Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
213/17.6T8OHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: INSPEÇÃO JUDICIAL AO LOCAL
AUTO
NULIDADE PELA FALTA DE AUTO
SERVIDÃO PREDIAL
DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO
DESNECESSIDADE
Data do Acordão: 04/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 390º, 391º, 1543º E 1569º, Nº 2, DO C. CIVIL; 490º E 493º DO NCPC.
Sumário: I- A inspeção judicial feita ao local em audiência de julgamento configura um meio de prova (direta) a percecionar diretamente pelo tribunal, cujo resultado será por ele apreciado livremente.

II- Essa diligência e o seu resultado devem ficar a constar de auto.

III- A sua omissão está sujeita ao regime geral das nulidades, configurando tal uma nulidade secundária.

IV- A razão de ser dessa sua obrigatoriedade de redução a auto tem, essencialmente, a ver com o permitir um melhor e mais efetivo exercício dos podres de controle, em matéria de facto, se sobre ela vier a recair recurso.

V- Tendo o tribunal, em audiência de julgamento, deslocado-se ao local, a fim de inspecionar o mesmo, sem que tenha feito constar dos autos os elementos relevantes observados, não obstante tenha invocado essa inspeção na motivação da decisão da matéria de facto que proferiu, a irregularidade processual cometida torna-se inconsequente/inócua, se essa decisão não fora impugnada no recurso interposto da sentença final, pois que em nada influiu no exame ou na decisão da causa.

VI- Sempre que verifique uma situação que torna desnecessária ao prédio dominante a servidão predial passagem, constituída por usucapião, o titular do prédio serviente com ela onerada tem o direito (potestativo) de requerer a declaração judicial da sua extinção.

VII- Muito embora o legislador não tenha definido o conceito de desnecessidade, ele deve ser valorado e a concretizado a partir da matéria de facto e tendo em conta os seguintes pressupostos/princípios:

a) A desnecessidade deve ser objetiva (e não subjetiva), e ser aferida em função do prédio dominante e não do respetivo proprietário, o que significa que a extinção da servidão com o fundamento na desnecessidade terá de resultar do cotejo das alterações objetivas/concretas e exclusivamente nele verificadas ou que para ele ocorram.

b) Essa desnecessidade deve ser atual, isto é, assente num juízo de atualidade, no sentido de que deverá ser apreciada pelo tribunal atendendo à situação presente (reportada à data da instauração da ação);

c) Essa desnecessidade deverá, em principio, ser superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante;

d) Só deverá ser extinta por desnecessidade a servidão que que deixou de ter qualquer utilidade (tornando-se por isso inútil) para o prédio dominante (sem que se confunda ou equivalha com a sua indispensabilidade);

e) Nessa aferição nunca deve perder-se de vista os princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

VIII- O ónus de alegação e prova dessa desnecessidade incumbe ao proprietário do prédio serviente.

IX- Não há desnecessidade se o trilho da passagem/caminho da servidão constituída permite o acesso ao prédio dominante a pé e por meio de veículos e o trilho da passagem/caminho alternativo que os proprietários do prédio serviente invocam, para a extinção daquela servidão, apenas permite esse acesso àquele prédio a pé.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – então no Juízo de Competência Genérica de Oliveira de Hospital - os autores, A... e mulher A..., instauraram (em 20/09/2017) contra os réus, M... e A... todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo no final o seguinte:

“ a) Reconhecer-se que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto sito em ..., composto por casa de habitação, de rés-do-chão e primeiro andar, e terra com oliveiras e videiras em cordão, inscrito na matriz predial urbana e na matriz predial rústica da mencionada freguesia com os artigos ..., respetivamente, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito a favor dos Autores pela Ap. 2 de 2000/08/21;

b) Reconhecer-se que os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito na Rua ..., composto de casa de habitação, inscrito na respectiva matriz com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob n.º ..., conforme docs. n.ºs 5 e 6, respectivamente, e do prédio rústico, sito às ..., composto por olival e terra de cultura, inscrito na respectiva matriz com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...;

c) Reconhecer-se a existência de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, a pé e de veículos, a favor do prédio misto melhor descrito no artigo 1.º da presente petição inicial, com a largura de 3 metros e o comprimento de 65 metros, que se desenvolve a sul da Rua ..., que tem início na extrema do lado nascente do prédio identificado no artigo 14.º da presente petição inicial, pertencente a A..., viúva, residente na Rua ..., desenvolvendo-se em linha recta até à extrema do lado nascente dos prédios identificados no artigo 9.º da presente petição inicial e daí desenvolve-se em linha recta até atingir a casa de habitação existente nos prédios pertencentes aos Réus -, sendo que daí até ao limite nascente do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial desenvolve-se de forma oblíqua; devendo, também, reconhecer-se que os prédios dos Réus, melhor identificados no artigo 9.º da petição inicial se encontram onerados com uma servidão de passagem a favor do prédio dos Autores, melhor identificado no artigo1.º da presente petição inicial;

d) Condenarem-se os Réus a manterem livre e desimpedido o leito da servidão da passagem a pé e de veículos e absterem-se de impedir, de qualquer forma, o livre acesso e circulação dos proprietários do prédio identificado no artigo 1.º (prédio dominante), por si ou através de terceiros em seu nome, ao longo da servidão de passagem que onera os prédios dos Réus;

e) Condenarem-se, ainda, os Réus a entregaram aos Autores uma cópia das chaves do portão que se encontra na extrema do lado nascente dos prédios identificados no artigo 9.º.”

Para o efeito, e em síntese, alegaram:

Serem os autores donos e legítimos possuidores, do prédio misto (composto por casa de habitação e terra com oliveiras e videiras), identificado no artº. 1º da petição inicial.

Por sua vez, os réus são donos e legítimos possuidores dos prédios urbano e rústico identificados no artº. 9º da petição inicial.

O prédio dos AA. confronta do lado nordeste e nascente com os prédios dos RR., enquanto que os prédios destes confrontam do lado nascente com o prédio urbano identificado no artº. 14º da petição inicial, pertencente a A...

O acesso, a pé e veículos, ao prédio dos AA. é feito através de uma faixa de terreno com a largura de 3 metros e o comprimento de 65 metros, que se desenvolve a sul da Rua ..., que tem início na extrema do lado nascente do prédio identificado no artº. 14º da petição inicial, desenvolvendo-se em linha reta até à extrema do lado nascente dos prédios dos Réus e daí desenvolve-se em linha reta até atingir a casa de habitação existente nos prédios pertencentes aos Réus, e daí até ao limite nascente daquele prédio dos AA. desenvolve-se de forma oblíqua.

Nesses moldes e com tais características, encontra-se constituída, por usucapião, em benefício do prédio dos AA. e a onerar os prédios dos RR. e aquele outro identificado no artº. 14º. da petição inicial (pertencente a A...) uma servidão de passagem.

Acontece que os RR., no ano de 2015, colocaram um portão, munindo-o com uma chave, na extrema do lado nascente daqueles seus prédios, impedindo o acesso (de pé e através de veículos), por aquela passagem, dos AA. àquele seu prédio.

2. Contestaram os RR., por impugnação motivada, e contra-atacando por via de reconvenção.

No que concerne àquela 1ª. defesa, e em síntese, negaram o direito de servidão de passagem invocado pelos AA..

Porém, para caso de lhes vir a ser reconhecido tal direito, pedem, por via da reconvenção, a extinção, por desnecessidade da mesma, dessa servidão, alegando para o efeito disporem os AA. de um outro acesso, em melhores condições, àquele seu prédio.

3. Replicaram os autores pugnando (motivadamente) pela improcedência da reconvenção.

4. Por despacho de 11/04/2018 fixou-se o valor da causa em €66.726,90 e, em consequência desse valor, determinou-se a remessa dos autos ao Juízo Central Civil do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, por ter passado a ser o competente para julgar a causa.

5. Ali recebidos os autos, e considerando estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, a sra. juíza, a quem os autos foram distribuídos, por despacho de 19/05/2018 convidou os AA. a chamarem à ação (através do competente incidente de intervenção processual provocada) a dona – A... - do prédio identificado no artº. 14 da petição inicial, o que aqueles fizeram através do requerimento de 24/05/2018 e no qual, em consequência, ampliam o pedido no sentido de se reconhecer também que aquela é dona e legítima possuidora desse prédio e que o mesmo se encontra igualmente onerado (a favor daquele prédio dos AA.) com a sobredita servidão de passagem (nos moldes e condições que acima se deixaram descritos).

6. Por despacho de 22/06/2018 foi admitida a referida intervenção da chamada e bem como a ampliação do pedido feito em relação a ela, a qual, após ter sido citada para intervir nos autos, não apresentou então qualquer defesa.

7. No despacho saneador, proferido em audiência prévia, admitiu-se a reconvenção, afirmou-se a validade e a regularidade da instância, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova (sem que tivesse sido apresentada qualquer reclamação).

8. Mais tarde, realizou-se (em várias sessões) a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da mesma).

8.1 A 1ª. sessão (de 25/02/2019) iniciou-se com inspeção judicial feita ao local.

8.2 Na 2ª. sessão (de 26/02/2019), e quando ouvida em depoimento de parte, a referida interveniente principal declarou aderir á posição dos autores expressa nos seus articulados (o que a sra. juíza, que presidia à audiência de julgamento, fez exarar em ata).

8.3 Na 3ª. sessão (de 25/03/2019) a ilustre mandatária dos AA. pediu a retificação do formulado na al. e) do seu petitório final de molde onde se lê “cópia das chaves do portão que se encontra na estrema” se passe a ler “cópia da chave electrónica/comando que se encontra na estrema”. Retificação essa que o foi deferida por despacho ali proferido, e depois de o ilustre mandatário dos RR. ter declarado nada ter a opor a tal.

8.3.1 Ainda nessa mesma sessão, e após a produção da prova, foi consignado em ata que o ilustre mandatário dos réus pediu a palavra e que no uso dela declarou “que os Réus confessam os pedidos formulados sob as als. a), b) e c) da petição inicial e que quanto aos pedidos formulados nas alíneas d) e e) do petitório os Réus confessam os mesmos, confissão essa, porém, condicionada ao desfecho que vier a ter o pedido reconvencional de extinção da servidão de passagem por usucapião que onera o seus prédio a favor do prédio dos réus, por desnecessidade.”.

Confissão essa que, no concerne aos pedidos formulados sob as als. a), b) e c) da petição inicial, foi homologada por sentença judicial logo ali proferida, condenando-se os réus e a referida interveniente processual (face à declaração por si feita, que supra se deixou assinalada) nesses pedidos, tendo-se no que concerne à confissão condicionada dos RR. referente aos restantes pedidos formulados sob as als. c) e d) relegado para o  seu conhecimento e decisão sobre o mérito da reconvenção (pois que do destino dela ficaram dependentes) a efetuar na sentença final.

9.Seguiu-se a prolação da sentença, que, no final, decidiu nos seguintes termos:

« Pelo exposto, julga-se a presente reconvenção improcedente, por não provada, e em resultado disso, julga-se a presente acção, no que tange ao 4º e 5º pedidos formulados pelos Autores (e confessados pelos Réus condicionados ao desfecho da reconvenção), procedente, por provada, e consequentemente, decido:

i) Absolver os Autores A... e A... do pedido reconvencional;

ii) Condenar os Réus M... e A... a manterem livre e desimpedido o leito da servidão de passagem a pé e de veículos e absterem-se de impedir de qualquer forma, o livre acesso e circulação dos proprietários do prédio identificado em 1) (prédio dominante), por si ou através de terceiros em seu nome ao longo da servidão de passagem que onera os prédios dos Réus, e

iii) Condenar os Réus M... e A... a entregarem aos Autores cópia da chave electrónica/comando do portão que se encontra na estrema do lado nascente dos prédios identificados em 3) dos Factos Provados.

iv) Custas da acção e da reconvenção a suportar pelos Réus, por terem sido unicamente os Réus a dar azo à presente causa - cf. art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.»

10. Inconformados com tal sentença, dela apelaram os réus, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

62- Pelo exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a reconvenção procedente, por provada, e, consequentemente, ser declarada a extinção da servidão de passagem que onera o prédio dos RR. por desnecessidade. »

10. Nas suas contra-alegações (ultrapassada/resolvida que está a questão prévia que suscitaram do não pagamento pelos RR./recorrentes dos montantes da taxa de justiça e multa legalmente devidos) os AA./apelados pugnaram pela total improcedência do recurso e pela manutenção integral do julgado.

11. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

II- Fundamentação
A) De facto
Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados os seguintes factos

...

B) De direito

1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2 – fine -, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso dos RR./apelantes verifica-se que as questões nelas colocadas e que cumpre aqui apreciar são as seguintes:

a) Da irregularidade do auto de inspeção judicial ao local (e das suas consequências);

b) Da extinção, por desnecessidade, da servidão de passagem que onera o prédio dos RR. a favor do prédio dos AA..

2. Quanto à 1ª. questão.

Arguem os RR./apelantes a irregularidade do auto de inspeção judicial feita ao local, com o fundamento de, em violação do disposto no artº. 493º do CPC, não se encontrarem nele vertidos quaisquer elementos que espelhem o resultado da diligência com utilidade para o exame e decisão da causa.

Nas sua contra-alegações os AA./apelados defendem não ocorrer a arguida irregularidade e que a ocorrer já se encontrar precludido o direito de o fazerem, pelo decurso do prazo legal estatuído para o efeito.

Apreciando.

Dispõe-se no artº. 490º, nº 1, do CPC (inserido sistematicamente no capítulo V, sobre a epígrafe “Inspeção Judicial”, do título IV, do Livro II) “O tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, e com ressalva da intimidade da vida privada e da dignidade humana, inspecionar as coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se. ao local da questão (…).”

Por sua vez, estatui-se no artº. 493º do mesmo diploma que “Da diligência é lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo.

Como se sabe, a inspeção judicial é um meio de prova (direta), que tem por fim a perceção direta dos factos pelo tribunal (artº. 390º do CC), cujo resultado é livremente por si apreciado, isto é, está sujeito à livre apreciação do julgador (artº. 391º do CC). (vide ainda a propósito, e nesse sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª. ed., Almedina, págs. 346/349”).

Como ressalta do citado artº. 493º do CPC, a diligência de inspeção judicial e o seu resultado devem ficar a constar de auto. Tratando-se de um meio de prova, sujeita á livre a apreciação do tribunal/julgador, a razão dessa obrigatoriedade de redução a auto tem, essencialmente, a ver com o permitir um melhor e mais efetivo exercício dos podres de controle, em matéria de facto, se sobre ela vier a recair recurso (cfr., por todos, Abílio Neto, in “O Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª. ed., 2017, Ediforum, pág. 672”).

Constitui entre nós entendimento prevalecente de que a omissão dessa redução a auto da diligência, com a registo nele dos elementos úteis observados pelo tribunal, está sujeita ao regime das nulidades, configurando tal uma nulidade secundária (cfr. por todos, Acs. do STJ, de 21/03/2013, proc. 660/07.1TVLSB.S1, e de 30/10/2001, proc. 01A2894, da RC de 11/09/2018, proc. 5547/16.4/8CBR.C1, e da RP de 02/12/08, proc. 0826753, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Tendo presentes tais considerações, debrucemo-nos, agora, de forma mais incisiva, sobre o caso em apreço.

 Como acima deixámos assinalado (ponto 8.1 do Relatório), na sequência do pedido formulado para o efeito, a 1ª. sessão da audiência de julgamento (realizada em 25/02/2019) iniciou-se com a inspeção (judicial) feita ao local pelo tribunal

Dessa diligência lavrou-se, na própria ata da audiência de julgamento, o seguinte

« Auto de Inspeção:

Após deu-se inicio à inspecção judicial dos prédios identificados nos artigos 1º, 9º e 14º da petição inicial, tendo o tribunal acompanhado das partes, respetivos mandatários e interveniente principal, percorrido toda a área.

A Ilustre Mandatária dos Autores, com a concordância do Ilustre Mandatário dos Réus, na sequência das instruções dadas pelo Mmº Juiz e a pedido deste, tirou algumas fotografias, as quais a Ilustre Mandatária dos Autores irá, oportunamente, juntar aos autos, sobre as características do local inspecionado.

Pelas 12h:15 min, o Mmº Juiz deu a diligência por encerrada e de seguinte regressámos ao Tribunal. »

Diga-se, desde já, que as fotografias que a se refere no aludido auto (e cuja tiragem se encontra prevista no final do citado artº. 493º do CPC), vieram a ser juntas aos autos pela ilustre mandatária dos AA. no início da 2ª. sessão da audiência de julgamento realizada no dia seguinte, ou seja no dia de 26/02/2019 .

Ora, da leitura do referido auto verifica-se, desde logo, que nada nele foi registado quanto ao resultado da aludida diligência de inspeção feita ao local pelo tribunal, e nomeadamente quanto aos eventuais elementos observados considerados úteis para o exame e decisão da causa (e nem nada se assinalou quanto à eventual inexistência dos mesmos).

Resulta, assim, que foi inobservado o estatuído no citado artº. 493º do CPC.

Tal inobservância ou irregularidade processual remete-nos para o regime geral das nulidades, já que ali nada se se prescreve quanto às suas consequências dessa inobservância ou omissão.

Naquilo que para aqui importa, dispõe-se no artº. 195º, nº. 1, do CPC, que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores (que aqui, dizemos nós, não ocorrem ou estão em causa), a prática de um ato que a lei não permita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (sublinhado nosso)

Ora, nada expressamente se prescrevendo quanto às consequências sancionatórias da inobservância do citado artº. 493º do CPC, nomeadamente declarando o ato nulo, essa nulidade só poderá ocorrer se ela influir no exame ou na decisão da causa.

E será que que no caso em apreço o facto de o tribunal a quo não ter feito registar, no auto que lavrou a assinalar a inspeção que fez ao local, o resultado dessa diligência, e particularmente no que concerne elementos observados considerados úteis para o exame e decisão da causa, influiu ou influi no exame ou na decisão da causa?

Como acima deixámos assinalado, constituindo a inspeção judicial ao local um meio de prova a percecionar diretamente pelo tribunal, cujo resultado será por ele apreciado livremente, a razão de ser da obrigatoriedade de redução a auto tem, essencialmente, a ver com o permitir um melhor e mais efetivo exercício dos podres de controle, em matéria de facto, se sobre ela vier a recair recurso.

Compulsando a sentença recorrida, verifica-se que o tribunal a quo na fundamentação/motivação da decisão da matéria de facto invocou, a par de outra prova ali referenciada de que socorreu, também da inspeção que fez ao local.

Porém, como decorre do supra exarado, não figura como objeto do presente recurso a apreciação da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, pois que nele os RR./apelantes não impugnam essa decisão, aceitando, assim, a mesma, ou seja os factos que nela foram dados como provados e não provados por esse tribunal.

E sendo assim a referida irregularidade processual torna-se inconsequente/inócua, pois que em nada influiu ou influi no exame ou na decisão da causa, não sendo, pois, geradora de nulidade (secundária) da nulidade do ato/diligência de inspeção ao local levado a efeito pelo tribunal a quo, mantendo-se, consequentemente, válidos os atos subsequentes praticados no processo.

Mas mesmo que, porventura, fosse de considerar estarmos na presença de uma nulidade processual (secundária), a mesma encontrava-se sanada, por ter sido arguida extemporaneamente, com a consequente preclusão do direito da sua arguição.

É que encontrando-se os RR., por si e representados pelo seu ilustre mandatário, presentes no dia em que se realizou a referida inspeção e  da qual foi lavrado o auto acima transcrito, deveriam logo no momento em que que tal sucedeu arguir a sua nulidade. Mas mesmo que porventura se considerasse que os RR. não tomaram então conhecimento dos termos em que foi lavrado o referido auto, não podemos olvidar que no dia seguinte (26/02/2019) ocorreu a 2ª. sessão da audiência de julgamento na qual, e na sequência da referida inspeção ao local e do que ali lhe fora solicitado pelo tribunal, a ilustre mandatária dos AA. requereu a junção aos autos das fotografias atrás referenciadas sobre as características do local em questão, a qual foi admitida pelo despacho ali proferido, e depois de o ilustre mandatário dos RR. ter declarado não ter a opor a essa junção. E sendo assim, dever-se-á presumir que, pelo menos, nessa data os RR., através do seu ilustre mandatário, tiveram conhecimento do teor do aludido auto de inspeção ou que, pelo menos, estariam condições então dele conhecer se tivessem agido com a diligência que a tal propósito se impunha. Logo, deveriam então nessa altura ou, ainda na melhor das hipóteses, nos 10 (dez) dez dias subsequentes arguir tal nulidade, o que não fizeram, e nem mesmo, quando intervieram na 3ª. sessão da audiência de julgamento que só se veio a realizar no dia 25/03/2019, ou seja, um mês depois. (cfr. disposições conjugadas dos artºs. 197º, nº. 1, 199º, nºs. 1 e 2, e 149º, nº. 1, do CPC).

Improcede, assim, nessa parte, o recurso.

3. Quanto à 2ª. questão.

Assente e decidido que a onerar os sobreditos prédios dos réus e da interveniente principal (e em benefício do prédio dos autores) se encontra constituída, por usucapião, uma servidão de passagem, de pé e de veículos, nos moldes e com as características que se encontra descritas no ponto 7 os factos provados, a única questão que se encontra controvertida e que se impõe aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se essa servidão deve, ou não, ser declarada extinta por desnecessidade?

Questão essa que tem a ver com o julgamento do mérito da causa no que concerne à reconvenção deduzida pelos RR., por via da qual formularam o pedido da extinção dessa servidão com o fundamento na sua desnecessidade.

Na sentença recorrida, o tribunal a quo entendeu (no que é secundado pelos AA./apelados), à luz dos factos apurados, não se verificar a situação de desnecessidade da aludida servidão, e nessa medida julgou improcedente a reconvenção e procedentes os restantes dois últimos pedidos da ação formulados pelo AA., cujo reconhecimento pelos RR., por via da confissão que efetuaram, ficara, como acima se deixou exarado, sujeito à condição de o pedido reconvencional ser julgado improcedente.

Insurgem-se, neste seu recurso, os RR./apelantes contra entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, defendendo a ocorrência da desnecessidade da referida servidão, e como tal a sua extinção, por virtude de os AA. terem passado a dispor de um outro caminho (que parte e o liga à via publica) para acederem àquele seu prédio, com as comodidades e utilidades similares, ou pelo menos, não proporcionalmente agravadas, àquelas que vem disfrutando através da utilização do caminho de servidão que onera aqueles seus prédios.

Apreciemos, pois.

A lei define a servidão predial como sendo um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de um outro prédio pertencente a dono diferente (cfr. artº. 1543º do Código Civil - diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem).

A servidão implica, assim, uma relação de dependência entre dois prédios: de um lado o dominante, em cujo proveito ela se estabelece; do outro o serviente, onerado com o encargo em que ela se traduz.

Não se pode rigorosamente delimitar o conteúdo das servidões, já que estas podem, em princípio, ter como conteúdo, toda e qualquer utilidade (ainda que futuras ou incertas) que um prédio pode prestar a outro (cfr. artº 1544º).

E daí que o nosso ordenamento jurídico contemple uma panóplia de tipos de servidão, tais como servidões de passagem (que é aquela que está em causa nesta ação), de vista, de águas, de aqueduto, de presa de escoamento, de estilicídio, de emissão de fumos, etc.

A servidão confere, assim, ao seu titular poderes para fruir e utilizar a coisa, extraindo dela benefícios limitando, em consequência, o gozo do proprietário da coisa. E desse modo, a servidão é, portanto, um direito real de gozo (ius in re aliena) sobre coisa alheia, limitando o gozo efetivo do proprietário dessa coisa, na medida em que inibe este titular de praticar atos que possam prejudicar o exercício daquele direito, em benefício do titular do direito de servidão. Benefício esse que se traduz em utilidades para o dono do prédio dominante, mas que este só pode gozar como tal por intermédio do seu prédio sobre o prédio serviente.

É, pois, isso que resulta da dissecação daqueles normativos legais, e sobretudo do primeiro, e que se desdobra em quatro notas conceituais: a) a servidão é um encargo; b) encargo esse que recai sobre um prédio; c) que aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios (o beneficiado e o onerado) pertencerem a donos diferentes – muito embora não tenham, necessariamente que ser contíguos e nem sequer vizinhos. (Para maior desenvolvimento, que no caso não se impõe, vide, entre outros, José Luís Santos “in Servidões Prediais. 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 12 e ss”; Pires de Lima e A. Varela “in Código Civil Anotado, 2º Vol. 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 613 e ss”; e Álvaro Moreira e Carlos Fraga, segundo as prelecções do prof. Mota Pinto ao 4º ano Jurídico ano 1970/71, “in Direitos Reais, Livraria Almedina, págs. 305 e ss.”).

Servidões essas que, entre outros vários títulos, podem ser constituídas por usucapião (cfr. artº. 1547º), como acontece com aquela (servidão de passagem) aqui em causa que onera os prédios dos RR., e também o prédio da interveniente que foi chamada à ação, (prédios servientes) em benefício do prédio dos AA. (prédio dominante).
Servidões prediais essas que não são necessariamente “eternas”, pois que situações/causas existem que, ao ocorrerem, conduzem ou podem conduzir à sua extinção, as quais se encontram tipificadas na lei (cfr. artº. 1569º).
E entre essas causas de extinção, no que concerne às servidões constituídas por usucapião, encontra-se a ocorrência de uma situação que as torna desnecessárias (para o prédio dominante).

Na verdade, dispõe-se no artº. 1569º, nº. 2, que “as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.(sublinhado nosso)

E percebe-se que assim seja, pois que constituindo, como vimos, a servidão predial (que configura direito real de gozo limitado) um encargo que se impõe sobre outro prédio (o serviente), limitando ou restringindo que o dono deste exerça na sua plenitude o seu direito de propriedade sobre ele, e com isso, de certo modo, o desvalorizando, não faria sentido, à luz dos princípios da justiça/adequação/proporcionalidade, que a servidão se mantivesse a onerar esse prédio serviente se ela se tornou desnecessária, isto é, deixou de ser necessária para o titular do prédio dominante ( a função social/económica que que justifica esse ónus deixou subsistir e, como tal, de fazer sentido).

Portanto, e como decorre do citado normativo legal, sempre que verifique uma situação que torna desnecessária ao prédio dominante a servidão predial (neste caso de passagem), constituída por usucapião, o titular do prédio serviente com ela onerada tem o direito (potestativo) de requerer a declaração judicial da sua extinção.

Muito embora o legislador não tenha concretizado o conceito de desnecessidade, constitui hoje entendimento claramente prevalecente da nossa jurisprudência (sobretudo do nosso mais alto tribunal), e também da nossa doutrina, que:

Esse conceito é casuístico, devendo ser valorado e a concretizado a partir da matéria de facto;

Essa desnecessidade deve ser objetiva (e não subjetiva, isto é, assente na ausência de interesse, vantagem ou conveniência pessoal do titular do direito), e ser aferida em função do prédio dominante e não do respetivo proprietário, o que significa que a extinção da servidão com o fundamento na desnecessidade terá de resultar do cotejo das alterações objetivas/concretas e exclusivamente nele verificadas ou que para ele ocorram;

Essa desnecessidade deve ser atual, isto é, assente num juízo de atualidade, no sentido de que deverá ser apreciada pelo tribunal atendendo à situação presente, ou seja, reportada à data em que a ação deu entrada no tribunal;

Essa desnecessidade deverá, em principio, ser superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante;

Só deverá ser extinta por desnecessidade a servidão que que deixou de ter qualquer utilidade (tornando-se por isso inútil) para o prédio dominante (sem que se confunda ou equivalha com a sua indispensabilidade, ou seja essa utilidade não tem de mostrar-se indispensável);

Nessa aferição nunca deve perder-se de vista os princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

O ónus de alegação e prova dessa desnecessidade incumbe (nos termos do artº. 342º, nº. 1, do CC) ao proprietário do prédio serviente que requer, com esse fundamento, a extinção da servidão.

No sentido do que se deixou dito, vide, entre outros, e para mais e melhor desenvolvimento, Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 787.9T80LH.E1.S1; de 05/05/2015, proc. 273/07.8TBENT.E.1S1; de 16/01/2014, proc. 695/09.0TBBRG.G2.S1; de 11/12/2012, proc. 3303/07.0TBBCL.G1.S1; de 16/03/2011, proc. 263/1999.P1.S1; e de 01/03/2007, proc. 07A991, todos disponíveis in www.dgsi.pt; Ac. da RC de 29/10/1983, in “CJ, Ano VIII, T4, págs. 62/64”; e os profs. Oliveira Ascensão, in “ Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais,, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, págs. 10/29/239/244/260”, Pires de Lima, in “Servidões Prediais, Anteprojecto de um título do futuro Código Civil, Boletim do Ministério da Justiça nº. 64, págs. 34/35”; Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. Cit., pág. 67” (ao remeterem para aquele acórdão da Relação de Coimbra atrás citado).

Tendo presentes os pressupostos que se deixaram expendidos, e aplicando-os ao caso em apreço, diremos que cotejando os factos apurados facilmente, a nosso ver, se chega à conclusão de que a pretensão reconvencional dos RR., de verem declarada extinta a dita servidão de passagem que onera os seus prédios (e também o da interveniente) em beneficio do dos AA. não pode proceder, pois que não se verifica o requisito/pressuposto legal da sua desnecessidade.

Na verdade, enquanto a atual servidão de passagem constituída permite aos os AA. aceder àquele seu prédio dominante (vg. à parte urbana) a pé e por meio de veículos (cfr. ponto 7), já a passagem/caminho que os RR. invocam como fundamento da sua pretensão, apenas permite os AA. aceder a esse seu mesmo prédio - e particularmente ao logradouro a casa de habitação - a pé (cfr. ponto 16).

E tanto basta, desde logo, para concluir que a atual servidão de passagem não se mostra desnecessária, pois que continua a mostrar-se útil, ou seja, a fornecer utilidades aos autores titulares do prédio dominante que dela beneficia, sendo certo que a referida passagem que os RR. invocam para a sua extinção não lhes fornecem sequer essas mesmas utilidades ou comodidades ou, pelo menos em termos similares, e daí que nem sequer se possa falar que essa servidão representa uma ofensa ao princípios da adequação ou da proporcionalidade, sendo ainda evidente, à luz da materialidade factual apurada (e só a essa nos podemos ater, pois que, como vimos, não foi sequer impugnada), que essa passagem “substitutiva”/alternativa, acarreta para os AA. um agravamento dessas comodidades pois que, para além de não lhe fornecer aquelas mesmas ou semelhantes utilidades, ainda os obrigaria a ter que percorrer uma maior distância (com algum significado) para poderem aceder àquele seu prédio (cfr. confronto do ponto 7 com os pontos 17 e 18).

Situação de evidência essa - e salvo sempre o devido respeito – que torna desnecessário sequer apreciar a questão de saber se a situação que motiva a desnecessidade invocada pelos RR. é ou não superveniente à constituição da servidão cuja extinção aqueles pedem, e, em caso negativo, se ela poderia ou não, in casu, fundamentar essa extinção (cfr. pontos 8 e 19).

Diga-se, ainda por fim, que não se invoque (o que nem sequer acontece no caso) que essas utilidades (vg. acesso ao prédio dos autores também através de veículos) poderiam ser conseguidas através da realização de obras na dita passagem alternativa que os RR. aduzem.

É que tal situação nem sequer pode ser equacionada, pois que os RR. não a alegaram (e muito menos o seu custo), como estariam obrigados, como facto constitutivo do seu direito (como acima deixámos expresso, era sobre eles., como facto constitutivo do seu direito, que, nos termos do artº. 342º, nº. 1, impendia o ónus de provar a desnecessidade da servidão, o que, como vimos, não só não se provou, como até se provou o contrário).

Termos, pois, em que face ao que se deixou exposto, se decide negar provimento ao recurso, e confirmar a, aliás, bem fundamentada sentença recorrida da 1ª. sentença (para qual, por esse motivo, bem nos poderíamos para ela ter remetido).

III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.

Custas pelos RR./apelantes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário:

I- A inspeção judicial feita ao local em audiência de julgamento configura um meio de prova (direta) a percecionar diretamente pelo tribunal, cujo resultado será por ele apreciado livremente.

II- Essa diligência e o seu resultado devem ficar a constar de auto.

III- A sua omissão está sujeita ao regime geral das nulidades, configurando tal uma nulidade secundária.

IV- A razão de ser dessa sua obrigatoriedade de redução a auto tem, essencialmente, a ver com o permitir um melhor e mais efetivo exercício dos podres de controle, em matéria de facto, se sobre ela vier a recair recurso.

V- Tendo-se o tribunal, em audiência de julgamento deslocado local, a fim de inspecionar o mesmo, sem que tenha feito constar dos autos os elementos relevantes observados, não obstante tenha invocado essa inspeção na motivação da decisão da matéria de facto que proferiu, a irregularidade processual cometida torna-se inconsequente/inócua, se essa decisão não fora impugnada no recurso interposto da sentença final, pois que em nada influiu no exame ou na decisão da causa.

VI- Sempre que verifique uma situação que torna desnecessária ao prédio dominante a servidão predial passagem, constituída por usucapião, o titular do prédio serviente com ela onerada tem o direito (potestativo) de requerer a declaração judicial da sua extinção.

VII- Muito embora o legislador não tenha definido o conceito de desnecessidade, ele deve ser valorado e a concretizado a partir da matéria de facto e tendo em conta os seguintes pressupostos/princípios:

a) A desnecessidade deve ser objetiva (e não subjetiva), e ser aferida em função do prédio dominante e não do respetivo proprietário, o que significa que a extinção da servidão com o fundamento na desnecessidade terá de resultar do cotejo das alterações objetivas/concretas e exclusivamente nele verificadas ou que para ele ocorram.

b) Essa desnecessidade deve ser atual, isto é, assente num juízo de atualidade, no sentido de que deverá ser apreciada pelo tribunal atendendo à situação presente (reportada à data da instauração da ação);

c) Essa desnecessidade deverá, em principio, ser superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante;

d) Só deverá ser extinta por desnecessidade a servidão que que deixou de ter qualquer utilidade (tornando-se por isso inútil) para o prédio dominante (sem que se confunda ou equivalha com a sua indispensabilidade);

e) Nessa aferição nunca deve perder-se de vista os princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

VIII- O ónus de alegação e prova dessa desnecessidade incumbe ao proprietário do prédio serviente.

IX- Não há desnecessidade se o trilho da passagem/caminho da servidão constituída permite o acesso ao prédio dominante a pé e por meio de veículos e o trilho da passagem/caminho alternativo que os proprietários do prédio serviente invocam, para a extinção daquela servidão, apenas permite esse acesso àquele prédio a pé.

Coimbra, 2020/04/01