Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
87/11.0GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
Data do Acordão: 11/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 69º, DO C. PENAL
Sumário: A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a que se reporta o art.º 69º, do C. Penal, não pode ser dispensada, nem atenuada especialmente, suspensa ou substituída por caução de boa conduta ou por trabalho a favor da comunidade, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

           

1. No processo sumário n.º 87/11.0GTCTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, o arguido A..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de € 7, num total de € 595[1], bem como na (pena acessória) de proibição de veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias.

            2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

            «1. O recorrente não questiona a pena de multa que lhe foi aplicada pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292°, n° 1 do Código Penal.

2 - Limitando o recurso à pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor de 4 meses e 15 dias em que foi condenado nos termos do disposto no artigo 69°, n° 1, alínea a) do mesmo Código.

3 — A inibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 690, n° 1 do Código Penal, assume a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de um crime — artigo 65°, n° 1 e 69°, n°1 ambos do Código Penal.

4- Assumindo a natureza de uma pena, não obstante acessória, está, nessa qualidade, sujeita ao regime geral aplicável a qualquer pena, ou seja, pode ser suspensa na sua execução, ser substituída por pena alternativa ou ser especialmente atenuada ou agravada, como decorre do estabelecido no artigo 73°, n°2 do Código Penal.

5- Ou seja, é-lhe aplicável o regime estabelecido nos artigos 41° a 60º.

6- E não poderia ser de outra forma, visando as penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade — artigo 40º, n° 1 do Código Penal — e na escolha da medida da pena deve ser tomada em consideração aquela que, em concreto, realizar de forma adequada e suficiente a finalidade da punição -  artigo 70º do mesmo Código -,— devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime depuserem a favor do agente ou contra ele.

7- Assim a aplicação da pena de inibição de conduzir veículos automóveis não constitui uma consequência automática da prática do crime a que está associada, podendo à semelhança da pena aplicável ao próprio crime ser suspensa na execução, especialmente atenuada ou agravada e ainda ser substituída por medidas alternativas. Designadamente de trabalho a favor da comunidade.

8- Substituição que aliás, é comum em algumas circunstâncias e aplicada em alguns casos mediáticos amplamente divulgados na comunicação social.

9- Acontece que o recorrente é titular de licença de condução há já mais de 30 anos.

10- Nunca foi, ao longo de todos estes anos sancionado pela prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave ao Código da Estrada.

11- Não tem averbado no seu cadastro a prática de qualquer crime designadamente do tipo daquele em que foi condenado de condução de veículo em estado de embriaguez.

12- É um cidadão cumpridor das regras da vida em sociedade, está inserido socialmente e é um conceituado empresário da cidade, onde desenvolve a sua actividade na área dos … .

13- É ele que na empresa de que é proprietário se desloca diariamente às obras para efectuar as medições das  … que comercializa para as empresas de construção civil e obras particulares.

14- A licença de condução revela-se pois indispensável ao exercício da actividade da empresa.

15 A sua viabilidade económica está dependente do trabalho desenvolvido pelo recorrente.

16- A sua empresa tem, para além dele próprio, mais três trabalhadores, que dependem economicamente da empresa.

17- A inibição de conduzir aplicada ao recorrente (4 meses e 15 dias) coloca em causa a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho que proporciona, colocando em causa a subsistência económica de 3 agregados familiares.

18- O recorrente confessou integralmente e em reservas a prática do crime que lhe foi imputado e demonstrou arrependimento.

19- A simples ameaça da pena realiza cabalmente os fins de prevenção e a finalidade da punição.

20- Estão pois reunidos os requisitos para suspender a execução da pena de inibição de conduzir veículos a motor que foi aplicada ao recorrente, ou, a aplicação de uma medida alternativa, designadamente de trabalho a favor da comunidade, o quer se requer.

21- Assim não se entendendo, o que só se admite por mera hipótese académica, e pelos motivos expostos, mostram-se reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 74° para uma dispensa da pena — artigo 74° n° 1 do Código Penal, o que também se requer.

22- Se também assim não for entendido e ainda pelos mesmos motivos há aqui também lugar a uma atenuação especial 71° e 72° do Código Penal para se proceder a uma atenuação especial da pena de inibição de conduzir veículos a motor, devendo, neste caso, a pena de inibição de conduzir ser fixada em 2 (dois) meses, o que igualmente, em alternativa se requer.

23- Não sendo assim entendido e considerando a personalidade do recorrente, as consequências do seu acto, o grau de ilicitude e de culpa, a confissão e o arrependimento, e ainda e de capital importância o facto de estar em causa a viabilidade económica de uma empresa e a subsistência de 3 postos de trabalho e a subsistência económica de 3 famílias, não deve ser aplicada ao recorrente uma pena superior ao mínimo legalmente previsto ou seja, 3 meses de inibição de conduzir veículos a motor.

Nestes termos,

· Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a, aliás, douta sentença recorrida, na parte em que dela se recorre e, em consequência:
a) Ser suspensa na sua execução a pena acessória de 4 meses e 15 dias de inibição de conduzir veículos a motor aplicada recorrente, ou, em alternativa a mesmas ser substituída por uma medida alternativa, designadamente trabalho a favor da comunidade.

b) Se assim não se entender, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se deverá proceder a uma atenuação especial da pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor aplicada ao recorrente substituindo-a, na sua duração, por uma pena não superior a 2 (dois) meses.

c) Se assim também não se entender a pena acessória de inibição de conduzir por todos os motivos expostos deve ser fixada no seu mínimo legal, ou seja, 3 (três) meses de inibição de conduzir veículos a motor».

            3. O Ministério Público RESPONDEU ao recurso, pedindo a manutenção do julgado.

           

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pediu a improcedência do recurso, aderindo à argumentação do Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – tendo o arguido apresentado a resposta de fls 51 -, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir consiste em saber[2] se a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta ao arguido

· deverá ser suspensa na sua execução;

· deverá ser substituída por outra pena alternativa

· deverá ser atenuada especialmente;

· deverá ser diminuída no seu «quantum»

            2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            2.1. Não se verificando qualquer dos vícios enunciados no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, consideram-se assentes os factos dados como PROVADOS, sendo certo que não foi, de todo em todo, impugnada a matéria de facto.

            Note-se que o arguido apenas recorre de DIREITO.

            Como tal, entendemos, nesta caso, prescindir da transcrição da sentença, e até por uma questão de economia processual e de celeridade, sendo certo que consta da acta de fls 13 e do CRC de fls 11 o que poderá interessar para a decisão deste recurso (cfr. nossa decisão sumária proferida no processo n.º 173/11.7GAMMV.C1).

            2.2. A condenação do arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, não foi posta em causa no presente recurso, pois que, “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

            Discorda o arguido da pena acessória que lhe foi aplicada – 4 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos.

De facto, o crime em questão é também punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, a fixar entre três meses e três anos, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/01,de 13 de Julho.

            Portanto, o recorrente questiona, apenas, a determinação concreta da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Temos como provado, quanto a condições sócio-familiares do arguido, o seguinte:

· É industrial e aufere a quantia de seiscentos euros mensais.

· É casado, vive com a sua esposa e um filho estudante.

· A sua esposa é professora do ensino secundário e aufere cerca de 2.000 euros mensais de ordenado.

· Tem o 12º ano de escolaridade.

E sabemo-lo primário, em termos de antecedentes criminais.

2.3. A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é, tal como a pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 71º do CP.

            O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena (leia-se, então, também medida da pena acessória) deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.

A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.

Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.

A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.

O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).

Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena.

2.4. Esta pena acessória (e não rigorosamente uma sanção acessória, essa destinada a sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, sendo mais uma medida de segurança administrativa) tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.

No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, pois subjacente ao preceito em apreciação visa-se o combate à sinistralidade rodoviária em que o álcool tem um papel muito relevante, pois a condução sob o efeito do álcool põe em risco não só a própria vida do condutor como a dos restantes utentes da via, reclamando, por isso, uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.

            Face à factualidade considerada provada nos autos, encontram-se, no caso vertente, integralmente reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da pena acessória da proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses a três anos.

            Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de três meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (cf. art. 71º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor assenta no pressuposto formal duma condenação do agente numa pena principal por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º do Código Penal, ou por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, sendo que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 165).

            A proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69.º do Código Penal constitui, como se disse, uma pena acessória que, como tal, se baseia num juízo de censura e tem por fim (mediato) a tutela dos bens jurídicos subjacentes ao tipo de crime praticado (Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Porto, 2007, p. 209). Como pena acessória tem em vista complementar uma outra pena, a principal, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à natureza ou gravidade do crime.

            A este propósito, o Acórdão do Pleno das Secções Criminais do S.T.J. n.º 5/99 do STJ (DR I.ª Série-A de 20 de Julho de 1999) fixou jurisprudência no seguinte sentido: «O agente do crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal».

            A proibição de conduzir decretada nos termos do citado artigo 69.º, n.º 1 não emerge automaticamente da lei, antes pressupõe a intervenção mediadora do Juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso e perante a avaliação da culpa do agente, deve fixar a sua concreta duração.

             Quer isto dizer que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal como a pena de prisão e a multa, deve ser graduada dentro dos limites legais, ou seja, entre 3 meses e 3 anos, atendendo aos critérios e factores mencionados no artigo 71.º do Código Penal vigente, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

De facto, ambas as penas – principal e acessória – assentam num juízo de censura global pelo crime praticado, remetendo a sua determinação concreta para os critérios do referido normativo.

            Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, a moldura de prevenção é definida entre o limiar mínimo abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias, e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas.

Dentro desses limites, relevam as exigências de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 238 e segs.).

Efectivamente, à pena acessória cabe uma «função preventiva adjuvante da pena principal (...) que se não esgota na intimidação da generalidade mas se dirige (…) à perigosidade do delinquente» – Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, p. 96.

Considerando que a pena acessória visa prevenir a perigosidade mas constitui também uma censura adicional pelo facto praticado pelo arguido - cfr., Figueiredo Dias, Acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal, in Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Editora Rei dos Livros, pág. 75 -, verifica-se que, não obstante a pena acessória ter, face à pena principal, uma função mais restrita - função preventiva -, a determinação da sua medida é ainda feita por recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71° do Código Penal - cfr. neste sentido Ac. da R.C. de 18/12/96, in CJ, Ano XXI, t. V, p. 62 e ss. e Ac. da R.P. de 20/9/95, in CJ, Ano XX, t. IV, p. 229 e ss.

            Para a avaliação do grau de ilicitude, há que considerar que o arguido conduzia, pela 1h47m, um veículo ligeiro de passageiros, com uma taxa de alcoolemia de 2,07 gr/l, o que corresponde a 0,87 gr/l acima do limite que confere significado criminal à conduta praticada.

            Ficou provado que o arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, bem sabendo que tinha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e, não obstante, decidiu conduzir a viatura nessas circunstâncias e que agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

            Quer isto dizer que a actuação do arguido foi claramente dolosa, na sua vertente directa.

             Tendo em conta que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez pode ser cometido a título de negligência, a comissão dolosa pode e deve ser valorada na determinação da medida concreta da pena, como factor que releva por via da culpa, com efeito agravante, sem que se corra o risco de incorrer numa não permitida dupla valoração.

            Diga-se ainda que «a condução em estado de embriaguez é um crime de perigo comum abstracto, pois que as condutas puníveis por esta norma não lesam de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicando a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo, tratando-se, assim, de uma infracção de mera actividade, em que o que se pune simplesmente é o facto de o agente se ter disposto a conduzir na via pública sob o efeito do álcool» (Acórdão da Relação de Guimarães de 19-11-2007, proc.º n.º 2031/07-1).

            O arguido mostra-se socialmente integrado, sendo, de facto, primário.

            As razões de prevenção geral são sempre prementes neste tipo de crimes, dada a elevada incidência da sinistralidade rodoviária.

            Como se disse, o arguido conduzia com uma taxa de 2,07 gr./litro, pelo que o grau de ilicitude do facto é já alto.

            2.5. Pretende, em 1º lugar, a suspensão da execução desta pena acessória.

Ora, a suspensão da execução da pena acessória está totalmente fora de cogitação in casu.

E está-o, também porque tal tem sido uniformemente decidido pelos nossos tribunais superiores (vejam-se os acórdãos invocados pelo Exmº PGA a fls 73, a título meramente exemplificativo -. designadamente, Ac. R. C. de 17/01/01, Col. Jur. 1-50, Ac. R. C. de 29/11/00, Col. Jur. V - 50; Ac. R.C. de 14/06/2000, Col. Jur. III - 53; e ainda Ac. R. P. de 28/01/04, Col. Jur. 1-206)

Mas a improcedência do recurso radica desde logo no facto de se entender não estar prevista na nossa lei tal requerida suspensão

Na realidade, a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir só está prevista no CE, quanto a contra-ordenações graves, não estando pensada tal figura para as penas acessórias, como aquela que foi aplicada no caso vertente.

O regime de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir previsto no artigo 141.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, apenas é aplicável às contra-ordenações graves.

Tem-se entendido (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 21/11/2007, in Processo n.º 3974/06-4TBVIS.C1) não se reconhecer no dispositivo do art. 141.º, n.º 1, qualquer omissão ou lacuna legislativa quanto à suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir cominada a agente de infracção contra-ordenacional rodoviária muito grave.

Recorde-se - é do seguinte teor o texto em vigor dos artigos 141.º e 147.º do Código da Estrada:

Artigo 141.º (“suspensão da execução da sanção acessória”):

«1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
2 - Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.

3- A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:

a)- À prestação de caução de boa conduta;

b)- Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;

c)- Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.
(...)»
.
Artigo 147.º
(“inibição de conduzir”):

«1 - A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir (...)».

Esta proibição de conduzir assume-se cada vez mais como verdadeira pena, de estrita aplicação judicial e não ope legis, sempre ligada ao facto e à culpa do agente, ditada de uma moldura penal própria, impondo a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/95 de 15/3/1995, in DR, II Série, de 20/6/1995).

De facto,

1º- Inexiste disposição legal que preveja tal requerida suspensão;

2º- Não sendo admissível, em termos penais, a suspensão da execução da pena principal (multa), exige a unidade da pena que a acessória não o seja (a suspensão da execução de uma pena terá sempre de abranger toda a pena, não podendo fraccionar-se);

3º- Sendo à pena acessória alheio o fim de reintegração do agente na sociedade, por força do artigo 50º do CP, não lhe pode ser aplicável o instituto da suspensão.

Diga-se ainda que não é possível a substituição da pena acessória por caução de boa conduta (essa aliás nem sequer pedida expressamente nas alegações de recurso do arguido), na medida em que tal benesse só está prevista para as sanções acessórias do Código da Estrada.

            Não se deixará de dizer que o facto de o arguido alegar precisar da carta de condução para a sua vida diária/profissional não é razão suficiente para a suspender, podendo nós afirmar que, desta forma, ele sentirá mais na pele a falta de tal título de transporte, o que só poderá contribuir para que, doravante, pense duas ou três vezes antes de conduzir após ingestão de álcool[3].

Desta forma, repete-se: não será de esperar – esse o nosso desejo - que volte de delinquir pois já sabe a falta que lhe faz a carta.

Assim, e sem necessidade de mais considerações, é nossa DECISÃO não suspender a execução da pena acessória, tal como requerido, invocando-se aqui também a boa doutrina exarada do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/4/2008[4].

           

2.7. E SERÁ DE ATENUAR ESPECIALMENTE TAL PENA ACESSÓRIA OU DE A SUBSTITUIR POR PENA ALTERNATIVA (nomeadamente o trabalho a favor da comunidade)?

Este o 2º pedido formulado em sede de recurso.

Neste ponto, entendemos que a lei penal não prevê qualquer pena substitutiva da pena de proibição de conduzir de veículos motorizados.

De facto, esta sanção acessória, de natureza penal, não pode ser dispensada, nem atenuada especialmente, suspensa ou substituída por caução de boa conduta ou por trabalho a favor da comunidade, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade.

Ora, enquanto a pena principal tem em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal), a pena acessória visa tão só prevenir a perigosidade desse agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral).

Se a pena acessória apenas visa prevenir a perigosidade imanente na própria norma incriminadora, que a justifica e a impõe, sendo-lhe indiferente quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena.

Só através da proibição efectiva da conduta tal é alcançável, pois que o perigo que aqui subjaz é abstracto, no sentido de que, praticado o evento previsto na norma incriminadora, o perigo se presume invariavelmente.

Em conclusão, e sem necessidades de mais considerações, concluímos no sentido de que a condução de veículos motorizados em estado de embriaguez desencadeia e gera, só é prevenível com a execução efectiva da sanção inibitória imposta ao respectivo agente.

Daí que se tenha de concluir também que esta pena acessória não é passível de (qualquer tipo de) substituição, nem sequer de atenuação especial prevista no artigo 72º do CP, só aplicável a penas principais.

Improcede, assim, este pedido recursório.

2.8. QUESTÃO FINAL - mas ficaremos nos 4 meses e 15 dias, ou haverá que DESCER a pena acessória para valor mais baixo?

Não se deve procurar estabelecer nenhuma coincidência entre a determinação concreta da medida da pena e a taxa de álcool no sangue verificada numa concreta situação. Contudo, não obstante, «o diferencial existente em relação ao patamar inicial da TAS impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória» (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Março de 2000, Processo n.° 83212000, disponível para consulta em http:www.dqsi.ptl).

Por outro lado, «só em casos pontuais e devidamente comprovados pode haver “benevolência” na aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados» (in Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2001, Processo n.° 2315/2001, disponível para consulta em http:www.dgsi.jtl).

No caso em análise, não se vislumbram razões suficientemente fortes para usar dessa benevolência pois inexistem as excepcionais circunstâncias que poderiam legitimar essa especial “bondade”, não se tendo sequer provado qualquer facto – de força maior - que justificasse ter o arguido ingerido bebidas alcoólicas e depois conduzido.

Por tal motivo, e face ao alto grau de alcoolemia detectado, aplicar-se ao arguido uma pena acessória de 4 meses e 15 dias afigura-se-nos, desde logo, E JÁ, injustificadamente “benevolente”.

Diga-se que a actual letra do artigo 69º do CP foi introduzida pela Lei n.º 77/2001 de 13/7 – esta alteração legislativa não se limitou a introduzir uma automática sanção acessória de proibição de condução para o agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo agravado, de modo significativo, a pena abstracta da mencionada pena acessória, alterando-a, no seu limite mínimo, de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos.

Deste modo, tal agravação derivou de uma inequívoca opção político-criminal que reconhece – sabia e pragmaticamente - que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador.

Assim, a pena acessória fixada pela 1.ª instância (4 meses e 15 dias) é adequada, em termos mínimos e toleráveis, ao caso vertente, não podendo nós elevá-la (NOTE-SE QUE APLICARÍAMOS UMA PENA MAIS ELEVADA, CASO O PUDÉSSEMOS FAZER).

O juiz não é um computador e ainda bem, diga-se – não se coloca, como premissa, a taxa de alcoolemia detectada para depois, em nome de um infrene e indesejado automatismo, esperar pelo «quantum» da pena a aplicar.

Tudo depende de vários factores que deverão ser sopesados, nomeadamente do passado rodoviário do arguido.

É certo que não fará grande sentido invocar precedentes judiciários nesta sede – cada caso é um caso (só nos pode vir à memória esta frase batida) e não deverá o julgador fixar a exacta medida da pena acessória apenas com base na taxa de alcoolemia detectada.

Contudo, não podemos olvidar que, numa noite – altura do «dia» em que a visibilidade diminui - de Junho de 2011, um homem conduzia um veículo numa estrada nacional, acusando uma alcoolemia de 2,07 g/l.

Desta forma, não será de esperar – esse o nosso desejo - que volte de delinquir pois já sabe a falta que lhe faz a carta.

Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção (ter actuado com dolo directo, conduzindo com uma taxa de álcool no sangue de 2,07 g/l), os elevados índices de sinistralidade no nosso País, provocados justamente por condutores que ingerem bebidas alcoólicas com TAS igual ou superior a 1,2 g/l), considera-se justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 MESES E 15 DIAS, só podendo IMPROCEDER este recurso.

Recorramos à nossa jurisprudência.

Tendo tomado posse nesta Relação em Setembro de 2009, já decidimos assim em casos desta criminalidade:

· Taxa de 1,24 g/l – seis meses

· Taxa de 1,49 g/l – seis meses

· Taxa de 1,70 g/l – doze meses (com várias condenações anteriores):

· Taxa de 1,80 g/l – seis meses

· Taxa de 1,81 g/l – cinco meses

· Taxa de 2,16 g/l – oito meses

· Taxa de 2,20 g/l – oito meses

Neste caso, a taxa é muito alta e pouco lisonjeira para quem se diz bem integrado familiar e socialmente.

Foi um erro. E há que pagar por ele!

2.9. Improcede, assim, in totum este recurso.

            III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso intentado pelo arguido A..., confirmando-se todo o sentenciado.

            2. Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, já aplicável a este autos, este remetendo para a Tabela III).


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

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(Paulo Guerra)


                               

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(Cacilda Sena )


[1]Há um lapso no numerário desta multa que é € 595 e não € 959, como resulta de fls 14. Contudo, a definição da quantia por extenso está correcta.
[2]Note-se que no pedido expresso no fim da sua peça recursória, o arguido já não pede a dispensa da pena, razão pela qual não terá este tribunal de se pronunciar sobre a conclusão 21ª (aliás, tal conclusão não encontra eco na restante motivação).
[3] Nem mesmo se vislumbra, contrariamente ao que invoca, que fique impedido de trabalhar e de auferir os respectivos rendimentos, colocando em causa os postos de trabalho dos seus trabalhadores (o que nem sequer ficou provado em audiência).
Seguindo de perto o acórdão do Tribunal Constitucional nº.440/02, de 23.10.2002 (acessível em www.dgsi.pt), que se pronunciou sobre a relação entre a proibição de conduzir e, designadamente, o direito ao trabalho, nele consignou-se:
(…) O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de terminadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
(…) Ainda que fosse demonstrada (…) que (…) inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão (…) adianta-se desde já que a objectiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.
Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido (…) a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros forma sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool (…) o conteúdo essencial do direito ao trabalho (…) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens – que fundamentam a sua limitação (…) - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (…) são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam na estradas (…) a (…) violação do direito a trabalhar sem restrições (…) não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental (…).
O direito ao trabalho do recorrente, ao ser limitado através da pena acessória, foi-o fundamentadamente na prática dos factos e não de forma arbitrária ou discriminatória, pelo que a sua dignidade social não é, por tal via, postergada, já que teve por subjacente a sua responsabilidade e a sua culpa.
Contrariamente ao sentido dos seus argumentos, a prevenção geral que a situação impõe, na vertente primordial da protecção da perigosidade, não se compadece com a aplicação de pena acessória próxima do mínimo legal, já que, desde logo, se assim se entendesse, as expectativas comunitárias resultariam goradas, através de penalização que ficasse aquém do que é exigível, mormente em tipo de criminalidade cada vez mais frequente e cuja gravidade se projecta a diversos níveis, alguns mesmo irreversíveis, aliada ao elevado grau de culpa revelado.
A pena acessória em concreto adequada tem de provocar efeito útil de dissuasão de comportamentos idênticos e, mormente, pacificamente estando reconhecidas as nocivas e importantes consequências que, na sociedade portuguesa, a condução em situações como aquela em que o recorrente incorreu têm desencadeado.
Aos riscos inerentes à condução de veículos, têm de corresponder exigências cada vez maiores de censurar condutas que ponham em causa a civilidade que deve estar associada à forma como alguém se deve pautar quando conduz.
[4] Cujo sumário reza assim:

«I – Após algumas hesitações iniciais, é hoje largamente maioritário na doutrina e jurisprudência nacionais o entendimento segundo o qual, ao contrário do que sucede no âmbito das contra-ordenações estradais (artigo 142.º do Código da Estrada), não é permitida em caso algum a suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir prevista pelo artigo 69.º do Código Penal, com ou sem caução.

II – Na jurisprudência dos tribunais superiores podem citar-se, para além dos proferidos nas diversas Relações, o Ac. do S.T.J de 26-2-1997, Col. de Jur., Acs do STJ, ano I, Torno 1, pág.235 e BMJ n0464, pág.200; na doutrina, merecem destaque Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Lisboa, 1.ª ed., pág. 28, António Casebre e Latas, A pena acessória da proibição de conduzir, in Sub Júdice, vol. 17, Jan/Março de 2001, pág. 79-81, Pedro Soares de Albergaria e Pedro Mendes Lima, in Sub Júdice, vol. 17, Jan/Março de 2001, págs., 68-69; é também este o entendimento prevalecente nesta Relação, cfr. Acs de 10-1-2005, proc. n.º 1943/04, rel. Miguez Garcia, in www.dgsi.pt.de17-5-2004.CoIXXIX.tom03.pág.291.de17-3-2003. proc. n.º 0123/03­P, rel. Maria Augusta, de 16-2-2004, rel. Nazaré Saraiva e de 13-11-2006, proc. n.º 01626, e de 15-10-2007, proc. n.º 1596/07, os dois últimos por nós relatados.

III – São fundamentalmente três as razões adiantadas para o efeito:

a) O Código Penal apenas prevê a suspensão da execução da pena de prisão não superior a três anos (artigo 50.º) e da medida de segurança de internamento (arts. 98.º e seguintes) ou, dito de outro modo, a lei penal não prevê qualquer pena substitutiva da pena de proibição de conduzir.

b) Neste domínio não é, de resto, permitido o recurso à analogia por obediência ao princípio da legalidade (“nulla poena sine lege”) e atenta a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de penas (artigo 165.º, alínea c) da Constituição da República), sendo certo que a suspensão da execução de uma pena não deve ser encarada como mera modalidade de cumprimento ou modificação de pena na sua execução mas como uma verdadeira pena de substituição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Lisboa, 1993, págs. 337 e seguintes e Germano Marques da Silva, Direito Penal, Lisboa/S. Paulo, 1999, vol. III, pág. 88 e 205-206) em tudo sujeita ao princípio da tipicidade das penas e reserva de lei formal.

c) A função da pena acessória de proibição de conduzir, para além de prevenir a perigosidade do agente e constituir censura adicional do facto (Figueiredo Dias, Código Penal - Actas e projecto da Comissão Revisora, 1993, pág. 75), é também a de obter um efeito de prevenção geral de intimidação (Figueiredo Dias, Direito penal, cit., pág. 165).

IV – Por essa razão, verificados que sejam os respectivos pressupostos, deve ser executada, mostrando-se a eventual suspensão dela, incongruente com aqueles seus fins, como, em conclusão, assinala Germano Marques da Silva: “verificados os seus pressupostos e aplicada a pena acessória, esta tem de ser executada. Assim, ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir” (Crimes Rodoviários, cit., pág. 28).

V – Não se mostra legalmente possível o peticionado cumprimento da pena acessória “para além do período das 9 às 12,30h das 14 às 18,30”, pois que em matéria de execução das penas (principais ou acessórias) rege o princípio da execução contínua das mesmas (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15.ª ed., Coimbra, 2005, pág. 947; Lopes Rocha, Execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade, CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra 1988, pág. 483-484, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol III, 2.ª ed., 2000, pág. 401).

VI – Salvo nos casos especialmente previstos na lei (v.g. prisão por dias livres, regime de semidetenção), a pena determinada na sentença, cuja execução deva prolongar­-se no tempo, quer seja principal ou acessória, deve ser cumprida continuadamente, “de modo seguido para assegurar a eficácia da sanção e da sua exemplaridade, que seriam afectadas se o condenado devesse expiar à pena fraccionadamente” (Germano Marques da Silva).

VII – Para a proibição de conduzir não existe qualquer excepção ao regime previsto na lei, a excepcionar o cumprimento em dias e/ou horas seguidos, pois, pelo contrário, da conjugação dos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, resulta a ideia da continuidade do tempo de proibição, sem qualquer hiato temporal, uma vez que “a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que «dura a proibição», apenas sendo devolvida decorrido esse prazo.

VIII – A contagem do tempo de proibição de conduzir fixado na sentença, uma vez iniciado corre ininterruptamente até ao seu termo (à semelhança do que ocorre com a inibição de conduzir prevista no artigo 139.º do Código da Estrada, onde se impõem o seu cumprimento em dias seguidos), não permitindo a lei o seu cumprimento em períodos intermitentes, nomeadamente em fins de semana, ou em períodos de férias do condenado ou em período a determinar pelo tribunal tendo em conta a conveniências do condenado.

IX – O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir para além do horário de trabalho, caso fosse deferida violaria o princípio da legalidade.

X – É este o sentido da nossa jurisprudência, nomeadamente dos Acs. desta Rel. de Guimarães de 22-11-2004, proc. n.º 1577/04, rel. Francisco Marcolino, 10-5-2004, proc. n.º 681/04, rel. Anselmo Lopes, de 10-3-2003, proc. n.º 1674/02, rel. Miguez Garcia».