Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
582/13.7TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGES
APLICAÇÃO DA LEI ALEMÃ
Data do Acordão: 05/31/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SECÇÃO DE FAMÍLIA E MENORES – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 5º DO PROTOCOLO DE HAIA; 15º DO REGULAMENTO /CE) Nº 4/2009 DO CONSELHO DE 18/12/2008. BGB (ALEMÃO).
Sumário: I – Aplicando ao caso o art.º 5.º do Protocolo de Haia para efeitos da determinação da legislação aplicável nos termos da remissão efectuada pelo art.º 15.º do Regulamento (CE) nº 4/2009 do Conselho de 18 de Dezembro de 2008, “aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade” -cfr. o artigo 1.º, n.º 1-, a lei aplicável é a lei alemã.

II - Consequência da adopção do sistema de divórcio constatação de ruptura, a nossa lei consagra actualmente, conforme é sabido, o princípio da auto-suficiência, daí decorrendo o carácter temporário da obrigação a favor dos ex-cônjuges (cf. art.º 2116.º).

III - Fundada tal obrigação num dever de solidariedade pós conjugal, a sua constituição depende da necessidade do credor e das possibilidades do devedor; de carácter essencialmente alimentar, a prestação fica sujeita a alterações nos termos do art.º 2102.º e cessa tão logo o titular do direito seja capaz de prover à sua subsistência ou o devedor fique sem recursos que lhe permitam continuar a suportá-la (cf. art.ºs 2012.º e 2013.º).

IV - Percorrendo os preceitos reguladores da obrigação de alimentos no BGB, logo na abertura o art.º 1569.º consagra o princípio da responsabilidade pessoal, impondo que cada cônjuge, depois do divórcio, providencie pela sua subsistência podendo, se não tiver condições para o fazer, reclamar do ex-cônjuge uma prestação alimentar, assim consagrando uma solução próxima da acolhida pelo n.º 1 do art.º 2016.º citado.

V - Afigura-se que nenhuma substancial diferença existiria entre o regime de alimentos a ex-cônjuge fixado na lei alemã e aquele que resulta do nosso Código Civil. Todavia, perturbando de algum modo tal identidade de soluções, dispondo sobre “a medida dos alimentos”, preceitua o art.º 1578.º que “A medida dos alimentos será calculada nos termos do padrão de vida na constância do casamento”, alimentos que deverão cobrir todas as necessidades do alimentando, incluindo um seguro de saúde que contemple cuidados de longa duração e as despesas referentes a formação académica ou profissional, formação complementar ou reconversão profissional nos termos dos artigos 1574.º e 1575.º.

VI - Embora o BGB consagre no já citado artigo 1569.º o princípio de que cada cônjuge há-de garantir, após o divórcio, a sua subsistência, afirmando o art.º 1577.º, em coerência, que o ex-cônjuge não poderá requerer alimentos nos termos dos precedentes artigos enquanto e na medida em que conseguir prover à sua subsistência, não deixa de se fazer referência, no § 2.º do preceito, ao artigo 1578.º (e também ao artigo 1578.ºb) que, conforme se viu, referencia a prestação alimentar ao padrão de vida obtido na constância do casamento. O princípio da responsabilização de cada cônjuge surge assim de algum modo limitado pelo princípio da co-responsabilização pós-conjugal.

Decisão Texto Integral:




I. Relatório

G..., residente na Rua ..., veio, ao abrigo do disposto no artigo 1121.º do Código de Processo Civil, instaurar acção declarativa, a seguir o processo especial de alteração de alimentos, sendo requerida  A..., residente em ...

Em fundamento alegou, em síntese, ter casado com a requerida na Alemanha, país de que ambos são naturais, em 1980, vindo a separar-se no ano de 1998, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado no ano de 2000 por decisão do Tribunal de Berlim-Schoneberg.

No âmbito do acordo de divórcio, foram fixados os alimentos a pagar pelo Autor à Ré no montante de €748,20 (150.000$00) mensais, valor calculado tendo em atenção os rendimentos médios mensais de Autor e Ré, tendo em vista garantir rendimentos equivalentes.

Sucede, porém, que no início de 1998 o aqui Autor passou a viver em união de facto com aquela que é hoje a sua mulher e mãe dos seus dois filhos ainda menores, nascidos em Junho de 1998 e Abril de 2007, tendo visto o seu agregado aumentar no ano de 2002, altura em que sua mãe, então a viver na Alemanha sem qualquer apoio, se mudou para Portugal.

O requerente aufere o rendimento mensal líquido de €3.933,11, com o qual suporta todas as despesas inerentes à vida normal de um agregado familiar com cinco elementos, incluindo naturalmente todas as despesas com saúde, alimentação e educação dos seus filhos menores e também de sua mãe, cuja reforma é quase completamente consumida pelo seguro de saúde que paga mensalmente, ascendendo os seus custos fixos mensais a cerca de €2.400,00, a que acresce a pensão de alimentos de €748,20 que pontualmente e há cerca de 12 anos vem pagando à requerida sua ex-mulher, com o que o seu rendimento é integralmente consumido, sem possibilidade de fazer um aforro que lhe permita acorrer a qualquer despesa extraordinária.

Os sucessivos cortes no salário, aumento dos impostos, aumento do custo de vida e das despesas a suportar têm vindo a limitar cada vez mais o rendimento disponível do Autor.

A ré, por seu turno, trabalha como enfermeira no Centro de Saúde de ..., auferindo um salário bruto mensal de cerca de €1.500,00, e, tanto quanto é do conhecimento do requerente, não tem quaisquer dependentes a cargo, não carecendo de alimentos.

A situação económica do autor alterou-se profundamente desde a data da celebração do acordo quanto a alimentos, tendo a seu cargo dois filhos menores e a progenitora com idade superior a 90 anos, encontrando-se alterado em seu desfavor o equilíbrio que então se procurou alcançar.

Concluindo que não tem possibilidades de continuar a pagar a prestação mensal a título de alimentos fixados à requerida, que deles não carece, requer seja tal pensão reduzida e fixada em €100,00 mensais até à data da sua reforma, altura em que deverá ser extinta.

*

Citada, a ré contestou e, defendendo ser aplicável ao caso a lei alemã, defendeu não se ter verificado alteração relevante que suporte a pretensão do requerente, devendo assim manter-se a pensão fixada a seu favor, que teve como escopo compensá-la pelo empenhamento na vida comum do casal e decisivo contributo para a carreira do autor, com prejuízo da sua própria progressão profissional e da sua carreira contributiva para a Segurança Social.

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Tabelarmente saneado o processo e fixados os temas da prova sem reclamação das partes, prosseguiram os autos para julgamento, cuja audiência teve lugar com observância do legal formalismo que da acta consta, nela tendo o autor ampliado o pedido inicialmente formulado, requerendo agora, face aos rendimentos auferidos no ano de 2014, a extinção da prestação alimentar a seu cargo.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, vindo a ser proferida douta sentença que, na total improcedência da acção, decretou a absolvição da requerida.

Inconformado, apelou o autor e, tendo produzido doutas alegações nas quais invocou as razões da sua desavença com o decidido, rematou-as a final com as seguintes conclusões:

...

Com tais fundamentos pretende a revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que decrete o fim da prestação alimentícia fixada a favor da requerida.

Contra alegou a requerida, pugnando naturalmente pela manutenção do julgado

*

Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em indagar se ocorreu alteração da situação económica do credor e devedor de alimentos que justifica a cessação da obrigação ou, no limite, a sua redução.

O autor/recorrente pretende que se dê por assente que entre o ano de 2013 e o ano de 2014 o seu rendimento sofreu uma redução de €430,09, valor que corresponde a 10,9% do valor global do vencimento que aufere.

Conforme se vê da sua mera enunciação, trata-se de um facto eminentemente conclusivo, que pressupõe a comparação entre os rendimentos globais auferidos nos anos de 2013 e 2014, não se bastando portanto, como pretende, com o confronto dos recibos de vencimento atinentes a determinados meses de um e outro anos. Com efeito, apenas as declarações fiscais reflectem com rigor (ou assim se presume) o rendimento auferido em determinando ano, sendo certo que dispomos apenas das relativas ao ano de 2014, quer no que respeita ao autor, quer no que respeita à ré, juntas aos autos na sequência de requerimento por esta apresentado. Trata-se todavia de prova documental que deverá ser considerada nos termos do disposto no art.º 607.º do CPC, pelo que se adita à matéria de facto o seguinte ponto:

No ano de 2014 o autor teve um rendimento bruto de €77.238,48, a que corresponde um rendimento líquido de €49.042,23, tendo a ré declarado o rendimento bruto de €28.683,05, a que corresponde o rendimento líquido de €20.231,19 (tendo já em atenção o imposto adicional liquidado).

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II. Fundamentação

Dos autos resulta assente a seguinte factualidade:

1. A. e R. casaram um com o outro em 2/6/80 na Alemanha.

2. Por sentença datada de 14/7/2000 foi dissolvido o casamento referido no ponto anterior.

3. Em 9/6/2000, em Berlim, o A. e a R., por escrito, estabeleceram que o A. se obrigava após o divórcio a pagar mensalmente à R. como “alimentos de compensação”, a quantia de 150.000$00. Este montante foi calculado tendo por base que o A. auferia o valor médio mensal de 627.412$00 líquidos, que a R. ganhava o valor médio mensal de 155.380$00 líquidos, estabelecendo-se uma divisão dos alimentos na proporção de 4/7 para o marido e de 3/7 para a mulher – cfr. fls. 34 a 38.

4. De acordo com o documento mencionado no ponto anterior, o montante dos alimentos fixados devia adaptar-se à evolução dos rendimentos líquidos das partes por forma a manter aquela proporção, excepto se a alteração dos rendimentos resultasse de promoção, mudança de emprego ou decorresse de outras actividades do responsável pelo pagamento; e as partes não podiam fundamentar a sua impossibilidade de cumprimento em facto causado por culpa própria.

Mais estipularam que o contrato podia ser alterado de acordo com o parágrafo 323 do ZPO (código de processo civil alemão).

5. Em 26 de Março de 2010 o A. casou com M..., nascida em ..., Porto, casamento celebrado na Conservatória do Registo Civil do Porto, mas já viviam juntos anteriormente.

6. R... nasceu em 6/6/1998, em ..., e S... nasceu em 23/4/2007, em ..., sendo ambos filhos do A. e de M...

7. O A. vive com a mulher, os dois filhos e a sua mãe.

8. O A. é professor no ..., tendo auferido em Janeiro de 2013, 1.927,64 euros líquidos, e em Janeiro de 2014, 1.798,59 euros líquidos.

9. O A. é ainda director da ..., tendo auferido em Março de 2013, 2.005,47 euros líquidos, e em Janeiro de 2014 1.938,27 euros líquidos.

10. O A. tem as seguintes despesas mensais: a) 390,23 euros de amortização de empréstimos contraídos junto da C...; b) entre 45,17 euros e 108,82 euros de água; c) entre 68,28 euros e 211,32 euros de luz; d) cerca de 45 euros gás; e) entre 44,38 euros e 53,31 euros de telefone; f) entre 204,41 euros e 264,78 euros de IMI; g) 248,84 euros de seguros da habitação, de responsabilidade civil e de saúde; h) 260 euros de mensalidade da creche do filho.

11. O A., para o ano lectivo de 2012/2013, pagou 216,23 euros de livros escolares da filha e no ano de 2012 suportou 75,60 euros das refeições escolares do filho.

12. O A. suporta as despesas inerentes a uma viatura automóvel.

13. O A. suporta despesas de alimentação, vestuário e de saúde de si próprio, da mulher e dos filhos.

14. A R. trabalha como enfermeira em Portugal desde 16/1/89, sendo que presta serviço no centro de saúde de ... desde 18/2/92, auferindo mensalmente 1476,40 euros ilíquidos.

14.a) No ano de 2014 o autor teve um rendimento bruto de €77.238,48, a que corresponde um rendimento líquido de €49.042,23, tendo a ré declarado o rendimento bruto de €28.683,05, a que corresponde o rendimento líquido de €20.231,19 (tendo já em atenção o imposto adicional liquidado).

15. A. e R. vivem em Portugal desde data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 2000.

16. A R. suporta as despesas inerentes a uma viatura automóvel, e tem despesas com alimentação e vestuário.

17. A R. tem problemas de saúde, nomeadamente cardíacos e na coluna, pelo que despende mensalmente cerca de 60 euros em consultas.

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Não resultaram provados os demais factos alegados no processo, nomeadamente:

- que a mãe do A. não contribua para as despesas do lar, pois a sua reforma é absorvida pelo seguro de doença e pelos medicamentos;

- que em 2012 o A. tenha tido necessidade de efectuar reparações na casa, despendendo 3.528,02 euros;

- que o A. não tenha podido proporcionar actividade extracurriculares aos filhos, nem tenha tido a possibilidade de fazer férias no estrangeiro;

- que A. e R. tenham iniciado a vida em comum cerca de 10 anos de casarem;

- que antes de casarem a R. trabalhasse e o A. estudasse para concluir a licenciatura;

- que o A. só tenha feito o doutoramento depois do casamento;

- que a R. tenha financiado os estudos do A. e que este só depois de casado tenha começado a leccionar;

- que a R. tenha deixado de trabalhar como enfermeira para auxiliar o A. no seu trabalho de doutoramento;

- que a R. despenda 6 euros de água, 50 euros de luz, 9 euros ao sindicato e 60 euros com os cães de guarda por mês.

De Direito

Da cessação/redução da prestação alimentar

O autor, devedor de alimentos, veio a juízo pedir se declare cessada a obrigação de os prestar ao seu ex-cônjuge, aqui ré, alegando que em virtude de alterações relevantes verificadas ao nível dos rendimentos disponíveis de um e do outro, nem a credora deles carece, nem ao requerente é já possível prestá-los.

Autor e ré têm nacionalidade alemã - o autor adquiriu também entretanto a nacionalidade portuguesa - casaram-se e divorciaram-se na Alemanha, tendo o acordo que celebraram quanto a alimentos sido objecto de homologação por banda de tribunal alemão. Na ponderação de tais factores, e aplicando ao caso o art.º 5.º do Protocolo de Haia para efeitos da determinação da legislação aplicável nos termos da remissão efectuada pelo art.º 15.º do Regulamento (CE) nº 4/2009 do Conselho de 18 de Dezembro de 2008, “aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade” -cfr. o artigo 1.º, n.º 1-, determinou o Tribunal “a quo” que a lei aplicável era a lei alemã, decisão acatada pelas partes e que se nos afigura correcta.

Consequência da adopção do sistema de divórcio constatação de ruptura, a nossa lei consagra actualmente, conforme é sabido, o princípio da auto-suficiência, daí decorrendo o carácter temporário da obrigação a favor dos ex-cônjuges (cf. art.º 2116.º). Fundada tal obrigação num dever de solidariedade pós conjugal, a sua constituição depende da necessidade do credor e das possibilidades do devedor; de carácter essencialmente alimentar, a prestação fica sujeita a alterações nos termos do art.º 2102.º e cessa tão logo o titular do direito seja capaz de prover à sua subsistência ou o devedor fique sem recursos que lhe permitam continuar a suportá-la (cf. art.ºs 2012.º e 2013.º).

Finalmente, a auto-suficiência não é aferida à luz do padrão de vida conjugal, antes afirmando expressamente o legislador que o credor de alimentos não tem o direito de exigir a sua manutenção (cf. art.º 2016.º, n.º 3). Não obstante, não deixou de prever que na fixação dos alimentos seja tido em conta a medida da colaboração prestada pelo cônjuge credor à economia do casal (art.º 2016-A, no seu n.º 1), afloramento do critério da compensação que justifica o reconhecimento do crédito a que alude o n.º 2 do art.º 1676.º fora do campo específico da obrigação alimentar[1].

Percorrendo agora os preceitos reguladores da obrigação de alimentos no BGB, logo na abertura o art.º 1569.º consagra o princípio da responsabilidade pessoal, impondo que cada cônjuge, depois do divórcio, providencie pela sua subsistência podendo, se não tiver condições para o fazer, reclamar do ex-cônjuge uma prestação alimentar, assim consagrando uma solução próxima da acolhida pelo n.º 1 do art.º 2016.º citado.

Os preceitos imediatos conferem ao ex-cônjuge direito a alimentos estando em causa a instrução ou educação de um filho comum, obrigação que se mantém até aos 3 anos de idade do menor e podendo prolongar-se quando razões de equidade assim o justifiquem (artigo 1570.º); quando, por motivos de idade, doença ou incapacidade, não lhe seja exigível o exercício de uma actividade profissional (artigos 1571.º e 1572.º); e ainda quando, embora não tenha direito à prestação no domínio da previsão de nenhum dos artigos precedentes, não consiga arranjar uma actividade profissional devidamente remunerada ou aquela que desenvolve não seja suficiente para prover à sua subsistência nos termos do art.º 1578.º, caso em que poderá peticionar, a título de alimentos, a diferença (art.º 1573.º).

Harmonizando-se com o aludido princípio da auto-suficiência ou responsabilidade pessoal, o art.º 1574.º impõe ao cônjuge necessitado a obrigação de exercer uma actividade profissional remunerada, atribuindo-lhe o art.º 1575.º o direito a alimentos quando “na perspectiva de contrair casamento ou durante o casamento não tenha concretizado a sua formação escolar ou profissional ou a tenha interrompido”, caso em que a prestação se manterá pelo tempo necessário à conclusão da formação com sucesso, de modo a poder vir a exercer uma actividade profissional remunerada adequada que lhe permita assegurar a sua subsistência. Tal disposição é ainda aplicável no caso do ex-cônjuge pretender complementar a sua formação ou reconverter-se profissionalmente, “de modo a compensar os prejuízos advindos no âmbito do casamento”.

Finalmente, o art.º 1576.º confere o direito a alimentos ao ex-cônjuge quando razões ponderosas o justifiquem “e pelo tempo estritamente necessário, quando não seja expectável o exercício de uma actividade remunerada adequada e a recusa da prestação de alimentos seja grosseiramente injusta”.

Para efeitos do enquadramento legal da questão importa ainda atender a quanto dispõe o art.º 1577.º, preceito que consagra o requisito da necessidade, dispondo no seu §1.º que “O ex-cônjuge não pode requerer alimentos nos termos dos artigos 1570.º a 1573.º, 1575.º e 1576.º enquanto e na medida em que consiga prover à sua subsistência através dos seus próprios rendimentos e património”.

Aqui chegados, afigura-se que nenhuma substancial diferença existiria entre o regime de alimentos a ex-cônjuge fixado na lei alemã e aquele que resulta do nosso Código Civil. Todavia, perturbando de algum modo tal identidade de soluções, dispondo sobre “a medida dos alimentos”, preceitua o art.º 1578.º que “A medida dos alimentos será calculada nos termos do padrão de vida na constância do casamento”, alimentos que deverão cobrir todas as necessidades do alimentando[2], incluindo um seguro de saúde que contemple cuidados de longa duração e as despesas referentes a formação académica ou profissional, formação complementar ou reconversão profissional nos termos dos artigos 1574.º e 1575.º.

Sendo a lei alemã a aplicável, a medida dos alimentos, ao invés do que ocorre à luz da legislação portuguesa, encontra-se ainda indexada ao padrão da vida conjugal do dissolvido casal[3], como forma de garantir o princípio da divisão pela metade e que o cônjuge credor partilhe da condição económica que, ao fim e ao cabo - é este o pressuposto - foi alcançada graças ao esforço conjunto de ambos. Este preceito, invocado pela recorrida como impeditivo da procedência da pretensão do apelante seu ex-marido, tem sido objecto, conforme a própria informou, de interpretação restritiva por banda do Supremo Tribunal de Justiça Federal Alemão, interpretação todavia censurada pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, que a considerou violadora da Lei Fundamental, conforme resulta da decisão proferida em 25 de Janeiro de 2011 no processo 918/10, com tradução autenticada de fls. 377 a 399 destes autos. Justificaria a solução legal, mantida inalterada pelo legislador alemão a despeito das alterações que veio introduzindo no regime dos alimentos a ex-cônjuge, a ideia de que o cônjuge que sacrifica os seus interesses individuais dando primazia ao interesse comum, prescindindo amiúde da sua valorização e contribuindo para a valorização do outro cônjuge, há-de ser compensado finda a sociedade conjugal pelos prejuízos daí decorrentes os quais, caso contrário, acabaria por suportar sozinho. Foi aliás este o fundamento invocado pela requerida para justificar a atribuição e manutenção da prestação acordada, sendo certo, faz-se notar, que nenhuma da factualidade a propósito alegada resultou demonstrada, e isto apesar de quanto fizeram consignar os então ainda cônjuges no acordo celebrado no sentido da sua natureza compensatória.

Vejamos, contudo, se ainda a aceitar tal critério, os alimentos são de manter e, na afirmativa, na mesma medida.

Cabe aqui referir que, a despeito de ter sido fixada por acordo, está em causa uma prestação alimentar, encontrando-se subordinada à regulamentação legal atinente à obrigação de alimentos entre cônjuges, designadamente no que se refere aos pressupostos da sua eventual alteração ou cessação.

Começou a Ex.mª Sr.ª Juíza por considerar que não existia fundamento para decretar a cessação dos alimentos dado que, à luz do art.º 1586.º do BGB, só o casamento do credor é causa extintiva da obrigação, e não o casamento do devedor, conforme se verificou no caso em apreço. Tal afirmação é correcta mas, conforme assinala o recorrente, a celebração do novo casamento não foi o fundamento invocado para a cessação dos alimentos e sim a alteração da sua condição económica daí decorrente, considerando sobretudo que o casal tem dois filhos, ambos menores à data da propositura da acção.

Tendo procedido de seguida à análise do acordo celebrado, e sublinhando quanto dele ficou a constar no sentido de que a impossibilidade de cumprimento causada por culpa própria não era relevante para efeitos de alteração da prestação, considerou também a Mm.ª juíza que “Em primeiro lugar, é imputável ao A. o ter contraído novo casamento e aumentado o número de elementos do seu agregado familiar”.

Tal argumento, contra o qual o recorrente reagiu de forma indignada, não podemos de facto subscrevê-lo.

Conforme parece claro, na previsão das partes estava em causa a exclusão da relevância de comportamentos censuráveis por parte do devedor de alimentos, compreendendo condutas pré-ordenadas à diminuição dos seus rendimentos com a finalidade de se eximir ao pagamento da prestação, e ainda opções profissionais culposas - em sentido lato - que o colocassem na impossibilidade de cumprir. Tal não é manifestamente o caso da decisão de contrair novo casamento com uma outra pessoa e com ela constituir uma nova família, conduta obviamente subtraída a um qualquer juízo de censura.

As declarações negociais devem ser interpretadas segundo a real intenção das partes em detrimento do seu sentido literal, e na interpretação dos contratos há que observar a boa-fé (cf. artigos 133.º e 157.º do BGB), regras de interpretação que levam a afastar aquela que foi feita pela Mm.ª juíza, por não ser razoável que o autor subscrevesse uma cláusula que o fazia incorrer em comportamento culposo caso constituísse uma nova família, sendo certo que à data já vivia com a sua actual mulher e o casal tinha até uma filha.

Considerou finalmente a Mm.ª juíza que por força da ordem estabelecida no art.º 1609.º do BGB, o direito dos alimentos titulado pelo ex-cônjuge prevalece sobre idêntico direito encabeçado pela progenitora e pelo actual cônjuge, e porque a “pequena alteração” verificada nos rendimentos do recorrente não atinge, nem a percentagem prevista no acordo, nem relevância bastante para que a prestação seja alterada e muito menos julgada cessada ao abrigo do disposto no art.º 323.º do CPC alemão, tal como as partes também previram, indeferiu a pretensão.

O recorrente dissente de tal entendimento, defendendo que antes de se encontrar a medida dos alimentos é necessário verificar se o ex-cônjuge deles carece, sem o que não há lugar ao reconhecimento da existência da obrigação, nisto se equivalendo as legislações alemã e portuguesa. Defendeu ainda que o seu rendimento disponível sofreu uma clara redução para menos, evolução de sentido contrário ao registado pelo rendimento da requerida, estando esbatido o desequilíbrio que a prestação acordada intentava corrigir.

No que respeita ao primeiro argumento, afigura-se que não se verifica a pretendida identidade entre os regimes vigentes em Portugal e Alemanha. Com efeito, embora o BGB consagre no já citado artigo 1569.º o princípio de que cada cônjuge há-de garantir, após o divórcio, a sua subsistência, afirmando o art.º 1577.º, em coerência, que o ex-cônjuge não poderá requerer alimentos nos termos dos precedentes artigos enquanto e na medida em que conseguir prover à sua subsistência, não deixa de se fazer referência, no § 2.º do preceito, ao artigo 1578.º (e também ao artigo 1578.ºb) que, conforme se viu, referencia a prestação alimentar ao padrão de vida obtido na constância do casamento. O princípio da responsabilização de cada cônjuge surge assim de algum modo limitado pelo princípio da co-responsabilização pós-conjugal. Depois, a verdade é que os autos não evidenciam a invocada evolução positiva dos rendimentos da requerida. Com efeito, deduzido o montante recebido a título da pensão que pelo apelante lhe vem sendo paga, o seu rendimento líquido foi, no ano de 2014, no valor de €13.146,69, a que corresponde uma média mensal de €1.090,00, tendo crescido cerca de €290,00 em 14 anos, evolução similar, em percentagem, à verificada nos rendimentos do autor. E se fossem estes os únicos parâmetros a considerar, razão não haveria, parece, para alterar a prestação.

Cremos, todavia, que a lei impõe uma outra solução.

Dá conta o Tribunal Constitucional Alemão, no acórdão que a própria requerida juntou aos autos, ter sido intenção da Lei de 21/12/2007, que procedeu a uma nova regulamentação dos alimentos, adaptar o regime então vigente às novas circunstâncias sociais e mudança de valores entretanto ocorrida, com reforço do bem-estar dos filhos e alívio da condição económica das denominadas segundas famílias. Tendo em vista tal objectivo, reforçou o princípio da responsabilização consagrado no art.º 1569.º e, mantendo embora inalterado o citado artigo 1587.º, aditou um novo preceito - o 1578.ºb) - introduzindo a possibilidade de redução da prestação verificados determinados pressupostos e, bem assim, da sua limitação no tempo. Finalmente, alterou a ordem de prioridade no caso de concurso de vários credores de alimentos, com enfraquecimento da posição do ex-cônjuge, agora relegado para posição secundária no confronto com os filhos menores ou equiparados do devedor de alimentos (cf. nova redacção do art.º 1609.º).

De volta ao caso dos autos, está em causa, relembra-se, a pedida extinção da prestação de alimentos no valor de 150.000$00, atribuída à ré por força do acordo dos então cônjuges celebrado no ano de 2000, altura em que o autor tinha uma filha com dois anos de idade, tendo por base um rendimento do devedor de 627.412$00, auferindo a credora 155.380$00.

Volvidos 15 anos, considerando a data do encerramento da audiência, o autor casou, tem mais um filho, nascido em 2007, teve em 2014 o rendimento líquido de €49.042,23, suporta as despesas fixas enumeradas nos pontos 10. a 13., integrando ainda o seu agregado o actual cônjuge e a sua progenitora, com mais de 90 anos de idade. Quanto à requerida, sem ter feito prova de quaisquer despesas extraordinárias, com excepção das consultas médicas, implicando um dispêndio mensal da ordem dos €60,00, auferiu no ano de 2014 o rendimento líquido de €20.231,19, aqui se incluindo a prestação alimentar.

Ora, não permitindo os factos apurados que se dê como assente, ao invés do que pretende o apelante, que o seu rendimento sofreu uma diminuição superior a 10% entre os anos de 2013 e 2014, nem tão pouco, repete-se, que o rendimento da requerida tenha aumentado em 95%, o que os mesmos factos incontornavelmente denunciam é um sensível incremento das responsabilidades do primeiro, com a consequente redução do rendimento disponível.

É certo que o Tribunal Constitucional Federal Alemão, no acórdão que a requerida fez juntar aos autos, declarou inconstitucional a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça Federal Alemão da 1.ª parte do § 1.º do art.º 1578.º do BGB quando admitiu, para efeitos da fixação da prestação a atribuir ao ex-cônjuge, a relevância da mudança operada nas condições económicas da vida conjugal por força de um casamento sucessivo, utilizando o método da tripartição (que pressupõe, grosso modo, a consideração dos rendimentos globais e sua divisão “por cabeça”). Reafirmou então o TC que o preceito convoca a condição económica do dissolvido casal tendo por referência o momento em que o divórcio se tornou definitivo (critério estático), o que terá sido querido pelo legislador, que não alterou o preceito mau grado as demais alterações introduzidas. Todavia, logo ressalvou que as exigências de equivalência na protecção dos cônjuges sucessivos se encontravam satisfeitas com a nova regulamentação dos art.ºs 1569.º, 1578.ºb) e 1609.º.

Detenhamo-nos, pois, nestes dois últimos preceitos.

Nos termos do citado artigo 1578.ºb), o direito a alimentos do cônjuge divorciado, mesmo tendo em conta as necessidades de um filho comum que se encontre à sua guarda, pode ser reduzido para as despesas de subsistência adequadas no caso do apuramento dos alimentos com base na situação económica conjugal se mostrar contrário à equidade. Deverão, todavia, ser aqui consideradas em particular eventuais desvantagens ocorridas no matrimónio no que respeita à possibilidade do cônjuge credor de alimentos garantir a sua própria subsistência. Tais desvantagens são essencialmente as decorrentes do período dedicado à criação e educação de um filho comum, a divisão do trabalho doméstico e da actividade profissional durante o casamento, bem como a duração deste (§1.º).

Consoante prescreve o §2.º, o direito a alimentos do cônjuge divorciado, mesmo tendo em conta as necessidades de um filho comum à guarda desse credor de alimentos, deverá ser limitado no tempo, sempre que um direito sem limite de tempo se mostre contrário à equidade.

Por seu turno, o art.º 1609.º, dispondo para a pluralidade de credores, estatui que, existindo vários alimentados e não podendo o obrigado prestar alimentos a todos, segue-se a seguinte ordem:
1. Filhos solteiros menores e equiparados nos termos do art.º 1603.º, §2.º, 2.ª frase;
2. Progenitores que, devido à guarda do filho, tenham ou pudessem ter direito a alimentos em virtude de divórcio, bem como cônjuges e ex-cônjuges de longa duração; determinado que se trata de um casamento de longa duração, deverá ter-se em conta o disposto no 1578b) §1.º, 2.ª e 3.ª frases.
3. Cônjuges e ex-cônjuges que não se enquadrem no ponto 2.
4. (…)
5. (…)
6. Progenitores.
7.  (…)

À luz das disposições legais que vimos de referir, e feito o confronto com a factualidade apurada nos autos, afigura-se que a utilização do critério estático das condições de vida dos cônjuges à data do divórcio conduzem a um resultado injusto para o autor mas, sobretudo, para os seus dois filhos. Vejamos:

A ré, sem ter feito prova de quaisquer especiais encargos -e sem esquecer que seguramente suportará os normais com a sua alimentação e vestuário, tendo-se apurado um gasto fixo com saúde de pelo menos €60,00 mensais - dispõe de um rendimento líquido médio mensal de €1.838,2 (€1.090,00 remuneração + €748,20 pensão).

Por seu turno o autor, que tem o actual cônjuge e dois filhos, ambos em idade escolar, a seu cargo, tem um rendimento médio mensal de cerca de €4.000,00, reduzido a €3.252,00 depois do pagamento da prestação à ré, suportando encargos fixos com a manutenção da casa, seguros de saúde e creche no valor médio mensal de €1.450,00, sobrando assim €1.700,00 para fazer face às despesas com alimentação, vestuário e saúde, sua, da sua mulher e dos dois filhos, aquisição de livros escolares, gastos com combustível e manutenção do veículo automóvel que utiliza para se deslocar de e para o local de trabalho.

Dos factos referidos resulta que o referido critério do padrão de vida do casal, beneficiando claramente a ré, relega o autor e os seus filhos menores para uma condição menos favorável: aquela beneficia de uma situação mais favorável do que aquela em que se encontraria caso não tivesse casado; ao invés, o autor encontra-se em pior situação, quando o que se pretendeu com o assinalado critério foi que as situações de ambos os cônjuges se equivalessem. Acresce que não se questionando que o casamento de autor e ré foi, tendo perdurado por cerca de duas décadas, é um casamento de longa duração, não há o mínimo indício de que a requerida tivesse visto a sua formação profissional ou a sua progressão na carreira prejudicadas pelo casamento ou pela dedicação à educação de um filho comum; pelo contrário, os autos dão conta de que exerce a sua profissão de enfermeira em Portugal pelo menos desde o ano de 1989, em cujo exercício se mantém, tendo merecido respostas negativas todos os factos alegados tendentes à afirmação de que teria contribuído para a formação profissional do autor.

Argumenta a recorrida que não cabendo qualquer juízo de censura moral relativamente às decisões do apelante de casar e ter tido filhos, não pode “uma decisão livre e autónoma servir de justificação para fazer cessar a obrigação de pagamento das prestações por alegada impossibilidade”, nesse sentido devendo ser interpretada a expressão “facto causado por culpa própria”.

A este respeito já se disse quanto foi tido por pertinente, não sendo razoável tal interpretação do acordado. Acresce que se a prestação de alimentos fixada à ré fosse invulnerável às repercussões que a constituição de uma nova família pudessem causar na condição económica do autor, traduzindo-se num constrangimento à sua capacidade de sustentar os filhos, então já não seria assim tão livre de os ter.

Por último, foi o próprio legislador quem sentiu a necessidade de fazer relevar tal situação, o que fez mediante a introdução do artigo 1578.ºb) e modificação da ordem consagrada no artigo 1609,º, não sendo rigoroso quanto afirma a apelada no sentido do ex-cônjuge ficar sempre protegido, independentemente do facto de o recorrente constituir ou não nova família. Também não constitui obstáculo à limitação temporal da prestação, tal como prevê o artigo 1578b), o facto de as partes não a terem convencionado, bastando para tanto que se verifiquem os necessários pressupostos.

Não se adere igualmente à interpretação restritiva do referido artigo 1578b), que pretende limitado às situações em que o cônjuge obrigado fique sem culpa numa situação de desemprego ou doença pessoal do respectivo cônjuge. Decerto que tais exemplos preenchem a previsão legal, que todavia a elas não se encontra limitada pois tendo o legislador feito apelo a razões de equidade conferiu ao julgador uma ampla margem de liberdade na avaliação das situações concretos, conforme foi seguramente sua intenção, atendendo a que se trata de uma norma correctiva face à rigidez do critério consagrado no artigo 1578.º, segundo a interpretação feita pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão.

Defende ainda a apelante a prevalência da primeira mulher no caso da insuficiência dos rendimentos do devedor de alimentos para satisfazer integralmente todos os credores. Mas sem rigor o faz, face à nova redacção do artigo 1609.º. Com efeito, não só os filhos solteiros menores e equiparados, como é caso de ambos os filhos do autor, preferem à recorrida, como não é líquida a sua prevalência sobe o actual cônjuge, considerando a idade do filho André e o disposto no artigo 1570.º.

Por outro lado, se é facto que a mãe dos menores também se encontra obrigada a prestar-lhes alimentos na medida das suas possibilidades, nada autoriza a desvalorizar o trabalho que seguramente fará, gerindo a casa e cuidando do autor e dos filhos do casal, conforme resulta claro do disposto no artigo 1360.º do BGB[4]. E aqui não podemos deixar de fazer referência à alusão feita pela apelada ao facto de, segundo diz, só muito raramente os valores das prestações aos filhos menores fixados pelos tribunais portugueses ultrapassarem os €250,00, donde encontrar-se mais que assegurado montante equivalente a favor dos filhos do autor. Pensamos que a ré generalizou o que não pode ser generalizado, uma vez que a fixação dos alimentos aos filhos menores é feita segundo o critério legal formado pelas necessidades do devedor/possibilidades do credor. E, como é óbvio, se a mensalidade do colégio do menor André, só por si excede esse valor, aqui está um exemplo de uma prestação quer teria de ser fixada em montante superior. Aliás, não podemos de modo nenhum concordar com a interpretação que a apelada faz dos normativos em causa, que manteriam intocado o seu direito a participar das condições de vida que o casal tinha à data do divórcio, mas já não permitia aos filhos de um segundo casamento que participassem das mesmas condições de vida que o rendimento do seu progenitor - que esforçadamente mantém dois empregos há pelo menos 15 anos -  continua a proporcionar ao ex-cônjuge. Não foi seguramente este o resultado querido pelo legislador alemão, como resulta desde logo da motivação da reforma de 2007, visando uma maior protecção das chamadas segundas famílias em razão do permitido alívio do devedor de alimentos.

Decorre do exposto que, não se tendo verificado alteração relevante da situação da requerida à data do acordo que permita concluir pela desnecessidade dos alimentos, ocorreu no entanto alteração relevante da situação económica do autor/apelante, a impor a redução dos alimentos face à injustiça a que conduz a utilização do critério da manutenção do padrão de vida existente à data do divórcio de autor e ré, o que se faz ao abrigo do disposto no art.º 1578b) do BGB.

Deste modo, fixa-se em €350,00 (trezentos euros a prestação devida à apelada), que passará assim a dispor de um rendimento de €1.440,00 mensais, suficiente para satisfazer todas as suas necessidades, tendo em conta a factualidade apurada, permitindo o alívio dos encargos suportados pelo autor, sem prejuízo de nova revisão sempre que a alteração das situações do credor e do devedor de alimentos o justifique.

III. Decisão

Acordam os juízes da 3.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida e reduzindo a prestação alimentar fixada a favor da ré e a cargo do aqui autor ao montante de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) mensais.

Custas nesta e na primeira instância a cargo de autor e ré, na proporção de metade para cada um.

                 Relatora:

Maria Domingas Simões

Adjuntos:

1º - Jaime Ferreira

2º - Jorge Arcanjo




[1] Abordando todos e cada um dos aspectos aqui sumariamente referidos, TOMÉ, MARIA JOÃO ROMÃO CARREIRO VAZ, “Considerações sobre alguns Efeitos Patrimoniais do Divórcio na Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro: (in)adequação às 42 realidades familiares do século XXI?”, in E foram felizes para sempre…? Uma análise crítica do novo regime jurídico do divórcio – Actas do Congresso de 23, 24 e 25 de Outubro de 2008. Coimbra Editora, 2010.
[2] “All the necessities of life” na tradução inglesa da versão oficial do BGB, acessível em http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_bgb/englisch_bgb.html#p5390, afigurando-se assistir alguma razão à requerida quando se queixa da tradução do alemão constante dos autos quanto a este específico aspecto.
[3] “The marital standard of living” na tradução inglesa.
[4] Consagrando solução em tudo idêntica à do art.º 1676.º, n.º 1 do nosso CC.