Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7576/18.4T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO
PERSI
CONSUMIDOR
EXECUÇÃO
EXIGIBILIDADE
ACORDOS DE REGULARIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 227/2012 DE 25/10, ART.334 CC
Sumário: 1. O objetivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012, de 25.10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação do consumidor/devedor.

2. Se a partir do incumprimento inicial (em 2009) e ao longo de anos, a instituição de crédito/exequente e o oponente/executado alcançaram acordos de regularização das situações de incumprimento, conseguindo, inclusive, no decurso da acção executiva dos autos principais, a regularização de, pelo menos, um dos (dois) contratos de mútuo celebrados entre as partes, não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI.

3. Nessas circunstâncias, age com abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, o devedor/executado que na oposição à execução, vem acusar o facto de não ter sido (formalmente) integrado no PERSI (para concluir que a exequente estava impedida de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito).

Decisão Texto Integral:                 

               Sumário do acórdão:

1. O objetivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012, de 25.10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação do consumidor/devedor.

2. Se a partir do incumprimento inicial (em 2009) e ao longo de anos, a instituição de crédito/exequente e o oponente/executado alcançaram acordos de regularização das situações de incumprimento, conseguindo, inclusive, no decurso da acção executiva dos autos principais, a regularização de, pelo menos, um dos (dois) contratos de mútuo celebrados entre as partes, não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI.

3. Nessas circunstâncias, age com abuso do direito, na modalidade de ´venire contra factum proprium`, o devedor/executado que na oposição à execução, vem acusar o facto de não ter sido (formalmente) integrado no PERSI (para concluir que a exequente estava impedida de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito).


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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

I.  Na execução para pagamento de quantia certa movida por N (…), S. A. contra J (…), E (…) e C (…), instaurada em 04.10.2018[1], o 1º executado, em 06.4.2019, veio deduzir oposição à execução e à penhora, aduzindo, em síntese:

- A exequente incumpriu - como condição prévia à instauração da presente ação executiva - com a obrigação legal de integrar o cliente bancário, ora executado, no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, o denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10;

-  A acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário após a extinção do PERSI (art.º 18º, n.º 1, al. b), do DL n.º 227/2012); o crédito é inexigível, por incumprimento de tal norma imperativa;

- Pelo menos desde 19.4.2018 até ao presente, liquidou o montante total de € 13 223,66, sendo € 7 207,66, relativos ao Contrato de Mútuo para aquisição de habitação própria e permanente com hipoteca (contrato n.º 1500056550, a que corresponde o processo contencioso n.º 009991023) e € 6 006 relativos ao contrato de empréstimo “Multiopções” com hipoteca (contrato n.º 0292000041, a que corresponde o processo contencioso n.º 014927614), existindo, inclusive, um saldo a seu favor no montante de € 5 686,17, o qual não poderá deixar de ser imputado ao cumprimento das prestações normais respeitantes aos empréstimos em causa;

- Deverá considerar-se a entidade bancária/exequente, notificada, para o requerimento que apresenta o mutuário, nos termos e para os efeitos do art.º 8º da Lei n.º 58/2012, de 9.11; consequentemente, deverá aquela tomar as medidas impostas pelos art.ºs 10º e 11º e, em conformidade com o previsto no art.º 9º, da Lei 58/2012, suspender-se automaticamente o processo de execução hipotecária relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação.     

Concluiu, pedindo: a) a extinção da execução por preterição da obrigação legal de integração do executado, enquanto cliente bancário, no PERSI; b) ser a execução extinta pelo pagamento; em alternativa, c) ser reduzido o valor da dívida exequenda em conformidade com o já liquidado desde 29.3.2016 até ao presente; d) a aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012, de 09.11, por o bem penhorado nos autos constituir “casa de morada de família”, suspendendo-se automaticamente a presente execução; e) deve, a final, ser o executado absolvido do pedido ou da instância.

Em 13.5.2019, a exequente/embargada contestou e concluiu pela improcedência dos embargos, dizendo, nomeadamente: desde 2009, tem vindo a celebrar sucessivos acordos de pagamento tendo em vista a sanação da situação de incumprimento em que o oponente persistentemente se encontrava e por ele sucessivamente incumpridos; na pendência de acção executiva instaurada em 17.10.2011, celebrou novo acordo de pagamento relativamente aos dois contratos aludidos nos autos, uma vez mais, incumprido pelo oponente, em 29.3.2016 e em 29.12.2016; os alegados pagamentos são todos de montantes diferentes e foram efectuados de “forma irregular”; o oponente/executado nunca solicitou o PERSI conforme preceitua o art.º 14º do DL n.º 227/2012 e persiste numa situação de incumprimento, não obstante os acordos de renegociação da respectiva dívida, agindo em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Observado o contraditório, por saneador-sentença de 31.7.2019, a Mm.ª Juíza a quo - depois de concluir que “o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, apreciar a totalidade do pedido” - julgou totalmente procedentes os EMBARGOS de Executado, determinando “a extinção da ação executiva quanto a todos os executados”.
Inconformada, a exequente apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - No dia 04.10.2018, instaurou ação executiva contra os executados J (…), E (…) e C (…), para pagamento da quantia de € 61 914,35 e que tem por base dois contratos de mútuo com hipoteca celebrados entre a recorrente e os executados, nos termos dos quais emprestou a estes as quantias de € 62 349,73 e € 42 397,82, pelo prazo de trinta anos, a reembolsar em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, as primeiras com vencimento a 29.5.1999.

2ª - Para garantia de todas as obrigações resultantes dos referidos contratos, o executado J (…) constituiu a favor da recorrente uma garantia real (hipoteca sobre uma fração autónoma do prédio urbano.) o descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de (...) sob o n.º 1556/19970821-E, inscrito na matriz sob o art.º 2322) e uma garantia pessoal (fiança, pela qual E (…) e C (…) se constituíram fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia).

3ª - Atendendo ao provado nos pontos 3., 4., 5. e 6., verifica-se que, desde 2009 (data do primeiro incumprimento), a recorrente tem vindo a celebrar sucessivos acordos de pagamento tendo em vista a regularização do incumprimento, acordos sucessivamente incumpridos, razão pela qual, em 17.10.2011, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa.

4ª - Na pendência da referida acção, foram encetadas novas negociações entre a recorrente e o recorrido, com vista à regularização do incumprimento, que culminaram com a celebração de um acordo de pagamentos com início em fev./2016.

5ª - Também este acordo foi incumprido pelo recorrido, que não pagou as prestações de 29.3.2016 e 29.12.2016, nem as subsequentes - daí a legitimidade da exequente/recorrente para dar entrada da acção executiva.

6ª - Pese embora o recorrido alegue que nunca foi notificado para se iniciar o procedimento extrajudicial do PERSI, certo é que foram vários os acordos de pagamento celebrados com a recorrente, que incumpriu.

7ª - A circunstância de o executado/embargante/recorrido não ter sido formalmente integrado no PERSI não lhe retirou direitos, nem lhe reduziu expectativas legítimas, porquanto a acção executiva apenas foi instaurada depois de frustrada a concretização da solução negociada por razões àquele imputáveis.

8ª - Não estava impedida de intentar a acção judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito, por violação do PERSI; exerceu legitimamente o seu direito, em face da exigibilidade da obrigação.

            Remata pugnando pela revogação da sentença recorrida.[2]

O executado/opoente não respondeu.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir, principalmente: a) se foi desrespeitada a integração em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10 (que impede intentar acções judiciais para satisfação do crédito do exequente entre a data de tal integração e a sua extinção, com a consequente extinção da instância); b) concluindo-se pela inexigência de integração no PERSI e cumprimento das obrigações dele decorrentes, qual a relevância da concreta oposição deduzida.


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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[3]

1. No dia 04.10.2018, a exequente N (…), S. A., instaurou ação executiva contra os executados J (…), E (…) e C (…), para pagamento da quantia de € 61 914,35.

2. No requerimento executivo, alegou que:

“(…)

7. No dia 29.4.1999, o Exequente celebrou com J (…) um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança[4] mediante o qual o então B (…) concedeu ao mutuário um empréstimo no valor de 12.500.000 - Doze Milhões e Quinhentos Mil Escudos - € 62 349,73 (sessenta e dois mil trezentos e quarenta e nove euros e setenta e três cêntimos), do qual se confessou devedor, ao abrigo das normas para o regime geral do crédito à habitação. cf. Documento N.º 1.[5]

8. O empréstimo foi concedido pelo prazo de trinta anos, em trezentas e sessenta prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, a primeira com vencimento no dia 29.5.1999.

9. As partes estipularam ainda que durante o primeiro ano de vigência do contrato, a taxa de juro inicial do empréstimo seria de 4,95 %. A partir do início do segundo ano, a taxa de juro aplicável ao empréstimo seria correspondente à Lisbor de referência.

10. Para garantia de todas as obrigações resultantes do referido contrato, o mutuário constituiu a favor do Exequente a seguinte garantia:

(i) Garantia real: hipoteca (Ap. 38 de 1999/04/14) - sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao rés-do-chão esquerdo, um lugar de aparcamento na cave esquerda e um arrumo na cave, centro, posterior, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito em (...) , na Urbanização (...) , Rua (...) , designado por lote 54/56, freguesia de (...) , descrito na 1ª CRP de (...) sob o número 1556/19970821-E, inscrito na matriz sob o artigo 2322, cf. Documento N.º 1 e Documento N.º 2.

ii) Garantia pessoal: Fiança, pela qual E (…) e esposa, C (…), se constituíram fiadores e principais pagadores em nome pessoal, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia, por tudo quanto venha a ser devido ao Banco Exequente, decorrente do contrato de mútuo e hipoteca melhor descrito supra no artigo 7º.

11. A última prestação paga pelo mutuário para cumprimento do contrato supra descrito data de 29.12.2016, encontrando-se o mesmo, desde então, em situação de incumprimento.

12. Consequentemente, foi o Executado interpelado para pagamento do montante em dívida, cf. Documento N.º 3.[6]

13. Porém, nenhuma quantia foi liquidada, em 21.9.2011(naquela data, nem posteriormente).

14. Na presente data encontra-se em dívida relativamente ao contrato junto como Documento N.º 1, o montante global de € 35 707,38 (trinta e cinco mil setecentos e sete euros e trinta e oito cêntimos), dos quais € 34 685,54 (trinta e quatro mil seiscentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) relativo a capital, € 931,38 (novecentos e trinta e um euros e trinta e oito cêntimos) correspondem ao montante em dívida a título de juros remuneratórios e moratórios calculadas à taxa contratual de 1,588 %, acrescido de 3 % pela mora, € 51,15 (cinquenta e um euros e quinze cêntimos) a título de comissões e € 39,31(trinta e nove euros e trinta e um cêntimos) a título de imposto de selo, todos contados desde a data da última prestação 29.12.2016, até ao dia 15.6.2018.

15. No dia 29.4.1999, o Exequente celebrou com J (…) um contrato de mútuo com hipoteca mediante o qual o então B (…)concedeu ao mutuário um empréstimo no valor de 8.500.000 - Oito Milhões e Quinhentos Mil Escudos - € 42 397,82 (quarenta e dois mil trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), do qual se confessou devedor, ao abrigo das normas para o regime geral do crédito à habitação. cf. Documento N.º 4.[7]

16. O empréstimo foi concedido pelo prazo de trinta anos, em trezentas e sessenta prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, a primeira com vencimento no dia 29.5.1999. cf. Documento N.º 4

17. As partes estipularam ainda que durante o primeiro ano de vigência do contrato, a taxa de juro inicial do empréstimo seria de 4,95 %. A partir do início do segundo ano, a taxa de juro aplicável ao empréstimo seria correspondente à Lisbor de referência. cf. Documento N.º 4

18. Para garantia de todas as obrigações resultantes do supra referido contrato (Documento N.º 4), o mutuário constituiu a favor do Exequente a seguinte garantia:

(i) Garantia real: hipoteca (Ap. 39 de 1999/04/14) - sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao rés-do-chão esquerdo, um lugar de aparcamento na cave esquerda e um arrumo na cave, centro, posterior, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito em (...) , na Urbanização (...) , Rua (...) , designado por lote 54/56, freguesia de (...) , descrito na 1ª CRP de (...) sob o n.º 1556/19970821-E, inscrito na matriz sob o art.º 2322, cf. Documentos N.ºs 2 e N.º 4.

ii) Garantia pessoal: Livrança, subscrita pelo Executado J (…) e avalizada por E (…) e esposa, C (…), cujo montante e data de vencimento se encontram em branco, para que o Banco Exequente complete o preenchimento do título quando considerar oportuno, cf. Documento N.º 5 e N.º 6.

19. A última prestação paga pelo mutuário para cumprimento do contrato supra descrito data de 29.3.2016, encontrando-se o mesmo, desde então, em situação de incumprimento.

20. Consequentemente, foram os Executados interpelados para pagamento do montante em dívida, cf. Documento N.º 7.

21. Porém, nenhuma quantia foi liquidada, nem naquela data, nem posteriormente.

22. Na presente data encontra-se em dívida relativamente ao contrato junto como Documento N.º 4, o montante global de € 26 206,97 (vinte e seis mil duzentos e seis euros e noventa e sete cêntimos), dos quais € 24 802,98 (vinte e quatro mil oitocentos e dois euros e noventa e oito cêntimos) são relativos a capital, € 1 279,48 (mil duzentos e setenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos) correspondem ao montante em dívida a título de juros remuneratórios e moratórios calculadas à taxa contratual de 1,912 %, acrescido de 3 % pela mora, € 70,50 (setenta euros e cinquenta cêntimos) a título de comissões e € 54,01 (cinquenta e quatro euros e um cêntimos) a título de imposto de selo, todos contados desde a data da última prestação 29.3.2016, até ao dia 15.6.2018.

23. A quantia exequenda é certa, líquida e exigível e encontra-se devidamente titulada, afigurando-se admissível a presente cumulação de execuções nos termos do disposto no art.º 709º do CPC.

24. Deverão ser tomadas as devidas diligências de penhora com vista ao pagamento coercivo da quantia exequenda nos termos do art.º 10º, n.º 4 do CPC.”

3. Os incumprimentos dos contratos dados à execução principiaram em 2009 e tal situação ainda permanece.[8]

4. A 21.9.2011, a exequente enviou cartas ao embargante, enquanto mutuário, comunicando: “(…) A E. S., RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE tentou dialogar com V. Exa., para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma vantajosa para ambas as partes. No entanto, a falta de pagamento continua a verificar-se./ Deste modo, informamos que o contrato acima referido foi Denunciado tendo paralelamente já sido dadas instruções para se proceder à cobrança da dívida, através do recurso a uma acção judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em crise. (…)”[9]

5. Em 17.10.2011[10], a exequente instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, que correu termos no Juízo de Execução de Soure.

6. As partes celebraram então um acordo de pagamento fraccionado, que foi incumprido em 2016.

7. A exequente não iniciou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente ao mutuário/embargante.

2. Dos documentos juntos aos autos (não devidamente impugnados), decorre, ainda, nomeadamente:

a) Consta do documento de fls. 60 verso (identificado como carta da exequente, datada de 13.01.2016) que, recebida a comunicação do oponente em 10.01.2016, a exequente apurou e informou as “responsabilidades em dívida, relativas a prestações vencidas e não pagas” e que, para o pagamento de tais valores, dava acordo aos planos de pagamento aí indicados, com início até 29.02.2016, compreendendo, num dos contratos, “36 pagamentos, mensais e sucessivos, sendo 35 pagamentos no valor de € 335,24/cada e a 36ª parcela no valor, previsto, de € 804,97”, e, no outro, “36 pagamentos, mensais e sucessivos, sendo 35 pagamentos no valor de € 394,16/cada e a 36ª parcela no valor, previsto, de € 491,03”.[11]

b) Por carta ao executado reproduzida nos autos a fls. 7 verso, datada de 05.6.2018, tendo por referência os contratos aludidos em II. 1. 2., 7. e 15. e em resposta a solicitação do oponente/executado, a exequente informou-o que “as responsabilidades vencidas dos contratos de empréstimo identificados em assunto[12], nesta data ascendem a € 3 558,02 e € 3 979,47, aos quais acresce o capital vincendo./ Os pagamentos poderão ser efectuados por qualquer uma das seguintes formas (…)./ Após as amortizações propostas na S/carta - final de Junho e Julho/2018 - agradecemos que nos contacte para analisarmos a possibilidade de regularização, indicando o valor que poderá assegurar com um carácter mensal e sucessivo. (…)”.

c) Decorre também dos documentos juntos pelo oponente, a fls. 8 a 13 verso, por um lado, que o mesmo, nos anos de 2018 e 2019 (em 19.4.2018, 03.12.2018, 20.11.2018, 16.11.2018, 17.9.2018, 06.7.2018 (?), 21.8.2018, 28.5.2018, 14.5.2018, 06.02.2019, 04.12.2018, 03.12.2018, 06.12.2019, 14.02.2019, 20.11.2018, 17.9.2018, 21.8.2018, 03.7.2018, 28.5.2018, 14.5.2018 e 19.4.2018), terá efectuado transferências para a exequente (cada uma delas sob a denominação “Transferência para Dep. Recuperação Crédito”) no montante global de  € 13 223,66 (€ 250 + € 282,64 + € 2 965,02 + € 890 + € 440 + € 300 + € 780 + € 800 + € 500 + € 544 + € 140 + € 117 + € 355€ 600 + € 450 + € 460 + € 1100 + € 200 + € 600 + € 450 + € 1000).[13]

d) Em carta da exequente datada de 08.02.2019[14], dirigida ao opoente, aquela refere que quanto ao contrato n.º 1500056550 inexistia incumprimento, sendo o capital vincendo/saldo em dívida de € 29 286,15 (cf. documento de fls. 13 verso).[15]

e) Em 17.10.2011 encontravam-se registadas duas penhoras (desde 20.01.2009 e 08.10.2009) sobre a fracção autónoma dita em II. 1. 2. 10 e 18, para garantir o pagamento das quantias de € 9 141,89 e € 4 358,64 em execuções que a Fazenda Nacional movia contra o oponente.[16]

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

O DL n.º 227/2012, de 25.10, visou “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades, prevendo, designadamente, “que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando (…) procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos (…). Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.[17]

4. Preceitua o referido diploma, designadamente:

- O presente diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito: a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários[18], respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do art.º seguinte (art.º 1º, n.º 1).

- Quando se verifique o incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito mutuantes devem providenciar pelo célere andamento do procedimento previsto nos art.ºs 12º a 21º, de modo a promover, sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento (n.º 2).

- As instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito (art.º 12º).

- No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado (art.º 13º).

- Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (art.º 14º, n.º 1). Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que: a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação; b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento (n.º 2).

            - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito (art.º 15º, n.º 1). No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a: a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito (n.º 4).

            - O PERSI extingue-se: a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa; b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento; (…) d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário (art.º 17º, n.º 1). A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; (…) c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento (…); d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no art.º 15º (n.º 2).

- No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito (…) (art.º 18º, n.º 1)

- Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida (art.º 21º, n.º 1). A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite (…) (n.º 2).

- São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma[19], se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias (art.º 39º, n.º 1).

5. Na ponderação dos factos e do direito aplicável, releva igualmente o entendimento do direito enquanto “responsabilizante dimensão ética do homem” e a finalidade de encontrar uma solução exigida pelo direito enquanto validade normativa - normativamente adequada às circunstâncias do caso concreto[20] e aos interesses em presença -,  sabendo-se que “toda a interpretação jurisdicional de uma lei implica uma correcção ou um aperfeiçoamento do direito[21]; “o objecto problemático da interpretação jurídica não é a norma como objectivação cultural (…), mas o caso decidendo, o concreto problema prático que convoca normativo-interpretativamente a norma com seu critério judicativo (…), o que significa, evidentemente, que é o caso e não a norma o ´prius` problemático-intencional e metódico.[22]

Assim se prosseguirá e materializará a pretensão de realizar uma concreta justiça material, “pois verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais, as manifestas injustiças dos desequilíbrios reais”.[23]

6. O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (art.ºs 14º, 15º e 16º do DL227/2012, de 25.10).[24]

E se o citado art.º 39º diz que são automaticamente integrados no PERSI os clientes bancários que, nessa data, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias, tal integração automática destina-se a obrigar a instituição de crédito a apresentar proposta(s) de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e/ou a avaliar propostas alternativas dos próprios clientes (art.ºs 15º e 16º), extinguindo-se o PERSI nas situações enunciadas no art.º 17º, n.ºs 1 e 2.

7. In casu, o que verdadeiramente se equaciona é a possibilidade de afastar a obrigatoriedade de implementação dos específicos procedimentos previstos no DL n.º 227/2012, nos casos em que a instituição bancária e o devedor já desenvolveram negociações - que, aliás, conduziram a acordos de vontades - tendentes, precisamente, a alcançar o desiderato daquele diploma legal.

Estará em causa saber se o devedor que por várias vezes negociou com a instituição bancária, celebrando acordos de renegociação da dívida, persistindo, contudo, no incumprimento do acordado, exorbita do seu direito quando, posteriormente, vem acusar o facto de não ter sido integrado no PERSI.[25]

8. No caso em análise, a partir do ano de 2009 e até data bem recente[26], as partes contraentes (nos aludidos mútuos) tentaram  e alcançaram acordos de regularização das situações de incumprimento (ou seja, a exequente havia iniciado, no plano substancial, um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento do oponente equiparado ao PERSI); terão conseguido, inclusive, já no decurso da acção executiva dos autos principais, a integral regularização de, pelo menos, um dos contratos de mútuo (cf. II. 2. c) e d), supra).[27]

Daí, como já se defendeu em diversos arestos dos tribunais superiores, não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI, quando tudo o que este preconiza tinha sido levado a cabo pelas partes ao longo dos últimos anos, logo que verificadas situações de dificuldades dos devedores e incumprimento, logrando-se obter acordos para a sua regularização e que, ao que tudo indica,  atingiram uma razoável ou relevante concretização.[28]

Ademais, a actuação da instituição bancária/exequente foi muito mais longe do que preconiza o DL n.º 227/2012, de 25.10, ao manter os contratos em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar soluções para o problema, pelo que vir agora invocar este diploma para concluir que aquela estava impedida de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito no período compreendido entre a integração no PERSI e a extinção deste, configura um claro abuso do direito por parte do recorrente, actuação que o direito não tutela e considera ilegítima (art.º 334º do Código Civil[29]/CC) - a circunstância de o procedimento já em curso não ter sido formalmente convertido num PERSI não afectou ou prejudicou qualquer direito ou expectativa legítima do oponente/recorrido.

Todo o descrito circunstancialismo, sobretudo, o indicado em II. 2. alíneas a) a d), supra, não pode deixar de ter criado na exequente/apelante a convicção de que era desnecessário formalizar a situação nos termos exigidos pelo DL n.º 227/12 e, bem assim, de que o oponente/executado/apelado, actuando de boa fé, não viria a invocar essa ausência de formalização.[30]

9. Conclui-se, assim, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que, em face da demonstrada exigibilidade da obrigação (cf., sobretudo, II. 1. 3., supra), a exequente/recorrente não se encontrava “impedida de intentar ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito, por violação do PERSI”.

Por conseguinte, improcede a pretendida “extinção da execução por preterição da obrigação legal de integração do executado, enquanto cliente bancário, no PERSI”.

Perante os demais fundamentos da oposição, no prosseguimento dos autos, importará verificar/determinar o valor actual da dívida exequenda (considerados os pagamentos/transferências aludidos em II. 2., supra - que a exequente deverá confrontar com os elementos de que dispõe, informando e pronunciando-se em conformidade[31]) e/ou se e em que medida os incumprimentos do plano de amortizações dos mencionados contratos de mútuo se encontram regularizados (cf., v. g., II. 2., alínea d), supra).

10. Nada se decidiu, em 1ª instância, quanto à (eventual) aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012, de 09.11, “por o bem penhorado nos autos constituir ´casa de morada de família`” (sic), e bem assim relativamente ao (derivado) pedido de “suspensão automática da presente execução” (cf. o art.º 35º da petição e a alínea d) do pedido/ponto I., supra), matéria cujo conhecimento ficara prejudicado e que não poderá ser apreciada por esta Relação (também, por não dispor dos necessários elementos para esse efeito).[32]

11. Procedem, desta forma, as “conclusões” das alegações de recurso.


*

III. Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se o saneador-sentença e determina-se o prosseguimento dos autos, conforme se indica em II. 9., supra.

Custas pelo apelado/executado, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido a fls. 14.


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11.02.2020

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral



[1] Cf., nomeadamente, II. 1. 1., infra (sendo que não foi junto aos autos cópia do correspondente requerimento executivo).

[2] A lapso (pelo menos, em parte…) se deverá o seguinte excerto do epílogo das alegações de recurso: «(…) e substituída por outra que julgue verificado e graduação o crédito exequendo e o crédito reclamado pelo Recorrente, de acordo com a prioridade do registo. (…)»

[3] Com a seguinte motivação: “(…) no contexto da prova junta a estes autos e requerimento executivo exibido na execução principal e respetivos títulos juntos (…)”.
[4] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[5] Cf. o documento de fls. 36 verso e seguintes, que respeitará, assim, ao contrato para aquisição de habitação permanente n.º 1500056550.
[6] Não será certamente a documentação reproduzida a fls. 45 verso e seguintes (datada de 21.9.2011) e que estará subjacente à execução instaurada em 17.10.2011 (cf. doc. de fls. 33 verso), nem será porventura o documento de fls. 60 verso, datado de 13.01.2016, mencionado em II. 2. a), infra.
  Serão, porventura, as missivas juntas a fls. 6 verso e 7 (cf. a “nota 9”, parte final, infra).
[7] Cf. o documento de fls. 52 e seguintes e que respeita ao contrato de mútuo multiopções c/hipoteca n.º 0292000041.
[8] As diversas cartas dirigidas aos executados reproduzidas nos autos a fls. 20 e seguintes (datadas de 01.11.2009, 04.12.2009, 08.6.2010, 24.6.2010, 24.7.2010 e 05.7.2012) respeitam a situações de incumprimento/regularização do contrato (dos contratos de mútuo).
   Veja-se, contudo, o que consta do ponto II. 2. e das “notas 13 a 15”, infra.
[9] Rectifica-se e completa-se, atento o teor dos documentos juntos aos autos, a fls. 46 e 47, e que reproduzem as ditas missivas respeitantes aos (dois) contratos celebrados entre as partes.
  As cartas, com a mesma data, reproduzidas a fls. 45 verso e 46 verso terão sido endereçadas aos restantes executados.
   Diga-se, ainda, que missivas de idêntico teor foram remetidas ao executado/oponente antes de instaurada a execução em análise, datadas de 21.5.2018, juntas com a petição de fls. 2 (fls. 6 verso e 7).
[10] Precisão que decorre do documento junto a fls. 33 verso a 60.
[11] Esta a problemática a que se aludirá no art.º 11º da contestação.
[12] Trata-se, obviamente, dos contratos de mútuo mencionados nos autos - cf., v. g., a “nota 5” e a “nota 7”, supra.
[13] Segue-se a “ordem” pela qual os documentos foram apresentados nos autos e os valores em causa correspondem a cada um desses sucessivos documentos, encontrando-se sublinhados os pagamentos/transferências efectuados em data posterior à da instauração da acção executiva em apreço.
   Por conseguinte, não se poderá aceitar, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que a exequente, na observância do princípio da cooperação e do dever de boa fé processual (art.ºs 7º e 8º do CPC), não tenha analisado, com um maior cuidado e detalhe, a razão de ser de cada um dos citados movimentos, os quais, ao que tudo indica, ocorreram e tiveram o necessário tratamento contabilístico (cf., principalmente, o alegado sob os art.ºs 14 a 17º da contestação), indiciando-se, assim, claramente, a inverosimilhança do alegado no art.º 18º da contestação [“(…) o valor peticionado nos autos de execução cujos presentes embargos correm por apenso, corresponde ao valor em dívida relativamente a cada um dos contratos conforme devidamente descrito nos factos e na liquidação da obrigação do requerimento executivo (…)”)] ou, pelo menos, que o valor pedido na execução carece do acertamento inerente às transferências que se admite terem sido antes e depois realizadas (cf. o art.º 17º da mesma contestação).
[14] Ou seja, já depois da instauração da presente execução!
[15] E não podemos deixar de lembrar o referido na 2ª parte da “nota 13”, supra, a respeito do alegado pela exequente na sua contestação...
   No mesmo documento (de fls. 13 verso) indica-se como “última prestação paga” a “n.º 0237 de 29.01.2019”.
[16] Cf. o documento de fls. 48 verso e seguintes.
[17] Cf. o preâmbulo do mencionado DL.
[18] Que o art.º 3º, alínea a) assim define: «a) «Cliente bancário» o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito

[19] Entrou em vigor no dia 01.01.2013 (art.º 40º).
[20] Vide A. Castanheira Neves, O direito como validade, in RLJ, 143º, 175.
[21] Becker, apud António Pinto Monteiro, Interpretação e o protagonismo da doutrina, RLJ, 145º, 67.

[22] Vide A. Castanheira Neves, O Actual Problema da Interpretação Jurídica, in RLJ, 118º, págs. 257 e seguinte.
[23] Vide A. Castanheira Neves, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, ed. policopiada, Coimbra, 1968-69, pág. 79.

[24] No acórdão da RE de 06.10.2016-processo 4956/14.8T8ENT-A.E1 (publicado no “site” da dgsi) defendeu-se que se trata de uma condição objectiva de procedibilidade a enquadrar, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias.

[25] Cf., entre outros, o acórdão da RE de 17.01.2019-processo-3242/15.0T8SLV-A.E1, publicado no “site” da dgsi
[26] Cf., por exemplo, II. 1. 6. e II. 2. alíneas a), b), c) e d), supra.
[27] Cf., ainda, as “notas 13 a 15”, supra.
[28] Cf., nomeadamente, tudo quanto se refere nas duas anteriores “notas”, antolhando-se assim evidente que não será inteiramente correcto, ou será mesmo incorrecto, o que se fez constar, por exemplo, dos pontos II. 1. 2., 11, 13, 19 e 21 e II. 3., supra.

   Ademais, a presente acção executiva terá sido instaurada em situação de incumprimento do acordo alcançado entre a instituição de crédito e os devedores, em consonância, portanto, com o estabelecido no art.º 18º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 227/2012, de 25.10.
[29] Que reza o seguinte: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito

[30] Cf., neste sentido, de entre vários, o acórdão da RG de 02.5.2016-processo 194/13.5TBCMN-A.G1 [referindo o sumário: «4 - O objetivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012 de 25/10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.»], confirmado pelo acórdão do STJ de 09.02.2017-processo 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 [assim sumariado: «I - O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) - instituído pelo DL n.º 272/2012, de 25.10, que está em vigor desde 01.01.2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito - constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14º a 17º do referido diploma legal). II - Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art.º 18º, n.º 1, al. b), do citado DL n.º 272/2012). III - Tendo a acção executiva sido intentada no ano de 2013 (depois da entrada em vigor do DL n.º 272/2012) e situando-se o incumprimento dos executados em 2011, o mencionado regime seria, em princípio, aplicável ao caso. IV - Porém, resultando da facticidade provada que em Maio de 2011, i. e., antes mesmo da entrada em vigor do referido diploma, a exequente havia iniciado um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento dos executados, equiparado ao PERSI, que se prolongou até Março de 2013 e que só não se concretizou através de dação em cumprimento de um imóvel por facto imputável a estes últimos, não é de aplicar ao caso o regime previsto no DL n.º 272/2012, de 25.10, sob pena de a pretensão dos executados/oponentes configurar abuso de direito. V - A circunstância de os executados/oponentes não terem sido formalmente integrados no PERSI não lhes retirou direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, posto que a acção executiva só foi instaurada depois de gorada a concretização da solução negociada por razões só àqueles imputáveis. VI - Em consequência, também não se verifica qualquer inconstitucionalidade fundada na violação da tutela da confiança ou na violação dos direitos à informação e à protecção dos consumidores, assumindo, antes a pretensão dos oponentes contornos de abuso de direito na modalidade de ´venire contra factum proprium` (art.º 334º do CC).»], publicados no “site” da dgsi, bem como o cit. acórdão da RE de 17.01.2019-processo-3242/15.0T8SLV-A.E1 [concluindo-se: «O devedor inadimplente que, por várias vezes, negociou com a instituição bancária, celebrando acordos de renegociação da dívida, persistindo, contudo, no incumprimento do acordado, age com abuso do seu direito, na modalidade de ´venire contra factum proprium`, quando, em embargos de executado, vem acusar o facto de não ter sido integrado no PERSI.»].

   Em idêntico sentido, cf., ainda, o acórdão do STJ 19.02.2019-processo 144/13.9TCFUN-A.L1.S1 [referindo-se no sumário: «(…) sob pena de se incorrer em abuso de direito, não faria sentido que, bem mais de um ano depois do início do incumprimento e depois de terem estado em curso negociações, sem sucesso (de parte a parte), fosse exigível à exequente a integração formal dos executados no regime do PERSI.»] e que revogou o acórdão da RL de 07.6.2018-processo 144/13.9TCFUN-A-2, este, com um entendimento “mais estrito” e “ortodoxo” sobre a aplicação do DL n.º 227/2012, de 25.10, publicados no “site” da dgsi.

   Relativamente a outros casos, enquadráveis, naturalmente, no âmbito de aplicação (formal e substantiva) do DL n.º 227/2012, cf., de entre vários, os acórdão da RE de 08.3.2018-processo 2267/15.0T8ENT-A.E1 [sumariando-se: «Cabe às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito» - num caso em que a instituição de crédito veio afirmar que “tentou chegar a acordo por diversas vezes com a recorrida e que não houve colaboração desta”, tendo-se entendido, no aresto, que “isso não era impeditivo de a recorrente intentar o procedimento a que estava legalmente obrigada e a comunicar ao cliente”], 06.10.2016-processo 4956/14.8T8ENT-A.E1 e de 27.4.2017-processo 37/15.5T8ODM-A.E1, publicados no “site” da dgsi.
[31] Cf. a “nota 13”, 2º §, supra.

[32] Sobre esta problemática, concluiu-se no acórdão da RE de 06.4.2017-processo 1635/13.7TBOLH-C.E1 (publicado no “site” da dgsi) que o regime extraordinário de protecção dos devedores de crédito à habitação, que se encontrem em situação económica muito difícil, a que se reporta a Lei n.º 58/2012, de 9.11 (cf. o art.º 1º e, ainda, nomeadamente, os art.ºs 8º a 11º), é imperativo para as entidades mutuantes, mas a iniciativa do respectivo procedimento depende do mutuário.