Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
224/09.5TBCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CUSTAS DE PARTE
NOTA DE DESPESAS
PRAZO
TAXA DE JUSTIÇA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 03/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 446, 533, 542 CPC, 25, 26, 35 RCP
Sumário: 1. A nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada após a sentença que condenou a outra parte em custas mas antes do respetivo trânsito em julgado, é de ter-se por tempestiva.

2. O exequente pode proceder à junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça dentro dos 10 dias posteriores à apresentação do requerimento executivo, sem que tal constitua qualquer irregularidade.

3. A litigância de má-fé abarca atualmente não só a litigância dolosa, mas igualmente a litigância temerária daquele que demanda sem razão e cuja falta de fundamento não podia ignorar.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Por apenso à execução de sentença que «S (…), Ldª. e S (…) instauraram contra F (…) e P (…), , vieram os executados deduzir os presentes embargos de executado, peticionando, a final, a anulação da penhora e a extinção da execução.

Com os seguintes fundamentos, que assim se sintetizam:

nulidade da citação efetuada no âmbito do processo executivo, pelo facto de não lhe terem sido enviadas cópias dos documentos juntos ao processo executivo numeradas e organizadas, não lhes tendo sido dado conhecimento de todos os documentos pertinentes, o que impede a sua defesa;

 ilegitimidade da exequente por não estar acompanhada da sua co-ré na acção nº 224/09.5TBCBR a que a execução se mostra apensa e que foi demandada como executada;

o requerimento de execução não contém a indicação da autoliquidação não havendo indicação de que a taxa de justiça tenha sido paga, sendo que o requerimento subsequente da exequente evidencia que tal pagamento foi efetuado em data posterior, pelo que o requerimento não deveria ter sido recebido;

 os documentos juntos pela exequente, como título executivo, nota discriminativa e justificativa de custas de parte na ação principal, não indicam os sujeitos da obrigação, referindo «E (…)» e outros, incumprindo o que a tal respeito se dispõe no artigo 25º n.2 al. a) do artigo 25º do RCP, não tendo sido, outrossim, dado cumprimento ao disposto pela alínea d), pelo que a exequente não tem direito a receber as quantias reclamadas, sob pena de um enriquecimento sem causa;

 a exequente não deu cumprimento à apresentação da nota discriminativa e justificativa no âmbito daquela ação no prazo legalmente previsto para o efeito, já que o email enviado ao mandatário dos exequentes não foi enviado nos 5 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo, não tendo outrossim sido enviada qualquer nota ao processo;

a falta de remessa da Nota Justificativa, determina a ilegalidade e consequente inexequibilidade da sentença no que tange às custas de parte, não reclamadas nos termos da lei.

Os exequentes deduzem contestação, defendendo a improcedência dos embargos e peticionando a condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, já que deduziram a presente oposição com base em meras irregularidades já sanadas e no que ao mais se refere arguem factos contrários aos demonstrados nos autos, não ignorando a falta do seu fundamento, prolongando a pendência do processo.

Foi proferido saneador/sentença a julgar os embargos improcedentes, condenando os embargantes como litigantes de má-fé, nos termos do artigo 542º, nº1, e 2, als. a), b) e d), do CPC, e 27º, nº3, do RCP, na indemnização de 675,00 €, a favor dos embargados e na multa de II UCs


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Não se conformando com tal decisão, na parte em que os condenou como litigantes de má-fé, os embargantes dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. A exequente não elaborou a Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte nos termos da lei, nem a remeteu aos executados e ao Tribunal dentro do prazo.

2. O Acórdão transitou a 20/04/2014 (facto provado 1. e Certidão emitida pela Vara da Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra (Extinto), Vara Competência Mista – 1ª Secção, junta aos autos como doc. 1 com a Oposição).

3. O documento que se pretende fazer valer como “Nota” foi apresentado e 09/04/2004, isto é, 11 dias antes do trânsito em julgado do acórdão (facto provado 3).

4. O documento apresentado 11 dias antes do trânsito em julgado do Acórdão não pode ser tido como Nota Discriminativa e Justificativa nos termos e para os efeitos legais por violar o disposto no artigo 25.º 1 do RCP.

5. Alegar que a Nota não foi apresentada nem remetida ao tribunal dentro do prazo, uma vez que a lei prevê a sua apresentação no prazo de cinco dias contados desde o trânsito em julgado, e o documento que se pretende fazer valer como “Nota” foi enviado 11 dias (09/04/2014) antes do trânsito (20/04/2014), não consubstancia má-fé.

6. O requerimento executivo foi apresentado a 15/01/2015 e aquando da sua apresentação não foi indicada no formulário, em lugar a isso destinado, a referência da autoliquidação da taxa de justiça devida nem junto qualquer comprovativo do pagamento, sendo que o duc posteriormente junto aos autos (em 22/01/2015) tinha a data de 19/01/2015.

7. Aquando da apresentação da sua defesa, os exequentes não tinham acesso ao Citius, mas tão-só aos documentos que lhe haviam sido notificados, resultando de fls. 42 do próprio requerimento executivo que se encontra nos autos e é passível de visualização no Citius:

8. Os recorrentes têm fundamento para arguir a extemporaneidade do pagamento da taxa de justiça pela exequente. Uma vez mais, o facto de o tribunal recorrido relevar as falhas da exequente, não significa que estas não tenham ocorrido, nem impede os recorrentes de as suscitarem. Os recorrentes não pretenderam induzir em nada. Os recorrentes viram com atenção e apontaram os vícios existentes. Se o Tribunal desvaloriza tais vícios, daí não resulta motivo para a condenação dos recorrentes como litigantes de má-fé.

9. A consulta do processo permite concluir que o requerimento executivo estava pejado desses “lapsos”, posteriormente “corrigidos” pela executada. Todos. Sempre. Fossem assim tão evidentes e inócuos, e talvez não tivesse havido a necessidade de os corrigir.

10. Verificava-se a excepção dilatória de ilegitimidade que os recorrentes arguiram e cuja “correção” a executada requereu.

11. É verdade que o Tribunal a quo, uma vez mais, chamou “lapso” à excepção, que perdoou em violação do disposto no artigo 7º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, que revogou a Portaria 114/2008 de 6 de Fevereiro, cujo artigo 6º dispunha com o mesmo sentido “em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos”. Mas tal indulto, não retira fundamento à alegação dos recorrentes nem consubstancia litigância de má fé.

12. A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorre quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.

13. A Oposição apresentada pelos recorrentes escorava-se em fundamentos reais: a “Nota foi mesmo apresentada fora do prazo, a taxa de justiça não foi mesmo junta com o requerimento executivo, as partes indicadas nos formulários do citius constituem mesmo uma excepção de ilegitimidade; os recorrentes não alteram nem omitem factos: o requerimento executivo que lhes foi notificado no processo 637/15.3T8CBR e ao qual se opuseram, demonstra mesmo a sua elaboração em 15 de Janeiro de 2015; não praticaram qualquer omissão do dever de cooperação: aliás, a sua boa colaboração permitiu que fossem corrigidos os “lapsos” da contraparte; nem fazem uso reprovável do processo, ao invés, lutaram para que a verdade fosse descoberta e valorada e a lei aplicada, em busca da realização da Justiça no caso concreto.

14. Dispõe o artigo 731.º CPC sobre a Oposição à execução baseada noutro título que “podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa” como sucede no caso dos autos, em que o título é a “Nota discriminativa e justificativa”. Logo, inexiste norma legal que sustente a imposição do silêncio que o Tribunal a quo parece querer impor aos recorrentes, só porque estes não Reclamaram de uma não Nota.

15. Dos autos não resulta provada qualquer atuação dolosa ou gravemente negligente dos recorrentes, com vista a conseguir um objetivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a ação da justiça.


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 675º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, a questão a decidir é uma só:
1. Se os embargantes litigam de má-fé.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
São os seguintes, os factos tidos em consideração pelo tribunal a quo, e que não foram objeto de impugnação por qualquer das partes:
1. F (…) e P (…) intentaram a ação com processo ordinário que correu termos com o nº 224/09.5TBCBR contra «S (…)Unipessoal, Lda» e S (…), a qual veio a terminar com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, junto a fls. 365 a 378, em 18.03.2014, que, julgando totalmente improcedente a apelação confirmou a sentença de primeira instância, condenando os aí autores nas custas em ambas as instâncias.
2. Em sede de decisão de primeira instância, conforme fls. 308 a 328, foi a acção julgada totalmente improcedente e os AA. condenados nas respetivas custas.
3. Por requerimento apresentado nos autos principais (ação ordinária) a fls. 384 e segs., com data de 9 de Abril de 2014, a ilustre mandatária dos aí réus apresentou nos autos nota justificativa ao abrigo do artigo 25º do RCP, que notificou eletronicamente com a mesma data ao ilustre mandatário dos aí autores, nos termos do documento junto a fls. 384/385, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual não foi objeto de reclamação por parte dos AA.
4. Em 21.01.2015, através de requerimento eletrónico foi intentada execução na qual foi indicado no campo para tal existente, como exequente «S (…). Unipessoal, Lda» e executados S (…), F (…) e P (…) , , à qual foram juntos os documentos de fls. 2 vs a 32 da execução.
5. Por requerimento de fls. 33 e segs. da execução, foi solicitada a retificação do lapso manifesto constante do requerimento executivo quanto à identificação de S (…) como executada, já que a mesma devia ter sido indicada como exequente, conforme resulta dos autos principais, o que mereceu despacho de deferimento a fls. 50/51 e 59 dos autos, já transitado em julgado.
6. Na referida execução foi lavrado auto de penhora junto a fls. 35 e segs. dos autos, relativamente à penhora de saldo bancário no montante de 2.950,00€ do executado F (…)
7. Na sequência da arguição de nulidade por parte dos embargantes quanto ao envio dos documentos juntos com o requerimento executivo, foi junta a estes autos a informação da Srª agente de execução de fls. 19, na qual informa que foram enviados aquando da citação/notificação dos executados, todos os documentos juntos ao requerimento executivo e que junta aos autos.
8. Por requerimento eletrónico referência 584083, de 22.01.2015, os exequentes fizeram juntar a os autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça da execução efetuado em 19.01.2015, que não havia sido junto ao requerimento executivo entrado em 21.01.2015.
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 O juiz a quo veio a condenar os embargantes como litigantes de má-fé, com base na seguinte argumentação:
“No caso, a litigância de má-fé por parte dos embargantes extrai-se claramente da factualidade provada e acima já apreciada, porquanto desta resulta claramente terem sido invocados factos pelos mesmos que não correspondem à realidade e que se mostram atestados no processo em sentido contrário ao pugnado pela parte como fundamento da oposição deduzida. Desde logo, quanto à alegada falta de apresentação nos autos principais da nota discriminativa e justificativa, e por outro quanto à data do alegado pagamento da taxa de justiça pela apresentação do requerimento de execução, o qual, conforme se evidencia da factualidade provada, tem data de pagamento anterior à entrada do requerimento executivo e não, como como pretendem induzir os embargantes nos artigos 11º a 15º do seu articulado, em data posterior ao mesmo. Outrossim se verifica dos demais argumentos aduzidos como fundamento dos embargos, que estes assentam na utilização de lapsos claramente evidenciados do teor dos próprios documentos/requerimentos, com evidenciado objetivo de com a defesa apresentada protelar a execução e o pagamento das quantias devidas a título de custas de parte e cuja responsabilidade resulta claramente da decisão final condenatória proferida quanto às mesmas e da oportuna apresentação da nota de custas de parte, à qual nada opuseram em sede própria, o que face ao já acima elencado não poderemos deixar de considerar que fizeram com a necessária consciência da falta de fundamento do que, a tal título, invocaram, pelo que, não poderá deixar de se considerar que agiram de má-fé, nos termos em que a lei preconiza a mesma e designadamente nos termos das alíneas a), b) e d) do n.2 do artigo 542º do CPC.
Insurgem-se os embargantes contra a sua condenação em litigância de má-fé, argumentado terem fundamento para apresentar a sua defesa:
- o documento apresentado na ação declarativa como nota de despesas, a 09.04.2004, não pode ser tido em consideração, pelo facto de ter sido apresentado 11 dias antes do transito em julgado, quando a lei prevê a sua apresentação no prazo de cinco dias contados desde o transito em julgado, pelo que a alegação de tal irregularidade não constituiu má-fé;
- os embargantes têm fundamento para arguir a extemporaneidade do pagamento da taxa de justiça pela exequente, sendo que se o tribunal desvaloriza tais vícios, daí não resulta motivo para a condenação dos recorrentes como litigantes de má-fé;
- o requerimento executivo estava pejado de lapsos, posteriormente corrigidos pela exequente e perdoados pelo tribunal, o que não retira razão aos embargantes.
Embora o objeto do presente recurso se circunscreva à decisão que condenou os embargantes como litigantes de má-fé (a decisão de improcedência dos embargos é irrecorrível face ao valor da causa), tendo esta sido proferida por se considerar preenchida, entre outras, a hipótese prevista na al. a) do nº2 do artigo 542º do CPC – tiver deduzido oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar –, não podemos deixar de apreciar a bondade dos fundamentos de oposição à execução por parte dos embargantes, uma vez que os apelantes discordam de tal condenação com a argumentação de que a oposição por si deduzida à execução não se pode considerar infundada.

1. Tempestividade da nota de despesas.

A nota de custas de parte que serve de base à presente execução foi apresentada no processo principal e dela dado conhecimento aos executados, aí réus, sem que estes tenham deduzido qualquer oposição à mesma no prazo legal.

A falta de oposição a tal nota de custas de parte leva à sua estabilização, atribuindo-lhe o valor de título executivo – consubstanciado no conjunto envolvido pela certidão de liquidação e pela sentença condenatória – nos termos do artigo 35º, nº2 do RCP.

De qualquer modo, ainda que considerássemos encontrarmo-nos perante um “título judicial impróprio[1]”, e os embargantes pudessem, agora, invocar como fundamento de oposição à execução uma intempestividade da apresentação da nota, não arguida por si no momento próprio, sempre se dirá que os embargantes não têm qualquer razão quanto à invocada intempestividade da apresentação de tal nota de despesas.

Tal nota só se poderia considerar “fora de prazo”, se o prazo previsto por lei para a sua apresentação tivesse sido ultrapassado, e não foi.

As custas de parte estão abrangidas na condenação que a título de custas seja proferida pela instância jurisdicional em que o processo tenha sido tramitado, em conformidade com o disposto nos artigos 446º, nº1, do CPC, e 26º, nº 1, do RCP. Ou seja, a condenação em custas envolve, enquanto retribuição pelos serviços de justiça prestados através do processo judicial, não só, a constituição na obrigação de pagamento das custas ainda eventualmente em dívida no processo, enquanto retribuição pelos serviços de justiça prestados através do processo judicial, como ainda todas as importâncias que a parte vencedora tenha adiantado ao longo da lide: taxas de justiça, encargos e despesas compensatórias dos gastos com o mandatário judicial e com o agente de execução, e que integram as denominadas “custas de parte”.

É no exato momento em que a sentença que condene uma das partes (ou ambas) em custas é proferida que efetivamente nasce o direito ao reembolso das custas de parte a favor de quem tenha ganho de causa, e a inerente obrigação de pagamento das custas de parte à parte vencedora, obrigação esta a cargo, naturalmente, da parte que tenha decaído.

Contudo, tal obrigação tem de ser posteriormente liquidada através do incidente ou mecanismo previsto no artigo 533.º, nº 2 do CPC – a parte credora deverá elaborar a uma nota discriminativa e justificativa, onde sejam consignadas todas as rubricas a serem alvo de reembolso, remetendo-a ao tribunal da causa, onde ficará a mesma inserta nos autos, bem como à parte vencida (artigos 25.º, do RCP e 30º a 33º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril).

Esta liquidação e interpelação da parte contrária no prazo assinalado por lei para o efeito é absolutamente necessária, sob pena de preclusão do direito ao seu reembolso, não cabendo aqui e agora discutir se nos encontramos perante um prazo de caducidade ou de prescrição[2].

Tal liquidação e interpelação deverá ocorrer até ao momento previsto no nº 1 do artigo 25º do Regulamento das Custas Processuais: “Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa.” (nº 1 do artigo 25º do Regulamento das Custas Processuais).

Atentar-se-á, em primeiro lugar, que, se atentarmos ao elemento literal da referida norma, a mesma não nos indica o momento a partir da qual a mesma pode ser elaborada e apresenta nos autos e enviada à parte contrária, mas, tão só, o termo final de tal prazo: ou seja, dela não podemos retirar que a parte só possa apresentar tal nota após o trânsito em julgado da sentença de condenação em custas, mas, tão só, que terá de o fazer até cinco dias após o respetivo trânsito.

E, em princípio, assim que toma conhecimento da sentença que condenou a outra parte em custas, a parte vencedora dispõe dos elementos necessários à elaboração de tal nota discriminativa. Com efeito, com a notificação da decisão que ponha termo ao processo, a seção de processos deve remeter às partes uma nota discriminativa com a indicação das quantias pagas a título de taxa de justiça e encargos, por via da qual as partes são informadas dos valores a incluir na nota relativa às custas de parte (o nº2 da Portaria 419º-A/2009).

Por outro lado, e ainda que se considerasse que o nº1, do artigo 26º do RCP, contém, não só, o termo final, mas, também, o momento inicial do prazo para apresentação da nota discriminativa, a lei atribui efeitos perentórios, em princípio, apenas ao excesso e não à antecipação do prazo, como vem sendo assumido na jurisprudência[3]. Do nº 3 do artigo 139º do CPC (anterior nº3 do artigo 145º), que determina que o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato – impedindo a sua prática uma vez ele decorrido –, não se pode retirar que o ato não possa ser praticado antes de tal prazo se iniciar (independentemente da apreciação do mesmo por parte do tribunal ter de aguardar, nalguns casos, pelo decurso de tal prazo).

Como tal, nada obsta a que a apresentação da nota discriminativa tenha lugar após ser proferida a sentença que determinou a condenação em custas, ainda que em momento anterior ao trânsito em julgado de tal decisão, até porque, a entender-se estabelecer o legislador um prazo de cinco dias após o transito, ele é de tal modo curto[4] que o credor de custas de parte, a esperar pelo trânsito, corre o risco de deixar passar deixar ultrapassar, nomeadamente, face a um diferente modo de contagem do mesmo por parte do tribunal.

Assim sendo, sempre se confirmaria o juízo de tempestividade da nota discriminativa apresentada na ação executiva, por ter sido junta aos autos antes de expirado o termo do prazo previsto por lei para a sua apresentação.

Por outro lado, a parte devedora de custas de parte pode reclamar da nota justificativa no prazo de 10 dias a contar da sua notificação, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes (art.º 33.º, n.º 1, da Portaria 419-A/2009). A admissibilidade da reclamação está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota (art.º 33.º, n.º 2), sem o qual o Juiz deve rejeitar liminarmente a reclamação apresentada, decisão da qual caberá recurso se o valor da nota justificativa e discriminativa for superior a 50 UC.

Findo o prazo para reclamação da nota justificativa ou pagamento voluntário das custas de parte “o requerimento é tacitamente deferido (nº3 do artigo 29º da Portaria 419-A/2009).

Não tendo na altura reagido contra a apresentação de tal nota discriminativa, que não negam ter recebido, e relativamente à qual na altura não levantaram a questão da sua tempestividade ou qualquer outra, não podiam agora invocar a “falta de remessa da nota discriminativa e justificativa ao tribunal”.

Como bem se afirma na sentença recorrida, “a não reclamação oportuna e tempestiva da nota justificativa de custas de parte outro efeito não pode ter que não seja o da estabilização na ordem dos valores apresentados pelo credor na nota que apresentou”.

Prevendo o legislador um incidente específico para liquidação da condenação genérica em custas contida na sentença – consistente na apresentação da nota discriminativa, com a faculdade de reclamação a deduzir contra tal nota, a culminar com a decisão do juiz suscetível de recurso - a ausência de apresentação de reclamação por parte do devedor de custas, à nota que lhe tenha sido devidamente comunicada na ação declarativa, faz precludir o direito a invocar os possíveis fundamentos de defesa que tivesse a opor a tal nota.

Concluindo, confirmamos encontramo-nos perante um fundamento de oposição manifestamente infundado.

2. Se tinham fundamentos para invocar a falta de pagamento da taxa de justiça por devida pela instauração da execução.

Encontra-se demonstrado que “Por requerimento eletrónico referência 584083, de 22.01.2015, os exequentes fizeram juntar a os autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça da execução efetuado em 19.01.2015, que não havia sido junto ao requerimento executivo entrado em 21.01.2015.”

Ou seja, tendo o requerimento executado dado entrada em tribunal a 21.01.2015, a taxa de justiça foi paga a 19.01.2015, ainda em momento anterior à apresentação do requerimento executivo. E se, aquando da junção do requerimento executivo não juntou de imediato o comprovativo de tal pagamento, fê-lo mediante requerimento que deu entrada em tribunal no dia seguinte. Por outro lado, tendo o pagamento sido tempestivo, o facto de só no dia seguinte à apresentação do requerimento executivo ter procedido à junção do comprovativo de tal pagamento é irrelevante, não tendo qualquer consequência processual.

Com efeito, se o nº1 do artigo 725º do CPC determina que a secretaria recusa receber o requerimento, no prazo a contar da distribuição, se o requerimento executivo não for acompanhado do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sempre o exequente poderia ainda juntar o documento em falta nos 10 dias subsequentes à recusa do recebimento, considerando-se o novo requerimento apresentado na data da primeira apresentação (nº3 do artigo 725º). Assim, se quando a secretaria vai apreciar o requerimento executivo se encontra já junto aos autos o comprovativo do pagamento atempado da taxa de justiça, não há qualquer irregularidade a sanar. Aliás, igual solução se encontra prevista no artigo 145º, onde se refere que a falta de junção do comprovativo da taxa de justiça não implica a recusa da peça processual que exija tal pagamento, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato, sob pena de aplicação das sanções previstas nos artigos 570º e 642º.

Ou seja, a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça dentro dos 10 dias seguintes à prática do ato não constitui qualquer irregularidade, mas um direito que assiste ao apresentante, pelo que, se a secção, antes de decorridos os 10 dias sob a prática do ato, constata a falta de tal comprovativo, deverá aguardar que no decurso de tal prazo seja efetuada tal junção, só tendo necessidade de agir se, decorrido tal prazo, tal junção se não verificar. E, como já referimos, mesmo decorrido tal prazo de 10 dias, a omissão da falta de junção do comprovativo ainda é sanável nos termos previstos no nº3 do artigo 725º.

No requerimento de oposição à execução, alegaram os oponentes que da análise das fotocópias que lhes foram entregues “parece” que o requerimento executivo terá sido apresentado em tribunal no dia 15 de janeiro de 2015, sem que, dos documentos que então juntam aos autos resulte a que elementos foram buscar tal convicção, questão que também agora não esclarecem.

O invocar de tal questão em sua defesa, de um modo genérico e inconsistente e sem justificar minimamente a sua afirmação, só pode entender-se como uma atitude leviana e enquanto manobra dilatória e com objetivo de protelar a execução das quantias em dívida.

3. Lapsos do requerimento executivo e da nota discriminativa.

Na tese dos Apelantes, tinham fundamento para invocar as irregularidades em causa, irregularidades que o juiz a quo teria desculpabilizado sistemática e indevidamente.

Vejamos quais as irregularidades apontadas pelos embargantes/Apelantes:

- no requerimento executivo inicial, como exequente surge a indicação da Sinute – Atividade Unipessoal, Lda., uma das coautoras da ação principal, constando, no lugar reservado à identificação do executado, entre outros, o nome da coautora Sara Simões Pereira Rodrigues.

Ora, o que entenderia um declaratário normal de tal situação? Que houve um lapso de escrita no preenchimento do formulário por parte do mandatário dos exequentes, como é óbvio. Pois os executados, terão entendido que a exequente quis instaurar a execução contra a outra credora de custas de parte, aproveitando tal lapso para invocar a ilegitimidade da exequente por preterição do litisconsórcio necessário, e a ilegitimidade passiva de tal executada.

E, segundo o nº1 do artigo 146º, do CPC, e admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.

A assunção de tal posição por parte dos executados/embargantes só pode ser vista, mais uma vez, como um meio de dificultar o andamento do processo, protelando a satisfação do crédito dos exequentes.


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Passando à análise direta da verificação dos pressupostos da litigância de má-fé, e independentemente da razão que pudesse assistir aos embargantes com a dedução dos presentes embargos – embargos que vieram a ser julgados, e bem, totalmente improcedentes –, no seu requerimento inicial são alegados factos que os embargantes têm de saber não serem verdadeiros:
- a exequente não teria juntado qualquer nota discriminativa ao proc. 224/09.5TBCBR (está dado como provado que juntou, facto este não impugnado pela apelante);
- que o exequente não tenha pago a taxa de justiça em data anterior à propositura da presente execução.
E, encontrando-nos perante a execução resultante de uma condenação dos executados em custas de parte, devidamente liquidada através da junção à ação declarativa da nota respetiva nota discriminativa, que lhes fora oportunamente enviada, e contra a qual não deduziram, então, qualquer oposição, os embargantes vieram deduzir embargos de executado com fundamentos absolutamente dilatórios e destituídos de qualquer razão, nomeadamente, descortinando uma ilegitimidade ativa e passiva, derivada do nome da autora Sara constar no requerimento executivo no espaço reservado ao executado, o que para qualquer pessoa e, nomeadamente para o homem médio, seria entendido como um lapso manifesto.
E, no presente recurso, continuam a insistir com a argumentação já por si deduzida em sede de embargos, mais uma vez fazendo perder tempo precioso ao tribunal.

A questão que se coloca é então a seguinte: poderemos daqui retirar que os embargantes “deduziram pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar”?

Dispõe o nº2 do artigo 542º do NCPC, aplicado pelo juiz a quo, norma que mantém inalterada a anterior redação (anterior art. 456º), tornando irrelevante a discussão sobre qual dos regimes é o aplicável:

2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

A doutrina[5] costuma distinguir duas variantes na caraterização da má-fé: a má-fé material (ou substancial) e a má-fé instrumental (ou processual), abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número. A primeira relaciona-se com o mérito da causa e com a falta de razão da parte e a segunda atende ao comportamento processualmente por si assumido no processo.

Na redação anterior à Reforma de 1995-1996, para que ocorresse litigância de má -fé era necessário que existisse “intenção maliciosa”, ou seja, má-fé em sentido psicológico, e não apenas leviandade ou imprudência – má-fé em sentido ético: Não a integrava a lide temerária (imprudente, errada ou sem justa causa), mas somente a lide dolosa. Era necessário o querer e o saber que se estava a atuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.

O DL 320-A/95, de 12 de Dezembro, veio alargar, de forma significativa, o dever de boa-fé processual, ampliando-se o tipo de comportamentos que podem integrar a litigância de má-fé, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. Passou-se a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: para o conceito de litigância de má-fé passou a relevar não apenas o dolo, como até ali acontecia, mas também a negligência grave ou grosseira. E a negligência grave ocorre nas situações resultantes da falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida.

É acrescentada ainda uma nova causa de má-fé: a omissão grave do dever de cooperação, aditando-se uma nova norma sobre o dever de boa-fé processual que impende sobre as partes (artigo 266º-A).

Apesar deste alargamento do quadro dos comportamentos que podem integrar a litigância de má-fé, deve, ainda assim, o julgador agir com alguma cautela de modo a que nela não se incluam casos de manifesto lapso, de lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e em os interpretar, de diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer[6].

Como é comum afirmar-se, “não é por não se ter provado a versão dos factos alegada por uma parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira por má-fé[7]”.

A litigância de má-fé exige que, quem pleiteia de certa forma, tenha a consciência de não ter razão.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 11.09.2012[8], a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 456º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, a não ser que sejam observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé.

Se é certo que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental (artigo 20º da Constituição da República) já o mau uso desse direito implica uma conduta abusiva, sancionada nos termos do artigo 456º do Código de Processo Civil.

Para maior clarificação dos conceitos em causa, socorrer-nos-emos da distinção efetuada por Castro Mendes[9] entre ação leviana e ação temerária, sendo que, só esta última se encontra abrangida pelo regime da má-fé processual: na primeira o autor demanda sem razão, de boa-fé, mas sem culpa; na segunda, demanda sem razão e de má-fé.

No caso apreço, a falta de fundamento da pretensão dos embargantes afigura-se evidente e manifesta: sem alguma vez afirmarem que as quantias que lhes são peticionadas não se mostrem corretas, deduzem embargos refugiando-se em argumentos puramente formais e que sabem não ser verdadeiros, com a finalidade de protelar, sem fundamento sério, a satisfação do crédito exequendo.

 Concluindo, confirma-se o juízo formulado pela primeira instância de que a dedução de embargos por parte dos executados/apelantes, integra uma litigância de má-fé.

A apelação é de julgar improcedente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelos Apelantes.

Maria João Areias ( Relatora)

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. A nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada após a sentença que condenou a outra parte em custas mas antes do respetivo trânsito em julgado, é de ter-se por tempestiva.

2. O exequente pode proceder à junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça dentro dos 10 dias posteriores à apresentação do requerimento executivo, sem que tal constitua qualquer irregularidade.

3. A litigância de má-fé abarca atualmente não só a litigância dolosa, mas igualmente a litigância temerária daquele que demanda sem razão e cuja falta de fundamento não podia ignorar.


 


[1] No sentido de que se trata de um título judicial ou para-judicial desenvolvido ou concretizado por via de atividade da administração judiciária, se pronuncia Salvador da Costa, 2011, 3ª ed., Almedina, pág. 425.
[2] No sentido de se trata de um prazo de caducidade, Acórdão do TRL de 07.10.2015, relatado por Graça Santos Silva, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Acórdãos do TRL de 13.10.2005, relatado por Fátima Galante, e de 02.07.92, relatado por José Abranches Martins, disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Atentar-se-á em que o Código das Custas Judiciais consagrava um “prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença” para a interpelação das custas de parte (artigo 33º-A, nº1, CCJ).
[5] Neste sentido, entre outros, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2ª ed., págs. 220 e 221.
[6] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRP de 14.01.2009, relatado por Maria do Carmo Silva Dias, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 15.10.2002, de 11.12.2003 e de 28.05.2009, disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Acórdão relatado por Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt.
[9] “Direito Processual Civil”, Vol. II, AAFDL Lisboa 1987, págs. 240 a 241.