcela com o seu terreno, sendo que nunca os exequentes manifestaram qualquer oposição à construção, justificando-se a presente providência dado o perigo de proximidade do prazo concedido ao requerente/executado para proceder à demolição. Propõe-se, ainda, o requerente a compensar os exequentes, pagando o valor do terreno e demais encargos, bem como a prestar caução no valor de 900 € (30 € x 30 m2).

Verifica-se que a referida execução para prestação de facto foi intentada por A (…), H (…) e A (…) , , com base em sentença judicial, transitada em julgado, que, além do mais, reconheceu os ora exequentes como donos de uma faixa de terreno com 1,5 m de largura (que acompanha toda a estrema poente dum prédio dos mesmos), ordenou a restituição da dita faixa aos ora exequentes e ordenou a destruição parcial do edifício que o réu ora executado e requerente edificou no seu logradouro, tendo sido pedida a fixação de sanção pecuniária compulsória e a prestação do facto em 30 dias. O ora requerente deduziu embargos de executado a tal execução, que foram indeferidos liminarmente, decisão já transitada. Após, foi proferido despacho (em 9.1.2019) que fixou a realização da prestação devida em 60 dias (bem como se fixou sanção pecuniária compulsória). O ora executado/requerente não prestou o facto devido, tendo sido ordenada a notificação dos exequentes para requerem o que tivessem por seu direito (nos termos do art. 875º, nº 2, do NCPC).

*

Foi proferido despacho de indeferimento liminar da providência cautelar, por manifesta improcedência do pedido.

*

2. O requerente/executado recorreu, concluindo que:

a) Quanto à falta de fumus bonni juris invocado na douta sentença recorrida, não assiste razão à mesma, porquanto, na altura de apresentar a sua contestação no âmbito do processo declarativo em que foi réu, o ora recorrente tinha genuína convicção de que a faixa de terreno em causa nesses autos era de sua propriedade;

b) Ao recorrer da respectiva sentença, já definido que afinal tal faixa de terreno não lhe pertencia, imediatamente invocou a aquisição originária da mesma por efeito do disposto no art.º 1343.º do Código Civil; Ou seja, ainda no âmbito do exercício do seu direito de defesa na mesma acção;

c) Veio o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra pronunciar-se, negando provimento ao recurso sim, porém, não repudiando a justa pretensão do recorrente de adquirir a propriedade de tal faixa de terreno por acessão imobiliária, apenas o remetendo para a competente acção autónoma - Conforme cópia do mui douto Acórdão que se junta;

e) Quanto ao risco de lesão, uma vez que a demolição parcial do edifício que se encontra parcialmente implantado na faixa de terreno em causa ainda não ocorreu, urge evitar que tal demolição ocorra, para o que a providência cautelar tem aptidão legal;

f) Pelo que, pela mesma ordem de razão, deve a providência cautelar ter efeito suspensivo;

g) Tanto mais que o direito de reivindicação da propriedade, de cuja acção própria a providência é mero preliminar, é um direito imprescritível;

h) E tal direito de propriedade tem dignidade e protecção constitucional.

i) Assim violando o disposto na Lei, designadamente os art.ºs 1313.º, conjugado com o art.º 1343.º ambos do Código Civil (imprescritibilidade do direito de reivindicação); art.º 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, primeira, parte da mais uma vez em conjugação com o 1343.º do Código Civil, tanto mais que a aquisição por esta via é originária, remontando à data dos factos; art.º 362.º, 364.º, n.º 1 e 2, 368.º, n.º1 e 615.º, todos do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser a douta sentença recorrida declarada nula por ilegal e substituída por decisão que justamente acolha as pretensões do ora recorrente designadamente:

a) Ser decretada a providência cautelar nos termos requeridos;

b) Que à mesma seja conferido carácter suspensivo da execução, pelo menos até ao trânsito em julgado da sentença da acção de reivindicação;

Assim se fazendo a costumada Justiça !

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que decorre do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Decretamento da providência cautelar, para suspensão da execução até ao trânsito em julgado da sentença da acção de reivindicação.

2. No despacho recorrido, escreveu-se que:

“Dispõe o artigo 362.º n.º 1 do Código de Processo Civil que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.

Por outro lado, diz-nos o artigo 368.º n.º1 do Código de Processo Civil que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”, devendo, porém, a providência ser recusada quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

Temos assim definidos os pressupostos, substantivos e processuais, necessários ao decretamento de uma providência cautelar, a saber:

a) probabilidade séria da existência do direito invocado;

b) fundado receio de que outrem, antes da ação proposta ou na pendência desta, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;

c) adequação da providência à situação de lesão iminente;

d) inexistência de uma providencia específica que acautele aquele direito.

Vejamos.

O primeiro dos requisitos enunciados decorre da própria natureza dos procedimentos cautelares, concretamente das características da celeridade e da provisoriedade da situação sob tutela.

Em função delas, a lei definiu como critério de apreciação da suficiência de prova a existência de uma probabilidade séria, bastando-se com um juízo de verosimilhança assente numa análise sumária da prova produzida (summario cognitio) suscetível de criar uma aparência do direito – que a doutrina chama de fumus boni júris. -,

(…)

Tal juízo, todavia, não deverá ser colocado num patamar tão baixo na escala gradativa da convicção do juiz que se tutelem situações destituídas de fundamento razoável.

Importa ter desde logo presente que nos presentes autos foi o requerente/executado condenado a reconhecer os autores como donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 1194.º e descrito da Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 1362, incluindo a faixa de terreno com 1,5mts de largura que acompanha toda a estrema poente do prédio e que o executado pretende reivindicar em ação a propor com base na acessão industrial imobiliária. Mais foi o requerente/executado a restituir tal faixa de terreno aos autos bem como a demolir parcialmente o edifício aí edificado, demolição que o requerente/executado pretende ver suspensa com a presente providência.

Sendo manifesto que na ação a estará afastada a verificação da exceção de caso julgado, atenta a inexistência de identidade quanto à causa de pedir, não pode o tribunal deixar de equacionar a verificação da autoridade de caso julgado, designadamente em conjugação com a figura da preclusão.

Dispõe o artigo 573.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação”.

Como refere Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pág. 382), “devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha”. Tal ónus impõe-se por razões de lealdade no combate judiciário, a que subjazem também razões de segurança e de certeza jurídica que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos sejam postergados com base em novos argumentos que em tal ação não foram - mas poderiam ter sido - invocados.

Esta consubstancia, também, a génese da figura da autoridade de caso julgado inerente a qualquer sentença, efeito que visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza ou segurança jurídica, evitando a instabilidade das relações jurídicas.

Na verdade, e nas palavras de Manuel de Andrade (ob. cit., págs. 306 e 324), “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse de constantemente defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”, concluindo que “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu (p. ex., ser ele, réu, o proprietário do prédio reivindicado)...”.

Quanto à amplitude do princípio da preclusão, e consequentemente quanto ao alcance da referida autoridade de caso julgado aproximando já ao caso concreto, pronunciou-se Miguel Mesquita, de forma aturada, (in Reconvenção e Excepção em Processo Civil, págs. 418 e segs.), observando que “o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário”. Por isso, ainda que a reconvenção seja facultativa, considera que o réu deverá reconvir “para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito” (pág. 441), ficando, por isso, “inibido de propor uma contra-acção independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram” (pág. 429). Conclui que o réu tem “sempre de jogar, no momento em que contesta, com a possibilidade de vir a ser proferida uma sentença favorável ao autor. Porque sobre esta se forma caso julgado material, o réu não pode, através de uma acção, com base em factos anteriores, vir a afectar o teor da sentença neste proferida” (pág. 453).

Ora, descendo ao caso vertente, anuncia o requerente/executado a pretensão de propor ação de reivindicação com base na acessão industrial imobiliária da parcela de terreno cujo direito de propriedade foi já reconhecido aos autores.

Atento o supra alegado, bem se vê que não se verifica o necessário fummus bonni iuris uma vez que, podendo o requerente/executado invocar a aquisição do direito de propriedade sobre a referida parcela aquando da apresentação da sua defesa e não o tendo feito, tal possibilidade fica precludida, funcionando a autoridade de caso julgado da sentença proferida.

Daí que, em situação idêntica à que nos ocupa o Supremo Tribunal de Justiça tenha decidido, a 10.10.2012 (proc. n.º 1999/11.7TBGMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt), que “1. A autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária.

2. Apesar de em tal situação não se verificar a excepção de caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da decisão obstam a que em posterior acção se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira acção com base numa realidade que naquela ocasião já se verificava e que aí poderia ter sido invocada quer para impedir a procedência da acção, quer para sustentar, em sede de reconvenção, o direito potestativo de acessão imobiliária.” (veja-se igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.05.2014, proc. n.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

(…)

Os meios processuais ao dispor de um executado para suspender os efeitos de uma ação executiva estão tipificados na lei, mormente no artigo 733.º do Código de Processo Civil. A suspensão de uma execução apenas é processualmente admissível mediante a dedução de embargos de executado acompanhada da prestação de caução (artigo 733.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil).

(…)

Ou seja, o procedimento cautelar comum não é meio processual adequado para através dele o executado obter a suspensão da ação executiva (cfr. Acórdão da Rc de 08.03.2005, proc. n.º 261/05, disponível em www.dgsi.pt).

Quando o pedido seja manifestamente improcedente, em obediência ao disposto no artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, deve a petição liminarmente indeferida.

Atento o supra exposto, é manifesto que a petição apresentada é manifestamente improcedente, razão pela qual deverá a mesma ser liminarmente indeferida.”.

A única questão a resolver, posta pelo recorrente, e que é o objecto do recurso – e que acima indicámos -, é, única e verdadeiramente, a suspensão da execução. É esse o propósito declarado do apelante. Tal tinha sido também o seu intento quando propôs a presente providência cautelar, como se vê do que a final veio requerer: a imediata suspensão da instância executiva, bem como ser autorizada e fixada prestação de caução.

Perante esta pretensão, temos de avançar desde já que está votada ao insucesso. Expliquemos, brevitatis causa. 

Qualquer executado, para suspender o prosseguimento de uma acção executiva, só o pode conseguir se deduzir embargos e, em regra, prestar caução – art. 733º, nº 1, a), do NCPC. O mesmo acontece na execução para prestação de facto (art. 868º, nº 3, do NCPC).

No nosso caso o ora requerente/apelante oportunamente deduziu embargos de executado que já terminaram, com um indeferimento liminar, decisão já transitada. Já passou, por isso, o primeiro momento em que podia ter obtido a suspensão do prosseguimento da execução.

Como, depois, foi proferido despacho que fixou a realização da prestação devida em 60 dias, e o ora executado/requerente não prestou o facto devido, foi ordenada a notificação dos exequentes para requerem o que tivessem por seu direito, nos termos do art. 875º, nº 2, do NCPC. Requerido o que estes tivessem por conveniente o executado/requerente ficou com o direito de deduzir novos embargos, podendo suspender o prosseguimento da execução, se prestada caução (referidos art. 875º, nº 2, e art. 868º) – direito que desconhecemos se ora recorrente exercitou.

Estes são os meios para o executado conseguir obter a suspensão do prosseguimento da execução.

Também é possível obter-se, eventualmente, a suspensão da instância executiva, através do mecanismo previsto nos arts. 269º, nº 1, c), e 272º, nº 1, do apontado código – direito que, também, desconhecemos se ora apelante usou.

Mas estes meios legais processuais são os únicos que a lei permite que sejam utilizados para suspender o prosseguimento de uma execução ou suspender, eventualmente, a instância executiva.

Ou seja, conforme foi assinalado no despacho recorrido (com invocação de pertinente jurisprudência desta Relação), o procedimento cautelar comum não é meio processual adequado para através dele o executado obter a suspensão da acção executiva.

Tornando-se, por isso, desnecessário analisar se, desde logo, se verificava o 1º requisito legal das providências cautelares não especificadas, enunciado no despacho apelado.

Pelo que, o decidido na 1ª instância tem de ser confirmado, não procedendo o recurso.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Propondo-se o executado obter a suspensão do prosseguimento da execução ou suspensão da instância da acção executiva, o procedimento cautelar comum não é o meio processual adequado para tal desiderato.

IV – Decisão

Pelo exposto, improcede o recurso, assim se confirmando o despacho recorrido.

*

Custas pelo requerente/recorrente. 

Coimbra, 5.11.2019

Moreira do Carmo ( Relator )