Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
334/13.4TTCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: RECONVENÇÃO
CAUSA DE PEDIR
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
PERÍCIA
Data do Acordão: 12/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 30º, Nº 1 DO CPT; 85º, AL. B) DA LOFTJ; 476º, NºS 1 E 2 DO NCPC.
Sumário: I – A causa de pedir, para efeitos do artº 30º, nº 1 do CPT (reconvenção), é integrada não pelo contrato de trabalho, mas sim pelo facto de que emerge directa e imediatamente a pretensão que na acção se pretende fazer valer.

II – Nos termos do artº 85º, al. b) da LOFTJ, compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.

III – Depois de ouvida a parte contrária, o juiz profere despacho a ordenar a realização da perícia, cabendo-lhe determinar o objecto da perícia e indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade – artº 476º, nºs 1 e 2 do nCPC.

IV – O poder do juiz de rejeitar uma perícia que foi requerida pelas partes não é um poder discricionário; o juiz só a pode rejeitar com fundamento na respectiva inadmissibilidade ou irrelevância.

Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


                        No Tribunal do Trabalho de Coimbra e em acções separadas, cuja apensação foi entretanto ordenada, vieram A..., B... e C... demandar D..., Ldª, E... e mulher F..., pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem a cada um dos Autores respectivamente as quantias de € 46.376,02, € 47.066,03 e  € 38.266,83, a título de retribuições, subsídios de férias e de Natal em atraso e de indemnização por resolução com justa causa com base na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, quantias essas acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos.

                        Alegaram, em síntese, que estavam ligados à 1ª Ré por contrato de trabalho, tendo procedido à respectiva resolução, com invocação de justa causa, devido ao não pagamento pontual de diversas retribuições.

                        Reclamam a respectiva indemnização bem como os créditos salariais em falta.

                 Pelo seu pagamento são responsáveis também o 2º e 3º Réus, uma vez que o crédito reclamado nos presentes autos tem origem em actos praticados pelo 2º Réu, enquanto sócio gerente da 1ª Ré, tendo dos mesmos resultado o proveito comum dos 2º e 3º réus.

                                Para além de outros meios de prova, vieram requerer a realização de prova pericial, nos seguintes termos:

                “IlI-PROVA PERICIAL:

            Mais requer peritagem, mediante exame à contabilidade da La Ré, nos termos do disposto no art.° 43.° do C. Comercial, a efectuar por Técnico Oficial de Contas ou Revisor Oficial de Contas nomeado pelo tribunal, para prova dos factos alegados nos art.°s 16.° a 22.°, 26.°, 27.°, 47.° a 55.°, 57.° a 60.°, 62.° a 67.°, 79.°, 86.°, 97.°, 105.°, 114.° a  117.°, 122.°, 125.°, 126.°, 129.°, 132.°, 135.°, 136.°, 137.°, 140.°, 143.°, 146.°, 160.°, 161.°, 185.°, 191.°, 193.°, 195.°, 201.° a 204.°, 206.° a 208.° e 211.°, devendo ser ainda esclarecidas as seguintes questões de facto:

                - Quais os valores pagos pela I." ré ao 2.° réu marido durante os anos de 1999 a 2012?

                - Por que meio foram feitos tais pagamentos?

                - Quando foram feitos tais pagamentos?

                - Em cumprimento de que obrigação da 1ª ré perante o 2.° réu marido eram  feitos tais pagamentos?

                - Existem contratos em que se consignem tais obrigações?

                - Em caso afirmativo quais?

                - Qual a justificação contabilística para a emissão dos cheques identificados nos  art.°s 49.°, 50.° e 51.0?

                       - Qual a justificação contabilística para a emissão dos cheques identificados nos art.°s 59.°, 60.°, 61.° e 63.° a 66.0? “.

                        Contestaram os Réus, deduzindo, entre outra defesa, a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal do trabalho e de ilegitimidade dos  Réus - E... e mulher F..., e formulando pedidos reconvencionais contra cada um dos Autores.

                        Estes responderam às contestações, onde defenderam a não admissibilidade da reconvenção.

                        Foi, em 23/9/2013, proferido despacho saneador, no qual, e no que interessa aos recursos, foi decidido o seguinte:

                “Saneamento

                Incompetência em razão da matéria

                A 1.ª R. veio arguir a incompetência do tribunal do trabalho para conhecer da presente acção, argumentando que o “conflito” trazido pelos os AA. é, pela sua natureza, societário porquanto os AA. são ou foram sócios da 1.ª R. desde a sua constituição (no ano de 1998) e que a tal estatuto dos AA. se reconduzem as questões que nesta acção pretendem dirimir e que, além disso, a relação contratual que os AA. invocam não configura um verdadeiro contrato de trabalho, sendo laboral só na aparência, estando necessariamente conexa e dependente da relação societária.

                Os AA. responderam àquela matéria de excepção argumentando que, pese embora serem ou terem sido sócios da 1.ª R., não é esta a relação contratual que está em causa neste autos, mas a relação de contrato de trabalho que vigorou entre a 1.ª R. e os AA., que executavam as tarefas a cada um distribuídas de acordo as instruções, ordens, orientações e critérios definidos por aquela R., pugnando pela improcedência daquela excepção.

                Cumpre apreciar e decidir.

                Como resulta do teor das petições iniciais e das respostas às contestações, os AA. configuram a relação material controvertida como uma relação de trabalho subordinado que mantiveram com a 1.ª R. até Março de 2012, alegando factos que caracterizavam, do ponto de vista substantivo, tal relação de trabalho.

                Assim, pese embora a sua qualidade de sócios, os AA. alegam a existência de uma relação de trabalho subordinado com a 1.ª R. e factos caracterizadores da mesma. E isto basta para que se considere competente para conhecer da presente acção o tribunal do trabalho.

                Atento o exposto, julgo improcedente a excepção da incompetência deste tribunal em razão da matéria suscitada pela 1.ª R.

                Custas deste incidente pela 1.ª R., fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (cfr. art.º 446.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e tabela II anexa ao RCP).

                Notifique.

                                       *

                O Tribunal é competente em razão do território, da hierarquia e da nacionalidade.

                Não há nulidades que invalidem todo o processado. A petição não é inepta.

                O processo é o próprio.

                As partes têm personalidade e capacidade judiciária.

                Ilegitimidade passiva dos 2.ºs RR.

                Os RR. suscitam igualmente a excepção da ilegitimidade passiva dos 2.ºs RR..

                Alega, para o efeito, a 1.ª R. que a intervenção dos 2.ºs RR. apenas poderia fazer sentido se se pudesse desconsiderar a personalidade jurídica da 1.ª R. ou se esta conjecturasse um qualquer hipotético direito de crédito sobre o seu gerente que pudesse ser aproveitado por terceiros credores da sociedade, o que não aceita verificar-se.

                Por seu turno, os 2.ºs RR. alegam para fundamental tal excepção que a sua intervenção processual só faria sentido se se pudesse desconsiderar a personalidade jurídica da 1.ª R. e, cumulativamente, alguma relação laboral se pudesse conjecturar entre os AA. e os 2.ºs RR., ou se antes tivesse sido reconhecido (em foro próprio) que os 2.ºs RR. praticaram quaisquer actos que directamente pudessem ser considerados lesivos para a 1.ª R. e que a tivessem feito sua credora ou ainda que esta última tivesse conjecturado e reclamado, na forma e foro próprios, um qualquer hipotético direito de crédito sobre o seu gerente (o 2.º R.) que pudesse ser aproveitado por terceiros credores da sociedade, situações que não se verificam no caso dos autos.

                Acrescenta ainda, quanto à 2.ª R., que a mesma nunca interferiu ou participou em qualquer acto da 1.ª R, seja ele de gestão e/ou de gerência, nem tem qualquer identificação processual com a relação material controvertida, nem com o pedido nem com a causa do pedido e que dos actos praticados pelo 2.º R. no âmbito dos seus poderes de gerência não resultou proveito comum para o casal, no sentido de que possa ser tido como solidariamente entre si ou com a 1.ª R. pelo pagamento das importâncias reclamadas pelos AA.

                Responderam os AA. à excepção referida, argumentando que no caso dos autos está em causa a responsabilidade civil extracontratual solidária dos 2.ºs RR. com a sociedade comercial 1.ª R. ao abrigo do disposto no art.º 335.º do CT/2009, que remete para o art.º 78.º do CSC e, ainda, do disposto nos art.ºs 1691.º e 1692.º do C.Civil, uma vez que os AA. reclamam créditos laborais de que são devedores a 1.ª R. e, solidariamente com esta, os 2.ºs RR., quer por via de comportamentos ilícitos violadores das normas de protecção do capital social enquanto garantia de créditos da sociedade, quer por via do proveito comum do casal.

                Defende, assim, que os 2.º RR., quer por terem interesse directo em contradizer, atentos os termos em que os AA. configuram o seu direito e a correlativa obrigação dos RR., quer por serem efectivos titulares da relação material controvertida, são parte legítima na presente acção.

                Cumpre apreciar e decidir.

                De acordo com o disposto no artigo 26.º n.ºs. 1 e 2 do CPC, o autor será parte legítima quando tiver interesse directo em demandar, exprimido pela utilidade derivada da procedência da acção. O réu será parte legítima quando tiver interesse directo em contradizer, exprimido pelo prejuízo que da procedência da acção possa advir.

                No âmbito do código de processo civil na versão anterior à reforma operada pelos Decretos-Lei nº 329-A/95, de 12/12 e nº 180/96, de 25/09, existia polémica quanto a saber se “a averiguação da titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objectivos, isto é, abstraindo apenas da efectiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjectivos, isto é, com abstracção também da sua efectiva titularidade” (c fr. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, I vol, pág. 52, Coimbra Editora 1999).

                Defendiam a primeira tese, entre outros, Alberto dos Reis e Antunes Varela. A segunda tese era integrada por Barbosa de Magalhães e Castro Mendes. Sendo que, “Para os autores integrados na primeira corrente, a legitimidade processual apura-se mediante a determinação da pessoa que, no pressuposto da existência do direito ou do interesse a verificar no processo, o pode fazer valer, considerados para tanto todos os factos trazidos ao processo e produzidas as provas necessárias (…). Para os integrados na segunda corrente, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última (cfr. ob. citada, pág. 52).

                No âmbito da reforma efectuada ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Lei acima mencionados, o legislador veio pôr cobro a tal discussão, mediante a adesão à segunda tese supra indicada, através da disposição, no nº 3 do artigo 26º do Código de Processo Civil, de que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”.

                Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que os AA. alegam existência de um contrato de trabalho com a sociedade comercial 1.ª R. e que esta é devedora das retribuições e da indemnização pela resolução com justa causa dos respectivos contratos de trabalho que identificam na petição inicial.

                Além disso, para fundamentar a intervenção dos 2.ºs RR., que entendem ser solidariamente responsáveis com a 1.ª R. pelos referidos créditos, os AA. invocam o disposto no art.º 335.º do CT/2009 e, ainda, do disposto nos art.ºs 1691.º e 1692.º do C.Civil.

                O art.º 335.º do CT/2009 estabelece o seguinte:

                “ 1 —  O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido.

                2 —  O gerente, administrador ou director responde nos termos previstos no artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido.”

                O art.º 78.º do CS permite que os gerentes ou administradores respondam para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

                O art.º 79.º da CSC estatui que os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.

                Atento o disposto no art.º 335.º do CT/2009 e no art.º 78.º do CSC, o 2.º R., que foi e é gerente da 1.ª R. e a quem os AA. imputam comportamentos ilícitos violadores das normas de protecção do capital social enquanto garantia de créditos da sociedade, alegando a atinente factualidade, tem interesse directo em contradizer e é titular efectivo e directo da relação material controvertida tal como configurada pelos AA.

                Por seu turno, a 2.ª R., na medida em que era e é casada com o 2.º, pode ser responsabilizada pela dívida peticionada pelos AA. nos termos da al. b) do art.º 1692.º do C. Civil, se se verificar uma das situações previstas no art.º 1691.º do C.Civil, designadamente a prevista na al. c), como alegam os AA.

                Assim sendo, a 2.ª tem também interesse em contradizer e é também titular efectiva e directa da relação material controvertida tal como configurada pelos AA.

                Atento o exposto, julgo improcedente a excepção da ilegitimidade passiva dos 2.ºs RR.

                Notifique.

                As partes são legítimas.

                Uma vez que as demais excepções deduzidas pelos RR. assentam em matéria de facto controvertida, relega-se o seu conhecimento para a decisão final.

                Não há nulidades nem outras excepções, dilatórias ou peremptórias, que cumpra, por ora, conhecer.

                                               *

                Reconvenção

                Uma vez que os RR. deduziram a reconvenção na hipótese de improcederem as excepções que invocaram e que foram já decididas aquelas que poderiam obstar ao conhecimento do mérito da causa, relegando-se as demais para a decisão final, cumpre agora apreciar a admissibilidade daquelas reconvenções.

                Reconvenção deduzida pela 1.ª R.

                A 1.ª R. deduziu contra os AA. reconvenção alegando que estes foram seus sócios, outorgando com o 2.º R. o respectivo contrato de sociedade, e que o A. A..., quando abandonou a sua posição de sócio, assumiu um projecto empresarial novo, no qual se valeu das bases de dados de clientes, de contactos e de projectos da 1.ª R, tendo os AA. B...e C... proporcionado, facilitado ou concedido ao A. A... o acesso a tais bases de dados, contactos e projectos, em conivência ou colaboração com o mesmo, o que lhe causou prejuízos cuja determinação relegou para a execução da sentença. Alega também que este A. desviou-lhe ilicitamente encomendas em curso e novas consultas e tentou denegrir a sua imagem, o que lhe causou igualmente prejuízos a determinar em sede de execução de sentença.

                No que tange ao A. B..., a 1.ª R. alegou, para além do que já ficou dito, que o mesmo deteve em seu poder, à sua revelia, a partir de Março de 2012 até Fevereiro de 2013, um veículo de que era locatária, o que lhe causou um prejuízo equivalente ao valor das rendas no indicado período (€ 4.263,66) . Alega igualmente que, durante anos e até 24/07/2012, o mesmo A. usou, no veículo de matrícula (...)QL (veículo que adquiriu pelo valor residual e que passou a ser usado pela sua família) o identificador de via verde de que era proprietária, sendo debitados na sua conta bancária os valores das passagens na via verde, o que lhe causou prejuízos cujo montante relegou para execução de sentença. Alega, finalmente, que este A. usou indevidamente as suas instalações e equipamentos entre Março e Junho de 2012 e se apropriou de alguns daqueles equipamentos, o que lhe causou prejuízos de montante igual ao do valor de tais equipamentos (€ 15.00 0 e € 9.386 ,86).

                Quanto à A. C..., para além do que já se deixou exposto, a 1.ª R. alegou que a mesma A., apesar de ter as despesas com o veículo que lhe atribuiu integralmente suportadas pela 1.ª R., debitava-lhe quilómetros, cuja extensão não está ainda apurada e cuja liquidação relega para execução de sentença. Alega ainda que a mesma A., mesmo depois de ter cedido a sua quota, continuou a usar o identificador de via verde de que ela, 1.ª R. é proprietária, até pelo menos 19 de Julho de 2012 e que, por isso, as passagens pela via verde da viatura usada por aquela A. foram debitadas na sua conta bancária e por si pagas, o que lhe causou prejuízo cujo montante relega para execução de sentença.

                Notificados, os AA. pugnaram pela inadmissibilidade das reconvenções deduzidas pela 1.ª R. por não se verificarem os pressupostos previstos no art.º 30.º do CPT e na al. p) do art.º 85.º da LOFTJ.

                Argumentam, para o efeito, que os pedidos de indemnização formulados pela 1.ª R. emergem de factos jurídicos distintos daqueles em que se baseiam os pedidos dos AA. E que não existe entre os pedidos dos AA. e os pedidos reconvencionais qualquer nexo de acessoriedade, complementaridade ou dependência.

                Cumpre apreciar e decidir.

                Do disposto no art.º 30.º do CPT e na al. p) do art.º 85.º da LOFTJ resulta que a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou se funde em relações conexas com a acção por acessoriedade, complementaridade ou dependência, desde que em ambos os casos o valor da causa exceda a alçada do tribunal.

                No caso dos autos, afigura-se evidente que os pedidos reconvencionais deduzidos pela 1.ª R. não emergem do facto jurídico que serve de fundamento à acção.

                Todavia, os pedidos reconvencionais deduzidos pela 1.ª R. contra os AA. têm com a acção a conexão de complementaridade exigida na al. p) do cit. art.º 85.º porquanto os comportamentos ilícitos e culposos, susceptíveis de gerar a obrigação de indemnizar, que a 1.ª R. imputa aos AA. ocorreram por ter existido a relação contratual que entre as partes entre si mantiveram, tendo alguns dos factos eventualmente geradores da obrigação de indemnizar ocorrido na vigência de tal relação contratual.

                Uma vez que o valor da causa excede a alçada deste tribunal e que se verifica o requisito previsto na al. p) do cit. art.º 85.º, não existe fundamento para não admitir as reconvenções deduzidas pela 1.ª R.

                Atento o exposto, admito os pedidos reconvencionais deduzidos pela 1.ª R. contra os AA.

                                               *

                Reconvenção deduzida pelos 2.ºs RR.

                Os 2.ºs RR. deduziram reconvenção contra os AA. alegando, para tanto, que os danos que estes causaram à 1.ª R. repercutiram-se na pessoa do 2.º R., que viu o seu bom nome, a sua imagem, reputação e direito ao crédito afectados e que, além disso, os AA. fizeram um uso abusivo de dados pessoais dos 2.ºs RR., fazendo públicos dados estritamente pessoais, o que os incomodou, razão pela qual entendem que sofreram danos cujo montante relegam para execução de sentença.

                Notificados, os AA. pugnaram pela inadmissibilidade das reconvenções deduzidas pelos 2.ºs RR. por não se verificarem os pressupostos previstos no art.º 30.º do CPT e na al. p) do art.º 85.º da LOFTJ.

                Argumentam, para o efeito, que os pedidos de indemnização formulados pelos 2.ºs RR. emergem de factos jurídicos distintos daqueles em que se baseiam os pedidos dos AA. e que não existe entre os pedidos dos AA. e os pedidos reconvencionais qualquer nexo de acessoriedade, complementaridade ou dependência.

                Cumpre apreciar e decidir.

                Como se disse, nos termos do art.º 30.º do CPT e da al. p) do art.º 85.º da LOFTJ, a reconvenção apenas é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou se funde em relações conexas com a acção por acessoriedade, complementaridade ou dependência, desde que em ambos os casos o valor da causa exceda a alçada do tribunal.

                No caso dos autos, afigura-se evidente que os pedidos reconvencionais deduzidos pelos 2.ºs RR. não emergem do facto jurídico que serve de fundamento à acção.

                Por outro lado, os danos não patrimoniais que os 2.ºs RR. alegam ter sofrido não têm com a acção um nexo de acessoriedade, complementaridade ou dependência.

                Na verdade, os 2.ºs RR. são demandados com fundamento no disposto no art.º 335.º do CT/2009 (e a 2.ª R. por via e na medida da responsabilidade do 2.º R., atento o disposto nos art.ºs 1691.º e 1692.º do C. Civil), disposição que permite a responsabilização dos gerentes, administradores e gerentes pelos créditos emergentes de contrato de trabalho e da cessação do mesmo.

                Os alegados danos na imagem do 2.º R. e os incómodos alegadamente sofridos pelos 2.ºs RR. são estranhos à relação contratual que existiu entre os AA. e a 1.ª R., não têm qualquer conexão com a mesma.

                Assim, não existe fundamento para admitir as reconvenções deduzidas pelos 2.ºs RR.

                Atento o exposto, não admito os pedidos reconvencionais deduzidos pela 2.ºs RR. contra os AA.

                Custas, nesta parte, pelos 2.ºs RR. (art.º 446.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

                O estado dos autos não habilita, desde já, a conhecer do mérito da causa (artigo 61º, nº 2, do C.P.T.).

                                               *

                Ao abrigo do disposto nos artigos 49º, nºs 2 e 3, do C.P.T., do C.P.C., dada a simplicidade da matéria de facto, abstenho-me de proceder à respectiva selecção (assente e controvertida).

                                               *

[…]

               

                                               *

[…]

                        Os Autores e os Réus vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        - Os Autores (1º recurso):
                1) Os pedidos reconvencionais deduzidos pela 1ª Ré contra os autores não são  admissíveis porque não emergem do facto jurídico que serve de fundamento à ação, e  não emergem de relações conexas com a relação de trabalho, nem por acessoriedade,  nem por complementaridade ou dependência.
                2) Foram assim violados os art" 30° do Cód. Proc. Trabalho e 85° da Lei n" 3/99 de 13 de Janeiro.
                3) Deve ser dado provimento ao recurso substituindo-se a decisão recorrida por  outra que declare não serem as reconvenções da 1ª ré admissíveis, corno é legal e de, JUSTIÇA!

                        - Os Réus (2º recurso):

                        […]

                As partes contra-alegaram.

                        Foi proferido, em 31/10/2013, o seguinte despacho:

                “Fls. 933:

                Atendendo a que tem legitimidade e está em tempo, admito o recurso interposto do despacho saneador de fls. 916 e segs.

                O recurso é de apelação, sobe imediatamente, em separado (arts. 79.º, 79.º-A, n.º 2, al. i), 83.º, 83.º-A, todos do CPT e 644.º, n.º 2, al. d) e 646.º, ambos do novo CPC).

                Notifique.

                Em obediência ao preceituado no art. 646.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, junte certidão das peças indicadas a fls. 941.

                                               *

                Fls. 946:

                Atendendo a que tem legitimidade e está em tempo, admito o recurso interposto do despacho saneador de fls. 916 e segs. unicamente na parte em que apreciou a competência do Tribunal.

                Tal recurso é de apelação, sobe imediatamente, em separado (arts. 79.º, 79.º-A, 83.º, 83.º-A, todos do CPT e 646.º do CPC).

                Notifique.

                Em obediência ao preceituado no art. 646.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, junte certidão das peças indicadas a fls. 961

                                               *

                No mais, quanto à matéria da ilegitimidade passiva e na parte em que o saneador relegou para final o conhecimento de excepções, o recurso não é admissível, atento o que dispõem os arts. 79.º, 79.º-A, do CPT e 644.º e 646.º, ambos do novo CPC).

                No que tange à questão da legitimidade, as partes foram declaradas legítimas, pelo que não cabe na previsão do art. 79.º-A, n.º 2, al. d) do CPT como invocado, pois que nenhuma parte foi excluída do processo com base em tal decisão, nem em nenhuma das demais alíneas do art. 79.º-A ou, por remissão, para as alíneas indicadas do anterior 691.º do CPC, actual 644.º do CPC.

                Trata-se pois manifestamente de um caso no n.º 3 do art. 79.º-A do CPT, em que a parte deverá impugnar essa matéria no eventual recurso que vier a interpor da decisão final ou do n.º 5 em que, não havendo recurso da decisão final, a decisão interlocutória tenha interesse para o apelante.

                No que se refere ao relegar do conhecimento de excepções, estabelece

expressamente o art. 595.º, n.º 4 do CPC (anterior 510.º, n.º 4 do CPC), que não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.

                Assim, é inadmissível o recurso nessa parte.

                Por todo o exposto, deverão ter-se por não escritas as alegações nos pontos 2.º e 3.º (final de fls. 951 a 956) e as conclusões nos pontos A, I, J, Q, R, T.

                Deste modo, não é legalmente admissível recurso quanto à decisão que apreciou a legitimidade das partes nem que relegou para final o conhecimento de excepções, nos termos acima expostos, pelo que não admito o mesmo – art. 641.º, n.º 2, al. a) do CPC.

                Custas do incidente pelos Réus, fixando-se o montante da taxa de justiça em 1 (uma) UC – art. 7.º, n.ºs 4 e 8 do RCP e Tabela II Anexa.

                Notifique.

                                               *

                Prova Pericial

                Vieram os Autores requerer prova pericial, indicando os quesitos da base instrutória a que deveriam incidir e ainda quesitos para a realização da mesma.

                Os Réus entendem que a mesma deve ser indeferida por extravasar a matéria em causa nos autos.

                                               *

                Cumpre apreciar.

                Nos termos do art. 475.º do CPC, ao requerer a perícia, a parte indicará logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência.

                Estabelece o art. 476.º, n.º 2 do CPC: Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.

                Como princípio geral de instrução da causa, prevê o art. 410.º do CPC que a instrução tem por objecto os factos necessitados de prova, que são, necessariamente os factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se controvertidos.

                Ora, analisando a matéria de que se pretende a prova pericial e os quesitos apresentados, nenhuma tem relevância para a apreciação da matéria em causa nos autos, a relação laboral alegada e créditos laborais alegados.

                Nestes termos, indefere-se a requerida perícia.

                Notifique.

                                               *

                Fls. 929, pontos A e B:

                Defere-se o requerido prazo. Notifique.

                Quanto ao documento a que se alude nos art. 1.º e 2.º de fls. 928, não se vislumbrando necessidade do original, nada mais a determinar.

                Notifique.

                                               *

                Fls. 967-968:

                Atenta a resposta da CGD, não haverá documento escrito antes informa que existiram esclarecimentos verbais.

                Assim, querendo, a parte arrolará as testemunhas que tiver por pertinentes a tal matéria, ainda que em aditamento ou alteração ao rol.

                Notifique.

                                               *

                Cumpra o despacho de fls. 924 quanto às entidades ali mencionadas que não a CGD (…)”.

                        Em relação a este despacho foi interposta pelos Autores nova apelação (3º recurso), com as seguintes conclusões:

                        […]

                        Os Réus contra-alegaram

                        Sobre este 3º recurso incidiu o seguinte despacho:

                “Fls. 1042 e segs/fls. 1113-1121 e segs.:

                Atendendo a que tem legitimidade e está em tempo, admito o recurso interposto do despacho de fls. 993-994, no que tange à rejeição da prova pericial.

                O recurso é de apelação, sobe imediatamente, em separado (arts. 79.º, 79.º-A, n.º 2, al. i), 83.º, 83.º-A, todos do CPT e 644.º, n.º 2, al. d) e 646.º, ambos do novo CPC).

                Notifique.

                Em obediência ao preceituado no art. 646.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, junte certidão das peças indicadas a fls. 1058 e 1120.

                                               *

                No mais, quanto à matéria da notificação da CGD, o recurso não é admissível, atento o despacho supra proferido, atento o que dispõe o art. 631.º, n.º 1 do CPC, já que a parte não ficou vencida.

                Sem custas uma vez que o recurso terá sido fundamentado em entendimento discrepante do do Tribunal em relação ao determinado a fls. 994.

                Notifique”.
                        Foram colhidos os vistos legais.

                        O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência de todos os recursos.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos como questões a apreciar

                        - no 1º recurso:

                        - se é admissível a reconvenção deduzida pela 1ª Ré contra os Autores.

                - no 2º recurso:

        - se se verifica, nos termos expostos pelos recorrentes, a incompetência, em razão da matéria, do tribunal do trabalho;

        - no 3º recurso:

        - se, no despacho de 31/10/2013, a Srª Juíza andou bem ao rejeitar a prova pericial requerida pelos Autores.
                                                           x         
            Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.
            De salientar que, dado que o processo físico enviado a este Tribunal da Relação apenas continha as alegações e contra-alegações dos recursos, nos tivemos de socorrer das certidões constantes do “índice de matérias” e da representação electrónica do processo principal e apensos.
                                                           x
                        O direito:
                        - o 1º recurso:
                        De acordo com o artº 30º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, “A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, e no caso referido na alínea p), do art. 85.º, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.”
                        Os tribunais do trabalho têm competência em matéria cível para conhecer, para além do mais, “das questões emergentes de relações de trabalho subordinado…” (artº 85º, al. b), da Lei 3/99, de 13 de Janeiro – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), bem como “Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente” (artº 85º, alínea o), da LOFTJ), consagrando-se neste normativo uma extensão de competência dos tribunais do trabalho, em razão da matéria, na medida em que as questões a que o mesmo se reporta, situando-se fora do círculo da competência estrita daqueles tribunais, a competência para a apreciação das mesmas é-lhes atribuída por força de um determinado elemento de conexão com as relações de trabalho para cuja apreciação, mormente das questões que nelas se suscitem, aqueles têm competência específica.

                        No Ac. do STJ de 15/02/2005 (www.dgsi.pt, proc. 04S3037) refere-se, com toda  a clareza e rigor, que “diz-se que duas causas são conexas quando estejam interligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido). Todavia, como diz Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pag. 71 e seguintes), para que a extensão de competência prevista na referida alínea o) tenha lugar não basta uma qualquer conexão.

                A tal respeito escreveu aquele autor:

                «A alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm – trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc.

                Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir:

                a) da unidade da causa de pedir;

                b) da relacionação dos diversos pedidos.

                Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir – Cod. Proc. Civil, art. 498.º, n.º 4 – pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos.
Sempre que isso aconteça não poderá dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade de acções conexas.

                Se dum mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa. (…)

                A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho.
Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais do trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (…)

                De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos».

                Essa conexão, continua aquele autor, pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal”.

                   Claro está que quando se refere que a conexão objectiva pressupõe uma causa dependente de outra, estamos a reportar-nos à dependência imediata, sob pena de ficarmos sem saber quais os limites que deveriam ser impostos à dependência mediata. – cfr. Ac. da Rel. do Porto 4/1/2010, in www.dgsi.pt.

            No caso em apreço, os Autores pedem, no reconhecimento da justa causa para a resolução dos seus contratos de trabalho,  a condenação dos Réus a pagarem-lhes a indemnização por antiguidade, bem como as retribuições em atraso.

            Assim, o facto jurídico que serve de fundamento à acção, ou melhor, a causa de pedir (facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor para fundamentar a sua pretensão), apresentado pelos Autores assenta nesta justa causa e nos invocados créditos salariais e indemnizatórios referidos.

                        A 1ª Ré, por seu turno, fundamenta o seu pedido reconvencional em factos praticados pelos Autores consubstanciadores de incumprimento dos seus deveres laborais, traduzidos, consoante os Autores, na tentativa de denegrir a imagem da 1ª Ré, no desvio ilícito de encomendas em curso e  novas consultas, na apropriação de bases de dados de clientes e de projectos de arquitectura da Ré,  de utilização indevida de veículos, de passagens pela via verde com o identificador da Ré e de retirada de material informático.

            A causa de pedir, para efeitos do citado artº 30º, é integrada não pelo contrato de trabalho, mas sim pelo facto de que emerge directa e imediatamente a pretensão que na acção se pretende fazer valer, não existindo qualquer nexo ou ligação entre os pedidos formulados pelos Autores e os deveres laborais pelos mesmos pretensamente violados, pelo que se deve concluir que, se o pedido da Ré não emana do (mesmo) facto jurídico que serve de fundamento à acção, como é pressuposto da aplicação da 1ª parte, do indicado normativo, tão pouco ocorre a situação contemplada na  2ª parte do referido artº 30º.

                        Como claramente se expôs no Acórdão do STJ, de 22.11.2006, www.dgsi.pt, “A reconvenção é ainda admissível quando haja uma especial conexão entre o pedido reconvencional e a acção (acessoriedade, complementaridade e dependência).  A relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório como o dependente estão objectivamente subordinados a esse pedido (principal). A diferença está na intensidade do nexo de subordinação.

                O pedido dependente não subsiste se desligado da relação principal.

        A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na acção. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido "completa", toca a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à acção. Se estiverem em causa diferentes direitos de créditos - na acção e na reconvenção - é relativamente a tais relações de crédito, objectiva e subjectivamente consideradas, que se tem que aferir se existe a apontada complementaridade.”

                        Também significativo é o decidido no Ac. do mesmo Supremo Tribunal de 3/5/2006, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que “Tendo o autor fundamentado a acção na ilicitude do despedimento promovido sem a precedência de processo disciplinar, não é admissível a reconvenção deduzida pela empregadora, cuja causa de pedir assenta no não cumprimento, por parte do autor, do contrato de trabalho celebrado entre as partes”.

                        E onde se escreve que “Na verdade, a haver qualquer relação de conexão ela é apenas indirecta, porque derivam ambas da existência de um contrato de trabalho. Mas ambas as violações contratuais (quer as imputadas à ré quer as imputadas ao autor) têm um conteúdo próprio e independente na medida em que qualquer dessas violações pode ocorrer sem o concurso da outra.

                E se assim é, não se verifica, no caso, uma conexão directa por os prejuízos invocados pela ré não estarem numa situação de acessoriedade relativamente ao pedido do autor, ou mesmo de complementaridade e/ou dependência”.

                        Temos, assim, que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, nem depende, com o sentido exposto, do pedido nesta formulado, pelo que é de revogar o despacho que admitiu o pedido reconvencional formulado pela 1ª Ré contra os Autores.
- o 2º recurso:

   Vieram os Réus reagir contra a decisão, lavrada em sede de despacho saneador, que considerou o Tribunal do Trabalho competente para o julgamento da casa, invocado, em suma, que grande parte da matéria de facto vertida nas petições iniciais extravasa o âmbito da pretensa relação laboral, sendo matéria do foro societário da 1ª Ré e do foro pessoal dos outros Réus.

              Nos termos do artº 85º, al. b), da LOFTJ, compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.

                        É jurisprudência pacífica que a competência em razão da matéria se fixa em função dos termos em que o autor propõe a acção, atendendo ao direito a que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente protegido, devendo, por isso, essa questão da competência ser decidida em conformidade com o pedido formulado na petição inicial e a respectiva causa de pedir invocada, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo autor.

                        A este propósito, decidiu-se no Ac. do STJ de 3/7/2003, in www.dgsi.pt, que “à semelhança do que acontece quanto aos demais pressupostos, há-de a competência do tribunal aferir-se pelos termos em que a acção é proposta e determinar-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos, ou seja, pela maneira como o autor configura o pedido e a respectiva "causa de pedir".

                Em suma, para decidir qual das diversas normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais deve olhar-se "aos termos em que a acção foi posta - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.) seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal - ensina Redenti - afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, como antítese com aquele que será mais tarde o quid decisum): é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor”.
                        No mesmo sentido podem ver-se Manuel de Andrade, in Noções Fundamentais de Processo Civil, ed. 1979, págs. 90/91, Miguel Teixeira de Sousa, in A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lisboa, 1994, pag. 36 e, entre outros, os Acs. do STJ de 06/07/78, in BMJ n.º 278, de 5/2/2002, in Col. Jur.  2002, I, 68, de 11/12/2002, de 22/06(2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

                        Como já se referiu supra, nas acções os Autores vieram reclamar créditos laborais que lhe não foram pagos bem como a indemnização por aquilo que configuram como resolução com justa causa do contrato de trabalho. E  a invocação daquilo a que os Réus apelidam de matéria do foro societário e do foro pessoal dos 2º e 3º Réus é utilizada pelos Autores como justificativo e determinante da responsabilidade solidária desses  Réus no pagamento de tais créditos laborais. É assim que os Autores estruturam o seu pedido. Se se verifica essa responsabilidade solidária ou não tal constitui matéria de procedência ou não procedência do pedido.

                        Assim, dúvidas não podem subsistir da competência material do tribunal do trabalho, improcedendo as conclusões deste recurso.

                        - o 3º recurso:

                        Vieram os Autores requerer a produção de prova pericial, nos termos e com o alcance já transcritos no relatório deste acórdão.

                        No despacho saneador, a Srª Juíza ordenou o seguinte:

                                “Por não se afigurar nem impertinente nem dilatória a perícia requerida pelos AA. determino que os RR. sejam ouvidos sobre o objecto proposto, fixando-se para o efeito o prazo de 10 dias”.

                        Posteriormente, pelo despacho ora sob recurso, e por entender que, “analisando a matéria de que se pretende a prova pericial e os quesitos apresentados, nenhuma tem relevância para a apreciação da matéria em causa nos autos, a relação laboral alegada e créditos laborais alegados”, indeferiu tal requerimento de prova pericial.

                        As razões de discordância dos Autores –apelantes baseiam-se, tal como referem, em dois pontos: a existência de caso julgado formal e a pertinência da diligência.

                        Vejamos, então:

                        No despacho que mandou ouvir a parte contrária, pensamos que a Srª Juíza implicitamente considerou admissível tal prova pericial, ao afirmar que a diligência não se lhe afigurava “nem impertinente nem dilatória”, e sendo apenas sobre o objecto da mesma perícia que foi ordenada a notificação da parte contraria.

                        Dispõe o artº 476º, nº 1, do Novo CPC (aqui aplicável, atenta a data em que foram proferidos os despachos em causa) que “Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”.

                        Idêntica redacção tinha o artº 578º, nº 2, do Velho CPC.

                        No Ac. desta Relação de 5/2/2002, cujo sumário se encontra disponível em www.dgsi.pt e a cuja posição aderimos, considerou-se que  “inexistindo fundamento para o indeferimento imediato e liminar do requerimento de exame pericial, cuja pertinência e natureza dilatória o juiz apreciou, de modo implícito antes de ouvir a parte contrária sobre o objecto proposto, resta a esta, tão-só a faculdade de aderir ao mesmo ou sugerir a sua ampliação ou restrição não podendo já o juiz, posteriormente, vir a considerar a perícia dispensável, isto é, não pertinente, sob pena de manifesta contradição nos seus próprios termos, de violação do estatuído pelo artigo 578º, nº1, do CPC e de clara ofensa do princípio do caso julgado formal”.

                        Mas se dúvidas houvesse, no caso concreto, quando à admissão pela Srª Juíza, face ao referido parágrafo transcrito, elas dissipam-se se lermos o início do parágrafo seguinte do despacho:

                        “Atentas as diligências probatórias requeridas pelas partes, e que se acabaram de deferir, é manifestamente improvável que a instrução do processo esteja concluída até ao dia 08/10/2013, data designada para a audiência de julgamento” (realce nosso).

                        Ou seja, a Sr.ª Juíza denotou, claramente, que tinha deferido todas as diligências probatórias requeridas por Autores e Réus, não fazendo qualquer distinção. E o que é certo é que os Réus nada vieram dizer acerca do objecto da perícia, formulando novos quesitos ou propondo a eliminação de alguns ou todos os propostos pelos Autores.

                Depois de ouvida a parte contrária, o juiz profere despacho a ordenar a realização da perícia. Segundo o nº 2 do artº 476º do CPC, cabe ao juiz determinar o objecto da perícia, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-as a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.

                        Ao dizer-se na norma acabada de citar que incumbe ao juiz, ao determinar o objecto da prova pericial, “indeferir as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes”, tal significa que o juiz tem o dever de pronunciar-se sobre o objecto da perícia proposto pelas partes. E significa também que o poder de rejeitar esse objecto não é um poder discricionário; o juiz só o pode rejeitar com fundamento na respectiva inadmissibilidade ou irrelevância.

                        Mas, no caso em apreço, a Srª Juíza não se pronunciou, nesses termos, sobre o objecto da perícia, antes pura e simplesmente indeferiu a perícia, nem sequer cuidando de fundamentar a razão pela qual entendeu que não “tem relevância para a apreciação da matéria em causa nos autos, a relação laboral alegada e créditos laborais alegados”.

                        E assim sendo, não tem aqui aplicação prática o decidido no Ac. do STJ citado pelos Réus- apelados.

                        Formando-se, como tal, caso julgado formal quanto à admissibilidade da perícia, uma vez que essa decisão proferida no mesmo momento do despacho saneador transitou em julgado.

                        Sendo que se dispõe no artº 625º, nºs e 2 do CPC o seguinte:

                “1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre -se a que passou em julgado em primeiro lugar.

                2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual”.

                        Como tal, estava vedado à Srª Juíza indeferir, como indeferiu, no despacho sob recurso, a prova pericial requerida pelos Autor, que assim não se poderá manter.

                        Mas mesmo que assim não fosse, não se vislumbra em que é que tal perícia se apresenta como decisivamente irrelevante para a discussão da causa, como se entendeu no despacho recorrido.

                        Como se refere neste, prevê o artº 410º do CPC, como regra geral, que a instrução tem por objecto os factos necessitados de prova, que são, necessariamente, os factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se controvertidos.

                        Nos termos do artigo 388º, do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.

                        Como já tivemos oportunidade de mencionar, os Autores, a partir do ponto 13º das suas petições, elencam factos que, em seu entender, determinam a responsabilidade solidária de todos os Réus no pagamento dos créditos reclamados. Referindo na conclusão I) do seu recurso que “Tal solidariedade tem por base o art.° 335.° do Código do Trabalho, que remete para o art.° 78.° do Código das Sociedades Comerciais e, ainda, o disposto nos art.°s 1691.° e 1692.° do Código Civil, e decorre da alegada prática pelo 2.° réu marido de comportamentos ilícitos violadores das normas de protecão do capital social enquanto garantia de créditos da sociedade e, ainda, do proveito comum do casal”. E, com o  requerimento probatório, incluindo a prova pericial, pretendem os Autores demonstrar os factos que discriminam nessa sua pretensão e com tal finalidade, tornando, no mínimo, prematuro e precipitado um juízo antecipado da sua irrelevância para prosseguir esse desiderato, e sendo manifesto que estamos longe de se poder considerar tal diligência como impertinente e o respectivo objecto como irrelevante. No máximo, poderiam suscitar-se dúvidas sobre tal relevância, caso em que sempre seria de ordenar a diligência, a fim de se não correr o risco de se coarctar à parte a possibilidade de demonstrar em juízo a sua tese jurídica.

                        Deve pois a perícia ser realizada, o que não invalida, natural e necessariamente, que deva ser fixado o objecto da mesma, nos termos do citado artº 476º, nº 2, do CPC, que incluirá a análise crítica dos quesitos apresentados pelos Autores

                        Procede, assim, este recurso.

                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em:
                        -  julgar procedente o 1º recurso (1º apelação dos Autores), revogando-se a decisão recorrida e não se admitindo a reconvenção deduzida pela 1ª- Ré contra os Autores;
                        - julgar improcedente o 2º recurso (apelação dos Réus), confirmando-se a decisão recorrida;
                        - julgar procedente o 3º recurso (2ª apelação dos Autores), revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por despacho que ordene a realização da requerida prova pericial e dê cumprimento ao disposto no nº 2 do artº 476º do CPC.
                        Custas de todos os recursos pelos Réus- apelantes.

                                                           Coimbra, 11/12/2014

                                                               (Ramalho Pinto - Relator)

                                                              (Azevedo Mendes)

                                                            (Joaquim José Felizardo Paiva)