Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
417/12.8TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
FALTA
CONTRADITÓRIO
DIREITO DE AUDIÇÃO
ASSISTÊNCIA
DEFENSOR
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 04/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 125.º, N.º 4, DO CEPMPL; ARTIGO 119.º, ALÍNEA C), DO CPP
Sumário: I - O n.º 4 do artigo 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, exigindo a possibilidade de exercício do contraditório, não impõe, contudo, a audição presencial do condenado.
II - Para o pleno exercício do contraditório, e sob pena de verificação da nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do CPP, o condenado deve ter a assistência de defensor.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

No processo n.º 417/12.8TXCBR-A, que corre termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, foi proferida decisão na qual se consideraram injustificadas as faltas cometidas pelo arguido e se determinou o cumprimento do remanescente da pena de prisão – pena inicial de 4 (quatro) meses de prisão – em regime contínuo, nos termos conjugados dos arts.º 125.º, n.º 4, e 138.º, n.º 4, j), ambos do CEPMPL.

Inconformado, o arguido A... apresentou recurso, tendo formulando as seguintes conclusões (transcrição):

«l. O Recorrente considera que despacho datado de 16.02.2013, ao considerar injustificadas as faltas do condenado, nos termos do art.º 125 do CEPMPL, é nulo.

2. Ainda e erradamente, o douto tribunal considerou suficiente a notificação pessoal do condenado em 30-12-2012, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 125, n.º 4, do CEPMPL.

3. Contudo, este não tem sido o entendimento da nossa jurisprudência: Ac. 13.07.2011 do TRL.

"II – Ainda que a "audição" do condenado" se pudesse bastar com a mera notificação para pronúncia por requerimento ou exposição escrita, ao Tribunal de Execução das Penas cabe indagar se o arguido tem defensor constituído no chamado "processo da condenação" para dar conhecimento ao advogado, notificando-o, para assim permitir uma defesa eficaz no âmbito da aplicação do direito aos factos." (sublinhado nosso)

3. Ora, in casu, o condenado não teve mandatário nomeado no seu processo de condenação.

4. O Tribunal a quo podia e devia suspender os autos até ser assegurada defesa.

5. A inércia do Tribunal a quo não deu oportunidade ao arguido através de defensor, de dispor de todos os meios de defesa, nem se possibilitou a realização de uma audição presencial do condenado.

6. Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado inteiramente procedente, e anulado o despacho, porque nulo, nos termos do art.º 119, al. c), do CPP.»

O Ministério Público, na 1ª instância, apresentou a resposta que se alcança de fls. 174 a 179, concluindo:

«1 - Diversamente do Recorrente, não estamos certos de que o direito de audição, previsto no artigo 125°, n.° 4, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) reclame a realização de uma "audiência pessoal e presencial".

2 - Sendo certo que essa audiência prévia, pessoal e presencial assegura o exercício dos direitos de defesa, em harmonia constitucional, julga-se que, no sentido sustentado também em jurisprudência [identificada e analisada na presente resposta], as exigências constitucionais estabelecidas no artigo 32°, n.°s l e 5 da Lei Fundamental e o direito de audição previsto no artigo 125°, n.° 4, do CEPMPL, se mostram devidamente acauteladas se, em alternativa àquela audiência [que poderá mesmo, em alguns casos, revelar-se de difícil, morosa ou onerosa realização], se proceder à notificação pessoal do condenado, para, em prazo determinado, alegar e comprovar o motivo que o possa ter impedido de se apresentar ao cumprimento da pena de prisão por dias livres, sob expressa cominação de vir a ser decidia a alteração do regime de cumprimento de pena, para prisão contínua, e, bem assim, após parecer do Ministério Público, à notificação do Defensor, para exercer o exercício do contraditório.

3 - No caso, tendo sido operada essa notificação ao condenado, mas não havendo sido notificado o Defensor, para o exercício do contraditório, mostra-se intoleravelmente afectado um dos princípios gerais do processo penal e, com ele, os direitos de defesa que, nos termos constitucionais, o processo penal deve garantir.

4 - Pelo que, neste quadro, a prolacção da decisão recorrida enferma do vício processual previsto no artigo 119°, al. c), do Código de Processo Penal, que, uma vez reconhecido, importa na nulidade daquele acto processual.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo provimento ao recurso e, consequentemente declarando a nulidade da decisão recorrida e determinando a sua substituição por despacho que ordene a notificação do ilustre Defensor nomeado, para exercer o contraditório, ou, em alternativa, designe data para a audição presencial do condenado, será feita Justiça.»

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 187 a 188 no sentido da procedência do recurso.

Cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.

Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art.º 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

No caso sub judice, a questão a decidir consiste em saber se a audição do condenado determinada pelo n.º 4 do art.º 125.º do CEPMPL tem de ser presencial e com assistência de defensor, sob pena de nulidade.

2. É do seguinte teor a decisão recorrida

« A... foi condenado por sentença proferida no âmbito do PCS n° 626/10.4GALNH do TJ da Lourinhã em 20-02-2012, transitada em julgado em 23-03-2012, na pena de 4 meses de prisão a cumprir por dias livres, durante 24 períodos (fls 13-23).


*

Cumprido o disposto no art.° 487.°, n.° 2, al. a) e n.° 3, do C.P.Penal e notificado da competente guia de apresentação no E.P.R. de Leiria, o condenado, em 21-04-2012 (cfr. fls. 46- 52) apresentou-se ao cumprimento daquilo que em termos de liquidação de pena corresponde ao 1.º período de prisão por dias livres.

Cumpriu esse período de prisão por dias livres, faltando (de acordo com os elementos, por ora disponíveis nos autos) às apresentações:

- em 28-04-2012 (fls2);

- em 05-05-2012 (fls 3);

- em 12-05-2012 (fls4);

- em 19-05-2012 (fls 5);

- em 02-06-2012 (fls 9);

- em 16-06-2012 (fls 10);

- em 23-06-2012 (fls 24):

- em 30-06-2012 (fls 26);

- em 14-07-2012 (fls 27);

- em 21-07-2012 (fls 28);

- em 28-07-2012 (fls 29);

- em 04-08-2012 (fls 30);

- em 11-08-2012 (fls 31);
-em 25-08-2012 (fls 32);
- em 01-09-2012 (fls 33);
- em 08-09-2012 (fls 35);
- em 15-09-2012 (fls 34);
- em 22-09-2012 (fls 38);
- em 29-09-2012 (fls 39);
- em 06-10-2012 (fls 40);
- em 27-10-2012 (fls 53);
- em 03-11-2012 (fls 54);
- em 10-11-2012 (fls 55);
- em 17-11-2012 (fls 56);
- em 24-11-2012 (fls 57);
- em 01-12-2012 (fls 58);
- em 08-12-2012 (fls 60);
- em 15-12-2012 (fls 64);
- em 12-01-2013 (fls 67);
- em 19-01-2013 (fls 70);
- em 26-01-2013 (fls 71);
- em 02-12-2013 (fls 74).

*

Em 30-12-2012, pessoalmente notificado nos termos e para efeitos do disposto no art 125.°, n.º 4, do CEPMPL, para se pronunciar relativamente às faltas e comprovar o motivo que o possa ter impedido de efectuar as apresentações, com a advertência legal de que, não o fazendo, lhe poderia ser determinado o cumprimento da restante pena em regime contínuo, o arguido remeteu-se não respondeu (fls 66 v).

*

Na sequência do acima exposto, promoveu o Ministério Público que fossem julgadas injustificadas as reiteradas faltas do condenado, com consequente cumprimento do remanescente da pena em prisão contínua (fls 68).

O tribunal é competente (arts 137.° e 138.°, n.°s 1 e 4, al l) do CEPMPL).

*

Não se vislumbram irregularidades que importe suprir.

*

De acordo com o art 125.°, n°4, do CEPMPL, as faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao TEP. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.
No presente caso, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, o condenado tendo iniciado o cumprimento da mencionada pena de prisão por dias livres, em 21-04-2012 e cumprido alguns períodos interpolados, não se apresentou, contudo, no EPR de Leiria nos fins de semana acima indicados, nem comunicou qualquer impossibilidade de o fazer.
Ora, atento o supra exposto, designadamente o silêncio do arguido no que tange ao motivo subjacente às não apresentações no estabelecimento prisional para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, apesar de advertido da consequência de futuras não apresentações, tal atitude é reveladora de que o condenado não adoptou uma atitude de contrição perante o tribunal, o que é demonstrativo do incumprimento e da inadequação da pena em execução.

*

Decisão.

Por tudo o exposto, considero injustificadas as faltas cometidas pelo arguido e determino o cumprimento do remanescente da pena de prisão - pena inicial de 4 (quatro) meses de prisão – em regime contínuo, nos termos conjugados dos arts 125.°, n.° 4 e 138.°, n.° 4 l), ambos do CEPMPL.

*

1- Notifique (cfr fls 72), sendo o condenado pessoalmente (fls 66 v).

2- Oficie ao EPR de Leiria, de imediato, dando conta que doravante não pode ser aceite o cumprimento de períodos de PDL.

Mais solicite que seja remetido mapa completo do registo de apresentações, com indicação das respectivas datas.

3-  Após trânsito em julgado:

- abra vista ao Ministério Público para promoção de execução da pena (art. 17.° a), 125.°,
n.º4 e 138.°,n.º4 als l) e t) do CEPMPL).

- remeta boletim ao registo criminal - art. 5.°, n.° 1 a) da L 57/98 de 18-08 (na redacção
dada pela Lei n.° 114/2009 de 22-09) e art. 6.° do DL 381/98 de 27-11 (na redacção dada pelo DL
288/2009 de 08-10).

4- Oficie ao processo da condenação, para efeitos de, oportunamente, elaborar a liquidação da pena e subsequente homologação a enviar a este TEP, enviando, para tanto cópia do mapa de apresentações referido em 2- que vier entretanto a ser remetido pelo EPR de Leiria.

5- Logo que o condenado seja detido, informe o tribunal da condenação desse facto, independentemente de despacho.»

3. Analisando

A questão a decidir no presente recurso é, como acima se disse, a de saber se a audição do condenado determinada pelo n.º 4 do art.º 125.º do CEPMPL tem de ser presencial e com assistência de defensor.

Diga-se, desde logo, que assiste parcial razão ao recorrente.

Na verdade, no despacho recorrido notificou-se o arguido ora recorrente nos termos e para efeitos do disposto no art.º 125.º, n.º 4, do CEPMPL, para se pronunciar relativamente às faltas dadas e apresentar os motivos porque não efetuou as apresentações devidas, sob pena de se determinar o cumprimento do remanescente da pena em regime contínuo.

E aqui nesta parte a jurisprudência divide-se.

Porém, e salvo o devido respeito, pela nossa parte entendemos que é obrigatória a notificação do arguido para vir dizer o que se oferecer sobre os motivos das suas faltas, não sendo, porém, obrigatória a audição presencial, porquanto ao arguido foi dada a possibilidade para o fazer.

É que encontrando-se o arguido em liberdade e não respondendo às notificações, se fosse obrigatória a audição presencial, então o processo não correria os seus termos dada a impossibilidade física de o fazer comparecer para essa audição.

Por outro lado, e aquando da notificação, o arguido fica esclarecido de que, querendo, pode apresentar a defesa que entender, ficando assim assegurado o direito de audição.

Nesta parte improcede a pretensão do recorrente.

Porém, quanto a saber da necessidade de assistência de Defensor, aqui e salvo o devido respeito, parece-nos assistir razão ao recorrente, posição acompanhada pelo Ministério Público.

É que o arguido, por norma, não se faz acompanhar de conhecimentos técnicos que lhe permitam uma defesa eficaz no processo, o que só se consegue através da nomeação de Defensor para tal efeito.

É que nada valeria assegurar o direito de audição ao arguido se esse mesmo direito não fosse exercido por quem se encontre devidamente habilitado.

Assim, o despacho recorrido deveria ter nomeado Defensor para tal efeito, de acordo como disposto no art.º 147.º, n.º 2, última parte, do CEPMPL, e não o fazendo cometeu-se a nulidade do art.º 119.º, al. c), do Código de Processo Penal.

Nessa medida, o despacho recorrido tem que ser alterado.

Neste sentido confiram-se os Acórdãos, da Relação do Porto, acórdão de 22/05/2013, proferido no Processo de Recurso n.º 579/12.4TXPRT-A.P1, e da Relação de Lisboa, acórdão de 13/07/2011, proferido no Processo de Recurso n.º 2914/10.0TXLSB-A.L1, disponíveis em www.dgsi.pt.


III – Decisão

Nos termos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso, revogando-se nessa parte o despacho recorrido, a substituir por outro em que seja nomeado Defensor ao arguido para os efeitos do constante desse mesmo despacho recorrido.

Não há lugar a taxa de justiça.



Coimbra, 9 de Abril de 2014

 (Frederico Cebola - relator)

 (Maria Pilar de Oliveira - adjunta)