Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204//13.6GTVIS.A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONTAGEM DO PRAZO DE PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 10/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 55.º, AL. D), E 56.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário: I - O período de suspensão da execução da pena inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória.

II – Na situação de prorrogação do período de suspensão da execução da pena ao abrigo do artigo 55.º, alínea d), do Código Penal, este novo prazo inicia-se no termo do prazo inicial da suspensão e não após o trânsito em julgado do despacho que decidiu a prorrogação.

III – Se os factos referentes à prática de um novo crime por que o agente venha a ser condenado ocorrerem após o trânsito em julgado do despacho que decidiu a prorrogação da suspensão da pena e durante o prazo dessa prorrogação mas já depois de findo o prazo inicial acrescido do prazo da dita prorrogação da suspensão da pena, o novo crime não pode ser relevado nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, para efeitos de eventual revogação da suspensão da pena.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Por sentença transitada em julgado no dia 22 de junho de 2015, foi o arguido NA condenado na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

2. Por despacho judicial de 13.3.2019 foi revogada esta suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido NA, com o consequente cumprimento pelo mesmo da referida pena de 13 meses de prisão.

3. Deste despacho recorre o arguido que formula as seguintes conclusões:

            1 - Por sentença proferida no âmbito dos presentes autos, transitada em julgado em 22/06/2015, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p.p. pelos artigos 291.º n.º 1 al. a) e b) do Código Penal, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada à obrigação de o arguido se sujeitar a consulta médica de avaliação da existência de problemática da

dependência alcoólica e, em caso de resposta positiva, de se sujeitar a tratamento proposto pelo profissional de saúde.

           

            2 - Por despacho proferido em 02/01/2018, transitado em julgado em 09/02/2018, foi prorrogado o período de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido por mais um ano.

            3 - Em 18/03/2019 foi proferido despacho nos termos do qual se procede à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido com consequente cumprimento pelo mesmo da pena de 13 meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos, sendo desta decisão que ora se recorre.

            4 - Para tal decisão relevou o facto de o arguido ter sido condenado no âmbito do processo n.º 1757/17.5T9VIS, na pena de seis meses de prisão, substituída por cento e oitenta horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos no dia 27/10/2016, cuja sentença transitou em julgado no dia 07/06/2018;

            5 - Tendo relevado também, e principalmente, o facto de o arguido ter sido condenado por sentença transitada em julgado em 29/10/2018 e proferida nos autos de Processo Sumário n.º 66/18.7GTVIS, na pena de oito meses de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos no dia 06/05/2018 (cfr. fls. 528-537), pena essa que se encontra atualmente a cumprir no EPR de Viseu.

            6 - O objeto do presente recurso é a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido com consequente cumprimento pelo mesmo da pena de 13 meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos.

            (I)

            7 - Considerando que o trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos ocorreu no dia 22/06/2015, por força do disposto no artigo 50.º n.º 5 do Código Penal, resulta que o período de suspensão de 13 meses decorreu de 22/06/2015 a 22/07/2016.

            8 - A tal período deve acrescer o da prorrogação de um ano - determinada ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 55.º do Código Penal - pelo referido despacho proferido em 02/01/2018, transitado em julgado em 09/02/2018.

            9 - De onde resulta que o período de suspensão da execução da pena de prisão (13 meses), contabilizando já o da prorrogação (12 meses), decorreu de 22/06/2015 a 22/07/2017.

            10 - Será sempre em relação a este período que terá que ser avaliada a conduta do arguido para efeito de ponderação sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão em que foi condenado.

            11 - Em 06/05/2018 tinham já passado 34 meses e 18 dias desde o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida no âmbito dos presentes autos, muito além dos 25 meses de duração do período de suspensão, contabilizando os 13 meses da pena inicialmente fixada e somando os 12 meses da prorrogação.

            12 - Ao valorar a condenação sofrida pelo arguido no âmbito do processo n.º 66/18.7GCVIS, por factos ocorridos em 06/05/2018, para fundamentar a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido no âmbito dos presentes autos, o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 50.º n.º 5, 55.º al. d), 56.º e 57.º, todos do Código Penal, e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

            13 - Deve pois, na procedência do presente recurso, revogar-se o despacho recorrido e ordenar-se a sua substituição por outro que determine a extinção da pena, ou, em alternativa, em que se conheça e valore apenas da condenação sofrida pelo

arguido no âmbito do processo n.º 1757/17.5T9VIS.

            (II)

            (...)

            6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

II

            Questão a apreciar:

            1. A verificação (ou não) dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido.

            2. A prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena.

            (...)

                                                          

III

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

            O arguido NA foi condenado nestes autos, por sentença

transitada em julgado no dia 22 de junho de 2015, além do mais, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à obrigação de se sujeitar a consulta médica de avaliação da existência de problemática da dependência alcoólica e, em caso de resposta positiva, de se sujeitar ao tratamento proposto pelo profissional de saúde (cfr. fls. 271-287).

            Por despacho proferido no dia 02/01/2018, transitado em julgado em 09/02/2018, foi prorrogado o período de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido por um ano.

            Mostra-se decorrido o prazo da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos ao arguido NA.

            Entretanto, foi o arguido objeto das seguintes condenações, por factos ocorridos durante o período de suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos:

            a) Por sentença transitada em julgado em 07/06/2018 e proferida nos autos de Processo Comum Singular n.º 1757/17.5T9VIS, que correu termos no Juízo Local Criminal – Juiz 1 desta Comarca de Viseu, foi o arguido condenado na pena de seis meses de prisão, substituída por cento e oitenta horas de trabalho a favor da comunidade, com a obrigação de se manter sujeito ou de se sujeitar à obrigação de acompanhamento e tratamento da dependência alcoólica, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º n.º1 alínea b) do Código Penal, por factos ocorridos no dia 27/10/2016 (cfr. fls. 519);

            b) Por sentença transitada em julgado em 29/10/2018 e proferida nos autos de Processo Sumário n.º 66/18.7GTVIS, que correu termos no Juízo Local Criminal – Juiz 2 desta Comarca de Viseu, foi o arguido condenado na pena de oito meses de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 alínea a) ambos do Código Penal, por factos ocorridos no dia 06/05/2018 (cfr. fls. 528-537), pena essa que se encontra atualmente a cumprir no EPR de Viseu.

            O arguido foi ouvido, tendo afirmado, em síntese, relativamente ao facto de ter cometido o crime referido supra no processo n.º 66/18.7GTVIS, que “praticou o crime numa fase complicada; andava à deriva….” (cfr. fls. 543 dos autos),     O Ministério Público promoveu seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 56.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código Penal, com o consequente cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão que lhe foi aplicada.

            Notificado para se pronunciar, o arguido pugnou pela prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão por mais um ano.

            Cumpre apreciar e decidir.

            Dispõe o nº 1 do artigo 56º, do Código Penal que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

            a) O condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta;

            b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

            Por sua vez, estatui o nº 2 da mesma disposição legal que “A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (...) “.

            Resulta da citada disposição legal que o mero incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, não é suficiente para fundar a revogação, exigindo-se que o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos. Resulta, também, que o cometimento de um novo crime durante o período de suspensão não acarreta automaticamente a revogação da suspensão, a qual depende antes da convicção de que o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão se encontra definitivamente afastado, na perspetiva das exigências de prevenção geral e especial, e tendo presente a apreciação das circunstâncias em que foi cometido o novo crime (neste sentido, designadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Maio de 2010, disponível em www.dgsi.pt).

            Constituindo a revogação da suspensão a execução da pena de prisão “ultima ratio”, o artigo 55.º do Código Penal prevê outras soluções para o incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão. Assim, “Se, durante o período da suspensão, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5, do artigo 50.º.”

            Concordamos com o Ministério Público quando afasta liminarmente a aplicação das alíneas a), b) e c) do n.º 1, do artigo 55.º do Código Penal, quer pela sua desproporcionalidade (insuficiência face à gravidade do incumprimento, traduzido na prática de dois crimes), quer pela inadequação (não se vislumbrando outros deveres ou regras de conduta adequadas ao caso concreto).

            Cumpre, então, apreciar se existe fundamento para a prorrogação do prazo da suspensão da execução da pena de prisão ou, antes, se se impõe a revogação desta. O apurado comportamento do arguido - mantendo o consumo de bebidas alcoólicas e praticando um crime de desobediência e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, pelos quais foi condenado em penas de prisão, a última das quais efetiva – leva-nos a concluir que a ameaça da prisão não foi suficiente para o arguido se consciencializar do seu problema de dependência alcoólica (ou da gravidade deste), bem como para o afastar da prática de novos crimes.

            As condenações sofridas pelo arguido, especialmente a que sofreu no âmbito do processo n.º 66/18.7GTVIS (mas também a sofrida no processo n.º 1757/17.5T9VIS, atenta a idêntica natureza dos factos), demonstram de forma clara que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram alcançadas e, como tal, se não foi possível formular um juízo de prognose favorável no âmbito da referida condenação, muito menos é possível formular agora um novo juízo de prognose favorável quanto ao futuro

comportamento do arguido (neste sentido, vg. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/10/2013, processo n.º 323/06.5GDCBR-A.C1, relatora Maria José Nogueira, disponível em www.dgsi.pt e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, ponto 546, pág. 357).

            Para melhor ilustração, foi dado como provado na sentença proferida no processo n.º 66/18.7GTVIS que o arguido conduzia o veículo a motor com uma TAS de pelo menos 1,923 g/l, correspondente à TAS de 2,09 g/l registada, deduzido o erro máximo admissível, além de que, à data da prática dos factos, fazia um consumo moderado de bebidas alcoólicas, não se mantendo, assim, abstémico. Nessa mesma sentença, a propósito da pena, escreveu-se: “Os já mencionados antecedentes criminais do arguido, incluindo pela prática de crimes de natureza idêntica ao aqui em apreço, não permitem formular um juízo de prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento. Antes pelo contrário, revela bem que o mesmo desprezou por completo o aviso em que se traduziram as condenações anteriores já que as mesmas não lograram obter qualquer efeito quanto à alteração do seu comportamento. Entendemos, assim, que a repetição da conduta do arguido e as penas que já lhe foram anteriormente aplicadas, arredam a possibilidade de efetuar qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para o afastar da prática de novos crimes, pelo que entendemos que não se encontram verificados os pressupostos, para a aplicação do disposto no artigo 50, nº 1 do Código Penal, que prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão aplicada. (…) Assim sendo, tendo em conta que o arguido denota uma propensão para a prática de crimes – a maioria delas por crimes praticados no exercício da condução ou com eles ligados -, revelando dessa foram um total desprezo pela ordem jurídica, não tendo as penas anteriormente aplicadas sido suficientemente dissuasoras para o arredar do cometimento do ilícito aqui em apreço – o que demonstra que não interiorizou a reprovabilidade da sua conduta -, entendemos que só a pena de prisão efetiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e acautela a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

            No sentido de que não foram alcançadas as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão, milita ainda a postura do arguido em face do incumprimento e da prática de novos crimes, pois que reveladora da desvalorização do seu comportamento, bem como avessa ao Direito, na medida em que manifesta propensão para delinquir, mesmo depois de o arguido ter sido efetivamente provado da sua liberdade.

            Assim, em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º2, do Código Penal, e em conformidade com o promovido, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido NA, com o consequente cumprimento pelo mesmo da pena de 13 meses de prisão em foi condenado nos presentes autos.

Apreciando:

1ª Questão: a verificação (ou não) dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido.

1. Dispõe o artigo 55.º do Código Penal que:

“Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano da reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no artigo 50.º».

Dispõe, por sua vez, o artigo 56º do Código Penal que:

1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

E preceitua o artigo 57º do Código Penal que:

“1. A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação;

2. Se, findo o período de suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do período da suspensão”.

2. Da conjugação destes preceitos, podemos concluir[1] que:

O artigo 55º regula os requisitos de prorrogação do período de suspensão da execução da pena; o artigo 56º regula as situações de revogação da suspensão da execução da pena; e o artigo 57º, da extinção da pena que se encontrava suspensa na sua execução.

            Como afirma o Ministério Público junto desta Relação, no seu parecer, “resulta de forma cristalina do citado preceito legal[2] que só depois de findo o período de suspensão da pena é que deve ser apreciado se a mesma deve ser declarada extinta ou revogada, sendo que, se no decurso do prazo ainda se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, a extinção só é declarada depois de findo o processo ou incidente e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão (neste sentido e por todos, consulte-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2017, proferido no Processo NUIPC 266/08.GBSCD-A.C1, consultável em www.dgsi.pt). 

Não é esta a situação a dirimir no presente recurso.

            O que importa apurar é se o prazo de prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão se inicia no termo do prazo inicial ou se depois do trânsito em julgado do despacho que decidiu a prorrogação.

Entendendo-se que o prazo de prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão se inicia depois do trânsito em julgado do despacho que decidiu a prorrogação, fará sentido apreciar a bondade do decidido quanto aos fundamentos substantivos que determinaram a revogação.

Entendendo-se que o prazo de prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão se inicia no termo do prazo inicial, então falta um dos pressupostos para que se possa determinar a revogação da dita suspensão da execução.

Na verdade , afigura-se pacífico que o período de suspensão da execução da pena se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória – v. acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2009, proferido no Processo 328/98.8GAACB-B.C1, consultável em www.bdjur.almedina.net, referenciado no parecer do Ministério Público.

No concreto caso, no dia seguinte ao trânsito em julgado da sentença, que ocorreu no dia 22 de junho de 2015, pelo período de 13 meses – igual ao da pena aplicada.

E terminando um ano e um mês depois, ou seja, a 23 de julho de 2016.

Se lhe acrescer o ano da prorrogação, a contar depois de findo aquele período inicial da suspensão, significa que a suspensão perdurou até 23 de julho de 2017.

Os factos apreciados pelo tribunal recorrido e que determinaram a revogação da suspensão da pena ocorreram no dia 06/05/2018:

            b) Por sentença transitada em julgado em 29/10/2018 e proferida nos autos de Processo Sumário n.º 66/18.7GTVIS, que correu termos no Juízo Local Criminal – Juiz 2 desta Comarca de Viseu, foi o arguido condenado na pena de oito meses de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 alínea a) ambos do Código Penal, por factos ocorridos no dia 06/05/2018[3].

Dispõe o artº 56º, 1, al. b), do Cód. Penal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Logo, os factos ocorridos no dia 06/05/2018 são manifestamente posteriores ao prazo inicial da suspensão (13 meses), acrescido da prorrogação de mais um ano.

            Mas a verdade é que, “por despacho proferido no dia 02/01/2018, transitado em julgado em 09/02/2018, foi prorrogado o período de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido por um ano”.

            Ou seja, os factos do processo fundamento da revogação, Processo Sumário n.º 66/18.7GTVIS, tendo ocorrido em 06/05/2018, significa que ocorreram precisamente durante este período da prorrogação da suspensão.

            3. Entendemos que a posição sobre esta questão defendida pelo Ministério Público no seu parecer – para onde se remete porque supra reproduzida -, merece a nossa concordância.

            Na verdade, não faz sentido que, numa eventual suspensão de uma pena de prisão pelo período de um ano, por vicissitudes várias alheias ao arguido e resultantes de meras formalidades processuais imputáveis ao andamento normal do processo, decorridos 3 anos, venha o arguido a ser sujeito a mais um ano de suspensão da execução da pena por efeito da prorrogação ao abrigo do disposto no artigo 55º, do Código Penal.

            Decididamente não se afigura ser esta a ratio subjacente a este regime nem o pretendido pelo legislador. E a questão que se coloca é a seguinte: o que acontece se o arguido cometer um crime entre o fim do período inicial da suspensão e o início da prorrogação dessa mesma suspensão?

            Em princípio, não seria fundamento para eventual revogação da suspensão da pena. Mas se cometido 3 anos depois daquele período e durante o dito período da prorrogação, já poderia ser atendido exatamente para efeitos de eventual revogação!

           

            Na verdade, subjacente à ratio da suspensão da execução de uma pena ao arguido é que, no imediato, no período que se lhe segue (daí o considerar-se o início deste período com o trânsito em julgado da sentença), o mesmo adote condutas conformes com a ameaça dessa mesma suspensão. E pelo tempo exatamente fixado. E quando a lei se refere à prática de crime durante o período da suspensão, não é irrelevante. É o período em que o arguido está sujeito a um “regime de prova”, a conduzir a sua vinda conforme o direito.

            E só se prorroga, o que existe. Criando um hiato entre o período inicial da suspensão e o período da prorrogação, retirar-se-ia ao instituto da suspensão, a sua razão essencial, nos termos supra descritos, antes se criando dois períodos de suspensão autónomos e entre si desfasados e desconexos.

            Assim sendo, merece mais uma vez a nossa concordância o afirmado pelo Ministério Público no seu parecer:

            “A continuidade do prazo de suspensão parece-nos ser a única solução coerente ou

compatível com os diferentes cenários previstos pelo legislador para a suspensão da execução da pena de prisão, atrevendo-nos nós a dizer, até, que, rigorosamente, face à epígrafe e letra do artº 55º do CP, a possibilidade de prorrogação da suspensão apenas é admitida para a falta de cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, ou desrespeito pelo plano de reinserção, mas já não para o cometimento de novo crime, solução que, ainda que compatível com um pequeno hiato temporal entre o fim do período de suspensão e o despacho de prorrogação, afasta o cenário sempre indesejável de uma espera cuja duração esteja dependente da marcha ou conclusão de um outro processo e que, para além de imprevisível, pode ser longa. Contudo, porque não é o despacho de prorrogação o recorrido mas o despacho que revogou a suspensão.

            Somos de parecer que o prazo da prorrogação se iniciou no fim do período de suspensão e que, como tal, o douto despacho recorrido apenas poderia ter valorado a condenação proferida no processo 1757/17.5T9VIS e já não a do processo 66/18.7GTVIS”. 

           

            O que significa que merece provimento o recurso do arguido, nesta parte, ou seja, de que o prazo de prorrogação da suspensão da pena se cumpre findo o prazo inicial da suspensão, só relevando para efeitos de eventual revogação, o crime ou crimes, cometidos nesse período.

            E procedendo esta questão, ficam prejudicadas as demais suscitadas pelo arguido recorrente.

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

1. Julgar procedente o recurso do recorrente NA e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que não valore, para efeitos de revogação da suspensão da pena ao arguido, a condenação proferida no processo 66/18.7GTVIS.

2. Julgar prejudicadas as demais questões suscitadas pelo recorrente.

Coimbra, 16 de Outubro de 2019

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários

           

Luís Teixeira (relator)

Vasques Osório (adjunto)


[1] No que de relevante para o caso interessa.
[2] O artigo 57º, do Código Penal.
[3] Sublinhado nosso.