Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
105/15.3PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÃO
INIBIÇÃO DE CONDUÇÃO DE VEÍCULOS COM MOTOR
DESCONTO NA PENA ACESSÓRIA FIXADA EM SENTENÇA CONDENATÓRIA
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DA SECÇÃO CRIMINAL DE POMBAL - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 281.º DO CPP; ART. 69.º DO CP
Sumário: A inibição de condução de veículos a motor fixada, a título de injunção, no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que venha a ser imposta, a final, em sentença condenatória, no âmbito do mesmo processo.
Decisão Texto Integral:




Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.      

RELATÓRIO

1 - Na instância local criminal de Pombal - Comarca de Leiria, no processo sumário acima referido, foi julgado o arguido A... , e a final foi proferida sentença em que se decidiu :

- condenado, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 5,00 € , o que perfaz o montante de 350,00 €, à qual haverá que descontar um dia em virtude da detenção sofrida (artigo 80.º, n.º 1 do C.P.).

- condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 4 meses e 15 dias, nos termos dos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), 2 do Código Penal.

2 - Inconformado, recorreu o arguido, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :

Entende o recorrente que face aos factos dados como provados em juízo e ao Direito aplicável, o tempo que o arguido se absteve de conduzir em cumprimento de injunção fixada no âmbito da suspensão provisória do processo (e tendo entregue a respetiva carta de condução) deve ser descontado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Ainda na fase de inquérito, o processo foi objeto de suspensão provisória, pelo período de 5 meses, mediante o cumprimento de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias e na entrega da quantia de € 500,00 ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP.

O arguido cumpriu a sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses e 15 dias determinados na suspensão provisória do processo.

Todavia, como não cumpriu a obrigação de entrega de € 500,00 ao IGFEJ, IP, o processo seguiu os seus termos e o arguido veio a ser julgado em processo abreviado.

Na douta sentença o arguido foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5 € e ainda na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses e 15 dias.

O Tribunal ad quo na sentença proferida não procedeu ao desconto do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69.º do CP, por entender que tal não era possível.

O arguido não pode concordar com tal entendimento.

Ora, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor imposta ao arguido na decisão condenatória, proferida nos autos, teve por objeto o mesmo facto que constituiu o objeto da injunção que lhe foi imposta na anteriormente determinada suspensão provisória do processo.

Os efeitos substantivos de uma e de outra, projetados na vida do arguido, seriam precisamente os mesmos, pois o respetivo cumprimento é feito da mesma forma,

Na verdade, a pena acessória e a injunção têm diferente natureza. A injunção não constitui uma sanção penal (caso contrário seria absolutamente inconstitucional a sua imposição pelo M.P. - artigo 202.°, n.º 1, da CRP.

In casu, a injunção e a pena acessória decorrem da prática do mesmo crime.

Tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, afetam de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido.

Apesar da sua diferente natureza conceptual, têm funções de prevenção especial e geral, equivalentes.

A ausência do desconto em causa (do período de tempo que o arguido se absteve de conduzir, tendo entregue a sua licença de condução, injunção que lhe foi imposta, ainda que o arguido tivesse aceitado tal imposição para poder beneficiar da suspensão provisória do processo) levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estamos perante uma violação do princípio ne bis in idem).

De referir, ainda, que, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do C.P.P., de que as prestações entretanto feitas pelo arguido não podem ser repetidas, aliás, como acontece nos termos do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal, não tem aplicação à proibição de conduzir.

  Estarão em causa aquelas quantias cujo pagamento lhe tenha sido imposto (enquanto injunção no âmbito da suspensão provisória do processo ou como condição de que dependia a suspensão da pena) e que o arguido não poderá reaver.

Pelo exposto, deve proceder-se ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo e tida por extinta a pena acessória de proibição de conduzir.

3 - Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer no qual conclui pela procedência do recurso.

 4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1 - No dia 29.05.2015, pelas 01h41m, no Largo do Cardal, 3100 Pombal, o arguido A... conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula BC... com uma TAS de 1,64 g/l.
2 - A taxa de álcool referida é que resulta da verificada através do uso do aparelho Drager 7110 MKIII P verificado em 21.11.2014, de 1,79g/l, deduzida de 8%, nos termos do art.º 170.º n.º1 do Cód. da Estrada, e conforme previsto na tabela anexa à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.
3 - Ao praticar os factos descritos agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, tendo plena consciência de que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, a taxa de álcool no sangue de 1,64 g/l, e que era proibido conduzir nessas circunstâncias não se abstendo, ainda assim, de conduzir o referido automóvel na via pública.
4 - O arguido sabia, além disso, que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5 - O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados.
6 - O arguido demonstrou arrependimento.
7 - O arguido encontra-se desempregado (era vendedor) há cerca de 6 anos a esta parte, inscrito em Centro de Emprego, sendo a sua companheira a única fonte de rendimento, trabalhadora no Município de Pombal, auferindo um vencimento mensal de 710,00 €, vivendo em casa emprestada e tendo dois filhos menores a seu cargo.
8 - Do certificado de registo criminal do arguido não consta averbada qualquer condenação, o mesmo sucedendo com o seu registo individual de condutor.
9 - O arguido já beneficiou nos autos de suspensão provisório do processo, na qual incumpriu com a injunção pecuniária determinada, tendo, contudo, cumprido a injunção de entrega da sua carta de condução nos serviços do MP, pelo período de quatro meses e quinze dias.
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FUNDAMENTAÇÃO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas, a saber, se devia ser descontada na sentença a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor ( da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo ) e tida por extinta a pena acessória de proibição de conduzir.

 Para denegar estas pretensões do recorrente, disse a decisão recorrida, com mais interesse:

«(…) As penas acessórias cumprem, assim, uma função preventiva adjuvante da pena principal.

Por outro lado a injunção a que o arguido voluntariamente se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o arguido quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou (a de abster-se de conduzir por 4 meses e 15 dias) e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281º do C.P.P..

A injunção a que o arguido se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória.

A este propósito diz-se no “Código de Processo Penal Comentado” pelos Senhores Juízes Conselheiros António Henriques Gaspar, José António Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, Almedina, 2014, “A suspensão provisória constitui uma forma alternativa de processamento do inquérito, na sua fase final, sendo, por isso, um caso de “diversão”. Constatada a existência de indícios suficientes do crime e da identidade do seu autor, o inquérito não desemboca numa acusação com vista ao julgamento do arguido, antes fica suspenso, pelo prazo previsto no art. 282.º, ficando o arguido sujeito a “injunções e regras de conduta” decretadas pelo Ministério Público.

Estas medidas não constituem obviamente sanções penais, caso contrário seria absolutamente inconstitucional a sua imposição pelo Ministério Público (art. 202.º, n.º 1, da Constituição). Trata-se antes de medidas que impõem deveres (positivos ou negativos) ao arguido, como condição da suspensão, sendo a sua aceitação por parte deste necessária para a suspensão.”

Ora de acordo com o n.º 4, alínea a) do artigo 282.º do C.P.P., se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.

E por prestações, nos termos deste normativo, devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias mas também outras prestações, como as de abster-se de certas actividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efectuar serviço de interesse público (será

que se o arguido tivesse liquidado parte da quantia de 500,00 € a entregar a instituto de solidariedade social e/ou tivesse prestado serviço de interesse público, também pretenderia agora que seja a quantia liquidada fosse descontada na pena de multa e/o tempo dispendido equivalesse a trabalho a favor da comunidade?).

Por outro lado, não procede (…) que se deve proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no artigo 69.º do CP, por se  mostrar obrigatória a imposição, como injunção, da proibição de condução de veículos automóveis, sempre que o procedimento se refira a crimes para os quais se encontra legalmente prevista essa medida como pena acessória, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 281.º do CPP.

A alteração introduzida no n.º 3, do artigo 281.º, do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21/2, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo.

Ou seja, pese embora o legislador tenha imposto a aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos com motor, quando está em causa crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal não significa que não seja necessária a aceitação, de forma voluntária, de uma tal injunção, sob pena de não ser viável a suspensão provisória do processo.

Também não procede o argumento (…) da tese do desconto de que o período da inibição fixado na injunção deve ser descontado na pena acessória porque no caso da prisão preventiva também esta é sempre descontada na pena de prisão em que vier a ser condenado o arguido.

O desconto da prisão preventiva é efectuado porque está expressamente previsto na lei penal – art. 80.º do CP.

Se fosse intenção do legislador que se procedesse, no caso de prosseguimento do processo para julgamento, ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, do período de inibição de conduzir fixado na injunção, bastar-lhe-ia ter dito isso mesmo. O que não fez e a verdade é que na fixação do sentido e do alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – artigo 9º, n.º3 do Código Civil.

Quanto a uma eventual violação do princípio “ne bis in idem”.

(…) Ora, no caso, o despacho de suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o mérito da questão. Trata-se de um despacho proferido numa fase inicial do inquérito e necessita da concordância, além do mais, do arguido. Acresce que (e sobretudo) é, como o nome indica, uma decisão provisória, que não põe fim ao processo – o fim do processo só ocorrerá, eventualmente, no final do decurso do prazo de suspensão, caso as injunções e regras de conduta se mostrem cumpridas; caso isso não aconteça, o processo prossegue (cfr. os nºs 3 e 4 do artigo 282º do C.P.P.) (…) neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 06.03.2012 e 17.12.2014, disponível em www.dgsi.pt.) (…».

A questão suscitada nos autos tem sido objecto de decisões díspares no nossos tribunais superiores, embora a prevalecente - que também perfilhamos - seja no sentido de se proceder ao desconto das injunções cumpridas no quadro da suspensão provisória do processo.

Para uma corrente jurisprudencial (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6/3/2012, proc. nº 289/09.2SILSB.L1-5, e desta Relação do Porto de 28/5/2014, proc. n.º 427/11.2PDPRT.P1, ambos in www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27/6/2012, in CJ, 2012, t3, pp. 109, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/4/2015, acessível também in www.dgsi.pt)) não há que proceder ao desconto, tendo em conta (1) a diferente natureza e o diferente regime das injunções no âmbito da suspensão provisória do processo, por um lado, e das penas, por outro: a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena tem fins de prevenção geral e especial; (2) o cumprimento da injunção decorre de um acordo obtido com o arguido, ao contrário do que sucede com as penas, impostas independentemente da vontade deste; (3) o despacho que determina a revogação da suspensão provisória do processo e o seu prosseguimento com a acusação não implica o julgamento sobre o mérito da questão; (4) o incumprimento dessas injunções tem como consequência esse prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados faz incorrer o arguido na prática de um crime; (5) durante o cumprimento da injunção de entrega da carta de condução, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição de conduzir decretada sem o consentimento do visado.

Já para a outra corrente,  aos argumentos atrás referidos sobrepõe-se um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações, uma vez que a injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime, por isso, tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, a mesma afecta de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido ( entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 10-12-2014, proc. n.º 23/13.0GCPBL.C1, de 7-10-2105, proc. n.º 349/13.2GBPBL.C1 e de 24-2-2016, proc. n.º 129/12.2GTCBR.C1; da Relação do Porto de 22-4-2015, proc. n.º 177/13.5PFPRT.P1; da Relação de Guimarães de 6-6-2014, proc. n.º 98/12.7GAVNC.G1 e de 22-09-2014, proc. n.º 7/13.8PTBRG.G1 ; da Relação de Lisboa de 12-05-2016m proc. n.º 1729/12.6SILSB.L1-9 ; e  da Relação de Évora de 11-7-2013, proc. n.º 108/11.7PTSTP.E1).

Ou seja, apesar da sua diferente natureza, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes, pelo que a ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (cfr. nº 3 do artigo 281º do Cód Proc. Penal : «…tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor», de onde decorre a obrigatoriedade desta injunção.

Diz o parecer dos docentes da Faculdade de Direito de Lisboa, Maria Fernanda Palma, Paulo Sousa Mendes, João Gouveia de Caíres, João Matos Vieira e Vânia Costa Ramos, no âmbito da consulta que lhes foi feita pelo Parlamento: «Em princípio, a cominação legal de penas acessórias, mesmo no caso de inibição de condução de veículo a motor, é totalmente compatível com a suspensão provisória do processo e, se esta for a medida adequada, o julgamento apenas agravará a situação. É bom recordar que a suspensão provisória do processo é uma medida de diversão processual que apenas constitui um desvio à tramitação normal que conduziria ao julgamento. O que se evita com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção acessória quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta. Em tese, a inibição de condução, enquanto sanção acessória, também pode consistir numa injunção aplicada através de suspensão provisória do processo, aliás tornada efectiva mais prontamente do que se fosse aplicada como resultado de uma condenação transitada em julgado».

E como escreveu o Prof. Figueiredo Dias, antes da Revisão do Código Penal de 1995, a propósito dos problemas do desconto das penas, « Da leitura dos artigos 80º a 82º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a privações da liberdade processuais, a penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição e a medidas de segurança. Uma tal restrição não parece porém, ao menos em todos os casos pensáveis, político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar – tratando-se, como se trata, de uma solução favorável ao delinquente -, sempre que possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação». (  Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.300 ).

Finalmente, em anotação ao art 29.º da Constituição, os Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, consideram que a Constituição, «(...) proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime» ( Constituição da Rep Port. Anotada, 3.ª ed revista, p. 194, Coimbra Editora).

Como bem refere o Ac desta Relação n.º 159/15.2GTVIS.C1, de 26-10-2016 (www.dgsi.pt), «(…) O Tribunal da Relação reconhece que inexiste norma a prever o desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo, como acontece nas situações descritas nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal ; Mas por uma questão de justiça material e respeito pelo cumprimento daquela injunção, equivalente ao cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos, entendemos com parte da jurisprudência, que temos como largamente maioritária, que deve considerar-se que a inexistência de norma a prever o desconto configura uma lacuna legal, e não uma opção do legislador ; No caso, a ausência do desconto levaria a sancionar duplamente a mesma conduta, mesmo entendendo que, rigorosamente, não estamos perante uma violação do princípio ne bis in idem».

Na mesma esteira argumentativa, acompanhamos o Ac RP, n.º 293/14.6PEPRT.P1, de 3-6-2016 ( www.dgsi.pt : «(…) o que se pretende evitar com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção acessória quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta. Assim, a inibição de condução, enquanto sanção acessória, pode consistir numa injunção aplicada através de suspensão provisória do processo, mas não deixa de ser a mesma sanção acessória de proibição de conduzir, só que aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, onde o fim e a sua execução são iguais, mesmo que se entenda que têm natureza jurídica diferente. Pela mesma razão, deve também proceder-se ao desconto na pena de multa aplicada. As injunções são, pois, ordens dadas ao arguido para que cumpra determinadas obrigações, de facere ou de non facere, pelo que, neste ponto, se assemelham a uma sanção penal, com o mesmo objectivo de realização do interesse público, realizado através de uma pena, mas a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa» (cf. Costa Andrade, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, 1988, pág. 353).


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DECISÃO

Pelos fundamentos expostos :

I - Concede-se provimento ao recurso e assim, procedendo-se ao desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor da injunção cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo, declara-se extinta a pena acessória de proibição de conduzir.

II - Sem custas.


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Coimbra, 9 de Janeiro de 2017

(Paulo Valério - relator)

(Frederico Cebola - adjunto)