Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/10.8EASTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: PENA DE MULTA
TAXA DIÁRIA
INSUFICIÊNCIA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º J.º DO T. J. DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REENVIO DO PROCESSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 47º Nº 2 CP E 410º Nº 2 A) CPP
Sumário: 1.- A operação definitória do valor quantitativo da taxa diária da pena de multa a cominar – localizável no intervalo compreendido entre € 5,00 e € 500,00 – pressupõe a prévia indagação, tendencialmente precisa, da real/contemporânea situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais;

2.- Sendo a sentença absolutamente omissa quanto a tais legais premissas, fica manifestamente inquinada pelo vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por adquirida (provada), prevenido sob a al. a) do n.º 2 do art.º 410.º do C. P. Penal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

§ 1.º

Na sequência de pertinente julgamento no âmbito processual, pela sentença documentada na peça de fls. 481/503 foram os cidadãos-arguidos A... e B... (aí melhor id.os) condenados:
1 – A...: Pelo cometimento de dois (2) crimes de exploração ilícita de jogo, (p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1, do D.L. n.º 422/89, de 02/12) – verificados/interrompidos em 16/01/2010 e em 02/04/2011 –, a correspondentes penas concretas de 4 (quatro) meses de prisão e 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00, e de 5 (cinco) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à mesma taxa diária, e à pena conjunta/unitária – resultante do respectivo cúmulo jurídico – de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 8,00, e multa complementar de 110 (cento e dez) dias, à mesma razão diária, perfazendo a multa global de 320 (trezentos e vinte) dias, à dita razão diária de € 8,00 (oito euros);
2 – B...: Pelo pessoal cometimento de um (1) crime de exploração ilícita de jogo, (p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1, do D.L. n.º 422/89, de 02/12) – verificado/interrompido em 02/04/2011 –, a correspondente reacção penal de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00, e multa complementar de 90 (noventa) dias, à mesma razão diária, perfazendo a multa global de 270 (duzentos e setenta) dias, à dita razão diária de € 8,00 (oito euros).

§ 2.º

Fundou-se, para tanto, o competente órgão julgador1, no seguinte ajuizamento factual (com realces da autoria do ora relator, responsável, doutra sorte, pela correcção de diversos observados erros gramaticais/sintácticos):
«[…]
1. O arguido A...é proprietário e explorador do estabelecimento comercial “ C...”, sito na (...), Fátima, […], mormente à data dos factos infra descritos.
b) O arguido B... é o sócio-gerente da sociedade unipessoal “ D..., Lda”, com sede na (...), Fátima, n.º de contribuinte (...), proprietária das máquinas referidas em c) expostas no estabelecimento comercial “ C...” para utilização pelos clientes e consequente realização de lucro.
c) No dia 2 de Abril de 2011, cerca das 19h00, foram apreendidas no interior do estabelecimento comercial “ C...”, supra identificado, em lugar visível e acessível ao público, duas máquinas, a saber:
1 – Uma máquina composta por um móvel de cor preta e encarnada, composta por monitor, CPU, rato, teclado, com sistema de funcionamento de tipo vídeo e ligação à corrente eléctrica.
- Esta máquina possui um sistema de códigos de acesso variáveis ao jogo e contém uma aplicação – programa informático – que contém ficheiros auxiliares ao seu funcionamento, com referência a quatro jogos, concretamente “Jolly”, “Halloween” “Multigame” e “Newgame”, tendo sido possível apurar elementos característicos no desenvolvimento dos respectivos jogos, concretamente, a tabela de prémios e palavras alusivas ao jogo de póquer, imagens de botões, conforme imagens 2 a 6 de fls. 116, e elementos característicos no desenvolvimento de jogos de slot machine, conforme imagem 7 e 8, de fls. 118, os quais são utilizados no decurso do jogo “Halloween”.
- Os jogos de vídeopoker desenvolvem-se do mesmo modo, apenas com um grafismo diferente.
- Para aceder ao jogo é necessário introduzir um código alfanumérico no quadro que surge no ecran, iniciando-se o jogo com o jogador a decidir a aposta que pretende realizar em cada jogada, surgindo, de imediato, e de forma aleatória, na base do ecran, cinco cartas. O jogador pode fixar as cartas que entender, na expectativa de que, as que não fixou, sejam substituídas por outras que, conjuntamente com as já fixadas, venham a constituir uma sequência premiada. A fixação da carta é realizada por mero toque.
- Podem ocorrer duas situações a final: ou a combinação que saiu não é premiada, e o jogo termina; ou é premiada, e o jogador opta por creditar os créditos ganhos na jogada ou por dobrar os referidos créditos; se optar por recolher os créditos a jogada termina; se arriscar dobrar e sair uma carta do valor que apostou, o jogador duplica os créditos apostados; caso contrário, perde tudo e a jogada termina. O objectivo do jogo é conseguir combinações premiadas (exemplo: sequencia real, sequencia numérica), sendo que o lançamento das cartas, a substituição das cartas não fixadas, o sorteio da carta para a dobra, são processos totalmente aleatórios executados pela aplicação do jogo.
- Relativamente ao jogo do tipo slot machine, denominado “halloween”, é possível visualizar no ecran a tabela de combinações premiadas.
- O menu de jogo é composto por cinco rolos de símbolos e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens. Nos cenários de jogo estão visíveis três símbolos de cada rolo, que produzirão combinações aleatórias, que coincidirão ou não com as existentes na tabela de prémios. Só os símbolos que ficam sob a mesma linha configuram uma combinação de jogo.
- Após decisão do número de créditos que se pretendem apostar numa jogada, o jogador pode accionar o botão, que simula o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizam, ficando em cada um dos quadrados um símbolo, sendo que o jogador ganha se a combinação aleatória constar da relação das combinações consideradas premiadas; caso contrário, perde, operando como uma slot machine de um casino.
- O software da máquina foi alterado, só podendo ser utilizado especificamente nesta máquina.
- Esta máquina encontrava-se a ser utilizada de forma activa por E..., o qual se encontrava a jogar jogo de fortuna ou azar denominado “Halloween”, avaliadas respectivamente, cada uma, em oito mil e quinhentos euros.
2) Uma máquina composta por um móvel de cor preta, composta por monitor, CPU, rato, teclado, com ligação à corrente eléctrica e ligação à internet, concretamente a determinados sítios de internet pré-determinados, sendo necessário, para aceder, introduzir moedas, por forma a comprar tempo de utilização.
- Existe um link directo para o portal “interkiosk.net”, que permite aceder, para além do mais, a jogos de poker, blackjack, roleta, slotmachine, craps, corrida de cavalos, bingo e jogos idênticos à “vermelhinha”, operando a máquina como instrumento para os clientes terem acesso ao portal onde se encontram os jogos de fortuna ou azar.
- O poker opera como um jogo de cartas em que os jogadores jogam uns contra os outros, tendo como objectivo alcançar a melhor combinação possível com cinco cartas. Dependendo do jogo, a combinação é encontrada escolhendo duas das cartas do jogador e três das cinco em comum.
- No videopoker o jogo inicia-se com o jogador a decidir a aposta que pretende realizar em cada jogada, surgindo, de imediato, e de forma aleatória, na base do ecran, cinco cartas.
- O jogador pode fixar as cartas que entender, na expectativa de que, as que não fixou, sejam substituídas por outras que, conjuntamente com as já fixadas, venham a constituir uma sequência premiada. A fixação da carta é realizada por mero toque. Podem ocorrer duas situações a final: ou a combinação que saiu não é premiada, e o jogo termina; ou é premiada, e o jogador opta por creditar os créditos ganhos na jogada ou por dobrar os referidos créditos; se optar por recolher os créditos, a jogada termina; se arriscar dobrar, e sair uma carta do valor que apostou, o jogador duplica os créditos apostados; caso contrário, perde tudo, e a jogada termina. O objectivo do jogo é conseguir combinações premiadas (exemplo: sequencia real, sequencia numérica), sendo que o lançamento das cartas, a substituição das cartas não fixadas, o sorteio da carta para a dobra, são processos totalmente aleatórios, executados pela aplicação do jogo.
- No blackjack/21 o objectivo consiste em fazer a combinação blackjack com as duas cartas iniciais ou com as duas cartas adicionais obter tal pontuação. O jogo inicia-se com a distribuição de cartas, terminando com a obtenção de blackjack, pedindo cartas adicionais se ninguém obtiver blackjack, com o propósito de o atingirem.
- O jogo roleta inicia-se com a decisão pelo jogador sobre os números ou grupos de números em que pretende apostar, colocando as fichas nos locais respectivos. Após, opera o lançamento da bola até à sua imobilização, sendo premiados os jogadores cuja aposta foi no número e cor onde a bola se imobilizou.
- O menu de jogo da slot machine é composto por cinco rolos de símbolos e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens. Nos cenários de jogo estão visíveis três símbolos de cada rolo, que produzirão combinações aleatórias, que coincidirão ou não com as existentes na tabela de prémios. Só os símbolos que ficam sob a mesma linha configuram uma combinação de jogo.
- Após decisão do numero de créditos que se pretendem apostar numa jogada, o jogador pode accionar o botão, que simula o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizam, ficando em cada um dos quadrados um símbolo, sendo que o jogador ganha se a combinação aleatória constar da relação das combinações consideradas premiadas; caso contrário, perde, operando como uma slotmachine de um casino.
- O jogo “craps” é jogado numa mesa especialmente construída e marcado para a concretização das apostas, que utiliza dois dados. O objectivo do jogo consiste em os pontos saídos coincidirem com a aposta feita pelo jogador, sendo que o jogador que lança os dados deve fazer uma aposta inicial.
- Quando a soma das pintas dos dados perfazem 2, 3, 12, as apostas da linha-passe perdem-se. Se a soma das pintas perfizer 7 ou 11, a partida está acabada e o jogador lança de novo. Se a soma dos dois dados exibir 4, 5, 6, 8, 9, 10, o jogador deve lançar até sair o 7 ou o ponto de novo. Se o número de ponto for atingido, os apostadores da linha de passe ganham e os apostadores da linha de não passe perdem; se o 7 for lançador antes do número do ponto, as apostas da linha de passe perdem e as apostas da linha de não passe ganham.
- O jogo de corrida de cavalos simula uma corrida em que existem vários cavalos que participam, tendo o jogador de apostar naquele que pensa vencer a corrida; se o vencedor não for a sua aposta, perde.
- O jogo do bingo consiste em: à medida em que as bolas numeradas vão saindo, de forma aleatória, o jogador verifica se os números destas constam do seu cartão. Se os números extraídos coincidirem com os números do cartão, na sua totalidade ou formando uma linha, tem direito a prémio; se os números extraídos não coincidirem com os do cartão, o jogador perde.
- O jogo “onde está a bola” consiste em o jogador fazer uma aposta antes da jogada, sendo-lhe mostrado onde se encontra a bola, e posteriormente cabe-lhe identificar o copo onde se encontra a bola; se acertar ganha a aposta, caso contrário, perde, sendo que a velocidade e troca de posição torna impossível ao jogador acompanhar a localização da bola.
- A obtenção dos resultados supra descritos depende primacialmente da sorte.
d) No dia 16 de Janeiro de 2010, cerca das 21h30, foram apreendidas no interior do estabelecimento comercial “ C...”, supra identificado, em lugar visível e acessível ao público, duas máquinas, sendo que uma delas se encontrava a ser utilizada de forma activa por A..., o qual se encontrava a jogar jogo denominado “Halloween”, máquinas essas avaliadas respectivamente em oito mil e sete mil e quinhentos euros, a saber:
1) - Uma das máquinas é composta por um monitor, CPU, rato, teclado e um CPU, inserida num móvel com estrutura de cor preta, existindo um mecanismo para leitura de pen´s e cartões, a qual se encontrava ligada à corrente eléctrica e em funcionamento.
- A máquina em análise nos autos tinha por objectivo a sua utilização como terminal de internet e navegação na internet e para desenvolver jogos de fortuna e azar, concretamente por acesso a um servidor remoto utilizando tecnologia flash, que permite desenvolvimento do jogo sem necessidade de instalação de software no disco rígido da máquina. Da análise ao disco rígido foram detectados inúmeros registos temporários de acesso ao sitio http://dsg.zapto.org, que disponibiliza jogos de fortuna ou azar, concretamente o jogo “halloween”.
2) A outra máquina é de cor cinzenta, estrutura em madeira, teclado, rato, ecran de vídeo, apresentando sistema de funcionamento de vídeo, com ligação à corrente eléctrica.
- A máquina possui um sistema de códigos de acesso variáveis ao jogo de fortuna ou azar.
- Da análise realizada apurou-se a existência de uma aplicação – programa informático – que contém ficheiros auxiliares ao seu funcionamento, com referência aos jogos de fortuna ou azar, concretamente “Jolly”, “Multigame” e “Newgame”, tendo sido possível apurar os elementos relativos à tabela de prémios e palavras alusivas ao jogo de póquer, imagens de botões, conforme imagens de fls. 2 a 6.
- Os referidos jogos desenvolvem-se do mesmo modo, apenas com um grafismo diferente. Para aceder ao jogo é necessário introduzir um código alfanumérico no quadro que surge no ecran, iniciando-se o jogo com o jogador a decidir a aposta que pretende realizar em cada jogada, surgindo, de imediato, e de forma aleatória, na base do ecran, cinco cartas. O jogador pode fixar as cartas que entender, na expectativa de que, as que não fixou, sejam substituídas por outras que, conjuntamente com as já fixadas, venham a constituir uma sequência premiada. A fixação da carta é realizada por mero toque. Podem ocorrer duas situações a final: ou a combinação que saiu não é premiada, e o jogo termina; ou é premiada, e o jogador opta por creditar os créditos ganhos na jogada ou por dobrar os referidos créditos; se optar por recolher os créditos, a jogada termina; se arriscar dobrar, e sair uma carta do valor que apostou, o jogador duplica os créditos apostados; caso contrário, perde tudo, e a jogada termina.
- O objectivo do jogo é conseguir combinações premiadas (exemplo: sequência real, sequência numérica), sendo que o lançamento das cartas, a substituição das cartas não fixadas, o sorteio da carta para a dobra, são processos totalmente aleatórios, executados pela aplicação do jogo.
e) O software das máquinas referidas em c) 1 e d) 2 foi alterado, só podendo ser utilizado especificamente nestas máquinas.
f) As máquinas referidas em c) 1 e d) 2 eram utilizadas pelos clientes do estabelecimento concretamente nos jogos tipo “slot machines” e poker, blackjack, roleta, craps, slotmachine, bingo, corrida de cavalos, onde está a bola.
g) As máquinas referidas em c) foram instaladas pelo arguido B..., o qual se dedica à venda e exploração de máquinas de jogos, no referido estabelecimento, em data não concretamente apurada, para que o arguido A...procedesse à sua exploração, conforme ocorreu.
h) Os arguidos auferiam entre si os lucros provenientes da exploração das máquinas, numa percentagem não concretamente apurada.
i) O arguido A...agiu de forma livre e voluntária, com o propósito concretizado de desenvolver a prática de jogos de fortuna e azar cujas características conhecia e dela obter proveito económico, bem sabendo que no âmbito daquele jogo a obtenção de qualquer prémio se baseava exclusivamente na sorte, assim como tinha conhecimento de que o seu estabelecimento não se encontrava habilitado com qualquer autorização emitida pela entidade competente para explorar as máquinas em questão, o que representou.
j) Sabia ainda o arguido que não podia proceder à exploração daquela máquina, porquanto tal exploração é legalmente reservada aos casinos e zonas de jogo oficialmente autorizadas.
k) O arguido B... agiu de forma livre e voluntária, com o propósito concretizado de ceder, a título não concretizado, e explorar, as máquinas, de sua propriedade, de modo a possibilitar a sua exploração no estabelecimento comerciante C..., de modo a que as mesmas fosse utilizadas pelos respectivos clientes e usufruir os respectivos lucros daí advenientes, cujo modo de repartição não se logrou apurar, bem sabendo que no quadro da sua autorização legal não lhe era permitido vender, transportar, ceder ou explorar por qualquer modo máquinas que desenvolvessem a prática de jogos cujas características conhecia e dela obter proveito económico, bem sabendo que no âmbito daqueles jogos – supra mencionados – a obtenção de qualquer prémio se baseava exclusivamente na sorte, assim como tinha conhecimento de que o estabelecimento, onde realizou o negócio, não se encontrava habilitado com qualquer autorização emitida pela entidade competente para explorar as máquinas em questão.
l) Após as máquinas terem sido apreendidas, após fiscalização de 16 de Janeiro de 2010, o arguido A... reiterou o seu comportamento, voltando a celebrar negócio no sentido da colocação das máquinas no estabelecimento comercial com jogos da mesma natureza, para obtenção de proveito económico com a prática do jogo de fortuna ou azar pelos clientes.
m) Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punida pela lei.
n) Ao arguido A...foi aplicada suspensão provisória do processo no âmbito do inquérito n.º 52/10.5EASTR, pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, o qual se encontra arquivado.
o) Ao arguido B... foi aplicada suspensão provisória do processo no âmbito do inquérito n.º 77/09.3EASTR, pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, o qual se encontra arquivado.
p) Do CRC do arguido B... constam os seguintes antecedentes criminais:
- foi condenado em 30 de Junho de 2010, no processo comum singular n.º 78/09.1EACBR, do 2.º juízo criminal do Tribunal Judicial de Leiria, na pena de 150 dias de multa, pela prática, em 15 de Maio de 2009, de um crime de exploração ilícita de jogo, pp pelo art.º 108.º, n.º 1, 3 e 4, do DL 422/89, de 2 de Dezembro.
q) Do CRC do arguido A... constam os seguintes antecedentes criminais:
- foi condenado em 19 de Janeiro de 2010, no processo abreviado n.º 87/08.8SILSB, do 2.º juízo, 1.ª secção, do Tribunal de Pequena Instância criminal de Lisboa, na pena de 40 dias de multa, pela prática, em 6 de Abril de 2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3.º do DL 2/98, de 3 de Janeiro.
[…]»

§ 2.º

1 – Manifestando-se irresignados, dela (sentença condenatória) recorreram ambos os id.os arguidos – pelas respectivas peças juntas a fls. 510/524.º e 554/582, cujos conteúdos nesta sede se têm por reproduzidos –, primacialmente pugnando pela respectiva absolvição, em fundamental razão de sustentada inquinação do próprio julgado por diversos vícios jurídico-processuais, formais – de nulidade – e lógico-silogísticos, e de errónea qualificação jurídico-criminal dos enunciados actos comportamentais de comercialização/exploração das caracterizados máquinas de jogo, ou, subsidiariamente, pela redução das respeitantes medidas sancionatórias, tidas por excessivas/desproporcionadas, como emerge das vertentes conclusivas das respectivas motivações recursivas – consabidamente circunscritoras do objecto, âmbito e fundamento dos manifestados dissídios –, cujo conteúdo, para cabal compreensibilidade, ora se reproduz:
1.1 – De A...:
«[…]
1 – Não se descortinam na sentença os fundamentos que conduziram à aplicação ao Recorrente das penas de multa fixadas numa taxa diária de € 8,00, pois faltam os elementos racionais e critérios lógicos, no que concerne à determinação do quantitativo diário das penas de multa aplicadas;
2 – Não faz a sentença recorrida qualquer referência à situação económica e financeira do Arguido, nem aos seus encargos pessoais, como o impõe o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que foi violado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da C.R.P.;
3 – Enferma a sentença recorrida de nulidade, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º, conjugada com o n.º 2, do artigo 374.º e com o n.º 1 do artigo 375.º do Código de Processo Penal, por falta da fundamentação da medida concreta da pena de multa aplicada, no que diz respeito à determinação da taxa diária fixada, nulidade esta que se argúi, devendo ser declarada para todos os efeitos legais;
4 – Padece a sentença recorrida de nulidade pela falta de fundamentação da determinação da medida da pena conjunta do cúmulo jurídico, nulidade esta que se argúi, devendo ser declarada para todos os efeitos legais;
5 – Aplicou-se ao arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares, uma pena única de 7 meses de prisão e uma pena de 110 dias de multa sem que tenha havido um juízo expressamente concretizado que orientasse o julgador na determinação da pena resultante do cúmulo jurídico;
6 – Dado que, na sentença recorrida não se vislumbra a concretização de quaisquer fundamentos respeitantes à globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, subjacentes à determinação da medida da pena de multa do cúmulo jurídico, viola a sentença recorrida o disposto nos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n. 1, alínea a), do C.P.P., nos artigos 77.º, n.ºs 1 e 2, do C.P., e no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;
7 – Os depoimentos das testemunhas F, militares da G.N.R., conjugados com o doc. de fls. e seguintes dos autos, referente à decisão dos autos de contra-ordenação que correram termos no Município de Ourém, trouxeram elementos relevantes aos autos que, por si, imporiam decisão diversa da recorrida;
8 – Dos depoimentos das testemunhas F, conjugados com o doc. de fls. e seguintes dos autos, referente à decisão dos supracitados autos de contra-ordenação, resultou suficientemente provado que as máquinas descritas na alínea c) dos Factos Provados são máquinas de diversão e não de máquinas de jogos de fortuna e azar;
9 – O Tribunal a quo não apreciou criticamente a prova documental cuja junção determinou no decurso da Audiência de Julgamento, não assacando as consequências que se impunham caso tivesse ocorrido uma análise e apreciação crítica desse documento;
10 – A decisão administrativa cuja junção foi determinada em sede de julgamento, conjugada com os depoimentos das testemunhas F..., e G..... terá, forçosamente, que levar à conclusão de que as máquinas apreendidas em Abril de 2011 não eram máquinas de jogos de fortuna ou azar, mas sim, máquinas de diversão, o que determinará a absolvição do ora Recorrente da prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido no artigo 108.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, por referência aos factos praticados em Abril de 2011;
11 – Existe contradição insanável entre a classificação atribuída às duas mesmas máquinas de jogos pelo competente Serviço de Inspecção de Jogos, no seguimento das duas acções inspectivas, separadas por escassos dias, que resulta provada do confronto do relatório pericial de fls 96 a 125 dos autos, quando confrontado com o documento cuja junção foi determinada pelo Tribunal a quo em sede de Julgamento e que o mesmo Tribunal não apreciou, nem sequer fez qualquer alusão na douta sentença;
12 – A prova que se produziu e os factos dados como provados, são insuficientes para condenar o arguido, em cúmulo jurídico, pela prática dois crimes de exploração ilícita de jogo, previsto e punido no artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro;
13 – Da análise de toda a prova produzida em sede de julgamento, bem como os factos dados como provados na douta sentença de que se recorre, não se vislumbra que a conduta do arguido tenha integrado a prática do crime p. e p. no aludido artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, pois, para integrar este tipo de crime, importa que esteja preenchido o conceito de jogo de fortuna ou azar, i. é, é necessário que se trate de um dos tipos de jogos de fortuna e azar descritos no n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma legal;
14 – Não se provou que os jogos desenvolvidos pelas máquinas referidas nos autos sejam jogos de fortuna ou azar, uma vez que essas máquinas não pagavam, nem directa, nem indirectamente, prémios em fichas ou moedas, pelo que se não enquadram em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 4.º Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro;
15 – As máquinas de jogos dos autos não se subsumem aos jogos do tipo dos descritos na alínea g) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, pois esta alínea refere-se a jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte;
16 – O Legislador, na alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei do Jogo quis prever as máquinas de jogos que paguem de forma indirecta prémios em fichas ou moedas e desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, tendo excluído do seu âmbito de aplicação os jogos desenvolvidos por máquinas que não paguem, nem directa, nem indirectamente, prémios em fichas ou moedas, como as máquinas dos autos;
17 – O Legislador não classifica como jogos de fortuna e azar todos os jogos em máquinas que, não pagando prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas apenas os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte;
18 – Punir-se o arguido, em cúmulo jurídico, pela prática de dois crimes de exploração ilícita de jogo, previstos e punidos no artigo 108.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, atenta a ausência de lei criminal que descreva as máquinas descritas nos autos como máquinas de fortuna ou azar, faz incorrer a sentença condenatória de que se recorre em violação do Princípio da Legalidade, previsto no artigo 1.º, n.º 1 do Código Penal e Consagrado constitucionalmente no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa;
19 – Além de nula, a sentença recorrida sofre do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto foi aplicada ao arguido/recorrente pena de multa e fixada a taxa diária em € 8,00, sem que da decisão constem quaisquer factos sobre a sua situação económica e financeira, sendo certo que não se mostra ter sido impossível obter elementos sobre essa situação;
20 – O direito ao silêncio exercido pelo arguido não é suficiente para, com base nele, o Tribunal a quo decidir aplicar ao arguido uma pena de multa, numa taxa diária que fixou em oito euros, por mobilização de "critérios médios" que não são explicitados nem concretizados em parte alguma da douta sentença;
21 – Por força do previsto no artigo 370.º do Código de Processo Penal, podia o Tribunal a quo solicitar a elaboração de relatório social ou informação dos Serviços de Reinserção Social, logo que tais informações se reportassem convenientes e necessárias à correcta determinação da sanção que, eventualmente, viesse a ser aplicada ao arguido;
22 – Não pode o silêncio do arguido desfavorecer o arguido, no âmbito da determinação do quantitativo diário das penas de multa a que foi condenado, sob pena de violação do disposto no artigo 343.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Penal;
23 – Sem condescender, as penas de prisão e de multa aplicadas, porque demasiado elevadas, violam o disposto nos artigos 71.º, n.º 1 e 40.º, n.º 2, do C.P., bem como no artigo 77.º, n.º 1, do mesmo diploma;
24 – Assim, no caso de não serem declaradas as nulidades verificadas e já arguidas, bem como no caso de ser considerada provada a prática dos crimes de exploração ilícita de jogo, devem as penas de prisão e de multa aplicadas serem revogadas e substituídas por outras mais leves e que respeitem as finalidades preventivas da punição;
25 – Deve, assim, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que absolva o arguido;
26 – Violadas foram, entre outras, as normas dos artigos 4.º, n.º 1 e 108.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, dos artigos 1.º, n.º 1, 47.º, n.ºs 1 e 2, 77.º, n.º 1 e 2, 158.º, n.º 1 e 190.º, n.º 1 e 3 do Código Penal, dos artigos 118.º, 122.º, n.º 1, 127.º, 133.º, 343.º, n.º 1, 370.º, 374.º, n.º 2, 375, n.º 1, 379.º, n.º 1, al. a) e 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e dos artigos 13.º, 29.º e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
[…]»
1.2 – B...:
«[…]
A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente às máquinas apreendidas em Abril de 2011 no estabelecimento comercial dos autos, designadamente no que concerne à segunda das máquinas em causa, com ligação a sítios de internet pré-determinados (e cuja única finalidade era, efectivamente, a sua utilização na navegação na Internet),
B. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração dos jogos disponibilizados em tal máquina aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender os mesmos jogos como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente "pensava" o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita,
C. Pois que, como bem resulta de tudo o processado nos autos, e da matéria tida como provada, os jogos disponibilizados por aquela máquina, do modo como se "apresentavam", são livremente disponibilizados via "on-line" a um qualquer utilizador, seja por intermédio da máquina dos autos ou mediante a utilização de um qualquer computador com ligação à Internet, além do que, nos mesmos não é efectivada uma qualquer aposta em "dinheiro real",
D. Sendo certo que, da utilização de tais jogos em tal máquina não retiraria o ora Recorrente, ou quem quer que fosse, um qualquer proveito económico para além daquele resultante do "tempo de navegação comprado" por um qualquer utilizador, com o consequente direito a utilizar tudo o que a máquina disponibilizava, designadamente os ditos sítios pré-determinados, que por "defeito" já vinham instalados em razão do programa existente de controle de gestão de acesso à Internet,
E. Além do que, uma tal máquina não efectuava um qualquer pagamento de prémios e/ou atribuição de fichas, directa ou indirectamente, tão pouco, conforme referido, permitia quaisquer apostas de "dinheiro real" nos ditos jogos disponibilizados on-line, não sendo assim os valores despendidos de tal forma relevantes a ponto de lesarem uma qualquer família ou património, e, não resultando uma qualquer "exploração", no sentido estrito e legal do termo, de tais jogos por parte do Recorrente.
F. Ademais, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n. 4/2010, e após uma rigorosa análise e enquadramento de tudo o aí vertido e decidido, da sua fundamentação, sempre se dirá que naquele douto Aresto é defendido que o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, logo, se excluindo os jogos dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4 e 108º da "Lei do Jogo",
G. Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito directamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efectuado nos "jogos de casino" – Cfr. arts. 1º e 4º, n.º 1, als. f) e g) –, sendo que, no caso concreto, este requisito se encontra totalmente afastado relativamente a ambas as máquinas dos autos.
H. Isto sem descurar do facto de a própria "Lei do Jogo" (arts. 1º e 4º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art. 1º) com a técnica exemplificativa (art. 4º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros,
I. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia,
J. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (nºs 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte dos jogos das máquinas dos autos das características dos denominados jogos de casino.
K. Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 […], tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime,
L. Sempre os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, e, como tal, nunca as máquinas dos autos poderão ser enquadradas nesses jogos, pois que, relativamente a elas, está totalmente afastado o preceituado na al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, na medida em que, nenhuma delas pagava directamente em prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e, no caso da primeira máquina em causa, poderiam então, alegadamente, ser convertíveis posteriormente em numerário.
M. No entanto, sempre se diga que, nem essa possibilidade de conversão das aludidas pontuações em numerário poderá, por si só, fazer precludir a sua "integração" enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação.
N. Donde, se entende como não preenchido o elemento objectivo do tipo de ilícito dos autos, eventualmente relativamente a ambas as máquinas, mas sempre, e sem margem para dúvidas, quanto à segunda das máquinas em causa, porquanto disponibilizava unicamente o acesso à Internet (ainda que tivesse instalado um link para sítios pré-determinados, um dos quais disponibilizava a prática de jogos, mas a grande parte deles apenas de diversão), não podendo a condenação do Recorrente incidir sobre a mesma, com a consequente redução da gravidade da sua conduta.
SEM PRESCINDIR,
O. Delimitando-se as penas a aplicar ao Recorrente na culpa deste, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar a pena aplicada, na medida em que, extravasa claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo Recorrente.
P. É de todo incompreensível, porque exagerada e desproporcionada, a pena aplicada ao Recorrente, ainda que mais não seja pelo facto de, atento tudo o supra exposto, a sua actuação se "traduzir" tão só na exploração de uma única máquina de jogo, a qual apenas aceitava moedas, facto que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus utilizadores, e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que para os Recorrentes pudessem vir a resultar de tal exploração.
Q. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor dos Recorrentes, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorado o facto de o Recorrente estar familiar, social e profissionalmente inserido, a que acresce o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares, ou de qualquer outro tipo de ilícito, da sua parte.
R. Quanto ao quantitativo diário, de € 8,00 (oito euros) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal "a quo" julgou por adequado ao caso presente, merece a reprovação por parte do Recorrente, na medida em que, ao fixar tal valor, não parece haver o Digníssimo Tribunal "a quo" ponderado, minimamente, "a situação económica e financeira" do aqui Recorrente e "os seus encargos pessoais", ainda que para tal tivesse que efectuar o mesmo raciocínio "estimativo" (dos «critérios médios») que efectivou para aferir de potenciais rendimentos, incorrendo, dessa forma, numa clara violação do disposto no art. 47º, n.º 2 do C.Penal,
S. Pois que, na verdade, por recurso aos denominados «critérios médios», sempre deveria também ser "estimada" a parte da despesa que teria que suprir o Recorrente, como sejam as suas necessidades de habitação, vestuário e alimentação, ainda para mais com o elevado custo de vida que se verifica actualmente no nosso País,
T. Pelo que, nessa sequência, sempre será de concluir que, nunca o quantitativo diário a aplicar ao Recorrente poderia ser superior ao mínimo legal de € 5,00 (cinco euros), montante esse, aliás, habitual em casos como o presente, de exploração de jogos de fortuna ou azar, e quando não possui o julgador da certeza dos rendimentos do Arguido, por um tal desconhecimento (que poderia ser "ultrapassado") não poder prejudicar um qualquer Arguido.
U. A pena aplicada ao ora Recorrente, não é de forma alguma correcta e justa, revelando-se, aliás, como exagerada e desproporcionada às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os arts. 40º e 71º do C.Penal,
V. De igual modo, também o quantitativo diário da pena de multa se revela como exagerado, e, em clara violação do disposto no art. 47º, n.º 2, do C.Penal, por se afigurar como absolutamente desproporcional à situação económica e financeira do Recorrente e aos seus encargos pessoais, ainda que "estimativos", por recurso aos «critérios médios».
W. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de pena substancialmente inferior, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
X. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 40º, 47º, n.º 2, e 71º, nºs 1 e 2 do C.Penal, 1º, 3º, 4º e 108º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 32º da C.R.P..
[…]»
2 – O Ministério Público pronunciou-se – em 1.ª instância e nesta Relação – pela insubsistência argumentativa e pela consequente improcedência recursória, (vide referentes peças processuais – de resposta e parecer –, a fls. 606/622 e 630, cujos dizeres nesta sede se têm identicamente por transcritos).
3 – O arguido-recorrente B... exerceu o direito conferido pelo n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal – compêndio legal doravante também referenciado pela sigla CPP –, reiterando as razões e pretensões recursórias, (cfr. peça de fls. 637/639).

II – AVALIAÇÃO

II.A – CONTEXTUALIZAÇÃO

Como supra se deu sumária nota, emerge da economia das respectivas fundamentações recursórias, mormente dos referentes quadros-conclusivos, a nuclear demanda pelos id.os recorrentes à Relação da verificação/análise/reparação das seguintes denunciadas maculações da sentença recorrida, cuja resolução se sequenciará, por naturais razões de ordem lógico-jurídica, em função da respectiva natureza e virtualidade jurídico-processual – nos planos adjectivo e/ou substantivo –, como postulado pela dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos arts. 424.º, n.º 2, e 368.º, ns. 1 e 2, do C. P. Penal:
1 – Por A...:
1.1 – Vícios lógico-silogísticos de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por adquirida (provada), e de contradição insanável entre a classificação jurídica atribuída às duas máquinas de jogo apreendidas em 2 de Abril de 2011 e a decisão administrativa (da Câmara Municipal de Ourém) cuja cópia foi junta aos autos (a fls. 446/456) na sessão de julgamento de 30/04/2013, conjugada com os depoimentos das testemunhas F e de G..., (cfr. respectivas conclusões 12.ª/22.ª e 7.ª/11.ª);
1.2 – Vício formal de nulidade da própria sentença, (cfr. conclusões 1.ª/6.ª);
1.3 – Ilegalidade da operação jurídica de concretização/quantificação dos valores das definidas medidas sancionatórias, (cfr. conclusões 23.ª, 24.ª e 26.ª).
2 – Por B...:
2.1 – Ilegalidade jurídico-subsumptiva do respectivo – definido – comportamento à figura-de-delito de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 108.º da Lei do Jogo, na versão introduzida pelo D.L. n.º 422/89, de 02/122, (cfr. respectivas conclusões A a N e X);
2.2 – Ilegalidade da operação jurídica de concretização/quantificação dos valores da correspectiva punição, (cfr. conclusões O a X).

II.B – APRECIAÇÃO

§ 1.º
– Desvio silogístico –

1 – Ainda que de forma jurídico-processualmente imprecisa, suscita-se nuclearmente na motivação recursiva do arguido A... a corrupção do avaliando julgado pelo vício lógico-silogístico de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por adquirida (provada) – prevenido pelo art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP –, particularmente no que lhe concerne, respeitantemente quer à vertente jurídico-subsumptiva dos seus definidos/enunciados actos de exploração das máquinas de jogo apreendidas no seu estabelecimento comercial C... em 16/01/2010 e 02/04/2011, quer à quantificativa do valor pecuniário diário das penas de multa, argumentando-se, para tanto, e respectivamente, com a irrevelação dos necessários condicionalismos fácticos do conceitual pressuposto jurídico de exploração de jogos de fortuna ou azar postulado pelo convocado tipo-de-ilícito ínsito sob o n.º 1 do citado art.º 108.º da Lei do Jogo, bem como da sua própria realidade socioeconómica.
2 – Observam-se, de facto, do texto sentencial, criteriosamente analisado, várias incoerências lógicas entre as premissas dos tecidos e ora avaliandos silogismos jurídicos, incontornavelmente comprometedoras da racionalidade das resultantes conclusões, quer no plano da própria integração típico-criminal quer no da quantificação do valor económico da taxa diária das definidas penas de multa. Assim:
2.1 – Estando em questão, no primeiro domínio, a aquilatação da responsabilidade criminal dos dois id.os cidadãos-arguidos por ilícita exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, constituirá missão fundamental, intraprocessual, rigorosamente averiguar da natureza e dinâmica do funcionamento das sinalizadas máquinas electrónicas, de modo a habilitar-se o racional discernimento acerca da respectiva aptidão/idoneidade ao exercício e desenvolvimento de tais modalidades de jogo, primacialmente reservadas a casinos, tal-qualmente se encontram legalmente caracterizadas e balizadas pela dimensão normativa integrada, máxime, pelos dispositivos ínsitos sob os arts. 1.º e 4.º, n.º 1, proémio, e respectivas alíneas f) e g), da referenciada Lei do Jogo3/4, e, dessarte, a seguramente se ajuizar da proibição da correspectiva disponibilização ao público no estabelecimento comercial em questão ( C...).
Ou seja, posto que apenas em casinos pertinentemente autorizados é permitida a exploração de máquinas de jogo de cujo contingente funcionamento – absoluta ou fundamentalmente marginal a qualquer eventual destreza ou perícia do correspondente utilizador/jogador – decorrerá a álea do imediato (directo) ganho de prémios em fichas ou moedas, ou, independentemente do recebimento de tais eventuais prémios, a da obtenção de visadas/almejadas pontuações no desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar – como tal relacionados sob as alíneas a) a e) do n.º 1 do citado art.º 4 da Lei do Jogo (bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero; black jack/21, chukluck e trinta e quarenta; bacará de banca limitada e craps; keno; e bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo) –, e sendo já indiscutível e incontroversa quer a referida natureza contingente dos resultados consequentes do funcionamento e utilização de todas as questionadas máquinas de jogo – apreendidas em 16/01/2010 e 02/04/2011 –, quer a aptidão ao desenvolvimento por algumas delas de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, (vide o supra reproduzido segmento fáctico-assertivo da sindicada sentença), sempre importaria esclarecer, desde logo, da eventual correlação entre o accionamento dos respectivos mecanismos e softwares e a potencialidade de emergência de resultados premiados e da directa/imediata atribuição de correspondentes prémios em fichas ou moedas aos correspectivos utilizadores/jogadores, ou de sucessivas e emocionalmente envolventes pontuações, de modo a inequivocamente se poder ajuizar da natureza da ilicitude da sua contextual exploração.
Acontece, porém, que não obstante vagamente se aluda no assertório sentencial a prémios, listas de prémios e a combinações/sequências premiadas conexos com a operação da tais maquinismos, [cfr. respectivo ponto-de-facto n.º 1, als. c).1, c).2 e d).2, supra reproduzido, máxime a págs. 2 a 6], por aí se ficou, nada mais a propósito se aprofundando/elucidando, no sentido inelutavelmente demonstrativo, ou então excludente, da integração das características dos referidos aparelhos na catalogação legal estabelecida nas enunciadas alíneas f) e/ou g) do n.º 1 do art.º 4.º da Lei do Jogo. Deixou-se, pois, pairar a dúvida – ainda perfeitamente solúvel, mormente por pertinente perícia – sobre se algum ou todos reúnem potencial de atribuição de prémios em fichas ou dinheiro, designadamente, e, consequentemente, se haverão de ser enquadrados na primeira [f)] ou na segunda [g)] das referidas previsões legais de máquinas de jogo de fortuna ou azar exclusivamente exploráveis em casinos.
Tal lacunar informação factual compromete, por conseguinte, qualquer preciso ajuizamento sobre a qualificação jurídica dos actos de exploração dos ditos aparelhos; isto é: se configura, efectivamente, natureza criminal, por inequívoca realização dos pressupostos do tipo-de-ilícito estabelecido sob o n.º 1 do citado art.º 108.º da Lei do Jogo – por referência aos correspectivos preceitos normativos 1.º e 4.º, n.º 1, proémio, e respectivas alíneas f) e g) –, ou se meramente se haverá de conformar como comportamento contra-ordenacional, como recursivamente defendido por ambos os recorrentes, quiçá escusada/esterilmente caso a sinalizada problemática se houvesse cabal e oportunamente esclarecido.
2.2 – Doutra sorte, como claramente decorre do inciso normativo do n.º 2 do art.º 47.º do Código Penal, a operação definitória do valor quantitativo da taxa diária da pena de multa a cominar – localizável no intervalo compreendido entre € 5,00 e € 500,00 – pressupõe a prévia indagação, tendencialmente precisa, da real/contemporânea situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais5.
Verifica-se, todavia, que, como alertado pelos recorrentes – mormente por A... –, a sentença é absolutamente omissa quanto a tais legais premissas.
Como assim, nenhuma racional base de sustentação se lhe encontra para a opção judicial de fixação das taxas diárias de multa – relativamente a ambos os condenados – em € 8,00.
3 – Por conseguinte, como é de mediano alcance, em directa razão de tal indevida demissão investigativa das enunciadas premissas ficou lógica e inexoravelmente corrompida toda a construção silogística subjacente às duas sinalizadas vertentes decisórias – jurídico-subsumptiva dos actos comportamentais de ambos os id.os arguidos, e definitória das taxas diárias de multa –, assim manifestamente inquinada pelo vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por adquirida (provada), prevenido sob a al. a) do n.º 2 do art.º 410.º do C. P. Penal.
Impor-se-á, pois, decorrentemente, a respectiva invalidação e o inevitável reenvio do processo para novo julgamento tendente ao seu concernente suprimento, todos os residuais fundamentos recursivos ficando, dessarte, evidentemente prejudicados.

III – DISPOSITIVO

Assim, o pertinente órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, delibera:
1 – O reconhecimento da invalidade do analisando julgado – nos termos e limites supra apontados – por efeito da sua verificada corrupção pelo enunciado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por provada, prevenido sob o artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
2 – A determinação do reenvio do processo – em conformidade com a estatuição normativa ínsita sob o art.º 426.º, n.º 1, do CPP – para realização de novo julgamento tendente à indagação [a)] das precisas características das apreendidas máquinas de jogo (de todas), particularmente da respectiva potencialidade à atribuição de prémios em fichas ou dinheiro aos respectivos usuários/jogadores, [b)] bem como da situação socioeconómica dos dois id.os cidadãos-arguidos, e consequente produção de nova e adequada sentença.
***
Sem tributação.
***
Coimbra, 21/05/2014.

Os Juízes-desembargadores:
(Abílio Ramalho, relator)
(Luís Ramos)



1 Representado por Ex.ma juíza de direito.
2 Doravante apenas referenciada pela expressão substantivo-significativa Lei do Jogo.
3 Artigo 1.º (Jogos de fortuna ou azar)
Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
4 Artigo 4.º (Tipos de jogos de fortuna ou azar)
1 – Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
[…]
f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
[…]
5 Artigo 47.º (Pena de multa)
[…]
2 – Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
[…]