Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
498/09.1GCVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: TRANSCRIÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
PENA DETENTIVA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 13.º DA LEI 37/2015; ART. 17.º DA LEI 57/98; ARTS. 70.º A 72.º, DO CP
Sumário: I - Para a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, exige-se a verificação de um pressuposto formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade - e um pressuposto material – arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir o perigo de prática de novos crimes.

II - Sobre a questão de saber se a pena de prisão suspensa é ou não uma pena privativa da liberdade, a Jurisprudência tem-se dividido num e noutro sentido aderindo nós a tese que considera que face à autonomia da pena de substituição aplicada, uma pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena não privativa da liberdade para efeitos do art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 (Lei anterior).

III - Existe uma corrente de opinião (que tem prevalecido nas Relações, sobretudo na Relação de Coimbra) que preconiza uma solução para esta questão que passa pela interpretação da expressão “pena não privativa da liberdade” como abrangendo, não só a pena principal de multa, mas também as penas de substituição não detentivas.

IV - Mas o que se nos afigura decisivo para a solução da questão controvertida é a natureza das penas de substituição, designadamente a de suspensão da execução da pena de prisão.

V - É pacífico o entendimento de que se trata de penas autónomas (em relação à pena principal que substituem) e essa autonomia tem várias implicações. É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.

VI - No caso vertente, face à pena aplicada de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, se encontra verificado o requisito formal constante do art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/15, de 05/05, vale dizer - condenação em pena não privativa da liberdade.

Decisão Texto Integral:

           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

O arguido, A... , não se conformando com o despacho que indeferiu o pedido de não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

            1. Vem o presente recurso interposto do despacho judicial proferido nos autos supra identificados, datado de 02­. 06-2015, com a referência 74236134, proferido nos mesmos, que indeferiu o pedido de não transcrição da sentença no registo criminal do aqui Arguido, com o qual não se concorda.

2. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 27-06-2012, foi decidido condenar o arguido A... como autor material do crime p. e p. pelos art.s 277°, n.º 1, al. b) e n.º 2 e 285° do Código Penal na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução

3 O aqui Recorrente requereu, ao abrigo do artigo 17, n.º 1 da Lei n.º 57/98 de 8 de Agosto, agora no art. 13.º da Lei n ° 37/2015 de 05 de Maio, a não transcrição da pena em que foi condenado no seu registo criminal, ou caso a o tivesse sido, a sua omissão, por entender que preenchia todos os requisitos do aludido enunciado normativo.

4. Tal pedido deveu-se a razões de ordem profissional, designadamente à intenção de participar em concursos públicos, no âmbito dos quais iria ser pedido certificado do registo criminal do candidato/ora Recorrente, administrador de uma Sociedade Anónima, exatamente os certificados que a lei prevê nos n.ºs 5 e 6 do art. 10.° da Lei 37/2015.

5. Conforme requisito para a aplicação da norma, o Arguido e primário e, atendendo as circunstâncias que acompanham a condenação, não poderá deduzir-se o perigo de prática de novos crimes.

6. Na verdade, atendendo à sua idade, sem que tenha cometido previamente qualquer infracção criminal, podemos deduzir ter um percurso de vida normativo e respeitador das regras sociais. Para além disso, mostra-se familiar e socialmente integrado, sendo pessoa respeitada e considerada no meio social e profissional em que se insere, onde as concretas exigências de prevenção especial negativa não se fazem sentir.

7. É ainda de salientar o comportamento do Recorrente após a ocorrência do facto ilícito, erradicando a fonte de perigo em causa, o que denota sincero arrependimento e vontade de correcção.

8. Assim, a questão sub judice prende-se com a interpretação do segmento da aludida norma no que respeita ao enquadramento da pena concreta aplicada nos presentes autos nos conceitos jurídicos de “pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade”.

9. Salvo melhor opinião, entendemos que a pena de prisão suspensa na respectiva execução, independentemente da sua duração, deve entender-se como uma pena autónoma da pena de prisão e verdadeiramente não privativa da liberdade do condenado, pelo que, deve ser subsumida no conceito normativo "pena não privativa da liberdade constante do art. 13.º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio.

10. O facto de o aqui recorrente ter sido condenado na pena principal de prisão de 2 anos não é impeditivo, por si só, da não transcrição da condenação no respectivo registo criminal para efeitos laborais, já que, a pena concreta a final aplicada ao mesmo foi, na realidade, a pena de prisão suspensa na sua execução por igual período, e as eventuais vicissitudes do respetivo cumprimento também não devem ser obstáculo ao deferimento da não transcrição da sentença no respectivo registo criminal do recorrente.

11.       O Tribunal "a quo" fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação das disposições do art.  ° 13.º da Lei n. ° 37/2015  de 05 de Maio, tendo em conta que a pena a que o arguido foi condenado é superior a 1 ano, sendo que o facto de ser suspensa na sua execução não lhe retira a natureza de pena de  prisão.

12.       Com o devido respeito, as aludidas normas devem ser interpretadas no sentido de a pena de prisão suspensa ser enquadrada no conceito normativo de "pena não privativa da liberdade" constante do aludido artigo art. 13.º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio, permitindo a aplicação do instituto da não transcrição da sentença no registo criminal ao caso concreto dos autos.

Pelo que, deve o presente recurso obter provimento e em consequência ser o Douto Despacho recorrido alterado em conformidade, ordenando-se a não transcrição da sentença no certificado de registo criminal do aqui Recorrente, com as legais consequências.

Fazendo-se assim, JUSTIÇA. 

O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela procedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            É este o despacho recorrido:

Requer o arguido A... a não transcrição (ou a omissão) da pena a que foi condenado nos presentes autos no seu registo criminal.

O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido, por entender que a pena aplicada não se engloba no conjunto de penas em relação às quais a lei permite a possibilidade de não transcrição.

                                               *

Cumpre apreciar e decidir.

Atualmente, a questão em apreço é regulada pelo artigo 13°, n.º 1 da Lei 37/205, de 5 de Maio (norma semelhante ao artigo 17º, n.º 1 da anterior Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto), o qual dispõe que "Sem prejuízo do disposto na Lei 11312009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152. 0 no artigo 152.o -A e no capítulo V do título 1 do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n. os 5 e 6 do artigo 10”.

Nos presentes autos, foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução.

A questão que se coloca é a de saber se a lei permite a possibilidade de não transcrição em relação a tal pena. Entendemos, acompanhando a posição manifestada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que não, tendo em conta que a pena de prisão a que o arguido foi condenado é superior a 1 ano, sendo que o facto de ter sido suspensa na sua execução não lhe retira a natureza de pena de prisão (passível de ser executada, em face da revogação da suspensão), não relevando, por isso, a suspensão da execução para o efeito em causa. Reconduz-se, assim, a "pena não privativa de liberdade" a que alude a disposição legal citada à pena de multa - neste sentido, veja-se, designadamente, o recente Acórdão da Relação do Porto citado na promoção que antecede (acórdão de 21.01.2015, do qual é relator o Sr. Desembargador Augusto Lourenço, que se encontra disponível em www.dersi.pt

Pelo que, em face do exposto e em conformidade com o promovido, indefere-se o requerido.

Notifique.

Cumpre apreciar

A questão aqui em análise tem sido objecto de entendimentos diversos na jurisprudência.

Vejamos:

Dispõe-se o artº 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05/05: «Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artº 152º, no artº 152º -A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10.º»

Exige-se pois a verificação de um pressuposto formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade - e um pressuposto material – arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir o perigo de prática de novos crimes.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado, p. e p. pelo artº 277º, nº 1, al. b) e 285º do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Passemos então a apreciar se no caso dos autos está reunido o pressuposto formal, único posto em crise no articulado recursório. Uma vez que estamos perante uma pena de prisão superior a um ano, importa apurar se a pena aplicada ao arguido – 2 (dois) anos suspensa na sua execução – é uma pena não privativa da liberdade.

Sobre a questão de saber se a pena de prisão suspensa é ou não uma pena privativa da liberdade, a Jurisprudência tem-se dividido num e noutro sentido aderindo nós a tese que considera que face à autonomia da pena de substituição aplicada, uma pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena não privativa da liberdade para efeitos do artº 17º, nº 1, da Lei nº 57/98 (Lei anterior).

Neste sentido o acórdão da Relação do Porto nº 70/98.0TBPRD-A.P1 de 22/10/2014 refere: «Ao usar a expressão “pena não privativa da liberdade”, o legislador quis referir-se, apenas, à pena (principal) de multa ou pretendeu abranger as penas de substituição não detentivas? Uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão (como a que foi cominada ao recorrente) suspensa na sua execução (suspensão esta decidida pelo acórdão desta Relação de 27.02.2007, proferido em recurso interposto pelo arguido) é, para o efeito que aqui nos interessa, uma pena não privativa da liberdade?

Na doutrina, distingue-se as penas principais, as acessórias e as de substituição.

Numa perspectiva dogmática, penas principais são aquelas que as normas que descrevem os tipos legais estatuem e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras.

Contrapõem-se-lhes as penas acessórias, que são aquelas que só podem ser aplicadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal e assentam, materialmente, num específico conteúdo de censura do facto. Penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição (em vez) da execução de penas principais concretamente determinadas.

Ainda numa perspectiva dogmática, distingue-se as penas de substituição em sentido próprio, que se caracterizam pelo seu carácter não institucional ou não detentivo (isto é, por serem cumpridas estando o condenado em liberdade) e por pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, que vão substituir (nesta categoria se agrupam as penas de suspensão da execução da prisão, a multa de substituição, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a admoestação e, por último, por ser de consagração legal mais recente, a proibição do exercício de profissão, função ou actividade), e as penas de substituição detentivas (prisão por dias livres, regime de semidetenção e regime de permanência na habitação), que, pressupondo também a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, como a própria designação indica, são cumpridas intramuros (ainda que, agora, não necessariamente numa instituição prisional) e daí a grande relutância em considerá-las verdadeiras penas de substituição (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 335-336).

Neste enquadramento, fazendo apelo ao artigo 70.º do Código Penal - que estabelece o critério fundamental da escolha da pena e do qual decorreria que a pena de multa é a única pena não privativa da liberdade - e considerando que uma pena de suspensão da execução da pena “não afasta nem oculta a pena inicial de prisão, antes a pressupõe”, uma corrente jurisprudencial defende que, para o efeito do disposto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a expressão "pena não privativa da liberdade", o legislador quis referir, apenas, a pena de multa, excluindo, portanto, outras penas não detentivas, como são as penas de substituição proprio sensu.

Situam-se nesta linha de pensamento os acórdão desta Relação, de 30.09.2009 (Des. Artur Oliveira), publicado na CJ XXXIV, T. IV, p. 219 (assim sumariado: I – “A pena de três anos de prisão substituída pela pena de suspensão da execução da prisão é uma pena privativa da liberdade. II - por isso, não pode o juiz autorizar que a condenação em tal pena não seja transcrita nos certificados do registo criminal") e da Relação de Lisboa, de 23.02.2011 (Des. Telo Lucas), disponível em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que “a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que se reporta o n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18-8 (…) comporta tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa. Qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo”.

Em contraponto a esta posição, existe uma corrente de opinião (que tem prevalecido nas Relações, sobretudo na Relação de Coimbra) que preconiza uma solução para esta questão que passa pela interpretação da expressão “pena não privativa da liberdade” como abrangendo, não só a pena principal de multa, mas também as penas de substituição não detentivas.

Inserem-se nesta corrente de entendimento os acórdãos da Relação de Coimbra de 29.09.2010 (Des. Brízida Martins), publicado com o sumário “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória conforme o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18/08 o que releva é a pena de substituição aplicada”, e de 27.02.2013 (Des. Orlando Gonçalves), em que se decidiu que “a condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma «pena não privativa da liberdade», para efeitos do art.º 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98”, da Relação de Lisboa de 21.11.2012 (Des. Maria Elisa Marques), propugnando que “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de «pena não privativa da liberdade» contida no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas” e desta Relação, de 26.06.2013 (Des. Alves Duarte), que decidiu poder o juiz “determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução”.

Impõe-se que tomemos posição nesta querela. Na versão primitiva do Código Penal, a pena de multa surgia como elemento integrante de uma pena compósita cumulativa (prisão e multa) e é com a revisão operada pelo Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que a multa ascende ao estatuto de pena principal, surgindo como pena alternativa da prisão num grande número de tipos legais e sendo tratada na Parte Geral como pena principal. O nosso sistema penal contempla como penas principais a pena de prisão e a pena de multa, o que é dizer que, do elenco de penas principais, a única pena não detentiva é a pena de multa.

Assim sendo, e aceitando-se que “é precisamente a classificação dicotómica das penas principais presentes no critério de escolha da pena estabelecido no art.70.º do Código Penal” que impõe que “a pena não privativa da liberdade” a que se alude no artigo 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98 só possa contemplar a pena de multa (cfr. o citado acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.2011), então lógico seria que o legislador, em vez de utilizar naquele preceito legal a expressão “pena não privativa da liberdade”, referisse, muito simplesmente, “pena de multa”.

A expressão utilizada tem, claramente, um sentido mais abrangente que “pena de multa” e por isso quem perfilha o entendimento de que ali se prevê, apenas, a pena de prisão que não exceda um ano e a pena de multa terá de concluir que o legislador plus dixit quam voluit.

No entanto, nada permitindo afirmar que o legislador não soube exprimir, adequadamente, o seu pensamento na letra da lei e inexistindo motivos para concluir que aquele disse mais do que queria dizer, não é aceitável uma interpretação que se traduz numa amputação substancial do conteúdo do conceito de "pena não privativa da liberdade", reduzindo-o à pena de multa e excluindo as penas de substituição não detentivas.

Mas o que se nos afigura decisivo para a solução da questão controvertida é a natureza das penas de substituição, designadamente a de suspensão da execução da pena de prisão.

É pacífico o entendimento de que se trata de penas autónomas (em relação à pena principal que substituem) e essa autonomia tem várias implicações.

É certo que, com as alterações introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, “deixou de se poder afirmar a regra da determinação, de forma autónoma, da medida concreta da pena de substituição, a partir dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do CP”.

Assim acontece com a suspensão da execução da pena de prisão, que tem a duração igual à pena de prisão fixada na sentença, com o mínimo de um ano, quando, antes de 2007, era fixada dentro dos limites de duração legalmente estabelecida (entre um e cinco anos), mas independentemente da pena de prisão aplicada.

No entanto, uma vez aplicada a pena de substituição, ela adquire plena autonomia.

É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.
Como verdadeira pena autónoma (de substituição) que é, a suspensão da execução da pena de prisão, está, necessariamente, sujeita a prazo prescricional autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída [assim, os acórdãos da Relação de Lisboa de 26.10.2010 (Des. Jorge Gonçalves) e do STJ, de 13.02.2014 (Cons. Manuel Braz), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Essa autonomia é, claramente, afirmada pelo Professor Figueiredo Dias (Op. Cit., 90-91) que depois equacionar a hipótese de o nosso Código Penal ter acolhido “um conceito diferente e mais amplo de penas principais, abrangendo (…), para além das penas de prisão e das de multa, a suspensão da execução da pena, o regime de prova, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade”, escreve:

“A uma visão mais próxima deve, no entanto, acabar por concluir-se não ter sido intenção nem do ProjPG de 1963, nem do CP, contestar por esta via os critérios definitórios das penas principais que começámos por apresentar. Antes sim chamar, por este modo, a atenção para que, segundo o seu pensamento político-criminal, também as «novas» penas, diferentes da de prisão e multa, são «verdadeiras penas» – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) –, que não meros «institutos especiais de execução da pena de prisão» ou, ainda menos, «medidas de pura terapêutica social». E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.

O que sucede é que estas outras penas não relevam tanto da divisão entre penas principais e penas acessórias, quanto conformam uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam, todavia, tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão. Estas penas de substituição, se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador as não previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com o das penas de substituição (…), como porque uma coisa são as penas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”.

Os defensores da tese de que as penas de substituição, e concretamente a pena de suspensão da execução da pena de prisão, não são “penas não privativas da liberdade”, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98, reconhecem, apesar de tudo, a sua autonomia, mas logo acrescentam que aquela pena de substituição “está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução” (citado acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2011) e, em caso de concurso de crimes de conhecimento superveniente, o que se inclui no cúmulo é a pena de prisão inicial e não a pena de substituição (citado acórdão desta Relação, de 30.09.2009).

No entanto, para que assim suceda, impõe-se uma nova decisão judicial.
A decisão que revoga uma pena de substituição faz ressurgir a pena substituída e, se for uma pena de suspensão da execução de pena de prisão, a sua revogação leva ao cumprimento da pena de prisão inicialmente aplicada. Mas, então, já estamos perante uma nova decisão (que é comunicada aos serviços do registo criminal) e deixa de existir uma pena não detentiva. Porém, se e enquanto tal não acontecer, o que temos é uma pena de substituição
proprio sensu que encaixa, perfeitamente, na expressão “pena não privativa da liberdade” do artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98.

Não despiciendo, afigura-se-nos, ainda, o argumento de que, nesta matéria, não podem ser desprezados os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade que enformam o direito penal.

A publicidade em torno dos antecedentes criminais estigmatiza o condenado, sobre ele recai um anátema social e essa circunstância, está bem de ver, influencia negativamente a sua reinserção social.

O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se, apenas, em motivos de prevenção especial negativa, baseando-se na eventual «perigosidade» do delinquente, pelo que o acesso a essa informação “envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios”, ou seja, aos princípios da «necessidade», da «proporcionalidade» e da «menor intervenção possível», que superintendem na esfera das medidas de segurança” (acórdão da Relação de Coimbra de 03.11.2004, acolhendo o entendimento de Almeida Costa in Polis, V, p. 312)».

Do exposto , no caso vertente, face à pena aplicada de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, se encontra verificado o requisito formal constante do artº 13º, nº 1, da Lei nº 37/15, de 05/05, vale dizer - condenação em pena não privativa da liberdade. Quanto ao requisito substancial, o mesmo não foi posto em crise no articulado recursório.

 DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser alterado em conformidade por outro que ordene a não transcrição da sentença no certificado de registo criminal do aqui recorrente.

Sem tributação.

Coimbra, 18 de Maio de 2016

(Alice Santos - relatora)

(Abílio Ramalho - adjunto)