Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/16.1JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PERDA A FAVOR DO ESTADO DE VANTAGEM PROMETIDA
LEI GERAL E LEI ESPECIAL
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JC CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 109.º, 110.º, 111.º E 112.º DO CP; ARTS. 35.º A 39.º DA LEI N.º 15/93, DE 23 DE JANEIRO
Sumário: I - A expressão «recompensa dada ou prometida» tem um sentido amplo, de qualquer vantagem dada ou prometida aos agentes do facto ilícito típico. A recompensa é, assim, como que uma subespécie dentro das vantagens.

II - A perda de vantagens tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral.

III - O regime geral da perda de instrumentos, produtos e vantagens, a que vimos fazendo referencia, só será aplicável quando não houver lei especial.

IV - A diferença maior entre este regime especial e o regime geral, é que enquanto neste regime se estipula que são declaradas perdidas a favor do Estado as recompensas dadas e prometidas aos agentes de um facto ilícito típico, bem como as vantagens obtidas através de um facto ilícito típico, no regime especial exige-se a prática pelo agente de “uma infração prevista no presente diploma” .

V - Os requisitos para a perda de vantagens a favor do Estado são, pois, mais amplos no regime geral, que no regime especial previsto na chamada lei da droga.

VI - Não resulta minimamente do texto legal que a perda da recompensa prometida aos agentes de um facto ilícito típico apenas deve ser declarada perdida a favor do Estado se ficar provado que os promitentes tiveram na sua posse a recompensa prometida.

VII - A remoção dos meios económicos subjacentes à prática dos crimes de tráfico e de corrupção, através da perda da recompensa prometida, é o meio verdadeiramente eficaz de combater a atividade ilícita que visou o lucro.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

           

     Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Central Criminal de Coimbra, Juiz 3, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, os arguidos

A... (conhecido por “AA... ”), divorciado, comercial, nascido a 13.12.1963, em (...) , filho de (...) e de (...) , portador do bilhete de identidade n.º (...) , e residente na Rua (...), atualmente preso no Estabelecimento Prisional de (...) a;

B.... (conhecido por “BB... ”), casado, nascido a 9.12.1973, em (...) , filho de (...) e de (...) , portador do bilhete de identidade n.º (...) , e residente na Travessa (...) , atualmente preso no Estabelecimento Prisional de (...) ;

C... , casado, guarda prisional, nascido a 6.02.1960, na freguesia da (...) , filho de (...) e de (...) , portador do bilhete de identidade n.º (...) , e residente na (...) - , atualmente preso no Estabelecimento Prisional de (...) ,

imputando-se:

- ao arguido C... a prática , em autoria e em concurso real, de dois crimes de corrupção passiva, p. e p. pelo art.373.º, n.º 1 do Código Penal;

- aos arguidos A... e B... a prática, em coautoria e concurso real, de dois crimes de corrupção ativa, p. e p. pelo art.374.°, n.º1 do Código Penal;

 - aos três arguidos C... , A... e B... a prática, em coautoria [os arguidos A... e B... em concurso real com os anteriores], de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.°, n.º 1 e 24.º, als. e) e h) do D.L. n.º 15/93 de 22.01; e

- aos arguidos A... e B... ainda a circunstância da reincidência, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal.

O Ministério Público requereu a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções ao arguido C... , ao abrigo do disposto no art. 66.°, n.º1, als. a), b) e c) do Código Penal e, ainda, ao abrigo do disposto no art.111.º, n.ºs 1, 2 e 4 do Código Penal, o perdimento a favor do Estado das vantagens recebidas pelos arguidos através dos crimes pelos quais vão os mesmos acusados: 

“1. O perdimento do dinheiro e demais objetos apreendidos nos autos;

  2. que os arguidos C... , A... e B... sejam condenados solidariamente no pagamento ao Estado no valor de:

       2.1. € 1.200, referente ao valor do suborno por si entregue/recebido no primeiro negócio efetuado;

       2.2. € 2.320, referente ao valor remanescente da recompensa prometida no segundo negócio efetuado [€ 3.000 prometidos - € 680 apreendidos)];

   3. que os arguidos A... e B... sejam solidariamente condenados no pagamento ao Estado do valor de € 4.070, correspondente ao valor da vantagem auferida pela venda do haxixe no interior da cadeia [€ 4.000 resultante da venda das 5 placas de haxixe introduzidas em março de 2016 (cfr. pontos 22. a 26.) + € 70 resultante da venda de haxixe ao D... (cfr. ponto 11.2.).”

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo - no decurso da qual foi  comunicada uma alteração não substancial dos factos, nos termos do art.358.º, n.º1 do C.P.P. -, por acórdão proferido a 19 de maio de 2017, decidiu:

A- Condenar o arguido C... , pela prática, em autoria e coautoria material, na forma consumada, em concurso efetivo, de:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos termos dos artigos 21.°, n.º 1 e 24.º, als. e) e h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos de prisão;

- Dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo art.373°, n° 1 do Código Penal, na pena de 20 meses prisão, por cada um dos dois crimes;

- Operar o cúmulo jurídico destas penas e condenar o arguido C... na pena única de 7 anos de prisão; e

            - Condenar ainda o arguido C... na pena acessória de proibição do exercício de funções, p. e p. pelo art.66.º do Código Penal, pelo período de 4 anos.

B) - Condenar o arguido A... , pela prática, em autoria e coautoria material, na forma consumada, em concurso efetivo e como reincidente (art.75° e 76° do CP) de:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos termos dos artigos 21.°, n.º 1 e 24.º, als. e) e h) do Decreto-Lei n.º15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos prisão.

- Um crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo art.374°, n° 1 do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, e absolve-lo da prática de um crime de corrupção ativa, para ato ilícito, p. e p. pelo art.374°, n° 1 do Código Penal.

- Operar o cúmulo jurídico destas penas e condenar o mesmo arguido A... na pena única de 7 anos e 9 meses de prisão.

C) - Condenar o arguido B... pela prática, em autoria e coautoria material, na forma consumada, em concurso efetivo e como reincidente (artigos 75.º e 76.º do CP) de:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos termos dos artigos 21.°, n.º 1 e 24.º, als. e) e h) do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão.

- Um crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo art.374°, n° 1 do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão, absolve-lo da prática de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, p. e p. pelo art.374°, n° 1 do Código Penal.

- Operar o cúmulo jurídico destas penas e condenar o mesmo arguido B... na pena única de 7 anos e 9 meses de prisão.

Mais decidiu o Tribunal:

- Condenar o arguido C... na perda a favor do Estado da quantia total de € 1.880,00.

- Condenar os arguidos A... e B... na perda a favor do Estado da quantia de € 70,00, absolvendo-os da demais requerida perda a favor do Estado.

Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido C... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. O presente recurso vem interposto do Acórdão que condenou o arguido pela prática, em autoria e co-autoria material, na forma consumada, em concurso efectivo de:

     - um (l) crime de Tráfico de Estupefacientes agravado, p. e p. nos termos do art.21º, nº 1 e art. 24º, ais. e) e h) do Decreto-Lei nº15/93 de 22 Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

     - dois (2)crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo art.373º nº 1 do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão por cada um dos dois crimes;

     - em cúmulo jurídico de penas na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

     - E na pena acessória de proibição do exercício de funções, p. e p. pelo artigo 66º do CP pelo período de 4 (quatro) anos.

2. O recurso restringe-se a matéria de direito, consubstanciada na apreciação da adequação da medida concreta da pena aplicada por cada um dos crimes de que vem condenado e na pena única aplicada em cúmulo jurídico.

3. O artigo 432 º nº 1c) do CPP estipula a competência específica do STJ, em caso de recurso directo, para conhecer de condenações em pena superior a 5 anos de prisão e limitado unicamente à matéria de direito.

4. A jurisprudência última do STJ vai no sentido de, sempre que a pena unitária exceda 5 anos, podendo ser iguais ou inferiores as penas (parcelares) de concurso, é admissível o recurso para o STJ quanto a todas as penas, sob pena de se retirar um grau de recurso,

5. O presente recurso é portanto admissível pelo que deve ser recebido e julgado.

6. O acórdão recorrido não valora devidamente os factos provados nos autos, na determinação do quantum das penas parcelares e da pena única que decreta, aplicando erradamente as normas do artigo 40º nº 1 e 2 , 70º, 71 º e 72º e 77º todos do CP e ainda artigo 18º da CRP.

7. A matriz atual da política criminológica acolhida nos normativos citados e na jurisprudência visa a ressocialização do indivíduo, recuperando-o para a sociedade e reconduzindo-o à normatividade.

8. Nos termos do art.40.º, n.ºs 1 e 2 do CP, a pena tem como principal finalidade a tutela dos bens jurídicos, a que está ligada a função de prevenção geral positiva, não podendo todavia ultrapassar a medida da culpa, e o julgador deverá ponderar também a reinserção social do condenado, a que está ligada a função de prevenção especial ou de socialização.

9. A interpretação do artigo 40º em conjugação com o artigo 18º da CRP, implicam um fim utilitário das penas, que não um fim expiatório ou de mera retribuição.

10. Sendo a medida da pena determinada concretamente em função da culpa e das exigências de prevenção, terão que levar-se em conta determinados factores, que não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, quer esses factores estejam previstos, quer não previstos legalmente (art.71.º, n.ºs 1 e 2 do CP).

11. Ora o Acórdão recorrido não valorou estes factores, na interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude e culpa, bem como das finalidades de prevenção;

12. E não teve em atenção que o grau de culpa e as exigências de prevenção não são variáveis autónomas em relação ao peso das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

13. Na apreciação da culpa o acórdão decisório decide mal ao afirmar que o modo de execução dos crimes, evidencia elevada ilicitude e culpa, sendo que também o arguido C... agiu com dolo intenso.

14. Toda a matéria de facto provada nos autos impõem decisão diversa.

15. Com efeito as circunstâncias atenuantes consubstanciadas nos factos provados quanto ao arguido C... deverão ser valoradas na apreciação da ilicitude e da culpa, tanto quanto as agravantes justificam, quanto aos restantes arguidos, uma maior condenação ou, nas palavras do acórdão recorrido: o enfoque acentuado na actuação dos restantes arguidos levando a que a pena a aplicar a estes arguidos tenha de ser sempre superior àquela a aplicar ao arguido C... .

16. Para além de ser fundamento, a culpa concreta é o máximo de condenação possível e nunca, em caso algum as razões de prevenção geral poderão impor uma pena que ultrapasse essa culpa concreta do agente.

17. A decisão condenatória ultrapassou este limiar imposto pela culpa, atribuindo um maior peso às exigências de prevenção geral no cálculo das penas parcelares, bem como na determinação da pena única.

18. Dentro da moldura penal abstracta para o crime de corrupção passiva considera-se justa a pena de 12 meses por cada crime cometido.

19. Quanto à pena a aplicar para o crime de tráfico de estupefacientes considera-se justa a pena de 5 anos de prisão.

20. As exigências de prevenção geral positiva estarão no caso salvaguardadas pela medida acessória de proibição de funções por 4 anos que impõe o afastamento do arguido do meio onde este iniciou a sua actuação criminosa que se verificou curta e pontual.

21. O acórdão desconsidera os factos provados ao avaliar as exigências de prevenção especial quando determina erradamente que a conduta do arguido “demonstra uma personalidade com dificuldades em valorar positivamente as regras comunitárias que lhe são impostas e, nessa medida, torna-se necessária a aplicação de uma pena de prisão em medida que não suscite quaisquer dúvidas à mesma sobre a gravidade das condutas por si praticadas.”

22. Na verdade, os factos provados nos autos demonstram exaustivamente quanto ao arguido C... , que as exigências de prevenção especial no caso, são diminutas sendo o arguido facilmente conciliável com a normatividade.

23. Na determinação da medida concreta da pena única resultante de cúmulo jurídico (art.77.º do CP) o julgador deve atender, como para qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art.71.º do CP) mas acresce um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua.

24. Impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente no sentido de averiguar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de caráter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade.

25. Ora a conduta criminosa do arguido circunscreveu-se a duas atuações num curtíssimo lapso de tempo, logo ocasional e desligada da sua conduta de vida, não sendo imputável à sua personalidade.

26. Só realizará a aplicação da justiça a condenação numa pena de prisão efetiva, salvaguardando as exigências de prevenção especial, mas num limiar que, suportado pela culpa e pelas exigências de prevenção geral positiva possam devolver o arguido à sociedade o mais breve possível.

27. Nos moldes impostos na Lei fundamental - artigo 18º- que impõem a proibição do excesso, no sentido de dever prevalecer a intervenção menos gravosa, mas ainda assim idónea e estritamente necessária para as finalidades em vista.

Termos em que e nos mais de Direito, requerer-se a esse Venerando Tribunal, que dando provimento ao recurso, altere a concreta medida das penas parcelares aplicadas e consequentemente, da pena única aplicada.

 Inconformado também com o douto acórdão dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Viola o disposto no artigo 111.º n.º 1 do Código Penal o entendimento de que a recompensa prometida tem que existir na posse dos comparticipantes do crime promitentes na data da promessa:

2. Tal restrição não consta da lei, carece de sentido por desde logo não se definir o que caracteriza a posse duma recompensa (só a detenção em conta bancária deixaria registo probatório bastante, mas não deixa de impressionar que um eventual detentor de património imobiliário no valor de milhões de euros não fosse afectado pela perda duma vantagem  prometida em numerário por não ter registo prévio da sua detenção)

3. Não cabe à lei e ao Direito regular a boa-fé no cumprimento dos negócios criminosos ou o cumprimento atempado das obrigações contratuais assumidas para a prática de crimes. É por isso natural que o legislador tenha optado pela pura e simples perda a favor do Estado da recompensa dada ou prometida aos agentes do crime, não cuidando de saber se a recompensa foi efetivamente dada, parcialmente dada ou só prometida

4. A opção da lei foi inequivocamente a de não construir restrições à perda de recompensas prometidas - que no mínimo conduziriam à ineficácia - mas sim na atenuação dos efeitos eventualmente desproporcionados do pagamento do valor correspondente permitindo reduções dos montantes com recurso à equidade (cfr. artigo 112.º do Código Penal)

5. Pelo que, no caso dos autos devia ter sido declarada perdida a favor do Estado a quantia de 680 euros apreendida e condenados os arguidos no pagamento ao Estado da quantia de 2.320 euros correspondentes ao remanescente da recompensa prometida ao arguido C... (3.000 - 680 : 2.320) nos termos do artigo 111.° n. °1 e 4 do Código Penal.

6. O douto acórdão concluí sem adiantar qualquer justificação que “a perda dos vantagens. onera quem dela beneficiou, designadamente quem a recebeu, não se aplicando uma qualquer responsabilidade solidária dos comparticipantes”

7. Procurou estender-se à perda do valor correspondente à vantagem não apreendida em espécie um erróneo entendimento do próprio regime do perda em espécie, parecendo entender-se que a perda da vantagem em espécie só afeta quem dela beneficiou, supondo até que quem beneficiou é quem a recebeu - diríamos até que, no entendimento do Colectivo, se houvesse uma obrigação de entrega de corsa determinada, o obrigado seria o beneficiário da recompensa

8. O regime legal está longe de ser assim, a apreensão e perda em espécie atuam sobre o detentor do coisa a apreender (mesmo que seja um terceiro), que será obrigado a entregá-la, independentemente de ser ou não o beneficiário da recompensa de acordo com o plano criminoso e apenas cede perante os direitos de terceiro de boa-fé ou do ofendido.

9. A posição defendida no douto acórdão recorrido é contrária ao melhor entendimento da lei e constituiria uma brecha na congruência do sistema penal e civil da responsabilidade por factos ilícitos, em especial do disposto nos artigos 490.° do Código Civil que dispõe que é conjunta a responsabilidade dos comparticipantes num facto ilícito pelos danos causados e do artigo 497.° do Código Civil que prescreve que nesses casos a responsabilidade é solidária, como tem sido entendimento pacífico de todos os tribunais.

10. Ao entender o contrário violou o douto acórdão do Tribunal Colectivo o disposto no artigo 111.° do Código Penal então vigente, e os artigos 490.° e 497.° do Código Civil.

Assim, nesta parte, deve ser revogado o douto acórdão recorrido e

   - Declarar-se perdida a favor do Estado nos termos do artigo 111.° n.º 1 do Código Penal a quantia de 680 euros apreendido ao C... por constituir recompensa da prática do crime;

   - Condenar-se todos os arguidos solidariamente no pagamento das quantias de 1.200 euros mais 2.320 euros, dadas e prometidas ao C... e no pagamento dos 70 euros obtidos com a venda do estupefaciente traficado, ou seja, no montante global de 3.590 euros. nos termos do artigo 111.° n.º 1 e 4 do C. Penal na versão então vigente.

            Por fim, também o arguido B... interpôs recurso do douto acórdão, concluindo a motivação do modo seguinte:

1ª – O presente recurso é interposto de uma decisão do tribunal a quo que condenou o arguido, B... , pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido nos termos do n.º 1 do art.21º e alíneas e) e h) do art.24º, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro; e pela prática de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, punido e previsto nos termos do n.º 1 do art.374º do Código Penal. E na perda a favor do Estado da quantia de 70 € (setenta euros).

2ª – O recorrente não se pode conformar com a matéria de facto dada por provada pelo tribunal a quo que, pecam por erros notórios na apreciação da prova (alínea c) do n.º 2 do art. 410º do Cód. de Processo Penal) e pela insuficiência de elementos para a decisão da matéria de facto dada por provada (alínea a) do n.º 2 do mesmo art.410º).

3ª – Na verdade, é desvalorizado e describilizado os depoimentos das testemunhas quando referem que o arguido B... não está relacionado com o tráfico de estupefacientes mas sim com o “negócio” de telemóveis e dispositivos de telecomunicações, assim como as declarações negatórias do arguido relativamente ao tráfico de estupefacientes.

4ª - Confrontando-nos com a prova testemunhal apresentada em julgamento, verificamos que dela não resulta a ligação do arguido B... ao crime de estupefacientes. Verifica-se sim a ligação deste arguido ao “negócio” de telemóveis.

5ª – Desde logo, o depoimento do arguido e guarda prisional C... , que menciona que nunca falou com o arguido B... sobre os assuntos relacionados com o tráfico de estupefacientes. Deste depoimento fica provado que o arguido B... não era conhecedor da entrada e do procedimento de entrada de produtos estupefacientes no interior do Estabelecimento Prisional de (...) pelo guarda prisional C... . Não existindo entre estes dois qualquer tipo de relação de colaboração. Relativamente a esta matéria verifica-se que o tribunal a quo não valorizou estes factos.

6ª – A testemunha de acusação D... afirmou em sede de julgamento que não comprou e nem recebeu estupefacientes nem tabaco ao arguido B... . Apenas referiu que pagou 70 € (setenta euros) pela compra de tabaco ao arguido A... e que transferiu essa importância para a conta da G... sobrinha deste arguido ( A... ). E que o haxixe era de um outro arguido e que entrava dentro do E.P. de (...) pelo guarda C... . Não sendo referido quem era esse arguido e nem sequer foi inquirido sobre este novo facto trazido a julgamento. Quanto a esta matéria existe um erro notório na apreciação da prova e insuficiência de elementos para a decisão da matéria de facto.

7ª - Entende-se por isso que o arguido B... não deve ser condenado a pagar juntamente com o arguido A... a quantia de 70 € (setenta euros) na perda a favor do Estado porque o arguido não teve qualquer intervenção quer direta quer indireta com esta matéria e nem sequer essa importância foi transferida para a sua conta bancária nem para a conta dos seus familiares e amigos. O arguido B... encontra-se portanto fora deste procedimento. Devendo ser absolvido relativamente a esta matéria.

8ª – As declarações prestadas pelo D... perante a Polícia Judiciária e perante o Ministério Público foram feitas sem a presença de advogado, em que se verifica claramente a violação da alínea b) do n.º 1 do art.64º do Código de Processo Penal. O tribunal a quo não pode valorar estas declarações em que esta testemunha afirma que quando as prestou não estava bem da cabeça e quando em sede de julgamento não foi capaz de identificar o arguido B... pelo nome nem pela alcunha de “ BB... ”, só sendo possível a sua identificação ao ser mostrado a imagem do arguido. Apenas sabia que na cela em que se encontrava o arguido A... se encontrava também um recluso da região do Porto, não pode assim o tribunal a quo valorar as declarações que esta testemunha prestou em fase de inquérito.

9ª – Em sede de julgamento esta testemunha não revelou dificuldade em recordar os factos ocorridos e nem sequer demonstrou incómodo quanto ao arguido B... pois o mesmo afirmou em sede de julgamento que não tem nada contra os arguidos, ao contrário do que o tribunal a quo fez convicção no seu acórdão.

10ª – Com base no depoimento do I... verificámos que o conteúdo do saco de papel que o arguido B... lhe tinha pedido continha apenas os telemóveis e dispositivos de telecomunicações e os setenta e dois comprimidos para melhoramento físico. Deste saco não constava o produto de estupefaciente apreendido aquando da detenção em flagrante delito dos arguidos A... e C... .

11ª – Entende-se por isso que com base na prova testemunhal apresentada em julgamento caem por terra todos os argumentos apresentados contra o arguido B... relativamente ao tráfico de estupefacientes e a corrupção ativa para ato ilícito relativamente a este crime.

12ª – Quanto à ação de fiscalização levada a cabo pelos serviços prisionais em 29 de Julho de 2016 e não em 01 de Agosto de 2016 como consta do acórdão do Tribunal Coletivo, no que diz respeito ao produto de estupefaciente encontrado no colchão da cama utilizada pelo arguido A... o tribunal a quo não provou de quem era o produto estupefaciente e nem qual o seu destino. O estupefaciente encontrado seria do arguido B... ou do arguido A... (consumidor) ou do outro recluso que estava na mesma cela com os anteriores arguidos, o O... , que não foi constituído arguido nem sequer foi ouvido como testemunha? E qual o seu destino? O tribunal não resolveu estas questões, devendo por isso aqui ser aplicado o princípio do in dúbio pro reo.

13ª – Confrontando-nos com os movimentos bancários o tribunal não pode comprovar que os arguidos A... e o arguido B... atuassem em conjunto na venda de produtos estupefacientes, telemóveis e produtos de melhoramento físico. Porque não existem quaisquer tipos de transferências entre os mesmos. Existe aqui uma insuficiência de elementos para a decisão da matéria de fato dada por provada.

14ª – Mesmo os papéis manuscritos encontrados na residência do arguido A... com o nome da esposa do arguido B... não podem servir de convicção ao tribunal de que os dois arguidos A... e B... atuassem em conjunto no tráfico de estupefacientes, telemóveis e produtos de melhoramento físico. Quando o motivo da existência daqueles papéis é outro: para a venda do telemóvel que o arguido B... tinha dado ao arguido A... para este vender. Existe aqui claramente um erro notório na apreciação da prova. Tendo desvalorizado quanto a esta matéria a última declaração que o arguido B... prestou em sede de julgamento. O tribunal a quo não quis mais uma vez resolver e dilucidar esta questão: Porque é que o arguido A... tinha estes manuscritos? Seria para a transferência de dinheiro proveniente da venda dos telemóveis? Dos estupefacientes? Ou por um outro motivo? Havendo aqui uma clara violação do princípio do in dúbio pro reo.

15ª - As transferências feitas da conta da testemunha J... para a conta da testemunha L... (filha do H... ), a pedido do arguido B... eram feitas de modo esporádico e o seu montante e motivo está relacionado com o preço aplicado pela venda de telemóveis. Como foi afirmado por este em sede de julgamento e como ficou provado pelas declarações prestadas pela testemunha L... . Em que por cada telemóvel o arguido B... recebia 250 € (duzentos e cinquenta euros) ficando com 50 € (cinquenta euros) e eram transferidos 200 € para a conta da L... .

16ª – Ao deparamo-nos com as mensagens enviadas entre o arguido B... e a testemunha I... (mensagens constantes da fls. 234) concluímos que os mesmos falam sobre o negócio dos telemóveis (numero de conta bancaria em que é feita a transferência, motivo da mesma e a sua importância monetária). Não existindo qualquer facto que os relacione ao tráfico de estupefaciente. Estando aqui em causa o negócio dos telemóveis.

17ª - Não pode, por isso, o tribunal fazer convicção de que existe prova que o arguido B... esteja envolvido no tráfico de estupefacientes, quando resulta claramente das transferências bancárias que os montantes em questão transferidos são provenientes da venda de telemóveis. Os 400 € (quatrocentos euros) transferidos correspondem a venda de dois telemóveis, 200 € (duzentos euros) cada um deles. Tal como resulta da mensagem a fls. 244, 803.

18ª – Das escutas telefónicas estabelecidas entre os arguidos B... e o arguido A... não resulta que estejam a falar do produto de estupefaciente e nem no negócio como um todo. Não referindo qualquer expressão de produto estupefaciente. O arguido A... refere que já falou com o I... e com a J... . Estes mesmos referiram em sede de julgamento que o saco continha unicamente telemóveis e dispositivos eletrónicos e os comprimidos para melhoramento físico. Estes arguidos não utilizam qualquer linguagem codificada nem dissimulada, ao contrário do que o tribunal a quo faz convicção. Existe claramente um erro notório na apreciação da prova e uma insuficiência para a decisão da matéria de fato provada. Existe uma evidente violação do princípio do in dúbio pro reo por parte do tribunal a quo.

19ª – É demonstrado com base em todas as provas produzidas em audiência de julgamento que o arguido B... esta fora do circuito do crime de tráfico de estupefacientes (entrada e procedimento de entrada do produto estupefaciente no interior do Estabelecimento Prisional de (...) pelo arguido e guarda prisional C... ). Provas essas que o tribunal a quo não valorou.

20ª – O tribunal a quo faz a convicção de que o arguido B... está envolvido no negócio como um todo, referindo que não seria crível que o mesmo tivesse aceitado a introdução de telemóveis e que os produtos estupefacientes tivessem ficado de fora. Não existindo provas de que o arguido B... está envolvido no tráfico de estupefacientes não pode o tribunal fazer tal convicção por estar a violar o princípio do in dúbio pro reo.

21ª – Não pode o tribunal a quo fazer a convicção de que os dois arguidos atuassem na introdução e venda de produtos estupefacientes, quando é evidente que não existem provas que liguem o arguido B... ao crime de tráfico de estupefacientes.

 22ª – Apesar de todo o passado criminal do arguido B... o mesmo nunca teve qualquer relacionamento com o tráfico de estupefacientes quer no interior do Estabelecimento Prisional quer no exterior do mesmo, ao contrário dos outros dois arguidos A... e o guarda prisional C... .

23ª – Com que fundamento pode o tribunal a quo afirmar que “é usual a venda de produtos de melhoramento físico é feito ao mesmo tempo que a venda de produto estupefaciente” e que por isso o arguido B... estaria ciente e queria também a introdução do produto estupefaciente. O tribunal ao estar a fazer esta afirmação esta claramente a violar o princípio do in dúbio pro reo, resulta claramente das regras comuns da lógica, da razão das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos que existem cidadãos que tomam produtos de melhoramento físico sem ao mesmo tempo se dedicarem aos estupefacientes e vice-versa. A venda de produtos de melhoramento físico não é feito ao mesmo tempo que a venda de produto estupefaciente. Esta citação peca pela falta da sua fundamentação e pela sua veracidade, em violação do princípio do in dúbio pro reo

24ª – O acórdão recorrido peca por fazer referência à convicção do tribunal sem uma fundamentação sólida, com base nas regras comuns da lógica, da razão das experiências e dos conhecimentos científicos que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos.

25ª – Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. São, entre outros, limites a esse princípio a observância do princípio da presunção de inocência do arguido e a observância do princípio do in dúbio pro reo.

26ª - Violou assim o douto acórdão recorrido o disposto nas disposições conjugadas das alíneas a) e c) do n.º 2 do art.410º e do n.º 2 do art.374º do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos mais de Direito do vosso douto suprimento deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser o arguido absolvido das penas que lhe foram aplicadas.

O Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de (...) respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos, pugnando pelo seu não provimento e manutenção da decisão recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, os arguidos/recorrentes nada disseram.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte:

Factos provados

Factos Provados da Acusação Pública:

1. O arguido A... encontrava-se preso no Estabelecimento Prisional de (...) , desde o dia 29.05.2009, em cumprimento de uma pena de 20 anos de prisão, pela prática dos crimes de roubo, de homicídio, de falsificação de documentos e detenção de arma proibida, aplicada no âmbito do processo n.º1999/94.0TASTB do Tribunal da Comarca de Setúbal

2. Foi-lhe, então, atribuído o número de recluso 146/8032.

3. Ali esteve até ao passado dia 19.07.2016, data em que saiu no gozo de uma licença precária prolongada, vindo a ser detido no regresso, na sequência dos factos objeto dos presentes autos, tendo, entretanto, sido transferido para o Estabelecimento Prisional de (...) no dia 2.08.2016.

4. Por sua vez, o arguido B... está igualmente preso no Estabelecimento Prisional de (...) , desde o dia 29.05.2009, em cumprimento de uma pena de 17 anos de prisão, pela prática de crimes de sequestro, de roubo, de emissão de cheque sem provisão e de detenção de arma proibida, aplicada no âmbito do processo n." 2065/97.01TAPRT da 2: Vara Criminal da comarca do Porto.

5. A ele coube-lhe, então, o número de recluso 0 (....) .

6. Os arguidos foram ambos colocados na mesma cela (cela n.º 1 (....) ), situada no terceiro piso, no lado esquerdo da Ala G.

7. Desde pelo menos Março de 2016, os arguidos decidiram de comum acordo, dedicar-se, em comunhão de esforços, à comercialização (ilícita) por entre a comunidade prisional de diversos objetos de detenção ali proibida, tais como produtos estupefacientes e anabolizantes, mas também telemóveis e outros dispositivos de eletrónicos de telecomunicações, que são vendidos a um preço bastante superior ao praticado no exterior.

8. Vendiam essencialmente canábis (vulgarmente conhecida por haxixe), mas também heroína (ambas substâncias incluídas, respetivamente, nas tabela l-C e l-A, anexa ao D.L. n.º 15/93, de 22.01), a diversos reclusos consumidores que os procuravam, informados que estavam sobre a atividade (ilícita) a que os mesmos se dedicavam no interior da cadeia, levando, em regra, 70 € por cada oitava de uma placa de haxixe (12,5 gr), e € 5 por cada pacote de heroína.

9. Depois de devidamente desdobrada e fracionada, os arguidos guardavam a droga (e o restante material que vendiam) no interior dos colchões das suas camas (ao qual acediam através de um corte que fizeram) e dentro de uma parede falsa que, para o efeito, tinham efetuado no armário da roupa.

10. Os contactos sucediam-se durante os períodos de recreio, onde eram acordados os detalhes relativos às transações, nomeadamente tipos e quantidades de produtos, preços, forma e locais de entrega, sendo que, só depois de assegurado o respetivo pagamento, era diligenciada pela entrega do produto pretendido.

11. De entre os consumidores que foram abastecidos pelos arguidos conta-se, entre outros, o recluso D... :

11.1. que adquiriu heroína ao arguido B... , pelo menos em duas ocasiões;

11.2. que adquiriu, no mês de julho de 2016, “metade de um quarto” de haxixe ao arguido A... , pela qual pagou a quantia de € 70, através de uma transferência bancária efetuada para a conta bancária com o n.º (...) do (...) (balcão da Av. (....) , em Vila Nova de Gaia), titulada do arguido A... , G...;

12. No desenvolvimento desta atividade, os arguidos adquiriam a droga (e os demais objetos) que, posteriormente, vendiam no interior da cadeia, por ocasião das licenças de saída do estabelecimento prisional (vulgo, saídas precárias), aproveitando estas alturas no exterior para se abastecerem dos objetos e dos produtos pretendidos, antes de tornarem à cadeia.

13. Tinham os arguidos, nessa tarefa, a colaboração de familiares e de outros indivíduos que foram, em diferentes momentos, encarregados de conseguir alguns dos objetos e produtos pretendidos que, depois, entregavam a qualquer um dos arguidos em gozo de licença.

14. Particularmente ao arguido A... que, durante o ano de 2016, usufruiu de três (3) saídas precárias, nos períodos de 4 a 10 de março, de 1 a 4 de maio e de 19 a 26 de julho.

15. Para o efeito, os arguidos A... e B... utilizaram os números de telemóvel (...) e (...) (respetivamente), através dos quais foram estabelecidos os necessários contactos com o exterior, mediante uma linguagem dissimulada e codificada, para combinar os locais, as formas de entrega, as quantidades e o tipo de produto e objetos pretendidos.

16. Tendo o arguido A... utilizado o referido de número de telemóvel ( (...) ) [inserido no seu telemóvel da marca VODAFONE Smart4, com o IMEI (...) ], preferencialmente durante as suas saídas precárias, durante as quais se manteve em contacto permanente com o seu companheiro de cela, ora arguido B... que, deste modo, e através do seu número de telemóvel (...) [inserido no seu telemóvel LG, modelo E975, com o IMEI (...) ,], acompanhou sempre de perto, do interior da cadeia, todo o processo de aquisição e transporte da droga e dos telemóveis.

17. Antes, porém, de regressarem à cadeia, havia que arranjar maneira de introduzir o material ilícito sem levantar suspeitas, dados os (naturais) constrangimentos existentes, inerentes aos procedimentos de segurança na entrada em qualquer estabelecimento prisional.

18. O recluso H... (recluso 26) contactou em Março de 2016 o arguido C... , guarda prisional no estabelecimento prisional de (...) , a quem propôs a introdução de material ilícito no E.P.) mediante o pagamento de uma contrapartida financeira.

19. O arguido C... - que é guarda do Corpo da Guarda Prisional desde 24.10.1983, com a categoria de guarda principal (e classe), desde o dia 25.01.1996, exercendo as suas funções no Estabelecimento Prisional de (...) desde 1.05.1986 ­aceitando a proposta que lhe foi efetuada, dispôs-se, então, a, mediante o recebimento de uma compensação monetária, a transportar e levar consigo para o interior do estabelecimento prisional onde exerce funções os objetos e os produtos que aquele recluso lhe solicitou, e que o mesmo sabia serem de detenção ali proibida, tais como produtos estupefacientes, anabolizantes, telemóveis e outros dispositivos de eletrónicos de telecomunicações.

20. Tais objetos e produtos seriam depois devolvidos ao recluso H... , já no interior da cadeia, onde passaram a ser comercializados junto da comunidade prisional, em violação das normas e regulamentos internos legalmente estabelecidos.

21. Para tanto o arguido C... fazia-se valer da sua função de guarda prisional e da facilidade de acesso e movimentação que essa condição lhe proporcionava, permitindo-lhe, desta maneira, levar comodamente a cabo tais transações sem levantar suspeitas, por ser conhecedor das rotinas de procedimento e das manobras de controlo de segurança do estabelecimento prisional, que, deste modo, conseguiu transpor discretamente e sem grande esforço.

22. Aceitando a proposta efetuada, o arguido C... , conforme o que previamente haviam delineado, recebeu, além da prometida quantia de € 1.200, um número não apurado de telemóveis e cinco (5) placas de canábis [vulgo, haxixe (de 100 gr cada)], objetos e produto com que previamente se munira.

23. Volvidos alguns dias, o arguido C... , valendo-se da sua condição de funcionário e da facilidade de acesso e movimentação que a mesma lhe proporcionava, levou então consigo a referida quantidade de droga e os telemóveis para o interior da cadeia.

24. E, pese embora estivesse perfeitamente ciente de que tal não era permitido, ainda assim, o arguido C... , em cumprimento do que havia combinado, devolveu o referido material ao recluso H... , que este, posteriormente, comercializou por entre a população prisional, vendendo a droga e os telemóveis aos reclusos para seu consumo e utilização pessoais, em violação, além do mais, das normas e regulamentos internos legalmente estabelecidos.

25. E também no passado dia 26.07.2016, quando o arguido A... , cerca das 13h:30m, depois de efetuar a viagem de comboio, de regresso a (...) , após o gozo de uma licença precária prolongada, em que estava desde o dia 19.07.2016 e antes de regressar ao estabelecimento prisional, se encontrou com o arguido C... na estação de Coimbra-B (vulgarmente conhecida por Estação Velha), com o propósito de lhe entregar nova encomenda com diverso material (ilícito), com que previamente se munira.

26. Com efeito, os arguidos A... e B... - com o acordo do recluso H... -, aproveitando nova saída precária de que aquele beneficiou entre os dias 19 e 26 de julho de 2016, e “necessitando” uma vez mais de droga e telemóveis para comercializar, renovaram a proposta ao arguido C... de ser ele a levar o material para o interior da cadeia, ainda e sempre para não levantar suspeitas.

27. Haviam-lhe prometido o pagamento global da quantia de € 3.000 como remuneração pelo serviço de levar e introduzir aquele material na cadeia, para que pudesse ser, posteriormente, comercializado por entre a comunidade prisional.

28. Para efeito, de acordo com o que havia sido previamente combinado entre os três, os arguidos A... e C... encontraram-­se, então, no bar da referida estação de comboios, local onde aquele lhe entregou um saco de papel/cartão de cor azul com a inscrição “Douglas”, que, além do produto estupefaciente, anabolizantes, vários telemóveis e outros dispositivos de telecomunicações, continha ainda no seu interior parte do dinheiro que haviam prometido pela remuneração do serviço prestado (€ 680), havendo a restante parte que ser paga quando da chegada do material aos reclusos, conforme o combinado.

29. Ato contínuo, na posse do saco que momentos antes lhe havia sido entregue, o arguido C... abandonou então o bar e deslocou-se para a casa de banho da estação, no que foi de imediato seguido pelo arguido A... , ali permanecendo os dois cerca de 5 minutos a conferir o conteúdo do saco.

30. Saiu primeiro o arguido A... , sendo então seguido, cerca de 1 minuto depois, pelo arguido C... , que vinha com o referido saco na mão, altura em que ambos foram abordados por elementos da Polícia Judiciária, no seguimento das vigilâncias e outras diligências de prova que estavam já em curso.

31. Na sequência das revistas pessoais efetuadas, foi então encontrado no interior do referido saco de papel que se encontrava na posse do arguido C... um saco de plástico contendo, entre outros objetos, cinco (5) placas de canábis (resina) com o peso de 488,88 gramas.

32. Para além do estupefaciente, foi também encontrado e apreendido no mesmo saco, o seguinte:

32.1. (um) telemóvel da marca Alcatel, modelo 7041X, com o IMEI 863859021227280, sem cartão, nem bateria;

32.2. 01 (uma) bateria, devidamente embalada, da mesma marca do telemóvel supramencionado e compatível com o mesmo, exibindo o n.º TLi019B2;

32.3. 01 (um) carregador da marca Alcatel com cabo USB-Micro SB;

32.4. 01 (um) telemóvel da marca Alcatel, modelo 2045X, com o IMEI (....) , respetiva bateria e cartão da operadora Vodafone com o ICCID n.º (....) ;

32.5. 01 (um) telemóvel da marca Samsung, modelo Galaxy A3, com o IMEI (....) , n.º de série (....) , sem cartão SIM e com uma capa protetora;

32.6. 01 (um) carregador de telemóvel com a inscrição IKImobile;

32.7.02 (dois) cabos USB-Micro USB, devidamente embalados;

32.8. 01 (um) auricular próprio para telemóvel, devidamente embalado num saco próprio, no qual também se encontrou e apreendeu um cartão SIM da MEü com o ICCID (....) e um manuscrito em papel com os dizeres PI : 0067 e P K: (....) ;

32.9. 01 (um) auricular próprio para telemóvel;

32.10.02 (dois) carregadores de telemóvel, sendo um da marca HTC e o outro da marca Alcatel, ambos sem cabos USB;

32.11. 01 (um) leitor de MP3 da marca Selecline; 32.12.04 (quatro) leitores SB de cartões;

32.13.01 (um) cartão SIM da Vodafone com o ICCID (....) ;

32.14. 01 (um) cartão de segurança, contendo no seu interior o respetivo cartão SIM com o n.º (...) , ICCID (...) ;

32.15.72 (setenta e dois) comprimidos de cafeína supostamente para melhoria de rendimento da prática desportiva.

33. Todo este material destinava-se a ser posteriormente devolvido aos arguidos A... e B... e a ser comercializado no interior da cadeia. 34. Na bolsa transportada à cintura detinha igualmente o arguido C... diversos papéis manuscritos com referências a números de telefone e nomes, e bem assim um telemóvel da marca MEO, com o cartão SIM n.º (...) , IMEI (...) .

35. Tinha ainda o arguido C... na sua posse, num dos bolsos das calças que vestia, um envelope em papel com os dizeres “600 – azul”, contendo no seu interior 34 notas de 20 €, num total de € 680 (seiscentos e oitenta euros), que havia retirado do saco de papel que lhe foi entregue pelo arguido A... , como remuneração pelos serviços que se prestava a fazer pela introdução ilícita dos objetos que os arguidos A... e B... queriam comercializar, no interior do estabelecimento prisional.

36. Por seu turno, detinha o arguido A... na sua posse:

36.1. no bolso pequeno frontal das calças de ganga e envolto em plástico incolor, 1 (um) cartão SIM da operadora Vodafone, com o ICCID (....) que, segundo o revistado, corresponde ao número (....) , com o PI (....) e o Puk (....) ;

36.2. noutro bolso das calças e no interior de uma pequena bolsa em pele de cor preta: 1 (um) bilhete de comboio Gaia - Coimbra-B, do dia 2016-07-26, às 12h51; l (um) papel manuscrito com as inscrições “Telf. (....) , “PI (....) ” e “PUK - (....) ; 1 (uma) pequena folha de bloco de notas com nomes e números de telefone manuscritos; 1 (um) pequeno papel com as inscrições manuscritas “ (...) ”, “V....” e “MANA” ; 1 (um) pedaço de cartão com as inscrições manuscritas “Sobrinha G...”, “conta n.º: (...) ”, “NIB: (...) ” e “ (...) ”;

36.3. no bolso traseiro direito das calças e dentro de um invólucro plástico de maço de tabaco - 1 (um) pequeno pedaço de uma substância vegetal prensada de cor castanha, com o peso de 0,18 gramas, que reagiu positivamente para haxixe.

37. Na sequência da detenção em flagrante delito dos supra identificados arguidos, procedeu-se à realização de uma busca ao cacifo utilizado pelo arguido C... no estabelecimento prisional de (...) , tendo sido ali encontrados e apreendidos, cinco agendas contendo no interior vários apontamentos, nomes e contactos telefónicos manuscritos.

38. No seguimento de uma nova e mais pormenorizada revista à cela coabitada pelos arguidos (cela 1 (....) ), efetuada no dia 29.07.2016 pelos serviços prisionais, foi encontrado e apreendido, dissimulado dentro de um corte feito no colchão da cama utilizada pelo arguido A... , um embrulho de plástico, contendo no seu interior dois (2) pedaços de uma substancia em estado sólido, que submetida a exame laboratorial, conclui­-se ser heroína, com o peso bruto de 7,82 gramas.

39. Droga essa que se destinava, igualmente, a ser comercializada por ambos os arguidos por entre a população prisional.

40. Foi ainda descoberta uma parede falsa, feita debaixo da última prateleira de cimento do armário da cela, tendo sido utilizado um pedaço de madeira pintada da mesma cor da parede, onde se encontravam escondidos dois telemóveis:

40.1. um telemóvel IPHONE, de cor preto, modelo A1387 e com o ID (...) ;

40.2. Um telemóvel da marca LG, de cor preto, modelo E975 e com o ID (...) (c&. fls. 211, 212, 337 a 339).

41. Na sequência da busca domiciliária realizada à residência do arguido A... foi ainda encontrado:

41.1. o telemóvel da marca VODAFONE Smart4, com o IMEI (...) [o mesmo que havia sido utilizado na precária (SIM (...) ) e que foi alvo de interceção telefónica, sob a designação de ALVO (...) ];

41.2. Um papel manuscrito com um número de uma conta com o n.º (...) ST com o nome F... (mulher do arguido B... );

41.3. Um outro papel manuscrito com os seguintes dizeres " F... , (...) "; 41.4. Uma fatura da VODAFONE relativa ao carregamento do cartão SIM (...) ;

42. Todos os objetos e produtos apreendidos estavam relacionados com a atividade ilicita a que os arguidos se dedicavam, por terem servido para a sua prática ou por terem sido adquiridos com os proventos da mesma, sendo que o produto estupefaciente apreendido destinava-se, em qualquer dos casos, a ser por eles comercializado.

43. Qualquer um dos arguidos conhecia perfeitamente as características do produto estupefaciente que transacionavam, bem sabendo que a sua detenção, transporte, cedência e comercialização, com a finalidade pretendida da obtenção de ganhos, não lhes era permitida por lei.

44. Não obstante, de uma forma organizada, reiterada e sucessiva, agiram sempre de forma livre, voluntária, conscientemente e em comunhão de esforços, bem sabendo o arguido C... que o produto estupefaciente que iria introduzir no estabelecimento prisional, se destinava aí a ser comercializado pelos arguidos A... e B... - para além do H... - por entre a comunidade prisional, fazendo-se valer, para tanto, da sua qualidade de guarda prisional para mais facilmente levar a efeito a sua conduta criminosa.

45. Os três sabiam, portanto, que, além de provocarem danos irreparáveis e incomensuráveis à sociedade, à saúde pública e ao normal viver comunitário, perturbavam, como efetivamente perturbaram, o processo de ressocialização dos reclusos, causando, do mesmo passo, um grave transtorno da ordem e organização da cadeia.

46. De igual modo, o arguido C... ao atuar da forma supra descrita, aceitando dos reclusos, ora arguidos A... e B... , aquela vantagem patrimonial em Julho de 2016, que sabia não lhe ser devida, como contrapartida da colocação de objetos de detenção proibida no interior do estabelecimento privativas da liberdade, bem sabendo que, dessa forma, ao servir-se das suas funções para satisfazer os seus próprios interesse pessoais, atuando contra os deveres que sobre ele impediam enquanto funcionário público, de isenção, zelo e lealdade, colocava em causa, como, na realidade, colocou, os objetivos do serviço onde trabalhava e, consequentemente, a sua eficácia, com a inerente afetação da autoridade e credibilidade da administração do Estado.

47. Do mesmo modo, os reclusos, ora arguidos A... e B... , ao atuarem da forma supra descrita, atribuindo aquela vantagem patrimonial ao guarda prisional, agiram sempre livre, voluntaria e conscientemente com o propósito conseguido de, contra os deveres do cargo de funcionário público, o levar a conceder de uma forma ilegítima determinados favores e a colocar ilicitamente no interior estabelecimento prisional bens e valores que o próprio bem sabia não poder dispor e utilizar.

48. Ao darem e prometerem vantagem a um funcionário da cadeia, que não tinha outra finalidade que não fosse a de o recompensar pela introdução ilícita de bens que pretendiam vir a dispor e a utilizar no interior do estabelecimento prisional, em violação dos princípios e as regras que norteiam a execução das penas e medidas privativas da liberdade, sabiam igualmente que, dessa forma, o determinavam a violar os deveres que sobre ele impediam enquanto funcionário público, de isenção, zelo e lealdade, colocando assim em causa a imparcialidade e eficácia daquele serviço estatal, com a inerente afetação da autoridade e credibilidade da administração do Estado.

49. Não obstante, agiram sempre livre voluntaria e conscientemente, todos tendo a perfeita noção de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

DA REINCIDÊNCIA

1. O arguido A... já antes tinha sido condenado, além do mais:

1.1. no processo comum coletivo n.? 1999/94.0TASTB do Tribunal da Comarca de Setúbal, por acórdão de cumulo jurídico, transitado em julgado em  21.12.2000, na pena única de 20 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa à taxa diária de 500$00 ou em alternativa 66 dias de prisão, por crimes de roubo, de homicídio, de falsificação de documentos e detenção de arma proibida;

1.2. Esteve liberdade condicional entre 28.07.2005 até 25.10.2010;

1.3. no processo n.º 270/07.3GAPVZ da 2.a secção criminal da comarca de Vila do Conde, por acórdão transitado em julgado em 23.02.2009, na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão, pela prática, em junho/setembro de 2007 de crimes roubo;

2. Por seu turno, o arguido B... , tinha sido igualmente condenado, além do mais,

2.1. no processo n." 2065/97.01TAPRT da 2.a Vara Criminal da comarca do Porto, por acórdão de cúmulo jurídico, transitado em julgado em 3.12.2007, na pena única de 17 anos de prisão e 430,95€ de multa, pela prática de crimes de sequestro, de roubo, de emissão de cheque sem provisão e de detenção de arma proibida;

2.2. Esteve em liberdade condicional entre 15.03.2007 até 17.01.2011;

2.3. no processo n." 270/07.3GAPVZ da 2.a secção criminal da comarca de Vila do Conde, por acórdão transitado em julgado em 23.02.2009, na pena única de 8 anos prisão, pela prática, em junho/setembro de 2007 de crimes roubo;

2.4. O arguido está detido ininterruptamente desde o dia 21.09.2007;

3. Verificamos, pois, que as condenações em que estes arguidos foram condenados não foram, no entanto, suficientes para os dissuadir e afastar da prática de novos ilícitos criminais, uma vez que voltaram a delinquir uma vez mais.

4. A reiteração de condutas e a persistência dos ilícitos praticados demonstram claramente que os referidos arguidos têm uma personalidade que não se ajusta, ou dificilmente aceita, a advertência da ordem jurídica, razão pela qual, não se conformando com as censuras ínsitas a tais condenações, devem ambos ser considerados reincidentes, nos termos do que dispõem os art.ºs 75.º e 76.º do Cód. Penal.

Outros Factos Provados:

C... é o mais novo de três filhos de um casal descrito como normativo, de condição económica mediana que terá proporcionado aos filhos condições materiais e afetivas para um desenvolvimento pessoal harmonioso, alicerçado na aquisição de competências académicas e profissionais.

O arguido frequentou a escola em idade própria, sem registo de problemas de adequação, aprendizagem ou comportamentais, mantendo boa relação com os seus pares e com os adultos, completando o 6° ano de escolaridade.

Após o termo do trajeto escolar, começou a trabalhar numa fábrica e posteriormente na construção civil, onde se manteve até ao cumprimento do serviço militar durante 10 meses.

Em 1983, foi integrado na DGSP, passando pelos estabelecimentos prisionais de V (...) e de L (...) , até que em 1986 começou a exercer as suas funções de guarda prisional no estabelecimento prisional de (...) , onde se manteve até ao desencadear do presente processo.

Durante o percurso profissional, refere uma repreensão escrita e uma multa de 100€ por desobediência.

A nível relacional/afetivo, C... , releva o matrimónio de 37 anos, do qual tem uma filha maior idade.

De acordo com a informação recolhida, a família endividou-se por ocasião do matrimónio da filha, tendo recorrido a um empréstimo particular e nessa sequência sido alvo de uma burla. Segundo o arguido, não chegaram a receber qualquer verba e terá começado a ser-lhe descontado do vencimento, cerca de 300€ mensais, por alegada compra de veículo, que nunca esteve na sua posse. Dado que só o arguido se encontrava a trabalhar a família encontrava-se em situação de insolvência.

A nível social, o arguido estaria bem inserido na comunidade, dispondo de amigos próximos, mesmo fora da esfera profissional. Não é conhecido no posto da GNR local, nem na Junta de Freguesia da área de residência, mantendo na comunidade de residência um comportamento discreto.

Sob ponto de vista profissional foi caracterizado como um bom elemento, com bom relacionamento interpessoal, quer com chefias, quer com colegas e população reclusa em geral.

 Mesmo neste contexto foi capaz de manter relações de amizade, beneficiando inclusivamente da visita destes no Estabelecimento onde se encontra.

C... , à data da sua prisão, vivia com o cônjuge e filha. Atualmente as familiares residem em casa arrendada que oferece as suficientes condições de habitabilidade, pagando 380 Euros de renda mensal.

Anteriormente viveriam noutra habitação, que tiveram que entregar à entidade bancária por não terem capacidade económica para a pagar. Durante vários anos, apenas o arguido desempenhava atividade laboral, auferindo cerca de 1600 Euros mensais que eram geridos pela filha, após o revés com a " facilitadora de empréstimo" acima mencionado.

A esposa desempenhou no passado, atividade laboral num Lar de 3a Idade tendo depois ficado em situação de desemprego. Também num passado distante a filha desempenhou atividade laboral numa loja de vestuário. Esta refere que na sequência de uma baixa médica de 2 meses por aborto espontâneo terá sido despedida. Não voltou a desempenhar qualquer tipo de actividade remunerada até Abril de 2017.

No presente, ambas trabalham na empresa Nova Serviços que presta serviços de limpeza para o serviço de Águas Municipalizadas de (...) . O cônjuge trabalha a tempo inteiro, auferindo o salário mínimo nacional e a filha iniciou agora atividade com horário de 2 horas/dia.

C... apresenta uma personalidade estruturada e matura com sentido de responsabilidade relativamente à família, culpabilizando-se pelos seus atos e pelas repercussões dos mesmos.

No plano social e, não obstante a surpresa que a sua detenção causou nas pessoas do círculo relacional mais próximo continua a manter um leque diversificado de conhecidos e amigos.

Desde a sua entrada no estabelecimento prisional tem mantido visitas regulares do cônjuge, filha, e de alguns amigos e ex-colegas, embora estes vão gerindo as visitas com parcimónia para não retirarem tempo aos familiares mais próximos.

            B... provém de uma família de modesto estrato sócio económico, cuja dinâmica é caracterizada como sendo equilibrada e assente em valores necessários a um adequado processo de desenvolvimento.

O pai garantia a subsistência do agregado constituído pelo casal de progenitores e três filhos e a mãe cuidava da organização da vida doméstica e do acompanhamento dos filhos.

A formação escolar do arguido, marcada por desmotivação, foi interrompida por volta dos 13 anos de idade, depois de concluir o 6.° ano de escolaridade, passando de imediato a trabalhar, a fim de adquiri a sua autonomia económica.

B... apresentou um percurso laboral regular, registando várias experiências profissionais das quais se destacam a de empregado de mesa, vendedor/distribuidor de café, operador de máquinas na empresa "Longa Vida" e auxiliar num laboratório de análises clínicas, pintor de construção civil e mais recentemente na montagem de tectos falsos.

O arguido casou aos 23 anos de idade, tendo ido residir com a mulher para o rés-do-chão da casa dos sogros e que ainda ocupam. Do casamento nasceu uma filha, que tem, actualmente, 19 anos de idade e é estudante do 2.oano do curso superior de radiologia.

À data da reclusão, o arguido vivia com a mulher e com a filha num rés-do-chão da casa dos sogros, na (...) , onde estas duas se mantêm.

Trabalhava para o irmão na montagem de tectos falsos, auferindo mensalmente 600 euros. O agregado não enfrentava dificuldades económicas, porquanto a mulher também trabalhava como assistente de dentista, auferindo cerca de 550 euros mensais.

Durante a presente reclusão, o arguido tem vindo a revelar vontade por adquirir competências e tem demonstrado hábitos de trabalho estruturados.

No Estabelecimento Prisional de (...) para onde veio transferido em 29-05-2009, foi colocado em Julho de 2009 na marcenaria, onde alcançou a categoria de oficial especializado e fez um curso de formação profissional de gestão de redes informáticas, que lhe deu equivalência ao 12.° ano. Em Novembro de 2014, transitou para as brigadas de trabalho no exterior, ao abrigo do protocolo celebrado entre a DGRSP e a Câmara Municipal de Coimbra, trabalhando no departamento de higiene. Em Junho de 2015, por motivos disciplinares (posse de um canivete), foi retirado do trabalho, tendo ficado inactivo durante cerca de 4 meses. Em Outubro de 2015 foi readmitido na marcenaria, onde fez parte da equipa que restaurou alguns móveis do Tribunal de Coimbra.

Na sequência de, em 29-07-2016, ter na sua posse dois telemóveis, foi punido disciplinarmente e expulso do trabalho na marcenaria, mas readmitido em Dezembro de 2016, continuando a trabalhar ali com bom desempenho.

O arguido começou a beneficiar de saídas jurisdicionais em Abril de 2013, tendo-as passado de forma adequada, junto da mulher, da filha e dos restantes familiares. Porém, quando foi punido em Junho de 2015, pela posse de um canivete, foi-lhe cessado o regime aberto interno e não voltou a beneficiar de saídas jurisdicionais, porque, entretanto em Julho de 2016, voltou a desrespeitar as regras.

O arguido tem vindo a receber o apoio dos pais e dos irmãos que residem em Para fita, Matosinhos e, principalmente, da mulher e da filha, em cujo agregado será integrado quando for colocado em liberdade.

No meio comunitário, B... é tido como uma pessoa de relacionamento cordato e, pese embora seja conhecido o seu passado criminal, a sua presença não provoca sentimentos de alarme ou de receio, tendo sido aceite normalmente durante as várias saídas jurisdicionais que ali passou.

O processo de desenvolvimento do arguido A... decorreu integrado no agregado familiar de origem (pais e seis descentes), caracterizado por uma dinâmica equilibrada. Contudo, a estabilidade familiar veio a ser alterada na sequência dos problemas de saúde que o pai passou a evidenciar depois de ter sofrido um (A VC) que o impediu de continuar a desenvolver a sua profissão. Neste contexto e dadas as dificuldades económicas vivenciadas pelo agregado familiar o arguido logo após a conclusão do 10 ciclo do ensino básico, com 12 anos de idade, iniciou atividade laboral primeiramente como polidor de móveis e posteriormente noutras áreas profissionais, nomeadamente na área da construção civil ( x... e y... ), como manobrador de máquinas, metalúrgico e nas Caves do z... n.

A... reporta o início do consumo de haxixe à fase da adolescência, no contexto do grupo de pares, situação que progrediu em escalada até ao consumo de drogas de maior poder aditivo (cocaína e heroína), problemática da qual efetuou várias tentativas de desvinculação contudo, sem sucesso.

Contraiu matrimónio aos 26 anos de idade, tendo nesta faz integrado o núcleo familiar do cônjuge e passado a trabalhar como motorista na agência funerária de que era proprietário o sogro.

Neste período mantinha durante o dia um modo de vida direcionado para o trabalho e para a família e à noite frequentava espaços de diversão noturna, situação que espoletou um modo de vida associado a contextos de risco.

Após a sua libertação aos 2/3 da pena em 28.07.2005, integrou o agregado familiar de

uma irmã, uma vez que na sequência da prática dos crimes ocorreu a rotura do relacionamento matrimonial e encontrava-se laboralmente ativo, desde março de 2006, com contrato efetivo.

O seu quotidiano era, aparentemente, dedicado à família e ao trabalho, contribuindo com parte do seu salário para as despesas familiares. Contudo, viu-se novamente associado ao seu anterior grupo de pares, tendo recaído no consumo de haxixe e na prática de delitos que o confrontaram com a atual pena de prisão.

Deu entrada no Estabelecimento Prisional Junto à Policia Judiciária do Porto em 21.09.2007, tendo sido transferido para o EP de (...) em 29.05.2009.

Pese embora o registo de duas medidas disciplinares uma 2009 e outra em 2013 e condenado vinha evidenciando um relacionamento interpessoal correto e uma conduta investida ao nível da manutenção de uma ocupação, situação que lhe permitiu beneficiar de medidas de flexibilização da pena.

Contudo na sequência dos factos a que se reportam os presentes autos, estas medidas foram revogadas, cumpriu 15 dias de internamento em cela disciplinar, e veio transferido para a Secção de Segurança do EP de (...) , em 02.08.2016.

Desde que se encontra na secção de segurança do Estabelecimento Prisional de (...) tem mantido uma conduta adequada sem registo de sanções disciplinares.

No que concerne à problemática aditiva refere manter abstinência do consumo de drogas.

Mantem como principais referências afetivas o agregado familiar da irmã, sendo junto deste onde perspetiva inserir-se aquando da sua saída para meio livre.

O arguido C... não tem antecedentes criminais.

Arguido A... :

Por sentença datada de 16.12.1993, já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos de prisão suspensa por 2 anos e 45 dias de multa à taxa diária de 300$00, pela prática em Agosto de 1991 de quatro crimes de furto qualificado (processo n.º 120/93 do 1.° Juízo Criminal do Porto). 

Por Acórdão datado de 3.4.1995 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 10.1.1994 de um crime de roubo em concurso com um crime de detenção de arma proibida (processo comum Coletivo n.º 20/95 do Círculo Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira).

Por Acórdão datado de 19.5.1995 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 16 anos de prisão e 30 dias de multa à taxa diária de 300$00 pela prática em 18.4.1994 de crime de roubo em concurso com um crime de homicídio qualificado (processo Comum Coletivo n.º 90/95 da 3.a Vara Criminal do Porto).

Por Acórdão datado de 5.6.1995 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na

pena única de 8 anos e 6 meses pela prática em 4.5.1994 de dois crimes de falsificação em concurso real com 2 crimes de roubo (processo Comum Coletivo n.º 202 do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia).

Por Acórdão datado de 24.10.1995 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 3 anos de prisão, pela prática em 31.5.1994 de um crime de roubo (processo Comum Coletivo n.º 52/95 do Tribunal de Círculo de Santo Tirso).

Por Acórdão datado de 21.2.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão, pela prática em 14.4.1994 de um crime de roubo (processo Comum Coletivo n.º 710/95).

Por Acórdão datado de 20.3.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 2 meses, pela prática em 31.5.1994 de um crime de roubo e um crime de detenção de arma proibida (processo comum Coletivo n.º 165/95 do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende).

Por Acórdão datado de 27.3.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão e 25 dias de multa á taxa diária de 500$00, pela prática cm 26.3.1994 de um crime de roubo em concurso real com um crime de sequestro, detenção de arma proibida e uso de documento falso (processo comum Coletivo n.º 165/95 do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende).

Por Acórdão datado de 29.4.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão pela prática em 29.4.1996 de um crime de roubo em concurso real com um crime de falsificação de documento e detenção de arma proibida (processo comum Coletivo n.º 136/95 do Tribunal de Circulo de Vila do Conde).

Por Acórdão datado de 4.6.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 31.3.1994 de um crime de furto qualificado em concurso real com um crime de detenção de arma proibida (processo Comum Coletivo n.º 1072 do Tribunal de Círculo de Anadia).

Por Acórdão datado de 3.7.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo na forma tentada em concurso real com um crime de sequestro e um crime de detenção de arma proibida (processo Comum Coletivo n.º 19/96 do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende).

Por Acórdão datado de 4.7.1996 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 19.4.1994 de um crime de roubo (processo Comum Coletivo n.º 123/95 do Tribunal de Círculo de Paredes).

Por Acórdão datado de 3.10.1997 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 14.4.1994 de um crime de roubo na forma tentada (processo Comum Coletivo n.º 52/96 do Tribunal de Círculo de Santo Tirso).

Por Acórdão datado de 20.2.1997 transitado em julgado em 9.4.1997, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 10.5.1994 de um crime de roubo em concurso real com um crime de falsificação (processo comum Coletivo n.º

710/94.0JASTB).

Por Acórdão datado de 12.11.1999 transitado em julgado em 29.11.1999, foi o arguido condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática em 10.5.1994 de um crime de furto qualificado (processo Comum Coletivo n.º 1999/94.0TASTB-A).

Por decisão proferida no Processo 943/10.3TXCBR-B foi revogada a liberdade condicional concedida ao arguido relativa á pena única de 20 anos a que foi condenado no âmbito do cúmulo jurídico de penas realizado no Processo Comum Coletivo n.º1999/94.0TASTB.

Por Acórdão datado de 11.8.2008 transitado em julgado em 23.2.2009, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos de 4 meses de prisão, pela prática em 27.6.2007 de quatro crimes de roubo qualificado (processo Comum Coletivo n.º 270/07.3GAPVZ).

Arguido B... :

Por Acórdão datado de 8.7.1991 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 22 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada (processo Comum Coletivo n.º 135/99 do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos).

Por sentença datada de 21.4.1997 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 450$00, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 534/96 do 3.° Juízo Criminal do Porto).

Por sentença datada de 16.12.1997 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 600$00, pela prática em 9.3.1996 de um crime de emissão de cheque sem provisão (Processo Comum Singular n.º 473/96 do 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia).

Por sentença datada de 1.10.1999 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 250$00, pela prática em 271.1996 de um crime de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 340/97 do 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Porto).

Por sentença datada de 20.12.1990 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 700$00, pela prática em 16.1.1996 de um crime de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 19/97 do 1.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Valongo).

Por sentença datada de 22.2.2000 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 500$00, pela prática de um crime de detenção de arma proibida (processo Comum Singular n.º 385/99 do 4.° juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos).

Por sentença datada de 27.4.2000 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 20 dias de multa à taxa diária de 800$00, pela prática em 16.12.1995 de um crime de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 2724/96.6JAPRT).

Por sentença datada de 2.11.2000 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 7 meses de prisão perdoada um ano, pela prática de um furto qualificado (processo Comum Singular n.º 167/00 do Tribunal Judicial da Maia).

Por sentença datada de 2.2.2001 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão perdoada um ano, pela prática de um furto qualificado (processo Comum Singular n.º 245/00.3 do 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Santo Tirso).

Por sentença datada de 8.3.2001 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena única de 60 dias de multa à taxa diária de 500$00, pela prática em 29.2.1996 de três crimes de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 15863/96.4TDLSB).

Por sentença datada de 24.5.2001 transitada em julgado em 13.6.2001, foi o arguido condenado na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 300$00, pela prática em 16.12.1995 de um crime de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 188/99 do 3.° Juízo Criminal do Porto).

Por sentença datada de 19.3.2002 transitada em julgado em 14.2.2002, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão, pela prática em 3.4.1997 de um crime de emissão de cheque sem provisão (processo Comum Singular n.º 198/98 do 3.° Juízo Criminal do Porto).

Por Acórdão datado de 11.8.2008 transitado em julgado em 23.2.2009, foi o arguido condenado na pena única de 8 anos de prisão, pela prática em 27.6.2007 de cinco crimes de roubo qualificado (processo Comum Coletivo n.º 270/07.3GAPVZ).

Factos Não Provados:

Os arguidos A... e B... contactaram, em Março de 2016, o arguido C... , guarda prisional no estabelecimento prisional de

(...) , a quem propuseram essa tarefa, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira.

Tais objetos e produtos seriam depois devolvidos aos reclusos, ora arguidos, já no interior da cadeia, onde passaram a ser comercializados junto da comunidade prisional, em violação das normas e regulamentos internos legalmente estabelecidos.

Como aconteceu, além do mais, no início do mês de março de 2016, em que os arguidos A... e B... , aproveitando a saída precária de que aquele beneficiou entre os dias 4 e 10 de março de 2016, e "necessitando" de droga e telemóveis para comercializar, propuseram, então, ao arguido C... que fosse ele, ao invés, a levar o material para o interior da cadeia, para não levantar suspeitas.

Como contrapartida pagar-lhe-iam a quantia de € 1.200.

Aceitando a proposta efetuada, o arguido C... , conforme o que previamente haviam delineado, encontrou-se então com o arguido A... , em local não concretamente determinado desta cidade e comarca de Coimbra, onde, além da prometida quantia de € 1.200, recebeu ainda deste um número não apurado de telemóveis e cinco (5) placas de canábis [vulgo, haxixe (de 100 gr cada)], objetos e produto com que previamente se munira.

E, pese embora estivesse perfeitamente ciente de que tal não era permitido, ainda assim, o arguido C... , em cumprimento do que havia combinado, devolveu o referido material aos arguidos A... e B... , que estes, posteriormente, comercializaram por entre a população prisional, vendendo a droga e os telemóveis aos reclusos para seu consumo e utilização pessoais, em violação, além do mais, das normas e regulamentos internos legalmente estabelecidos.

Com referida comercialização obtiveram os arguidos uma vantagem patrimonial não inferior a € 4.000.

Convicção do Tribunal:

A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art.127° do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

Quanto à intenção criminosa do arguido, voluntariedade da respectiva conduta e sua consciência da ilicitude, uma vez que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, socorrendo-nos de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência. Neste caso é legítimo o recurso à prova por presunção judicial[1], uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.° do Código de Processo Penal) (neste sentido, entre outros, o Ac. da RE, de 27.09.2011 in www.dgsi.pt).

As presunções judiciais são, no fundo, o produto das regras de experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente certos factos são a consequência de outros.

Em resumo, conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 14.1.2015, «II -Na avaliação da prova indiciária há que ter presente três princípios: a) o princípio da causalidade, segundo o qual a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal; b) o princípio da oportunidade, segundo o qual a análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito; c) o princípio da normalidade, de acordo com o qual só quando a presunção abstrata se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respetiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. III- Se não for possível formular um juízo de certeza, mas de mera probabilidade, por subsistir mais do que uma causa provável, sem que os indícios existentes permitam excluir todas as restantes, depois de analisados à luz dos referidos princípios, então valerá o princípio da presunção de inocência, já que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade» (in www.dgsi.pt)

O arguido C... prestou declarações, tendo admitido que o produto estupefaciente e demais objectos que lhe foram apreendidos em Julho de 2016 se destinavam a ser introduzidos de modo fraudulento no estabelecimento prisional, embora se destinasse a ser entregue a um recluso, o número 26, um tal de H... (pessoa que o havia já contactado em Março de 2016 e a quem nessa data havia entregue produto estupefaciente em troca de 1.200,00 Euros, tendo sido este que efectuou o contacto inicial (na situação que levou à sua detenção). Justificou a sua conduta com dificuldades económicas. Disse ainda que o dinheiro apreendido era para pagamento dos seus “serviços” mas que não correspondia ao acordado que havia sido € 3.000 (três mil euros).

Por sua vez o arguido B... admitiu que juntamente com o arguido A... combinaram em Julho de 2016 com o guarda prisional C... para que este introduzisse no E.P. de (...) telemóveis e produtos para melhoramento físico. Ainda que não tenha admitido que tal acordo incluísse o produto estupefaciente apreendido, referindo inclusive que o produto apreendido no colchão pertenceria ao arguido A... uma vez que era naquela cama que o mesmo dormia, ficou o tribunal convencido que tal acordo incluía a introdução de tal produto estupefaciente, facto conhecido e aceite pelo arguido B... .

Com efeito, pelas regras de experiência não é crível que o mesmo tivesse acordado com o A... (e o H... como foi referido pelo guarda prisional C... ) a introdução de telemóveis e produtos de melhoramento físico e o produto estupefaciente tivesse sido acordado à sua revelia. Aliás, das comunicações estabelecidas entre os arguidos B... e A... resulta evidente que o B... se refere ao acordo no seu todo e não a partes do mesmo, sendo certo que o mesmo não poderia desconhecer que o guarda prisional C... também iria introduzir produto estupefaciente, tanto mais que só isso permitia compreender o valor a pagar àquele de 3.000,00 Euros. A isto acresce que como resulta do depoimento da testemunha D... que infra se explicitará, o mesmo juntamente com o A... vendia produtos estupefacientes no estabelecimento prisional, o que leva a concluir que este acordo com o guarda prisional C... integra-se nesse actividade comum destes dois arguidos. Aliás, como é usual a venda de produtos de melhoramento físico é feito ao mesmo tempo que a venda de produto estupefaciente, pelo que tudo leva à conclusão que também o arguido B... estava ciente e queria a introdução do produto estupefaciente no E.P. de (...) através do guarda prisional C... .

Por fim, de todo a prova documental, designadamente dos movimentos bancários que infra se explicitarão resulta evidente que os arguidos B... e A... actuavam em conjunto na venda de produtos estupefacientes, telemóveis e produtos de melhoramento físico.

Com efeito, aquando da busca à residência do arguido A... (cf auto de busca a fls. 76 e segs dos autos) resultou a apreensão não só um telemóvel da marca VODAFONE Smart4, com o IMEI (...) (o mesmo que havia sido utilizado pelo A... na precária - como o SIM (...) - e que foi alvo de intercepção telefónica, sob a designação de ALVO (...) ) como um papel manuscrito com um número de uma conta com o n." (...) ST com o nome F... (mulher do B... ) e um outro papel manuscrito com os seguintes dizeres “ F... , (...) ”.

Daqui resulta a convicção do tribunal que estes dois arguidos actuavam de forma conjunta já antes de Julho de 2016, ficando o tribunal convencido que os mesmos aproveitavam as saídas precárias do A... - que iniciaram-se em Março de 2016 - para começar a introduzir telemóveis e outros equipamentos electrónicos, produtos de melhoramento físico e produtos estupefacientes no E.P. de (...) . Com efeito, pelas mais elementares regras da experiência, é manifesto que os procedimentos utilizados em Julho de 2016 já estavam de tal modo rotinados que teriam de ter sido utilizados anteriormente. Aliás, a testemunha Marco no seu depoimento referiu que em Julho de 2016 não havia sido a primeira vez que o mesmo ajudara o B... na aquisição de telemóveis. Ainda que não se tenha provado que os mesmos já em Março de 2016 recorreram ao arguido C... conforme consta da acusação, uma vez que este é taxativo ao referir que nessa situação só contactou com o recluso H... , a verdade é que ficou o tribunal convencido que já nessa altura os mesmos se dedicavam a tal actividade como resulta, desde logo, evidente do depoimento da testemunha D... .

Nestes termos, ainda que a situação ocorrida em Março de 2016 envolvendo o arguido C... e estes arguidos não possa ser dada como provada por manifesta dúvida sobre a sua verificação - dúvida que não pode ser ultrapassada por qualquer esforço probatório suplementar - por respeito ao princípio in dúbio pro reo, dúvidas não tem este tribunal que os mesmos já assim actuavam em conjunto aproveitando as saídas precárias do A... .

Esta factualidade resulta ainda evidente da conjugação dos seguintes elementos probatórios:

• Teor de fls. 64 verso donde resulta que no bloco de notas apreendido ao arguido C... consta o n.º (...) associado ao nome AA... , que conforme resulta da Ficha Bibliográfica a fls. 7 e segs dos autos é a alcunha do arguido A... .

• intercepções das comunicações telefónicas do n.º (...) , utilizado pelo arguido A... , (cf fls. 143 a 148) designadamente:

Sessão n.º 7 do ALVO (...) - conversa ocorrida pelas 20h49, do dia 25/07/2016, entre o A... e o B... (utilizador do telemóvel n.º (...) ) em que estes falam se está tudo tratado falando inclusive que esperam que ele (que o tribunal entende tratar-se do arguido C... a quem mais à frente referem-se como CC...). Do teor desta comunicação ficou o tribunal convencido que ambos os arguidos falam do transporte de produto estupefaciente e outros objectos, agendado para o dia seguinte como veio a ocorrer. Por outro lado, ficou o tribunal convencido que o arguido B... era o interlocutor do A... uma vez que no final é referido “E se a gente não se falar hoje, amanhã tou à tua beira”, uma vez que o B... era seu colega de cela;

Sessão n.º 21 do ALVO (...) - conversa ocorrida pelas 09h11, do dia 26/07/2016, entre o A... e o utilizador do telemóvel com o número 913171138, a quem trata por M... . O A... diz ao referido M... que ontem à noite lhe foram lá levar o guito (o dinheiro) e os telefones e quer saber se ele ( M... ) lhe consegue arranjar 5 ou 6 placas, o outro responde-lhe que sim, lá para o meio-dia/meio-dia e meia hora. O A... diz que a essa hora já tem de estar na estação e o outro diz que vai ver e que depois lhe dá um toque, diz para ele ficar descansado e trata-o por AA... . Desta conversa resulta evidente a preparação da entrega no dia seguinte de produto estupefaciente;

Sessão n.º 40 do ALVO (...) - conversa ocorrida pelas 10h57, do dia 26/07/2016, entre o A... , e a utilizadora do número (...) - N... - em que aquele no final refere que vai levar este cartão com ele, ela diz para ele não ligar de madrugada e ele diz que lhe manda uns toques, que não vai ser logo na primeira semana e isto porque "o telefone até chegar à minha beira vai demorar uma semanita ou duas”. A N... pergunta “ai é” e ele responde “É! Porque é o guarda que leva, mas ele tá de férias e só quando entrar ao serviço”.

• Auto de busca a fls. 223 e segs., resultante de uma acção de fiscalização efectuada pelos serviços prisionais à cela ocupada pelos dois arguidos e pelo O... no dia 1.8.2016, donde resultou que aqueles tinham na sua posse dois telemóveis (que o arguido B... admitiu em audiência de julgamento serem seus) - escondidos numa parede falsa no interior do armário da roupa - e um embrulho com produto estupefaciente - escondido no colchão que estava na cama habitualmente utilizada pelo arguido A... (cfr. ainda ao teor do teste rápido a fls. 227 e segs e exame laboratorial a fls. 632). Aliás do teor da sessão 86 do Alvo 85033040 constante de fls. 1 a 16 do Apenso E, resulta evidente que o B... engoliu nessa altura o cartão SIM e micro SD (ainda que o mesmo em audiência de julgamento apenas tenha admitido ter engolido o microSD, referindo que o cartão SIM estava no telemóvel apreendido, o que manifestamente não corresponde à verdade, tanto mais que só o voltou a utilizar no dia 11.8.2016).

• Teor da listagem do registo de “Trace Back” e localização celular refente ao n.º (...) - utilizado pelo arguido A... - a fls. 238 e segs (designadamente a fls. 243, 246, 248, 249, 250, 260, 261, 263, 264, 265, 268, 271,272 e 273), donde resulta que o mesmo era por si utilizada aquando das precárias, tendo em todas efectuado e recebido chamadas e ou mensagens do número (...) , utilizado pelo B... , e do número 910057665. Esta informação foi ainda corroborada pelas listagens do registo de “Trace Back” e a localização celular desde o dia 1 de Março de 2016, relativas ao n." (...) Fls. 1 verso, 3 verso, 7 e 7 verso, 78 e 78 verso do Apenso C).

• Teor dos autos de exame forense em ambiente digital aos telemóveis apreendidos a fls. 488 e segs. e Apenso A - IMEI (...) e IMEI (...) (referindo-se este ao LG apreendido e pertença do B... ) - donde resulta que o n.º (...) é identificado como pertencente ao B... (cf. fls. 6 e 29), o n.º 910057665 como pertencente a um indivíduo chamado Marco (cf. fls. 9); número (...) como pertencendo à F... (companheira) e o número (...) como pertencendo a J... 2 (cf. fls. 10); o número (...) como pertencendo ao AA... (cf. fls. 18). No que diz respeito às mensagens constantes do telemóvel LG, é de realçar as seguintes:

Mensagem a fls. 234 - o B... envia mensagem ao I... a dizer “Fixe, so k o guito k temos ai, ia presizar k amanha depozitasess 400e numa conta. K e pra os teles e dpois ao entregares teles e mp3 e o resto ao ze tbm entregavas 120e pra uma coisa pra mim”; depois envia uma outra mensagem “Não e ligar fds e k gajo a mim esta sempre a baterse k arrisca k não sei k k já não trata nada pra o outro e depois o homem da entrada vem me dizer k el disse k entrega isto e akilo pra o gajofds” ao que o I... responde, a fls. 235 “Tá a mentir é porque não quer que saibas que ele trata disso para o gajo porque ta a  mentir é que já não se sabe, mas enfim”

• Mensagem a fls. 241: B... diz ao I... que “Daki bocado já te mando numero conta”;

• Mensagem a fls. 244: B... envia mensagem “ (...) , L... ....400E” ao que o I... responde amanhã a J... transfere. Do teor de fls. 803 resulta duas transferências para a conta pertença de L... , filha do H... (cf fls. 832 e segs dos autos) (recluso que contactou previamente o arguido C... ), o que leva o tribunal a concluir que existia uma relação de colaboração entre todos os arguidos e o recluso H... , que veio a culminar na entrega dos telemóveis, dos produtos de melhoramento físico e do produto estupefaciente apreendido no dia 26.7.2016

• Autos de apreensão a fls. 56 a 69, 78, 230, 496, 497, 706 a 714, 732 a 744 ( e respectivos autos de exame a fls. fls. 413 a 430,589 a 593 e 1096 e exame forense em ambiente digital de fls. 488 a 495)

• Informações do Estabelecimento Prisional a fls. 308, 381 e v 1153 relativamente aos arguidos A... e B... , e de fls. 1158 a 1162 relativamente ao arguido C... .

• registos telefónicos de fls. 222, 239 a 274, 405, 406, 482, 760 a 770, 758 a 769, 814,815,847 a 852;

• extratos bancários de fls. 771 a 812, 855 a 875, 898 a 926;

• cópia da sentença de declaração de insolvência do arguida C... data de 23.9. 2010 e da sentença de exoneração do passivo restante proferida em 15.3.2011 (cf fls. 259 a 265 do Apenso A),

Esta colaboração entre os arguidos, designadamente entre os arguidos A... e B... resulta ainda evidente das declarações prestadas pela testemunha D... perante a Policia Judiciária e Magistrado do Ministério Público e que foi reproduzida em audiência de julgamento uma vez que o mesmo em audiência de julgamento demonstrou alguma dificuldade em recordar-se dos factos ocorridos ao que não será alheio o evidente incómodo que o mesmo demonstrou designadamente quanto aos factos respeitantes ao arguido B... . Nesta matéria o tribunal ficou convencido que as declarações prestadas por esta testemunha em fase de inquérito correspondem à verdade dos factos, tanto mais que foram as mesmas de tal modo pormenorizadas que dificilmente seriam inventadas. Por outro lado, as mesmas são as mais consentâneas com a demais prova já referida.

Com efeito, o mesmo referiu que, entre 2014 e 2016, cumpriu pena de prisão no EP de (...) , mais precisamente na Ala G (onde se encontravam os nossos reclusos), tendo nessa altura adquirido produto estupefaciente - haxixe - a A... cerca de duas semanas antes daquele ter sido apanhado com o Guarda Prisional C... pela Policia Judiciária, pagando por esse produto a quantia de 70€ (setenta euros) que este pagou através de uma transferência bancária para uma conta fornecida por aquele, a conta do (...) com o n.º (...) (pertença de G... conforme confirmado por esta em audiência de julgamento - cf. fls.987 e segs de 920 dos autos). Mais referiu que após ter feito a transferência dirigiu-se ao A... para confirmar tal transferência, após o que aquele mandou recolher o estupefaciente junto do companheiro de cela daquele o B... , o que este fez.

Quanto a este referiu que para além de haxixe também lhe chegou a comprar por duas ou três vezes heroína, pelo valor de 5,00 Euros a “cabeça de fósforo”.

Este depoimento vem reforçar a convicção do tribunal que os arguidos A... e B... actuaram sempre em conjunto visando a introdução e venda de produto estupefaciente no E.P. de (...) . Ainda que a relação destes com o recluso H... em Julho de 2016 seja evidente conforme supra exposto, não é contudo possível concluir que a mesma já ocorresse em Março de 2016 quando o H... solicitou ao arguido C... a introdução de produto estupefaciente no E.P. de (...) tanto mais que aqui foi sempre o H... que contactou o arguido C... .

Ainda assim, resulta evidente que os arguidos B... e A... já antes dos factos ocorridos em Julho de 2016, desde pelo menos Março de 2016 - altura em que o arguido A... passou a beneficiar de saídas precárias - actuavam em conjunto, sendo evidente que aproveitavam as saídas precárias do A... para combinar a introdução de telemóveis e outros dispositivos electrónicos conexos, produtos de melhoramento físico e produtos estupefacientes no E.P. de (...) . Só esta actividade é que permite compreender os inúmeros contactos telefónicos estabelecidos entre ambos nas alturas em que este estava em liberdade em virtude de uma saída precária. Com efeito, dois reclusos não tinham necessidade de manter um tão próximo contacto telefónico entre si mesmo quando um deles beneficiava de uma saída precária a não ser que tal visasse combinar a forma de introduzir produto estupefaciente, telemóveis ou mesmo produtos de melhoramento físico aproveitando tal saída. Com efeito do teor do registo das saídas precárias do arguido A... a fls. 599 donde resulta que o mesmo em 2016, para além da precária autorizada de 19/07/2016 a 26/07/2016, teve mais duas saídas, de 04/03/2016 a 10/03/2016 e de 01/05/2016 a 04/05/2016, correspondendo tais períodos a um elevado número de comunicações entre os arguidos B... e A... conforme supra exposto.

Por sua vez, atento o depoimento da testemunha D... resulta não só provado os produtos vendidos por estes arguidos em conjunto como o seu valor, ainda que o mesmo não conseguisse determinar com exactidão se tais compras foram anteriores a 2016.

Quanto aos factos ocorridos no dia 26.7.2016 o tribunal atendeu ainda ao teor do relato de Diligência externa a fls. 41 e segs., confirmando na íntegra pelo depoimento dos inspectores - P... e Q... - ouvidos em audiência de julgamento e pelo teor do auto de detenção em flagrante delito a fls. 44 e segs e - imagens recolhidas das gravações recolhidas do CCTV da Estação de Coimbra-B de fls. 95 a 97 e 149 a 161. Quanto a esta matéria atendeu-se ainda ao Autos de Apreensão a fls. 56 e ss., Testes rápidos a fls, 70 e 72 e Relatório de Exame Pericial a fls. 634 a 636 e registos fotográficos de fls. 55,67 a 71, 73

Quanto à busca do cacifo do arguido C... em 26.7.2016 o tribunal atendeu ao teor do auto de busca e apreensão a fls. 78 a 81.

Quanto à revista efectuada à cela 1 (....) o tribunal atendeu ao teor de fls. 211,212,224,227 a 230, 337 a 339 e 933 não contrariado pela restante prova produzida (tendo o arguido B... admitido os factos objectivos descritos na acusação apenas com a ressalva que o produto estupefaciente encontrado não lhe pertencia).

Em conclusão se em relação a Março de 2016 o tribunal apenas ficou convencido que o arguido C... foi contactado pelo recluso H... para introduzir produto estupefaciente e demais objectos ilícitos no E.P. (...) o que este fez, entregando-lhe tais produtos já dentro do E.P., não se provando que os arguidos A... e B... tivessem tido intervenção nesse acordo, dúvidas não restam que em Julho de 2016 estes arguidos - em conjunto com o H... - acordaram com o C... na introdução dos produtos e bens apreendidos na estação de comboios, sendo que aqueles dois arguidos já pelo menos desde Março de 2016 agiam em comunhão de esforços nessa actividade dentro do E.P.

Aliás, esta relação próxima entre os arguidos A... e B... já era anterior à sua reclusão como resulta evidente do facto de ambos em 2008 terem sido condenados pela prática de vários crimes de roubo no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 270/07.3GAPVZ.

Quanto às condições pessoais e económicas dos arguidos, o tribunal atendeu ao teor do relatório da DGRSP junto aos autos.

No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor de fls. 1349 a 1379 e apenso F.

                                                                        *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [2] e de 24-3-1999 [3] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [4], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

Tendo em consideração as conclusões da motivação do arguido C... a questão a decidir é a seguinte:

- se são excessivas as penas parcelares e a pena única em que foi condenado;

            Tendo em consideração as conclusões da motivação do Ministério Público são duas as questões por este suscitadas: 

- se o Tribunal a quo deveria ter declarado perdido a favor do Estado a vantagem prometida pelos arguidos A... e B... ao arguido C... , no montante de € 2320,00, correspondente ao remanescente de € 3000,00  menos os € 680,00 apreendidos ao C... ; e  

- se devem condenar-se todos os arguidos solidariamente no pagamento do montante global de € 3.590,00, correspondentes às quantias de € 1.200,00 recebidas pelo arguido C... em Março de 2016,  € 2.320,00 prometidas ao arguido C... , e € 70,00 obtidos com a venda do estupefaciente traficado.

            Por fim, são três as questões colocadas pelo arguido B... nas conclusões da motivação do seu recurso, que se conhecerão pela ordem seguinte:

1.ª - se o douto acórdão recorrido, ao dar como provado que o ora recorrente estava envolvido no tráfico de estupefacientes incorreu nos vícios de erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto, a que aludem, respetivamente, as alíneas c) e a), n.º 2 do art.410.º do C.P.P.;

2.ª - se a decisão recorrida violou o princípio in dubio pro reo; e

3.ª - se, consequentemente, deve ser absolvido dos crimes pelos quais foi condenado, bem como da perda a favor do Estado da quantia de € 70,00.


*

            Por razões de ordem lógica, uma vez que o arguido B... impugna a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrida invocando expressamente os vícios das alíneas a) e c), n.º 2 do art.410.º do C.P.P., o que não acontece nos restantes recursos interpostos do acórdão recorrido, vamos conhecer em primeiro lugar do objeto do recurso deste arguido.

*

            Recurso do arguido B...

            1.ª Questão: da existência do erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

O arguido B... defende que a matéria de facto dada como provada nos pontos n.ºs 7, 8, 9, 11.1, 12, 13, 15, 16, 25, a 32, 33, 39, 40, 41.2 e 41.3 do acórdão recorrido - que levou à condenação do ora recorrente pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado - , a matéria de facto dada como provada dos pontos n.ºs 26, 27, 29, 47, 48 e 49, do mesmo acórdão - que levou à condenação do ora recorrente pelo crime de corrupção ativa para ato ilícito - e a matéria de facto dada como provada no ponto n.º 11.2, do acórdão recorrido - que determinou a perda a favor do Estado da quantia de € 70,00 - , padece de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que aludem, respetivamente, as alíneas c) e a), n.º 2 do art.410.º do C.P.P., uma vez que não há prova suficiente de que esteve envolvido no tráfico de estupefacientes.  

Alega para o efeito, no essencial, o seguinte:

1 – Quanto à factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 7, 8, 9, 11.1, 12, 13, 15, 16, 25, a 32, 33, 39, 40, 41.2 e 41.3 do acórdão recorrido:

   - Do depoimento do arguido C... , cujos segmentos na gravação se indicam e transcrevem, resulta que o ora recorrente B... não era conhecedor da entrada e do procedimento de entrada de produtos estupefacientes no interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra pelo arguido C... , não existindo entre os dois qualquer tipo de colaboração; 

   - A testemunha D... afirmou em sede de julgamento, conforme segmentos na gravação que se indicam e transcrevem, que não comprou, nem recebeu estupefacientes e tabaco ao ora recorrente B... . Pagou € 70 pela compra de tabaco ao arguido A... e transferiu essa importância para a conta da G... sobrinha deste arguido, A... . O haxixe era de um outro arguido e entrava dentro do E.P. de (...) pelo guarda C... , pelo que existe quanto a esta matéria um erro notório na apreciação da prova e insuficiência de elementos para a decisão da matéria de facto.

As declarações prestadas pelo D... perante a Polícia Judiciária e perante o Ministério Público foram feitas sem a presença de advogado, em violação da alínea b) do n.º 1 do art.64º do Código de Processo Penal. O Tribunal a quo não pode valorar o depoimento desta testemunha prestado em sede de inquérito, pois esta afirma que quando as prestou não estava bem da cabeça e em sede de julgamento não foi capaz de identificar o arguido B... pelo nome nem pela alcunha de “ BB... ”, só sendo possível a sua identificação ao ser mostrado a imagem do arguido. Apenas sabia que na cela em que se encontrava o arguido A... se encontrava também um recluso da região do Porto.

Em sede de julgamento esta testemunha não revelou dificuldade em recordar os factos ocorridos e nem sequer demonstrou incómodo quanto ao arguido B... , afirmando que não tem nada contra os arguidos, ao contrário do que o Tribunal a quo fez convicção no seu acórdão.

   - Dos segmentos do depoimento da testemunha I... constantes da gravação, que se indicam e transcrevem, resulta que ajudou o ora recorrente, a seu pedido, na aquisição de telemóveis e outros dispositivos de telecomunicações, ficando subjacente das conversas que tinha com este que o ora recorrente venderia telemóveis. O conteúdo do saco de papel que o ora recorrente B... lhe tinha pedido continha apenas os telemóveis e dispositivos de telecomunicações e os 72 comprimidos para melhoramento físico.

   - Quanto ao produto de estupefaciente foi encontrado na ação de fiscalização levada a cabo pelos serviços prisionais em 29 de Julho de 2016, o mesmo foi encontrado no colchão da cama utilizada pelo arguido A... , pelo que poderia ser do ora recorrente, do arguido A... (consumidor) ou do O... , que estava na mesma cela com estes arguidos.

   - Os movimentos bancários não comprovam que o ora recorrente e o arguido A... atuassem em conjunto na venda de produtos estupefacientes, telemóveis e produtos de melhoramento físico, porquanto não existem quaisquer tipos de transferências entre os mesmos, tendo o Tribunal a quo desvalorizado os segmentos das declarações do ora recorrente que se indicam na gravação e se transcrevem.

Existe aqui uma insuficiência de elementos para a decisão da matéria de facto dada por provada.

   - Resulta dos segmentos da gravação e transcrição das declarações do ora recorrente e da testemunha L... , que as transferências feitas da conta da testemunha J... para a conta desta testemunha (filha do H... ), a pedido do ora recorrente eram feitas de modo esporádico e o seu montante e motivo está relacionado com o preço aplicado pela venda de telemóveis, como foi afirmado por este e pela testemunha L... . Por cada telemóvel o arguido B... recebia € 250 ficando com € 50 e eram transferidos € 200 para a conta da L... .

   - Os papéis manuscritos encontrados na residência do arguido A... com o nome da esposa do arguido B... têm como o motivo de existência a venda do telemóvel que o ora recorrente tinha dado ao arguido A... para este vender. Existe aqui um erro notório na apreciação da prova.

Das mensagens enviadas entre o arguido B... e a testemunha I... , constantes de fls. 234 conclui-se que os mesmos falam sobre o negócio dos telemóveis (numero de conta bancaria em que é feita a transferência, motivo da mesma e a sua importância monetária). Os € 400 transferidos correspondem à venda de 2 telemóveis, € 200 por cada um deles, como resulta da mensagem a folhas 244, 803.  

   - Das escutas telefónicas estabelecidas entre os arguidos B... e o arguido A... não resulta que estejam a falar do produto de estupefaciente e nem no negócio como um todo. Estes arguidos não utilizam qualquer linguagem codificada nem dissimulada, ao contrário do que o tribunal a quo faz convicção. Existe aqui um erro notório na apreciação da prova e uma insuficiência para a decisão da matéria de fato provada.

2 – Quanto à factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 26, 27, 29, 47, 48 e 49, do acórdão recorrido:

   - Conforme segmentos na gravação que se indicam e transcreve, o arguido C... afirmou nas suas declarações que nunca tinha falado com o ora recorrente sobre os produtos estupefacientes, e o ora recorrente declarou que só soube que era aquele arguido a transportar os telemóveis um ou dois dias antes da detenção do arguido C... e que não tinha conhecimento como os telemóveis apareciam na sua cela.

   - Apesar de todo o passado criminal do arguido B... o mesmo nunca teve qualquer relacionamento com o tráfico de estupefacientes quer no interior do Estabelecimento Prisional quer no exterior do mesmo, pelo que não é sólida a fundamentação do Tribunal a quo ao afirmar que “é usual a venda de produtos de melhoramento físico é feito ao mesmo tempo que a venda de produto estupefaciente” e que por isso o ora recorrente estaria ciente e queria também a introdução do produto estupefaciente no EP através do guarda e arguido C... .

3 – Quanto à factualidade dada como provada no ponto n.º11.2, do acórdão recorrido:

    - Conforme segmentos na gravação já antes indicados e transcritos do depoimento da testemunha D... esta afirmou, em sede de julgamento, que não comprou, recebeu estupefacientes e tabaco do ora recorrente, tendo pago € 70 pela compra de tabaco ao arguido A... e transferido essa importância para a conta da G... sobrinha deste arguido, A... .

O ora recorrente não teve qualquer intervenção, quer direta quer indireta com esta matéria.

Vejamos.

O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 

     c) O erro notório na apreciação da prova.».

Como resulta expressamente mencionado nesta norma, os vícios nela referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida.    

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.

Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.[5]

No caso em apreciação, quando o recorrente B... imputa ao acórdão recorrido o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, remete para segmentos na gravação do depoimento da testemunha D... , das suas próprias declarações e das declarações do arguido A... , prestadas em audiência de julgamento, cuja reapreciação requer ao Tribunal de recurso.

A impugnação da matéria de facto, efetuada nestes termos, não se confunde com o vício em questão, uma vez que não se limita ao texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum

Por outro lado, o arguido/recorrente B... não indica, a partir do texto da sentença, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, um qualquer facto que ficou por averiguar em julgamento, relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente para a defesa do recorrente.

Também não menciona que os factos dados como provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, designadamente a sua condenação pelos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de corrupção ativa para ato ilícito, mas sim e apenas que

existe “insuficiência de elementos para a decisão da matéria de facto” , confundindo assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras da experiência.

Uma vez que os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento, com o preenchimento pelo arguido/recorrente dos elementos constitutivos dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de corrupção ativa para ato ilícito, bem como para a decisão sobre a perda da quantia de € 70,00 a favor do Estado, e do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se vislumbram factos que ficaram por apurar, não temos por verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.                                                                                                                                             

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c), n.º 2 do art.410.º do C.P.P., o mesmo consiste num vício de apuramento da matéria de facto que prescinde, tal como os restantes vícios referidos nessa norma, da análise da prova produzida em audiência, para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, portanto, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.

No dizer dos Juízes Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos, o erro notório na apreciação da prova existe “...quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. [6]

Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). 

O erro notório na apreciação da prova tem que ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média.

No caso em apreciação, o arguido B... impugna alguma matéria de facto dada como provada, invocando o erro notório na apreciação da prova, mas não o faz apenas a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, sem consulta de outros elementos constantes do processo, uma vez que remete para prova produzida oralmente em julgamento e gravada, cuja reapreciação requer ao Tribunal de recurso.

Por outro lado, analisando a fundamentação da matéria de facto do douto acórdão recorrido, nomeadamente as declarações do arguido C... , o teor do depoimento da testemunha D... reproduzido em audiência de julgamento, a apreensão dos objetos e produto estupefaciente na Estação de CP, os contactos telefónicos entre os ora recorrente e o arguido A... , as buscas domiciliárias e no Estabelecimento Prisional e toda a prova documental, designadamente, manuscritos apreendidos, movimentos bancários e troca de mensagens, tudo conjugado com as regras da experiência comum, nos termos que constam da decisão recorrida, não temos como notório que o Tribunal Coletivo tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, quando dá como provada a factualidade que o recorrente impugna.

Pelo contrário, a prova analisada nos termos que constam da decisão recorrida permite concluir, nomeadamente, que os arguidos B... e A... , companheiros de cela e anteriormente condenados por crimes de roubo no âmbito do mesmo processo crime, desde pelo menos março de 2016, data em que o A... passou a gozar de licenças precárias, passaram a vender, em comunhão de esforços, produtos estupefacientes a outros reclusos no Estabelecimento Prisional de (...) , designadamente a D... , e que todos os produtos apreendidos na Estação CP em julho de 2016, logo após terem sido entregues pelo arguido A... ao Guarda Prisional ao arguido C... , se destinavam a ser introduzidos no mesmo Estabelecimento no âmbito de acordo existente entre os arguidos B... , A... , C... e o recluso H... , com vista a serem aí comercializados pelo ora recorrente e pelo arguido A... .     

Perante o exposto, não se tem por verificado o vício a que alude a al. c), n.º2 do art.410.º, do Código de Processo Penal.

Pese embora o recorrente B... impugne a matéria de facto aludindo aos vícios a que alude o art.410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, na realidade imputa à decisão recorrida um erro de julgamento da matéria de facto, impugnando mesmo alguma da factualidade dada como provada pela via ampla a que se reporta o art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P..

O art.412.º, n.º3 do Código Penal, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, pela chamada via ampla, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

     c) As provas que devam ser renovadas

O n.º 4 deste art.412.º, acrescenta que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.», pelo o recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

No presente caso, o arguido B... não especifica, nas conclusões da motivação, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e embora indique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida sobre a sua participação nas transações e na introdução de produtos estupefacientes no Estabelecimento Prisional de (...) , não indica as concretas passagens em que funda a impugnação, através da indicação da sessão de julgamento em que as suas declarações e os depoimentos constam na gravação.
Porém, na motivação do recurso, indica os concretos pontos da matéria de facto que impugna e localiza na gravação as passagens das suas declarações e do arguido C... , bem como os depoimentos das testemunhas em que funda a impugnação, transcrevendo os respetivos segmentos.
O Tribunal da Relação considera, assim, que o mesmo deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, se concluir pela existência de erro de julgamento.

 Antes de passar ao conhecimento direto da questão, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.

É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência, a que se deve atender na apreciação da prova, são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[7].

Quanto à livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, ela não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela (deve ser) uma convicção objetivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[8].

Na livre apreciação da prova o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Observa, a este respeito, o Prof. Germano Marques da Silva, que « Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente ( v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio, que há de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.».[9]     

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. É ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5.

Reportando-se aos princípios da oralidade e imediação diz o Prof. Figueiredo Dias, que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efetivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”.[10]

Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Assim, se o recorrente impugna somente a credibilidade das declarações ou do depoimento deve indicar elementos objetivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade das declarações ou depoimentos, pois aquela, quando estribada em elementos subjetivos é um sector especialmente dependente da imediação do tribunal recorrido. 

Uma vez, porém, que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efetivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto a que se procede nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem – e não apenas permitem – decisão diversa da recorrida.

Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., por não impor decisão diversa, deve manter a decisão recorrida.

Retomando o caso concreto.

O Tribunal da Relação procedeu à audição dos indicados segmentos das declarações dos arguidos C... e do ora recorrente B... , bem como dos segmentos dos depoimentos das testemunhas D... , I... e L... , e dela resulta que as transcrições efetuadas pelo recorrente correspondem com razoável fidelidade ao que estes sujeitos declararam em audiência de julgamento.

Das declarações do arguido C... resulta que o mesmo confessou os factos que lhe são imputados, com a ressalva de que todos os contactos telefónicos que efetuou foi com o recluso n.º 26, H... . Acrescenta ainda, nomeadamente, que quer em março, quer em julho, de 2016, foi apenas com este recluso que conversou para introduzir telemóveis e produtos estupefacientes no Estabelecimento Prisional de (...) . Foi este recluso quem lhe disse que era o arguido A... a pessoa que no dia 26 de junho de 2016 lhe entregaria na Estação da CP o material apreendido. Embora falasse no EP de (...) com o ora recorrente “…sobre estes assuntos nada”.

A testemunha D... começou por declarar, em audiência de julgamento, nomeadamente, que não tinha nada contra os arguidos e que os € 70,00 que transferiu para a conta bancária de uma senhora, a pedido do arguido A... , foi para pagamento de tabaco que recebeu deste no Estabelecimento Prisional. Nunca comprou ou recebeu produtos estupefacientes, como cocaína, heroína ou haxixe ao individuo “do Porto”, que era companheiro de cela do arguido A... .

Perante este depoimento, o Tribunal considerando que havia contradições com o que a mesma testemunha havia dito na presença do Ex.mo Procurador da República em fase de inquérito,  decidiu, ao abrigo do art.365.º, n.ºs 3 , al.b) e 5 do C.P.P., sem oposição de qualquer sujeito processual,  proceder à leitura do seu depoimento prestado a folhas 1054 e seguintes.

No âmbito desta decisão, leu o seguinte, como tendo sido declarado pela testemunha perante a PJ, no dia 20 de janeiro de 2017:

«… que se encontra a cumprir pena de prisão desde o ano de 2009, tendo já recebido condenações pela prática dos crimes de roubo, sequestro, e tráfico de estupefacientes, entre outros, tendo já cumprido pena nas cadeias de A (...) , C (...) , L (...) , (...) , A (...) e C (...) , onde atualmente se encontra. De entre estes estabelecimentos prisionais, respondeu que cumpriu pena no L (...) do ano de 2010 ao ano de 2014, de onde veio para (...) , local de onde seria transferido em setembro de 2016 para A (...) e daí, em finais de dezembro de 2016, para C (...) . Refere igualmente ter sido consumidor de estupefacientes, nomeadamente de haxixe, heroína e cocaína, substâncias que deixou de consumir entretanto, encontrando-se atualmente e desde há cerca de um ano ou ano e meio a tomar metadona. Esclarece que atualmente consome haxixe, mas apenas muito raramente.

Confrontado com o teor das declarações que nesta data prestou na Polícia Judiciária no âmbito do NUIPC 373/16.3JACBR perante o Sr. Inspetor E... , nomeadamente na parte em que se refere ao recluso A... , o depoente esclarece e é perentório ao afirmar que no EPC, cerca de duas semanas antes daquele ter sido apanhado com o Guarda Prisional C... pela Polícia Judiciária, adquiriu droga a este recluso, mais precisamente haxixe, por uma vez, pagando por essa droga a quantia de 70€ (setenta euros) que o depoente pagou mediante uma transferência bancária para uma conta fornecida por aquele, a conta do (...) com o n.º (...) . Relativamente a esta transação de haxixe que comprou ao recluso A... , que conhece por “ AA... ”, esclarece que sabendo que ele vendia haxixe na cadeia e depois de ter falado com ele para lhe comprar "metade de um quarto" de placa de haxixe, este deu-lhe o número da conta bancária supra referido, que o depoente verificou ser titulada por G... depois de ter feito a transferência para pagamento da droga que adquiriu ao A... . Refere que fez mais transferências bancárias para pagamento de droga para esta conta fornecida pelo A... mas relativamente a droga que adquiriu a outros reclusos, julgando que o A... nada tinha a ver com essa droga, facultando apenas esta conta bancária para ser utilizada para pagamentos de droga de terceiros reclusos. Relativamente a estes pagamentos efetuados para esta conta nos termos descritos, não sabe precisar quantas transferências terá efetuado, mas recorda que ao longo do tempo, talvez no ano de 2015, terá efetuado para pagamento de heroína e haxixe que adquiriu no EPC, cerca de três ou quatro, em montantes de, ao que recorda, 40€, 30€ e 80€.

Relativamente ao modo como se procedeu à transação desta droga que comprou ao A... , esclarece que se dirigiu a ele para lhe dar conta da realização da transferência dos 70 euros, após o que o A... o mandou recolher o estupefaciente junto do companheiro de cela daquele o B... , conhecido no meio pela alcunha de BB... . Deseja esclarecer que nenhuma da droga que adquiriu ao A... ou a qualquer outro recluso se destinou a ser comercializada por qualquer modo, tendo sido destinada ao seu único e exclusivo consumo.

Questionado respondeu que não tem conhecimento direto da participação de guardas prisionais nestes esquemas de introdução de droga na cadeia, nomeadamente nada sabe dizer relativamente à atuação do guarda prisional C... .

O depoente deseja aqui manifestar que, pelo teor das declarações que tem vindo a prestar, teme sofrer represálias no futuro por parte das pessoas visadas, sendo que no passado foi já por diversas vezes ameaçado e vítima de agressões no interior dos sucessivos estabelecimentos prisionais por onde tem passado e que por isso solicita que eventuais futuras declarações sejam prestadas longe dos olhares de quem aqui denuncia (…)».

Como tendo sido prestadas na presença do Ex.mo Procurador da República, no mesmo dia 20 de janeiro de 2017, leu as seguintes declarações da mesma testemunha:

« Que confirma na integra as declarações que acabou de prestar na Polícia Judiciária, que neste ato lhe foram lidas, em virtude das mesmas corresponderem inteiramente à verdade, reproduzindo fielmente o que então declarou perante aquele órgão de polícia criminal, que neste ato reitera para todos os efeitos legais.

Esclarece ainda que a sua cela era situada na Ala G, no piso inferior à da cela do A... (“ AA... ”) e do B... (“ BB... ”), sensivelmente na mesma direção.

Chegou ao contacto com o “ AA... ”, porque anteriormente tinha estado na Ala E, onde havia conhecido um tal de K... (recluso n.º200), a quem tinha comprado produto estupefaciente e pago através de uma transferência bancária para uma conta que logo suspeitou não ser dele, vindo, posteriormente, a averiguar tratar-se de uma conta que é controlada pelo “ AA... ”.

Assim, quando se transferiu para a Ala G e quando teve necessidade de adquirir haxixe, contactou o “ AA... ” para o efeito, nos termos já descritos, sabendo que a referida conta é titulada pela referida G... , que será familiar do “ AA... ”.

Pelos vistos, o “ AA... ” e o “ BB... ” geriam o negócio da droga em conjunto.

Esclarece que cada placa de haxixe (cerca de 100 gr) é vendida no interior da cadeia por cerca de €250, quando cá fora o preço ronda os € 120, sendo que se for vendida aos “bocadinhos”, pode atingir no interior da cadeia os €  500 a placa. Cada “bocadinho” (“porro”) é vendido à onça, por € 2,80 a unidade.

Sabe que o “ BB... ” também vendia heroína, tendo chegado a comprar-lhe umas duas/três vezes.

Ao “ AA... ” nunca lhe comprou heroína. A heroína no interior da cadeia é vendida a € 5 a “cabeça de fósforo”. (…)»

Após a leitura deste depoimento, perguntado à testemunha D... “onde é que ficamos?”, declarou esta, no essencial, que “na Judiciária disse isso” e que “o Procurador perguntou-me pelos € 70,00”. Não se lembra de ter comprado heroína “ao B... ” e que “na altura também não estava bem da minha cabeça”. 

Dos segmentos do depoimento da testemunha I... resulta, por sua vez, nomeadamente, que é amigo do arguido B... e que em data que não consegue precisar, mas anterior a julho de 2016, participou ativamente na introdução de um telemóvel no Estabelecimento Prisional a pedido deste, entregando o telemóvel ao arguido A... , para este o fazer chegar ao arguido B... . Em julho de 2016, a pedido do arguido B... , reuniu pastilhas pedidas por este pela internet e telemóveis remetidos pelo correio para a morada dos avós da companheira do depoente, J... . Primeiramente estava previsto que entregaria os objetos diretamente ao arguido A... , mas acabou por os entregar num saco em casa da mulher do arguido B... . Não se lembra já da totalidade dos objetos que estavam no saco e que vieram a ser apreendidos, mas nele estavam pelo menos 2 telemóveis, 1 ou 2 carregadores, auriculares e toda a panóplia de coisas relacionadas com o uso de telemóveis e 1 aparelho MP3 ou Ministério Público 4 e umas pastilhas. Ficou subjacente das conversas que tinha com o arguido B... que ele venderia telemóveis. 

O arguido/recorrente B... declarou nos segmentos das declarações que indica, designadamente, que um ou dois dias antes da detenção do arguido C... é que soube que era este quem iria introduzir os telemóveis no Estabelecimento Prisional, desconhecendo como anteriormente os telemóveis apareciam junto da sua cama, na cela, após regressar do trabalho. Pediu ao arguido A... para nas saídas precárias lhe trazer telemóveis. A propósito dos movimentos bancários e dos manuscritos com o número de conta e endereço da mulher do ora recorrente, F... , encontrados na busca à residência do arguido A... , refere que esteve na cela com o arguido A... e quando começou a beneficiar de saídas precárias foi colocado numa outra zona prisional, tendo ali deixado o telemóvel que tinha. Combinou com o arguido A... que, caso ele não precisasse de o utilizar, para o vender e depois dividiam o dinheiro a meias, o que não chegou a acontecer, colocando na conta o dinheiro ou enviava via correio.

Relativamente à mensagem constante de folhas 234, entre si e a testemunha I... , declarou que nela pedia que transferisse € 400,00 ou seja € 200,00 por cada telemóvel, para uma conta que depois veio a saber ser de uma familiar do recluso C... . Pagava € 200,00 ao “outro recluso” para entrarem os telemóveis, levava € 250,00 e ganhava € 50,

Por fim, a testemunha L... declarou, no essencial, que o seu pai, o recluso H... , lhe pediu a sua conta bancária a fim ali ser depositado o dinheiro que tinha emprestado a alguém. Foram feitas três transferências, duas transferências de € 400,00 e uma de €50,00. Posteriormente levantou o dinheiro a pedido do pai, que usava nas saídas precárias.  

Será que a prova indicada pelo recorrente nas conclusões da motivação, cuja reapreciação requer ao tribunal de recurso, não só permite, mas impõe uma decisão diversa da recorrida?

Adiantamos, desde já, que a resposta é negativa.

Se é verdade que o arguido C... declarou que não falou com o ora recorrente, nem com o arguido A... , sobre a introdução de telemóveis e produtos estupefacientes no Estabelecimento Prisional de (...) pois era sempre diretamente contactado pelo recluso H... , também não deixa de ser verdade que não se vislumbra das sessões das escutas telefónicas transcritas ou das mensagens trocadas entre o  ora recorrente e o arguido A... qualquer conversa de onde resulte que desconheciam quem e de que modo iram ser introduzidos no EP de (...) , o produto estupefaciente, os comprimidos de cafeína, os telemóveis e outros objetos que vieram a ser apreendidos na Estação da CP , no dia 26 de junho de 2016.

Resultando da prova produzida que os arguidos A... e B... tinham uma relação próxima anterior à sua reclusão, tendo participado em vários roubos no âmbito do processo comum coletivo n.º 270/07.3GAPVZ, partilhavam a mesma cela, estabeleceram contacto telefónico nos dias anteriores, está longe de poder concluir-se, em face das declarações do arguido C... que o ora recorrente - como defende - não podia saber que este Guarda Prisional transportava produtos estupefacientes.

Não vislumbramos na prova reapreciada que o arguido A... e o ora recorrente, tivessem qualquer dúvida de que os produtos que ali foram apreendidos iam ser entregues ao Guarda Prisional C... e que tal entrega tinha por fim a sua introdução no EP de (...) .

Tendo os telemóveis e o produto estupefaciente sido adquiridos pelos arguidos A... e o ora recorrente, com a colaboração de familiares e amigos, como bem se depreende desde logo das sessões das escutas telefónicas especificadas na fundamentação da matéria de facto, é perfeitamente razoável concluir, sem violação das regras da experiência comum, que todo este material seria posteriormente devolvido pelo Guarda Prisional ao ora recorrente e ao arguido A... dentro do EP de (...) , a fim de aí ser comercializado, tendo neste âmbito agido os três arguidos em comunhão de esforços e intenções - e com o acordo do recluso H... , com quem o Guarda Prisional atuara de modo idêntico, em março de 2016, introduzindo no EP telemóveis e 5 placas de canábis.           

O depoimento da testemunha D... prestado perante a PJ e renovado perante o Ex.mo Procurador da República no decurso do inquérito, e que foi lido em audiência de julgamento, ao abrigo do art.356.º, n.ºs 3, al. b) e 5 do C.P.P. e sem oposição de qualquer sujeito processual, não viola o art.64.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, como é sustentado pelo recorrente.

O art.64.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal respeita à obrigatoriedade de assistência de defensor « nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária».

Resulta claro, dos “autos de inquirição” de folhas 1054 a 1056 e 1060 a 1061, que D... foi inquirido na qualidade de testemunha, prestando o respetivo juramento previsto no art.91.º do C.P.P., não tendo sido interrogado como arguido.

Deste modo o seu depoimento pode ser valorado nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal.

O Tribunal a quo considerou na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido a “dificuldade” demonstrada pela testemunha D... em recordar-se dos factos ocorridos, não será alheia ao “evidente incómodo” da testemunha D... em depor na audiência de julgamento quanto aos factos respeitantes ao arguido ora recorrente, tendo ficado “convencido” que as declarações prestadas pela testemunha em fase de inquérito correspondem à verdade dos factos, tanto mais que as mesmas se mostram de tal modo pormenorizadas que dificilmente seriam inventadas, para além de que se mostram consentâneas com a demais prova analisada.

Efetivamente, quem descreve no dia 20 de janeiro de 2017, com o pormenor que a testemunha D... fez, perante a PJ e depois perante o Magistrado do Ministério Público, a atividade desenvolvida no Estabelecimento Prisional por parte dos arguidos A... (“ AA... ”) e arguido B... (“ BB... ”), ligando-os ao “negócio da droga”, não indicia minimamente que nessa altura estava incapacitado de entender o que dizia, por estar bem da cabeça. 

A testemunha não nega que na PJ, e logo a seguir perante o Magistrado do Ministério Público, deu a explicação que consta do auto de inquirição ao Ex.mo Procurador da República sobre os € 70,00 transferidos para uma conta indicada pelo arguido A... , pelo que, nestas circunstâncias não é racional que, poucos meses depois, na audiência de julgamento de 4 de maio de 2017, declare que não se lembra de ter comprado estupefacientes ao individuo “do Porto”, que era companheiro de cela do arguido A... e que os € 70,00 que transferiu para a conta bancária de uma senhora, se destinavam ao pagamento de tabaco adquirido ao arguido A... no Estabelecimento Prisional.

Se considerarmos que a testemunha D... declarou em sede de inquérito que é consumidor de estupefaciente, que a quantia de € 70,00 é muito dinheiro para pagar tabaco,  e que no passado foi já vítima de ameaças e de agressões no interior dos sucessivos Estabelecimentos Prisionais por onde passou temendo sofrer represálias no futuro por parte das pessoas visadas solicitando, por isso, que as suas futuras declarações sejam prestadas longe de quem denuncia, não foge às regras da experiência comum que a versão do seu depoimento prestado em sede de inquérito e contraditado em julgamento seja valorada em detrimento da outra versão apresentada em julgamento, fundada em boa parte na dificuldade de se recordar dos factos.  

A opção pela valorização da versão da testemunha D... prestada em sede de inquérito, foi tomada pelo Tribunal a quo no âmbito da imediação e da oralidade e o Tribunal da Relação não encontra elementos objetivos para concluir que ao assim optar decidiu contra as regras da experiência comum e a livre convicção.

Tendo o Tribunal da Relação concluído que não existe qualquer erro de julgamento na valoração do depoimento da testemunha D... nos termos em que o Tribunal a quo o fez, fica claro que os arguidos A... e B... vendiam no interior do EP de (...) , em comunhão de esforços e intenções, produtos estupefacientes, como resulta claro, desde logo, da circunstância da testemunha D... , após ter realizado a transferência bancária dos € 70 para aquisição de “metade de um quarto” de haxixe, ter sido mandada pelo arguido A... recolher este estupefaciente junto do companheiro de cela daquele, o ora recorrente, conhecido no meio pela alcunha de BB... . O que não impediu o ora recorrente de também, pelo menos em duas ocasiões, ter vendido heroína à mesma testemunha.  

Pese embora o arguido/recorrente B... declare desconhecer o negócio da droga e a testemunha I... , seu amigo, tenha declarado que em julho de 2016, a pedido do arguido B... , reuniu pastilhas pedidas por este pela internet e telemóveis remetidos pelo correio para a morada dos avós da companheira do depoente, J... e tenha entregue estes objetos num saco em casa da mulher do arguido B... , o certo é que dentro do saco de papel, de cor azul com a inscrição “Douglas”, entregue pelo arguido A... ao arguido C... , na Estação da CP, se encontrava um saco de plástico, contendo, indistintamente, para além daqueles objetos, 5 placas de canábis (resina), com o peso de quase meio quilograma. 

O arguido C... , ao confessar os factos, aceitou que iria receber a quantia de € 3000,00, como remuneração pelo serviço de levar e introduzir o material que lhe foi apreendido, embora referindo que conversou para o efeito com o recluso H... . Ora, como bem se anota na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, esta quantia só se compreende porque o material a introduzir no Estabelecimento Prisional incluía produto estupefaciente.

Relativamente às 7,82 gramas de heroína encontrada no colchão da cama utilizada pelo arguido A... até ao dia 17 de julho de 2016, na ação de fiscalização levada a cabo pelos serviços prisionais em 29 de Julho do mesmo ano (Auto de Noticia de folhas 224), considerando-se que essa cela , para além de ocupada pelo recluso O... , o era igualmente pelos arguidos A... e ora recorrente B... , e que estes vendiam produtos estupefacientes no Estabelecimento Prisional, tendo inclusive a testemunha D... chegado a comprar aquele tipo de estupefaciente pelo menos por duas vezes ao ora recorrente, não viola as regras da experiência comum concluir-se que o produto existente na cela se destinava a ser comercializada por estes dois arguidos.  

Quanto às transferências bancárias feitas da conta da testemunha J... , companheira da testemunha I... , para a conta da testemunha L... , filha do recluso H... , não se vislumbra do depoimento desta que o motivo de tais transferências, uma das quais efetuada em 20-7-2016 (folhas 771 e segs), seja apenas a venda de telemóveis, uma vez que esta declara que o seu pai lhe referiu que elas respeitavam a empréstimos. Assim, não vislumbramos razão para aceitar a sua versão dos factos que resulta das suas declarações e da interpretação que faz da mensagem constante de folhas 234 e seguintes, sobre este assunto.

Considerando o exposto, também não viola as regras da experiência comum a interpretação feita pelo Tribunal a quo no sentido de que os manuscritos apreendidos ao arguido A... com o número de conta e endereço da mulher do ora recorrente, F... , evidenciam uma atuação conjunta dois arguidos na venda do tipo de produtos como aqueles que foram apreendidos em 26 de julho de 2016.

O Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade não teve como credível que o motivo da existência daqueles manuscritos fosse a venda, que não chegou a realizar-se, do telemóvel que o arguido B... tinha dado ao arguido A... para esse fim; e o Tribunal da Relação também não tem qualquer elemento objetivo para discordar dessa opção.

Quanto às comunicações estabelecidas entre o arguido ora recorrente e o arguido A... o Tribunal da Relação não vislumbra a existência de vários acordos, mas apenas a um acordo para introdução dos bens que vieram a ser apreendidos e, assim, que a introdução do produto estupefaciente tivesse sido acordada à revelia do ora recorrente. E, ao contrário do referido pelo ora recorrente é evidente a linguagem dissimulada existente entre si e o arguido A... , absolutamente inusual a quem comercializa telemóveis, mas já própria de quem se dedica ao tráfico de estupefacientes, e de que a título de exemplo a sessão 7, referida na fundamentação da matéria de facto do acórdão: o ora recorrente telefona ao arguido A... e pergunta como é, e se não estava ninguém em casa dele. Este responde que já tinha dito à irmã e que ou era a G... , ou era a J... ou o I... e que falou com este na praia e que ele disse “ Ó AA... olha… é melhor assim, assim, assim, assim…e prontos…para mim tá tudo”. O ora recorrente responde “ Tá bem então” e volta a perguntar “ Tá bem, tá bem! Ó AA... está tudo em ordem?”, ao que o arguido A... responde que sim que vai buscar de caminho o material.  

Reapreciada a prova indicada pelo recorrente nas conclusões do recurso, conclui o Tribunal da Relação que a convicção a que o Tribunal a quo chegou mostra-se objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante.

A circunstância do arguido/recorrente não ter antecedentes por tráfico de estupefacientes e do Tribunal a quo entender na fundamentação da matéria de facto que é usual a venda de produtos de melhoramento físico ao mesmo tempo que a venda de produtos estupefacientes, não é suficiente para se concluir que errou na apreciação da prova, pois não obsta a que o ora recorrente pratique este tipo de delito no Estabelecimento Prisional e que aí não seja também usual , ao mesmo tempo, a venda produtos de melhoramento físico, o que não vemos como argumento particularmente relevante para a decisão da matéria de facto em face do já exposto.

Em suma, a versão considerada provada tem pleno suporte nos meios de prova produzidos, e a sua valoração, nos termos em que foi feita, não revela a violação de qualquer regra da experiência comum, pese embora tenha implicado a desvalorização das declarações do recorrente.

O Tribunal a quo, que beneficiou da imediação e oralidade da prova, expôs e explicou racionalmente, a opção tomada ao dar como provada a factualidade constante dos pontos n.ºs 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 16, 25 a 32, 33, 39, 40, 41.2 e 41.3, 47, 48 e 49 do acórdão recorrido e o Tribunal da Relação entende que a prova reapreciada não impõe decisão diversa da recorrida.

Assim, improcede esta questão.


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            2.ª Questão: da violação do princípio in dubio pro reo.

O recorrente B... entende que foi violado o princípio in dúbio pro reo porquanto o Tribunal a quo não resolveu as questões de saber de quem era o estupefaciente encontrado na cela ocupada por si , pelo arguido A... e pelo recluso O... , qual o destino do estupefaciente, e porque é que o arguido A... tinha uns papéis manuscritos com o nome da esposa do arguido/recorrente.

A decisão do Tribunal a quo sobre a matéria provada viola, ainda, este princípio na medida em que das escutas telefónicas estabelecidas entre os arguidos B... e A... não resulta que os mesmos estejam a falar do produto estupefaciente e do negócio como um todo, nem utilizam linguagem codificada ou dissimulada; porque as testemunhas I... e J... referiram em sede de julgamento que o saco continha unicamente telemóveis, dispositivos eletrónicos e comprimidos para melhoramento físico; e porque na fundamentação do acórdão se afirma que é usual a venda de produtos de melhoramento físico ao mesmo tempo que a venda de produtos estupefacientes. 

Apreciando.

O art.32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

A presunção de inocência, inscrita ainda no art.6.º, § 2.º da CEDH, é um princípio de inspiração jusnaturalista iluminista que assenta na dignidade do ser humano e na defesa da sua posição individual perante a omnipotência do Estado.

É mais abrangente do que o princípio do “in dubio pro reo”, já que este é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, ao passo que o princípio da presunção de inocência se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.

O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.[11]

A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere o Prof. Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.[12]

Se na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

No caso em apreciação e salvo o devido respeito, não é nesta perspetiva que o recorrente B... coloca a questão, mas antes na da insuficiência da prova produzida face à decisão de facto proferida, assunto que atrás se conheceu no âmbito dos vícios do art.410.º do C.P.P. e da impugnação por via ampla da matéria de facto, prevista no art.412.º, n.ºs 3 e 4 , do mesmo Código.

Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto do douto acórdão não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido B... dos factos dados como provados e que este impugna.

O que resulta daquela decisão é um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pelo arguido/recorrente B... dos factos dados como provados, pelo que está deste modo afastada a violação pelo Tribunal recorrido do princípio in dúbio pro reo associado ao princípio da inocência.

Perante o exposto, consideramos definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos que constam da douta decisão recorrida.


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            3.ª Questão: da absolvição dos crimes pelos quais foi condenado e da perda da vantagem.

Por fim, e na sequência da pretendida alteração da matéria de facto, requer o ora recorrente B... a sua absolvição dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de corrupção ativa para ato ilícito, pelos quais foi condenado, bem como da perda a favor do Estado da quantia de € 70,00 a que se alude no ponto n.º 11.2 dos factos provados.

A pretendida absolvição dos crimes e perda da vantagem decretada no acórdão recorrido,  parte do pressuposto da alteração da matéria de facto, não indicando o recorrente nas conclusões da motivação, nem na respetiva motivação do recurso, qualquer erro na determinação ou na interpretação das normas penais aplicadas no acórdão recorrido, nem indica outro sentido em que as normas deviam ter sido aplicadas.

Deste modo, e mantendo-se intacta a factualidade dada como provada na 1.ª instância, improcede esta questão e, consequentemente, o recurso.


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            Recurso do arguido C...

            O recorrente C... sustenta que o acórdão recorrido, na determinação do quantum das penas parcelares e da pena única, não valorou devidamente os factos provados nos autos, aplicando erradamente as normas dos artigos 40.º, nºs 1 e 2, 70.º, 71.º,72.º e 77.º, todos do Código Penal e, ainda, o art.18.º da Constituição da República Portuguesa.

Alega para o efeito, no essencial:

- O Tribunal a quo não valorou devidamente a ilicitude e culpa, bem como das finalidades de prevenção, que resultam dos factos provados.

Assim, designadamente, na apreciação da culpa, decidiu mal ao afirmar que o modo de execução dos crimes, evidencia elevada ilicitude e culpa do arguido C... , e que agiu com dolo intenso.

Desconsidera ainda os factos provados ao avaliar as exigências de prevenção especial ao  referir que a conduta do arguido “demonstra uma personalidade com dificuldades em valorar positivamente as regras comunitárias que lhe são impostas e, nessa medida, torna-se necessária a aplicação de uma pena de prisão em medida que não suscite quaisquer dúvidas à mesma sobre a gravidade das condutas por si praticadas.”. As exigências de prevenção especial são diminutas, sendo o arguido facilmente conciliável com a normatividade.

As exigências de prevenção positivas estão salvaguardadas pela medida acessória de proibição de funções por 4 anos, que impõe o afastamento do arguido 

A decisão condenatória ultrapassou o limiar imposto pela culpa, atribuindo um maior peso às exigências de prevenção geral no cálculo das penas.

Dentro da moldura penal abstrata para o crime de corrupção passiva considera-se justa a pena de 12 meses por cada crime cometido e, quanto à pena a aplicar para o crime de tráfico de estupefacientes, considera-se justa a pena de 5 anos de prisão.

- No que respeita à pena única resultante do cúmulo jurídico, realça as circunstâncias da sua atuação se ter circunscrito a dois momentos, num curtíssimo espaço de tempo, logo ocasional  

e desligada da sua conduta de vida, não sendo imputável à sua personalidade.

Considerando o disposto no art.77.º, do Código Penal e o art.18.º da Constituição da República Portuguesa, deve reduzir-se a pena única a 5 anos de prisão efetiva

Uma pena de 5 anos de prisão efetiva realizará as finalidades da pena. 

Vejamos.

O art.18.º da Constituição da República Portuguesa estabelece os pressupostos materiais para a restrição, legítima, de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade.

Doutrinariamente, este princípio vem sendo desdobrado em três subprincípios: princípio da necessidade ou da exigibilidade (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).[13].

O Código Penal dá tradução a estes ditames constitucionais, traçando um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que na escolha da pena se dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.70.º do Código Penal) e as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.    

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

A culpabilidade não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência; é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[14]

O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela atuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas.

O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.

De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.

Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.

Relativamente aos “Fatores relativos à execução do facto” esclarece que “Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram”... Assim, ao nível do tipo-de-ilícito releva logo a totalidade das circunstâncias que caracterizam a gravidade de violação jurídica cometida pelo agente, o dano material ou moral, produzido pela conduta – com todas as consequências típicas que dele advenham - o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, a espécie e o modo de execução do facto...o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo...Nos fatores relativos à execução do facto...entram, por outro lado, todas as circunstâncias que respeitam à reparação do dano pelo agente, ou mesmo só os esforços por ele desenvolvidos nesse sentido ou no de uma composição com o lesado; como ainda o comportamento da vítima...os sentimentos, os motivos e os fins do agente manifestados no facto.”

Nos “Fatores relativos à personalidade do agente” incluem-se: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto.

Os “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto” incluem a conduta anterior ao facto – haverá que ponderar se o ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderão atenuar a pena. Como contrapartida haverá igualmente que ponderar a existência de condenações anteriores, que, como contraponto, poderão servir para agravar a medida da pena – e a conduta posterior ao facto – haverá que ponderar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime, e qual o seu comportamento processual.[15] 

Podemos agrupar, nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores supra mencionados relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção.

No caso em apreciação, não vem questionado que o arguido C... , com a sua conduta descrita nos factos provados, praticou um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos termos dos artigos 21.°, n.º 1 e 24.º, als. e) e h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, ainda, dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo art.373°, n° 1 do Código Penal.

O crime de tráfico de estupefacientes agravado, pelo qual o arguido vem acusado e pelo qual foi condenado, é punido com pena de 5 a 15 anos de prisão, e cada um dos dois de corrupção passiva para ato ilícito é punido, por sua vez, com pena de prisão de 1 a 8 anos.

É dentro destes limites definidos na lei e de acordo com o critério geral estabelecido no art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, que importa agora decidir se as penas parcelares de 6 anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado e de 20 meses prisão, por cada um dos dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito, aplicadas ao arguido, são adequadas, ou se deveriam ter sido fixadas nos respetivos limites mínimos legais, como sustenta o arguido/recorrente C... .

No que respeita aos “Factores relativos à execução do facto”, resulta da factualidade dada como provada, que o grau de ilicitude dos factos cometidos pelo arguido é elevado, porquanto no exercício das suas funções como Guarda Prisional introduziu no EP de (...) , em março de 2016, a pedido do recluso H... , 5 placas de haxixe, com o peso de cerca de 500 gramas, e um número não apurado de telemóveis, recebendo em troca € 1200,00 e, em 26 de julho de 2016, acordou com este recluso e com os arguidos A... e B... , a introdução de mais 5 placas de haxixe, com o peso de 488,88 gramas, 72 comprimidos de cafeína, telemóveis, outros objetos ligados a estes meios de comunicação e um leitor MP3, a troco do recebimento de € 3.000,00, quantia que em parte recebeu nesse dia, ficando de lhe ser entregue a restante quantia após chegada de todo este material aos reclusos no Estabelecimento Prisional.

Para além de elevada danosidade social que resulta da detenção e introdução de produtos estupefacientes no meio prisional, violou ainda o arguido, gravemente, os deveres inerentes ao cargo de Guarda Prisional, pois na execução dos factos valeu-se da sua condição de Guarda Prisional e do exercício dessas funções no Estabelecimento Prisional de (...) .

O grau de violação dos deveres que lhe eram impostos é também razoavelmente elevado, mesmo dentro da agravante que respeita ao tráfico de estupefacientes, pois como Guarda Prisional recaia sobre si uma especial obrigação de evitar essa conduta no Estabelecimento Prisional em que exercia funções e por duas vezes aí introduziu aquele tipo de produtos, bem sabendo que não só atentava contra a saúde dos consumidores e a reinserção social dos reclusos, como ainda colocava em causa o bom funcionamento da instituição. 

O arguido agiu com dolo direto e intenso, pois as condutas descritas prolongaram-se no tempo, tendo exigido ao ora recorrente organização e longa ponderação para a execução dos factos e, ainda assim, quis praticar, como praticou os factos ilícitos-típicos, como resulta bem evidenciado do seu comportamento descrito nos factos provados.

No que respeita aos «Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto», que integram a alínea e), n.º2 do art.71.º do Código Penal, anotamos que não tem antecedentes criminais e que integrando a DGSP desde 1983 foi sancionado com uma repreensão escrita e uma multa de € 100 por desobediência.

Ainda assim, os factos criminosos em apreciação mostram-se um episódio ocasional e isolado no contexto da sua uma vida razoavelmente fiel ao direito.

À motivação da sua conduta não são alheias as dificuldades económico-financeiras por que passava, uma vez que só ele se encontrava a trabalhar, estando a família em situação de insolvência.

O Tribunal a quo valorou a favor do ora recorrente o arrependimento e a confissão parcial dos factos, sem deixar de contextualizar a sua conduta num circunstancialismo de grave situação económico, que o tornou mais susceptível a aceitar participar em atos ilícitos.   

Se a confissão parcial dos factos é pouco relevante relativamente aos factos ocorridos em julho de 2016, uma vez que foi detido em flagrante delito, tendo assim o arguido/recorrente consciência que os factos dados como provados estão praticamente assentes, já é relevante relativamente aos factos de março do mesmo ano.

Dos factos provados resulta ainda, designadamente, que se mostra integrado na família e na comunidade, mesmo fora do âmbito profissional.

Nos “Fatores relativos à personalidade do agente” realçamos a atual interiorização da gravidade da conduta por parte do arguido, pelo que a sua suscetibilidade em ser influenciado pelas penas é de considerar mediana.

No que respeita às condições pessoais e económicas do arguido, resulta da factualidade dada como provada que tem modesta condição social e económica.

Conjugando as condutas do arguido supra descritas e o grau de perigosidade do arguido que resulta das mesmas, com os fatores relativos à sua conduta anterior e posterior aos factos e os relativos à sua personalidade, entendemos que são razoavelmente prementes as razões de prevenção especial.

O tráfico de estupefacientes é um crime de perigo comum abstrato, cuja prática é das que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral. Este reconhecimento faz salientar a elevada necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral positiva.

Também quanto ao crime de corrupção passiva para ato ilícito são elevadas as razões de prevenção geral dada a razoável frequência com que este tipo é violado, com os correspondentes danos à sociedade e à imagem do Estado, que exige aos funcionários integridade no exercício das funções públicas. 

Possuindo o arguido C... , capacidade suficiente de auto controlo para se determinar de acordo com as normas jurídicas na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, assim, de optar por um comportamento de acordo com o direito,  não o fez. Violando o ora recorrente, de forma reiterada e sucessiva, a integridade do exercício das suas funções públicas de guarda prisional através do recebimento e promessa de recebimento de vantagens indevidas, e tendo introduzido no Estabelecimento Prisional, designadamente, produtos estupefacientes, e procurado introduzir outros produtos similares quando foi detido em julho de 2016, concluímos não merecer censura a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que é elevada a culpa do arguido.

Considerando todas as circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido C... , o Tribunal da Relação entende que as penas que lhe foram aplicadas, de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado - numa moldura penal de 5 a 15 anos de prisão - e de 20 meses de prisão, por cada um dos dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito - numa moldura penal de 1 a 8 anos de prisão -, são proporcionais e adequadas às exigências de prevenção e da culpa, respeitando o disposto no art.18.º, n.º 2 da CRP e os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, o que manifestamente já não aconteceria com a fixação de penas inferiores.

Assim, por as penas parcelares aplicadas - próximas dos limites mínimos legais - não pecarem por excesso, devem elas manter-se.

Adiantamos, desde já, que a pretensão do recorrente de redução da pena única fixada para 5 anos de prisão não pode também proceder.

Estabelece o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na redação do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»

E dispõe o nº 2, que «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».

A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente.
Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.72º, n.º1 (atual 71º.º, n.º1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Por fim, que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.” [16]

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o  tipo de conexão entre os factos em concurso (neste sentido, acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.)

Em suma, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[17]

No caso concreto, a moldura de punição será de 6 anos de prisão a 9 anos e 4 meses de prisão.
Estamos perante a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e de dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito.

Quanto à ilicitude global, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, é elevada, tendo em conta as conexões entre todos os crimes, e o tipo de conexão entre os factos em concurso, designadamente a repetição do modo de execução.

Resulta dos factos dados como provados que o arguido/recorrente agiu com dolo direto e intenso, no período da atividade ilícita agora em apreço.

As necessidades de prevenção geral nestes tipos de crimes, pela razoável frequência e nefastas consequências que trás para a sociedade, particularmente para a descredibilização dos serviços prisionais, e para a saúde e reinserção social dos reclusos, são prementes.

Na avaliação da personalidade do arguido/recorrente C... , importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, e a ausência de antecedentes criminais.

No que toca à prevenção especial, cremos que poderá considerar-se o ilícito global agora julgado como não sendo resultado de uma tendência criminosa, assumindo um carácter pluriocasional.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente C... , é de concluir que a pena conjunta fixada em 7 anos de prisão, algo próxima do limite mínimo, mostra-se  justa, adequada às finalidades de prevenção e proporcional á culpa e personalidade do arguido/recorrente.

Assim, mantém-se a pena conjunta fixada pelo Tribunal a quo em cúmulo jurídico e, consequentemente, improcede o recurso interposto pelo arguido C... .


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            Recurso do Ministério Público 

1.ª Questão: da não declaração de perda a favor do Estado da vantagem prometida ao arguido C... .

O recorrente entende que o Tribunal a quo violou o disposto no art.111.º, n.ºs 1 e 4 do C.P., ao não ter declarado perdida a favor do Estado a vantagem prometida pelos arguidos A... e B... ao arguido C... , no montante de €2.320,00 (correspondente ao remanescente de €3.000,00 menos os € 680,00 apreendidos ao C... ).

Alega neste sentido, no essencial, o seguinte:

- O entendimento de que a recompensa prometida tem que existir na posse dos comparticipantes do crime promitentes na data da promessa é uma restrição que não consta do art.111.º n.º 1 do Código Penal;

- Carece a restrição de sentido por, desde logo, não se definir o que caracteriza a posse duma recompensa (só a detenção em conta bancária deixaria registo probatório bastante, mas não deixa de impressionar que um eventual detentor de património imobiliário no valor de milhões de euros não fosse afetado pela perda duma vantagem  prometida em numerário por não ter registo prévio da sua detenção).

- Não cabe à lei e ao Direito regular a boa-fé no cumprimento dos negócios criminosos ou o cumprimento atempado das obrigações contratuais assumidas para a prática de crimes. É por isso natural que o legislador tenha optado pela pura e simples perda a favor do Estado da recompensa dada ou prometida aos agentes do crime, não cuidando de saber se a recompensa foi efetivamente dada, parcialmente dada ou só prometida.

- A opção da lei foi inequivocamente a de não construir restrições à perda de recompensas prometidas - que no mínimo conduziriam à ineficácia - mas sim na atenuação dos efeitos eventualmente desproporcionados do pagamento do valor correspondente permitindo reduções dos montantes com recurso à equidade (cfr. artigo 112.º do Código Penal)

Vejamos.

Com a reforma do Código Penal levada a cabo pela Lei n.º 48/95, de 15 de março, o capitulo IX, do titulo III, livro I, do Código Penal, passou a regular nos artigos 109.º a 112.º, a « perda de instrumentos, produtos e vantagens», tendo a Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro, alterado posteriormente, o n.º 2 do art.111.º do Código Penal, suprimindo o advérbio “ diretamente”.

Todas as normas do Código Penal relativas a esta matéria foram, entretanto, objeto de alteração pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, que transpôs a Diretiva 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, tendo entrado em vigor a 3 de maio de 2017.

Uma vez que à data dos factos e da prolação do douto acórdão, vigorava a redação do Código Penal introduzida pelas Leis n.ºs 48/95, de 15 de março, e 32/2010, de 2 de setembro, é esta que, antes do mais, teremos em consideração na análise da presente questão.

De acordo com o nosso sistema legal, importa distinguir, de uma parte, a perda de instrumentos e produtos, a que aludem os artigos 109.º e 110.º do Código Penal e, da outra parte, a perda de vantagens decorrentes do crime, a aludem os artigos 111.º e 112.º, do mesmo Código, na redação introduzida pelas Leis n.ºs 48/95, de 15 de março, e 32/2010, de 2 de setembro.

Para efeito dos artigos 109.º e 110.º do Código Penal, entende-se por instrumentos do crime, que devem ser decretados perdidos a favor do Estado, os objetos (coisas) utilizados como meio de realizar o crime.

Como exemplo de instrumentos do crime, que no seu entender se devem restringir às coisas corpóreas, indica-nos o Prof. Figueiredo Dias, “ a pistola no homicídio; a navalha na ofensa corporal; o automóvel no qual se transporta o contrabando, ou a vítima para o local em que é violada, ou com que se atropela alguém, ou no qual se foge do local do acidente, omitindo o auxílio; ou a impressora.”.

Já por produtos do crime devem entender-se “ os objetos criados ou produzidos pela atividade criminosa”, de que são exemplo “a moeda contrafeita, o documento falsificado, a arma falsificada em violação das regras ou autorizações legais…”.[18]

A finalidade da perda de instrumentos e produtos do crime é exclusivamente preventiva.

Do n.º 1 do art.109.º do Código Penal resulta que nem todos os instrumentos e produtos do crime devem ser declarados perdidos a favor do Estado, mas apenas aqueles instrumentos e produtos do crime que, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e conatural utilidade social, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa e devam por isso considerar-se, nesta aceção, objetos criminosos.

A perigosidade do objeto, que determina a sua perda, resulta do objeto em si próprio, encarrada de um ponto de vista objetivo e perante as circunstâncias do caso, em concreto.   

Considerando, designadamente, a índole preventiva da perda de instrumentos e produtos do crime, e a ausência de necessidade de ligação à culpa do agente pelo ilícito-típico perpetrado e de pena ou condenação, a doutrina nacional e a jurisprudência definem esta perda como “ providência sancionatória de natureza análoga á da medida de segurança.”.[19]     

Diversa da perda de instrumentos e produtos, embora com pontos comuns, é a perda de vantagens, regulada no art.111.º do Código Penal.

Pelo particular interesse para apreciação do recurso, recordamos aqui o art.111.º do Código Penal, na redação vigente à data dos factos e da prolação do douto acórdão, que sob a epigrafe « perda de vantagens», estatui:

« 1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

   2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.

  3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos diretamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.

4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor.».

À expressão «vantagem» deve dar-se “… um sentido amplo, abrangendo tanto a recompensa dada ou prometida aos agentes, como todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado.” Nas vantagens, o que está em causa primariamente, “…é um propósito de prevenção de criminalidade el globo, ligada à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o crime não compensa».[20]    

A expressão «recompensa dada ou prometida» tem, pois, um sentido amplo, de qualquer vantagem dada ou prometida aos agentes do facto ilícito típico. A recompensa é, assim, como que uma subespécie dentro das vantagens.

Para o Dr. João Conde Correia importa distinguir entre aquilo que compensa, ou premeia, o crime (recompensa) e aquilo que é adquirido através do crime (vantagem), pois o confisco de uma recompensa consta do art.111.º, n.º1 do Código Penal e o confisco de uma vantagem consta do art.111.º, n.º 2 do mesmo Código, com regimes diversos.[21]      

A perda de vantagens tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral.

Tal como a perda de instrumentos e produtos do crime, também a perda de vantagens vem sendo definida, maioritariamente, no que respeita à sua natureza jurídica, como uma “ providência sancionatória de natureza análoga á da medida de segurança.”.     

Traduzindo-se a perda das vantagens do crime no pagamento ao Estado de um valor pecuniário, o art.112.º do Código Penal permite que este valor seja diferido ou pago em   prestações e seja mesmo objeto de atenuação, nos seguintes termos:

« 1 - Quando a aplicação do artigo anterior vier a traduzir-se, em concreto, no pagamento de uma soma pecuniária, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 47.º.

   2 - Se, atenta a situação socioeconómica da pessoa em causa, a aplicação do n.º 4 do artigo anterior se mostrar injusta ou demasiado severa, pode o tribunal atenuar equitativamente o valor referido naquele preceito.».

Este regime geral da perda de instrumentos, produtos e vantagens, constante do Código Penal  sofreu entretanto as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, passando o art.110 a regular a « perda de instrumentos», o art.110.º, a « perda de produtos e vantagens», o art.111.º o regime dos « instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro» e o art.112.º o « pagamento de valor declarado perdido a favor do Estado».

A propósito da questão em apreciação, anotamos que o art.110.º do Código Penal, na atual redação, estabelece, nomeadamente:

«  1 - São declarados perdidos a favor do Estado:

     a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e

     b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem

O regime geral da perda de instrumentos, produtos e vantagens, a que vimos fazendo referencia, só será aplicável quando não houver lei especial.

Entre a legislação a extravagante, com particular relevo para a presente questão, anotamos os artigos 35.º a 39.º da Lei n.º 15/93, de 23 de janeiro - que define o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas -, e em particular o seu art.36.º , que sob a epígrafe « Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto», estatui:

« 1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infração prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

   2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objetos, direitos e vantagens que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.

   3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objetos ou vantagens obtidos mediante transação ou troca com os direitos, objetos ou vantagens diretamente conseguidos por meio da infração.

   4 - Se a recompensa, os direitos, objetos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor.

  5 - Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna.».  

Sendo esta disposição especial face ao art.111.º do Código Penal, na redação da Lei n.º 48/95, de 15 de março (art.110.º, na redação da Lei n.º 30/2017, de 31 de maio), será ela a aplicável em detrimento do regime geral, estando em causa a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.

A diferença maior entre este regime especial e o regime geral, é que enquanto neste regime se estipula que são declaradas perdidas a favor do Estado as recompensas dadas e prometidas  aos agentes de um facto ilícito típico,  bem como as vantagens obtidas através de um facto ilícito típico, no regime especial exige-se a prática pelo agente de “uma infração prevista no presente diploma” . Tal significa que enquanto no regime geral de perda de vantagens a culpa deixou de ser um pressuposto, podendo ser decretada a perda mesmo relativamente a factos ilícitos típicos praticados por inimputáveis, no regime respeitante aos crimes previstos na  Lei n.º 15/93 , de 23 de janeiro, só poderá decretar-se essa perda quando estejam preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo, incluindo o facto culposo. 

Os requisitos para a perda de vantagens a favor do Estado são, pois, mais amplos no regime geral, que no regime especial previsto na chamada lei da droga.

Posto isto.

O Ministério Público requereu ao abrigo do disposto no art.111.º, n.ºs 1, 2 e 4 do Código Penal, designadamente, que os arguidos C... , A... e B... fossem condenados solidariamente no pagamento ao Estado no valor € 2.320, referente ao valor remanescente da recompensa prometida no segundo negócio efetuado [€ 3.000 prometidos - € 680 apreendidos].

Está dada definitivamente fixado no acórdão recorrido, nomeadamente, que os arguidos A... e B... , com o acordo do recluso H... , aproveitando a saída precária de que aquele beneficiou entre 19 e 26 de julho de 2016, acordaram com o arguido C... , o transporte e introdução de produtos estupefacientes e de outro material, como telemóveis, no interior do Estabelecimento Prisional de (...) , para aí serem comercializados, prometendo a este arguido o pagamento global de € 3.000,00 como remuneração pelo serviço. 

Ou seja, esta quantia respeita ao pagamento de introdução de produto estupefaciente, bem como de outro material comercializável entre os reclusos.

De acordo com o combinado, no dia 26 de julho de 2017, na estação da CP de (...) -B, o arguido A... entregou ao arguido C... , para além de produto estupefaciente, anabolizantes, telemóveis e outro material ligado às telecomunicações, ainda a quantia de € 680,00 como parte do dinheiro que haviam prometido pelo serviço prestado.

Esta quantia de € 680,00 foi apreendida na posse do arguido C... como recompensa dada pela prática dos comprovados crimes de corrupção passiva para ato ilícito e de tráfico de estupefacientes agravado.

Sendo a apreensão um meio de obtenção de prova do facto, e tendo vindo a provar-se existir uma direta ligação da quantia apreendida aos crimes praticados, bem andou o Tribunal a quo em declarar perdida a favor do Estado a quantia apreendida de € 680,00, por referência ao regime geral do art.111.º, n.º1, do Código Penal ( idêntico ao art.36.º, n.º 1 da Lei n.º 25/93).    

Não havendo sido aprendida a quantia de aos €2.320,00, correspondente ao remanescente da recompensa prometida pelos arguidos A... e B... , com o acordo do recluso H... , é evidente que a mesma quantia monetária é insuscetível de transferência direta para o Estado em caso de perda.

Será, porém, que a mesma não pode ser declarada perdida a favor do Estado, ficando este com o direito a haver o valor da recompensa prometida e não entregue ao agente corrompido, nos termos do art.111.º, n.º 4 do Código Penal, porquanto para além dos € 680,00 apreendidos, não se provou se efetivamente os arguidos A... e B... tiveram na sua posse a quantia prometida entregar?

Parece-nos, salvo o devido respeito, que nem a letra, nem o espírito que subjaz ao instituto da perda de recompensas, exigem a prova da posse da recompensa permitida para que a perda deva ser decretada.

Em primeiro lugar, não resulta minimamente do texto legal que a perda da recompensa prometida aos agentes de um facto ilícito típico apenas deve ser declarada perdida a favor do Estado se ficar provado que os promitentes tiveram na sua posse a recompensa prometida.

Esta interpretação restritiva, levantaria inúmeras questões, a que a lei não daria resposta,  tais como, saber o momento relevante para essa posse levar à perda da recompensa prometida: seria aquando do acordo em que se prometeu a recompensa, aquando do pagamento de uma das prestações, ou aquando da frustração do acordo nomeadamente por alguns arguidos terem sido detidos?

Em segundo lugar, fazer depender essa perda da prévia prova de que promitentes da recompensa tiveram na sua posse a recompensa prometida (como se preconiza na douta decisão recorrida), será condenar este instituto preventivo ao fracasso na generalidade dos casos, o que não estará no espirito da lei.

Particularmente em situações em tráfico de estupefacientes e de corrupção, o património relevante dos agentes do crime é dissimulado, nomeadamente no património de familiares e amigos, que formalmente detêm a sua posse.

Nestas circunstâncias dar como provado que um determinado valor desse património (monetário ou não) está na posse dos agentes do crime e adstrito ao cumprimento de uma recompensa prometida tendo em vista a prática de um determinado facto ilícito típico, salvo confissão dos intervenientes nos factos, é tarefa quase impossível.

As dificuldades aumentam quando essa recompensa prometida para a realização de crimes advém de vários promitentes e são completamente desconhecidos os termos em que eles dividem a responsabilidade na satisfação dessa recompensa.

Punir os crimes mas tolerar a manutenção da recompensa prometida no património dos agentes dos crimes, não decretando a sua perda a favor do Estado, pelo menos quando essa promessa de recompensa se mostra objetivamente séria, cremos que é uma resposta incongruente e incompreensível para a comunidade.

A remoção dos meios económicos subjacentes à prática dos crimes de tráfico e de corrupção, através da perda da recompensa prometida, é o meio verdadeiramente eficaz de combater a atividade ilícita que visou o lucro.

No caso, está dado como provado que no âmbito do citado acordo, que envolvia por um lado, os arguidos A... e B... e o recluso H... e, por outro lado, o arguido C... , este recebeu parte da recompensa prometida, havendo a restante parte, correspondente a € 2.320,00, de ser paga por aqueles após a chegada do material, entretanto apreendido, aos reclusos.

Está implícito nesta factualidade dada como provada que os arguidos A... e B... e recluso H... tinham o domínio e a disponibilidade do valor remanescente da recompensa prometida, e que o teriam entregue em data posterior à apreensão dos € 680,00, caso dois dos arguidos não tivessem sido detidos em flagrante delito, frustrando o negócio.

Para demonstração de que o crime não compensa, e que não se pode tolerar a manutenção de uma situação patrimonial contrária ao direito, como é a manutenção do remanescente da recompensa prometida no património dos arguidos A... e B... , entendemos que, nos termos do art.111.º, n.º 4 do Código Penal, deve proceder-se à perda da recompensa prometida.

No caso, não sendo possível a transferência direta para o Estado do remanescente da quantia prometida, a perda do remanescente da mesma recompensa ocorrerá pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, de € 2.320,00.

O Tribunal da Relação, face aos factos dados como provados, não vislumbra razões para em sede de equidade, nos termos do n.º 4 do art.112.º do Código Penal, atenuar aquele valor.

O novo regime de perda de vantagens introduzido no Código Penal pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, não se nos afigura ser concretamente mais favorável aos arguidos, pelo que se opta pelo regime vigente à data dos factos e da prolação do acórdão recorrido.

Procede, nestes termos, a presente questão.


-

2.ª Questão: da condenação solidária de todos os arguidos.

Entende ainda o Ministério Público que o Tribunal a quo violou o disposto no art.111.° do Código Penal então vigente, e os artigos 490.° e 497.° do Código Civil, ao condenar o arguido C... na perda a favor do Estado da quantia total de € 1.880,00 [€1200,00 + €680,00] e os arguidos A... e B... na perda a favor do Estado da quantia de € 70,00, na medida em que deveria ter condenado todos os arguidos solidariamente no pagamento do montante global de € 3.590,00, correspondente às quantias de € 1.200,00 recebidas pelo arguido C... e € 2.320,00 prometidas ao arguido C... , e € 70,00 obtidos com a venda do estupefaciente traficado.

Neste sentido, refere, no essencial:

- O douto acórdão concluí sem adiantar qualquer justificação que “a perda dos vantagens. onera quem dela beneficiou, designadamente quem a recebeu, não se aplicando uma qualquer responsabilidade solidária dos comparticipantes”.

Procurou estender-se à perda do valor correspondente à vantagem não apreendida em espécie um erróneo entendimento do próprio regime do perda em espécie, parecendo entender-se que a perda da vantagem em espécie só afeta quem dela beneficiou, supondo até que quem beneficiou é quem a recebeu - diríamos até que, no entendimento do Coletivo, se houvesse uma obrigação de entrega de coisa determinada, o obrigado seria o beneficiário da recompensa.

O regime legal está longe de ser assim. A apreensão e perda em espécie atuam sobre o detentor da coisa a apreender (mesmo que seja um terceiro), que será obrigado a entregá-la, independentemente de ser ou não o beneficiário da recompensa de acordo com o plano criminoso e apenas cede perante os direitos de terceiro de boa-fé ou do ofendido.

A posição defendida no douto acórdão recorrido constituiria uma brecha na congruência do sistema penal e civil da responsabilidade por factos ilícitos, em especial do disposto nos artigos 490.° do Código Civil, que dispõe que é conjunta a responsabilidade dos comparticipantes num facto ilícito pelos danos causados e do artigo 497.° do Código Civil que prescreve que nesses casos a responsabilidade é solidária, como tem sido entendimento pacífico de todos os tribunais.

Vejamos.

O art.490.º, do Código Civil, estatui que «Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado» e o art.497.º, do mesmo Código, estatui que «Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade» (n.º1) e que «O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis» (n.º2).

Estas disposições da lei civil são desde logo aplicáveis à responsabilidade civil emergente de crime, para indemnização de perdas e danos emergentes de crime, por força do disposto no art.129.º do Código Penal.

Não cremos, porém, que o disposto nos artigos 490.º e 497.º do Código Civil, relativos à indemnização de perdas e danos emergentes de crime, possa ser aplicado, à perda de vantagens, nos termos pretendidos pelo recorrente, na medida em que esta, pela sua natureza, é uma medida sancionatória análoga à medida de segurança e aquelas normas respeitam à responsabilidade civil.

Posto isto, afigura-se-nos que a quantia de € 2.320,00, correspondente à recompensa prometida, deve ser exigida pelo Estado a quem se obrigou a pagá-la, mas já não a quem não chegou a receber a mesma.

A ordenação dos bens adequada ao direito e prevenção do perigo da prática de crimes, num caso de recompensa prometida, passa, parece-nos, por retirar a recompensa a quem se obrigou a pagá-la.

No caso concreto, não sendo possível declarar a perda direta daquela quantia, de ambos os arguidos A... e B... , para o Estado, impõe-se condenar ambos ao pagamento a favor do Estado, do valor correspondente à parte da recompensa prometida que não chegou a ser concretizada. Tal como a perda seria solidaria, atingindo os dois arguidos, também a substituição dessa perda deve gerar um pagamento solidário a favor do Estado.

Cremos que a pretendida condenação solidária do arguido C... , com os outros arguidos, não respeitaria a correta ordenação dos bens adequada ao direito, uma vez que não obteve qualquer vantagem com a recompensa que não recebeu. Nestas circunstâncias, a condenação do arguido C... , solidariamente com os arguidos/reclusos, a pagar ao Estado a quantia de € 2.320,00, que não recebeu, teria na sua base razões retributivas, que são alheias ao instituto penal em causa.

Assim, entendemos que o arguido C... não deve ser condenado a pagar solidariamente, com aqueles dois arguidos, o valor correspondente à recompensa que lhe foi prometida, mas não paga.

Relativamente à quantia de € 1.200,00 recebida pelo arguido C... , no âmbito do acordo por ele estabelecido em março de 2016, com o recluso H... , descrito designadamente nos pontos n.ºs 18 a 24 do acórdão recorrido, consideramos que o Tribunal a quo andou bem ao declarar a perda da recompensa recebida por aquele.

Anotamos apenas que sendo aquela quantia de € 1.200,00 insuscetível de transferência direta para o Estado, tal perda deve ser substituída pelo pagamento a este do respetivo valor, de acordo com a lei.        

O Tribunal a quo deu como não provado, na respetiva factualidade do acórdão recorrido, que os arguidos A... e B... participaram no acordo descrito nos pontos n.ºs 18 a 24 do mesmo acórdão, designadamente, que aqueles tenham prometido pagar-lhe, ou lhe pagaram, a quantia de € € 1.200,00 como contrapartida da introdução de produto estupefaciente, telemóveis e outro material.

Nestas circunstâncias, bem andou o Tribunal a quo ao não condenar os arguidos A... e B... a pagarem, solidariamente com o arguido C... , a dita recompensa por este recebida de € 1200,00.

Por fim, e relativamente à quantia de € 70,00, referida no ponto n.º 11.2 dos factos dados como provados, não vem questionada a condenação dos arguidos A... e B... , na sua perda, a favor do Estado.

Pelas razões já atrás expostas a propósito do remanescente da recompensa prometida, entendemos ser aqui também solidária a condenação destes dois arguidos na perda dos € 70,00, advindos duma conduta de abastecimento de estupefacientes levada a cabo por ambos.

Realçamos apenas, que sendo a quantia de € 70,00 insuscetível de transferência direta para o Estado, tal perda deve ser substituída pelo pagamento ao estado do respetivo valor.        

Quanto à condenação solidária do arguido C... , com os arguidos A... e B... , na perda da quantia de € 70,00, cremos que o Tribunal a quo andou bem ao não o fazer.

Desde logo, a factualidade dada como provada não permite concluir pela existência de uma relação causal entre a venda do produto em causa por aqueles arguidos reclusos, que gerou o montante de € 70,00, e o produto estupefaciente introduzido pelo arguido C... . Por outro lado, consideramos, como o Tribunal a quo, que “ ainda que tal produto tivesse sido introduzido no E.P. de (...) pelo arguido C... , não pode ser este responsabilizado pelo valor obtido com tal venda uma vez que a mesma não se configura em relação a si em qualquer vantagem, estando esta limitada ao valor pelo qual aceitou introduzir o produto estupefaciente no E.P. de (...) – 1200 Euros”.

A decisão recorrida torna claro que o «crime não compensa», relativamente ao arguido C... , ao declarar a perda da recompensa recebida de € 1200,00, além da recompensa recebida de € 680,00, na medida em que restitui o condenado ao status patrimonial anterior à prática dos crimes.

Uma nota final se impõe, relativa à condenação pela “perda das vantagens”: o acórdão recorrido condenou o arguido C... na perda a favor do Estado da quantia total de € 1.880,00 (€ 1200,00 + € 680,00) e condenou os arguidos A... e B... na perda a favor do Estado da quantia de € 70,00.

Como já atrás se consignou, sendo as quantias de € 1200,00 e de € 70,00 insuscetíveis de transferência direta para o Estado, a sua perda, de acordo com o disposto no art.111.º, n.º 4 do Código Penal, deve ser substituída pelo pagamento a favor do Estado do respetivo valor.

O recorrente Ministério Público, ao pedir a condenação de todos os arguidos, solidariamente, no pagamento, designadamente, das quantias de € 1200,00 e de € 70,00, nos termos do art.111.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal, pede a substituição daquelas perdas pelo pagamento a favor do Estado do valor correspondente.

Assim, face ao objeto do recurso do Ministério Público, entendemos que pode e deve determinar-se a substituição da perda daquelas quantias, determinada no acórdão recorrido, pelo pagamento ao Estado do respetivo valor. O que se irá determinar de seguida, no dispositivo da presente decisão.  

Considerando todo o exposto, procede parcialmente e nesta medida, o recurso do Ministério Público. 

       Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em:

- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B... ;

- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido C... ; e 

- Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, decidindo-se, consequentemente, nos termos do art.111.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal:

    a) condenar os arguidos A... e B... na  perda de € 2.320,00 correspondente ao remanescente da recompensa prometida e, não sendo possível a sua transferência direta para o Estado, substituir a perda pelo pagamento, solidariamente, ao Estado, do respetivo valor, de € 2.320,00;

    b) condenar o arguido C... na perda a favor do Estado da quantia de € 1.880,00 e, por nela, ser insuscetível de transferência direta para o Estado a quantia de € 1.200,00, substituir esta perda pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, de € 1.200,00;

   c) condenar os arguidos A... e B... , na  perda, a favor do Estado, da quantia de € 70,00 e, não sendo possível a sua transferência direta para o Estado, substituir a perda pelo pagamento, solidariamente, ao Estado, do respetivo valor, de € 70,00; e

   d) manter, no mais, o douto acórdão recorrido.

             Custas pelos arguidos/recorrentes B... e C... , fixando a taxa de justiça em 5 UCs e 4 UCs , respetivamente (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                     
   *

Coimbra, 08 de Novembro de 2017

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)

               


[1] O artigo 349.°, do Código Civil, prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um fato conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.° deste mesmo diploma legal).  
[2]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[3]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[4]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.  
[5] – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”,  vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.
[6] - Cfr. obra citada, 2.º Vol.,  pág. 740 e, no mesmo sentido, entre outros , os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).

[7]  Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[8]  Cfr. Prof. Figueiredo Dias , “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[9]  Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186
[10] Obra citada, páginas 233 a 234

[11] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 , in C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177  .

[12]Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111.  
[13] Crf. Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira , in “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 392, e Profs. Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I , Coimbra Editora, 2005, pág. 162.  

[14] Cf. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[15] Cf. “ Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, págs. 210 e 245 e seguintes.

[16] Cfr. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2.

[17]  – cfr. “ Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, pág. 155 a 166.
[18] Cf. “Direito Penal português - As consequências jurídicas do crime", Notícias Ed., pág.618. 
[19] Cf. Profs. Figueiredo Dias, obra citada, pág. 628, e Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código Penal", UCE, 2.ª edição, pág.361 e Cons. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 8.ª edição, pág. 474 e, ainda, entre outros,  o acórdão do STJ de 10-10-1996 , in CJ.STJ, Tomo III, pág.162 , e acórdão n.º202/2000, do Trib. Constitucional, in www.tribunalconstitucional.pt          
[20] Cf. Prof. Figueiredo Dias, obra citada, pág. 632.
[21] Cf. “Da proibição do confisco à perda alargada”, edição da PGR/INCM, pág. 136.