Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/16.1T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: SERVIDÃO PREDIAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
SERVIDÃO DE PASSAGEM
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
SERVIDÃO DE ÁGUAS
SERVIDÃO DE PRESA
SERVIDÃO DE AQUEDUTO
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – TONDELA- JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS 1293, 1360, 1385, 1386, 1389, 1390, 1543, 1547, 1549 CC.
Sumário: 1.- Se o autor não instaura uma acção constitutiva de um direito de servidão de passagem e de servidão de águas, mas peticiona apenas que se declare a existência dos referidos direitos com a inerente condenação da parte contrária ao seu reconhecimento e para que deixe de praticar actos lesivos desses alegados direitos, deverão estar em juízo as pessoas que alegadamente se encontrem a violar o direito do autor.

2.- A servidão de passagem por destinação do pai de família constitui-se no momento em as fracções de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.

3.- A servidão de presa traduz-se, no direito de captar e derivar a água, em benefício do prédio dominante, por meio de levadas, canais ou outras obras análogas, no prédio serviente. A servidão de aqueduto consiste essencialmente no direito de conduzir a água através do prédio serviente, para o prédio dominante.

4.- Para a aquisição do direito de servidão de águas, torna-se ainda necessário, identificar o prédio onde exista a fonte ou nascente que revelem a captação e a posse da água nesse prédio e o prédio serviente (art. 1390.º nº2 do CC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que F(…) ,  instaurou contra A (…) M (…)  J (…)e mulher M (…), peticiona:

I- Declarar-se que o prédio referido no artigo 1º. da p.i., deu origem aos três prédios referidos nos pontos A, B e C do artigo 7º. da p.i., hoje distintos entre si, por mor de usucapião, com as áreas, configurações e linhas divisórias referidas no levantamento topográfico, junto sob o nº.2, sendo o prédio identificado no ponto A propriedade do A., o do ponto B propriedade do R. A (…) e o do ponto C da R. M (…), por os haverem adquirido, além do mais, por mor de usucapião, devendo o 1º. e 2ª. RR. serem condenados a assim o reconhecer;

II- Condenar-se o primeiro R. a:

- Reconhecer que sobre o prédio identificado no artigo 7º. alínea B) da p.i, se encontra constituída uma servidão de passagem de pé a favor do prédio identificado no artigo 7º. alínea A), nos precisos termos constantes dos artigos 11º. a 21º. da p.i;

- Reconhecer que tal servidão se encontra constituída por destinação de pai de família e por usucapião;

- Recuar a porta 1,50 metros para o interior do seu prédio e entregar uma chave do cadeado, referidos no artigo 22º. da p.i., mantendo a servidão permanentemente livre e desimpedida por forma a o A. poder exercer o seu direito de passagem de pé e para que possa conduzir as águas desde o tanque e através do rego de céu aberto referido no artigo 26º. a 30º. da p.i. e não praticar mais actos iguais ou semelhantes aos referidos em tal artigo 22º. do mesmo articulado;

- Retirar o tubo que colocou do tanque para a casa e recoloca-lo no tanque repondo neste a torneira antiga aludidos nos artigos 30º. e 32º. da p.i.;

- Repor o rego de céu aberto referido no artigo 35º. da p.i., à situação anterior.

III- Condenar-se os 1ºs., 2ª. e 3ºs. RR. a reconhecer que sobre os prédios referidos nos artigos 7º. alíneas B) e C) e 26º. da p.i. e em benefício do referido no artigo 7º. alínea A) da p.i. se encontram constituídas por destinação de pai de família e usucapião as servidões de presas e de aquedutos e o respectivo direito de utilização e exploração de água, nos termos dos artigos 26º. a 45º. da p.i.;

IV- Condenar-se a segunda R. a:

- Repor o rego de céu aberto aludido no artigo 33º. da p.i. e a não mais desviar as águas para o rego referido a 34º. do mesmo articulado;

V)- Condenar-se os 3ºs. RR. a retirar o entulho referido no artigo 46º. da p.i. e repor o rego à sua situação anterior;

Para tanto alega, alega em resumo que: Autor e réus são irmãos.

Da herança aberta por óbito dos pais existia um conjunto predial incluindo partes urbanas, que foram divididas pelas partes, ocorrido há mais do que 18 anos, no âmbito de um inventário judicial, sem que tenha havido registo dos mesmos, não obstante haver autonomização das parcelas com muros e vedações, tratando cada uma das parcelas como coisa própria.

Tal unidade predial tinha acessos interiores comuns, bem como sulcos para regar de umas poças que ficam em prédios alheios e represas no próprio prédio, que eram usadas para regar as diversas parcelas.

Recentemente o réu A(…) colocou um portão em madeira com um cadeado e chave impedindo o autor de aceder, pelos caminhos pedonais, à sua parcela, bem como para ir buscar a água.

Este réu também arrasou a poça W... , local onde era colhida água para rega e depois conduzida pelos regos para as parcelas do autor.

Na parcela dos terceiros réus caiu um muro que destruiu o rego de condução da água que se situava junto ao alicerce.

Por fim a segunda ré numa poça colocou um tubo de PVC conduzindo a água para uma vala de irrigação colectiva, impedindo o autor de a usar para rega das suas parcelas.

**

Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que:  O autor, logo após a divisão do prédio mãe em parcelas pelos herdeiros, vedou-se, nunca este tendo passado a pé para o seu prédio pelos prédios dos réus.

O pater familiae nunca acedeu, de sua casa ao prédio que tem número autónomo pelo prédio dividido na partilha.

Nunca existiram, no tempo do pater familiae, nem depois, sinais reveladores de tal servidão, mas penas no prédio que é propriedade de V (…)

Quanto à mina existente no prédio do réu J (…), as águas ali coligidas apenas abastecem o prédio urbano, não abastecendo o tanque, mas apenas a um depósito. Que a água que caía para o tanque era apenas usada para lavar roupa não sendo usada para rega.

O réu A (…) substituiu as torneiras porque as anteriores estavam podres.

Negam que nascessem ou fossem represadas águas no prédio do réu J (…) sendo que a poça se encontra arrasada há 35-40 anos, não sendo usada.

Mais refere que não são usados os regos para regra há 35-40 anos.

Formulam reconvenção na qual pedem que seja reconhecida a autonomização dos prédios decorrente da divisão do prédio mãe.

O autor respondeu, mediante réplica, à reconvenção.

*

Foi proferido despacho saneador e de fixação dos temas da prova  no qual foi admitido o pedido reconvencional.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme consta dos autos.

Na sentença recorrida foi decidido: «…. Por tudo o exposto o tribunal declara procedente porque provada a presente acção, e improcedente, porque não provada, a reconvenção e em consequência disso:

I- Declara que o prédio referido 1 dos factos provados., deu origem aos três prédios referidos nos pontos A, B e C do ponto 5, hoje distintos entre si, por mor de usucapião, com as áreas, configurações e linhas divisórias referidas no levantamento topográfico de fls. 27-28, 81, 82 e 84, sendo o prédio identificado no ponto A propriedade do A., o do ponto B propriedade do R. A (…) e o do ponto C da R. M (…), por os haverem adquirido, além do mais, por mor de usucapião, devendo o 1º. e 2ª. RR. serem condenados a assim o reconhecer;

II- Condena o primeiro R. a:

a) Reconhecer que sobre o prédio identificado no ponto 5, alínea B)  dos factos provados, se encontra constituída uma servidão de passagem de pé a favor do prédio identificado no ponto 5 alínea A), nos precisos termos constantes dos pontos 10 a 17.;

b) Reconhecer que tal servidão se encontra constituída por destinação de pai de família e por usucapião;

c) - Recuar a porta 1,50 metros para o interior do seu prédio e entregar uma chave do cadeado, referidos no ponto 18., mantendo a servidão permanentemente livre e desimpedida por forma a o A. poder exercer o seu direito de passagem de pé e para que possa conduzir as águas desde o tanque e através do rego de céu aberto referido nos pontos 10 a 17 e não praticar mais actos iguais ou semelhantes aos referidos;

d) Retirar o tubo que colocou do tanque para a casa e recoloca-lo no tanque repondo neste a torneira antiga aludido nos pontos 26 a 31;

e) Repor o rego de céu aberto referido no ponto 24, à situação anterior.

III- Condenar-se os 1ºs., 2ª. e 3ºs. RR. a reconhecer que sobre os prédios referidos nos pontos 5. alíneas B) e C) e 21. e em benefício do referido no 5. alínea A) se encontram constituídas por destinação de pai de família e usucapião as servidões de presas e de aquedutos e o respectivo direito de utilização e exploração de água, nos termos dos pontos 22 a 27 e 29 a 31.;

IV- Condenar-se a segunda R. a:

a) Repor o rego de céu aberto aludido no ponto 28. e a não mais desviar as águas para o rego;

V)- Condenar-se os 3ºs. RR. a retirar o entulho referido no artigo 40. e repor o rego à sua situação anterior;

VI) - Fixa o valor da acção para efeitos tributários em €11.001,00.

VII) - Condenar autores e os réus nas custas do processo, na proporção de1/3 para cada o autor e 2/3 para os réus.

**

Registe e notifique. ..»(sic).

                                                 *

Inconformados com tal decisão, vieram os réus interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Os réus com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«…CONCLUSÕES:

(…)

O autor veio responder às alegações dos recorrentes e apresentou contra-alegações nas quais alegou as seguintes conclusões: «… Conclusões:

(…)

.

                                                                     *

Foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos: «

Por a decisão admitir recurso (artigo 629º a contrário, do Código de Processo Civil) por ter legitimidade (artigo 631º do Código de Processo Civil) estar em tempo (artigo 638º do CPC), por a decisão lhe ser desfavorável, por o valor da acção ser superior à alçada do tribunal de comarca (artigo 629º, nº 1 do CPC), ter junto as alegações (artigo 685º-A do Código de Processo Civil) admito o presente recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que é ordinário (artigo 627º do CPC) e de apelação (artigo 644º do CPC), a subir de imediato (artigo 645º do Código de Processo Civil) nos próprios autos (artigo 646º do CPC), com efeito meramente devolutivo (artigo 647º, nº 1 do CPC).

**

Fls. 154 e seguintes.

Por estarem em tempo e ter legitimidade fiquem nos autos as contra-alegações apresentadas pelo recorrido.

**

Após o cumprimento das formalidades legais subam os autos ao tribunal da Relação para conhecimento do recurso…»(sic).

**

                                                                     *

          Após os vistos legais e  nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, resulta que em resumo a recorrente indica os seguintes pontos a analisar:



A-  Os réus são parte ilegítima por preterição de litisconsórcio passivo.
B- - O prédio do 1º réu está onerado com uma servidão de pé em proveito do prédio do autor.
C- -Recuo de 1,5 m da porta de separação dos prédios do 1º réu e do autor.
D- Os prédios dos réus estão onerados com servidões de presa e aqueduto em proveito do prédio do autor

                                                           ***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, sendo que não houve impugnação da matéria de facto: «… II – Fundamentação:

Resultaram processualmente adquiridos os seguintes:

Factos provados:

1. Na freguesia de X... , existiu o seguinte imóvel:  Prédio rústico, sito à Y... , a confrontar do norte com (…), sul com (…) e outros, nascente com o rego e do poente com o caminho, inscrito na matriz sob o artigo 512. (doc. de fls. 11 e seguintes – verba 24 da relação de bens)

2. A proporção de 1/3 do A., em tal prédio, veio ao domínio e posse deste por inventário nº. 497/08.0TBTND que correu termos pela então 2º. Juízo de Tondela.

3. Em tal inventário foi também adjudicado 1/3 ao primeiro R. e 1/3 à segunda R.

4. Tal prédio já havia sido doado aos filhos por escritura outorgada em 07/12/1953, no Cartório Notarial de Z... , a fls.33 verso do Livro 50-D (doc. nº.1).

5. Apesar disso, os filhos, em meados de 1998, acordaram em o dividir entre o A., o primeiro R. e a segunda R., em substância, em três sortes, nos termos constantes do levantamento topográfico junto a fls. 27 cujo teor se dá pro reproduzido.

A. No inventário aludido, o A., o primeiro R. e segunda R., e primeiro e segunda RR. limitaram-se a confirmar e convalidar formalmente o acordo de divisão, em substância, procederam há mais de 18 anos, amigavelmente e de forma verbal à divisão de tal prédio, por forma a separar, em substância, três sortes, a seguir discriminadas:

A)- Terreno de cultura, sito à Y... , freguesia de X... , com a área de 1050 m2, a confrontar do norte com o próprio, nascente com o rego de água, sul com A (…) e M (…) e do poente com o caminho público (doc. de fls. 27-28 e a cores fls. 81, 82 e 84);

B)- Terreno de cultura, sito à Y... , freguesia de X... , com a área de 710 m2, a confrontar do norte e nascente com (…), sul com (…) e outros e do poente com servidão de pé V (…) e outro (doc. de fls. 27-28);

C)- Terreno de cultura, sito à Y... , freguesia de X... , com a área de 826 m2, a confrontar do norte com (…)nascente com o rego de água, sul com a Rua da Y... e do poente com (…) e outro. (doc. de fls. 27-28).

6. Desde meados de 1998 que o A., em relação à sorte referida no ponto A), o R. A (…) em relação à sorte referida no ponto B) e a segunda R. em relação à sorte referida no ponto C) do artigo anterior, vêm respeitando a referida divisão feita de forma verbal e amigável, da qual resultaram as referidas três sortes com as medidas, áreas e configurações constantes do levantamento topográfico supra referido.

7. Há mais de 18 anos que, em relação às suas respectivas sortes acima identificadas em 5, A. e primeiro e segunda RR. as vêm possuindo, respectivamente, em nome próprio, considerando-as suas, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente e de boa fé, amanhando os terrenos com mimos, plantando videiras, árvores de fruto e colhendo-os, pelo que, se tornaram três prédios distintos.

8. A terra do A. e a do primeiro R. e a da segunda R. foram, em tempos, de um só dono de nome A (…) e mulher M (…), que foram residentes em (…), sendo que estes durante mais de 20, 30 anos possuíram o prédio mãe pelo modo idêntico ao referido no artigo 9º. desta petição.

9. No momento da separação destes prédios, em meados de 1998, haviam sinais visíveis e permanentes reveladores de serventia de pé por sobre o prédio do R. A (…) identificado em 5 B) e a favor do prédio do A. referido em 5 A).

10. Tais sinais eram revelados por um trilho de terra batida e calcada pela contínua passagem de pessoas há mais de 20, 30 anos, bem diferenciado do restante terreno até pela existência de portais e escadas, e com a largura média de 90 centímetros.

11. Em tal trilho se viam e ainda se vêm com carácter de permanência a dita terra batida e calcada pela contínua passagem de pessoas.

12. Existe um caminho pedonal que se inicia num portal com a largura de 1.15 metros, permanentemente aberto e desimpedido, que confina com a Rua da Y... e desta segue, numa extensão de 23 metros para noroeste, de seguida desenvolve-se para norte numa extensão de cerca de 8 metros, depois numa extensão de 19 metros para sul, em terrenos de (…)da Y... , freguesia de X... , sem que até hoje tivesse havido oposição destes a tal passagem.

13. Tal trilho de pé entra de seguida no prédio rústico do primeiro R. referido na alínea B) do ponto 5, num portão e ferro, com 1,25 metros de largura, seguindo para nordeste, num comprimento de 10 metros até uns degraus com a largura de 80 centímetros, que flectem para norte até ao terraço, seguindo neste num comprimento de 3 metros até dois degraus, com a mesma largura dos anteriores, e daqui segue para noroeste, contornando o tanque que represa águas, sempre para norte num comprimento de 5,40 metros, até atingir o prédio do A. retratado no levantamento topográfico supra referido.

14. Este trilho é o mesmo do já existente no tempo do antigo dono comum do prédio do A. e do primeiro e segunda RR..

15. O A. e seus antepossuidores, durante mais de 18, 20, 30 anos convictos de o fazer por direito próprio, têm transitado de pé através do mencionado trilho, para o seu mencionado prédio.

16. Para amanho e recolha dos produtos no prédio mãe.

17. E fazem tal passagem por tal trilho, à vista de toda a gente, no exercício de um direito próprio, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente.

18. O R. A(…), por volta do mês de Fevereiro de 2015, procedeu à colocação de uma porta de madeira com cadeado fechado junto à estrema entre o prédio deste e o do A., impedindo assim a passagem para o prédio deste.

19. O R. A (…) avisado em 12 de Março de 2015 para abrir o portão, pela carta constante de fls. 23, porém não o fez.

20. Desde então o A. ficou impossibilitado de passar por tal servidão, não podendo, neste momento, apurar-se qual o prejuízo, porquanto tal situação se irá manter até à abertura do caminho, desconhecendo-se o tempo necessário para esse efeito.

21. Pegado a um outro prédio do terceiro R. J (…), identificado na verba 22º. da relação de bens do referido inventário, constate de fls. 11 a 22, constituído por terra de cultura com vieiras, laranjeira e vinha, sita à Y... , freguesia de X... , a confrontar do norte com (…) sul (…), nascente caminho e do poente com (…), inscrita na matriz sob o artigo 519, e que veio a ser adjudicado a este, e junto ao caminho que se segue à Rua da Y... , existe uma pia e uma mina.

22. Da pia da água, em granito, de formato irregular, com cerca de 40 centímetros de profundidade, sai, para nordeste, um tubo de meia polegada, de forma subterrânea, à profundidade média de meio metro e num comprimento de 6 metros até uma presa, em granito, denominada partilha, e que segue para nordeste num comprimento de 61,35 metros, metade da água para o tanque e a outra metade através de igual tubo para (…), tios de A. e RR., partilha por caudal que já se verifica há mais de 50, 80, 100 anos.

23. Da mina que é Y... por um portão de ferro com as medidas de 0,50 metros de largura e 1,40 metros de altura sai um tubo de ¾ de polegada, no sentido nordeste até ao tanque, numa extensão de 68,85 metros de forma subterrânea e à profundidade média de 80 centímetros até ao tanque, que tem as medidas de 2,50 metros por 1,50 metros e a profundidade de 1,00 metro, o que já aí existe há mais de 50 anos.

24. A água sai da mina aberta pelo pai do A. e RR., onde aquele, quando jovem, trabalhou na sua abertura, vai para o tanque, reforçando as regas e deste sai um rego de céu aberto, primeiro através de uma grande torneira de duas polegadas que existia até ao falecimento dos pais de A. e RR., tendo, há cerca de 5 anos, o R. (…) substituído por duas torneiras pequenas de 3/4 de polegada, tendo o A., além das torneiras, também passado a retirar a água através de motor directamente para o referido rego de céu aberto, parte em cimento e parte térrea, com 50 centímetros de leito e 30 centímetros de profundidade, no comprimento de 10 metros, que segue para nascente, ultrapassa a estrema e entra no terreno deste, revelando tais obras visíveis e permanentes, a captação e posse das águas.

25. Estas águas são apenas utilizadas para os prédios do A. e do primeiro R., embora não estejam divididas.

26. A casa do R. (…) tem um depósito próprio, funcionando o tanque referido em 24. como um depósito das terras de cultivo, muito embora este R., há 5 anos, tenha desviado um tubo que vinha da mina para o tanque, para o depósito da casa, ficando tal depósito com dois tubos e a água que vai para o tanque a cair em bica.

27. Além das águas da mina e da pia, acima referidas, existem águas de rega que nascem e se represam numa poça com o formato rectangular com 2,50 metros por 6,00 metros e a profundidade de cerca de 1,00 metro, marginando a terra fundeira (…), casado e (…), viúvo, ambos do Q... , águas estas que são utilizadas por estes, pelo A. e pela R. (…) embora sem estarem divididas, sendo que da poça são captadas através de uma trapeira colocada no fundo da poça e que, quando cheia, retira-se esta e as águas, por gravidade, derivam através de um rego de céu aberto com 30 centímetros por 30 centímetros pela propriedade do referido (…) num comprimento de 24 metros, no sentido sul/noroeste/norte, e depois entra para nordeste no terreno da R. (…), referido na alínea C) do artigo 7º. da p.i., num comprimento de 8 metros, até entrar no prédio do A., mediante rego de céu aberto, com a profundidade e largura de 30 centímetros, ladeado por um cômoro batido e calcado com a largura de 50 centímetros paralelo ao rego e que serve para acompanhar as águas desde o tempo do antepossuidor comum dos prédios referidos em 5.

28. Apenas a R. (…) está a lançar estas águas para um rego que segue paralelo ao caminho público a nascente do prédio desta, apenas com o intuito de impedir o uso de tal água, pelo A. (doc. fls. 28).

29. Existem outras águas vindas das Poças K... , a poente, uma com o formato redondo com 10 metros de diâmetro e a profundidade de 1,50 metros e a outra com 4,00 metros de diâmetro por 70 centímetros de profundidade, confinantes com herdeiros de (…) e caminho público, águas estas que eram utilizadas pelos pais de A. e RR. e após a morte deles o foram pelo A. e pelo R. A (…) três dias por semana, muito embora, para os prédios destes, identificados nas alíneas A) e B) do ponto 5, seja apenas um dia, sendo que das poças são as águas captadas através de uma trapeira / boeiro, colocada no fundo das poças e que, quando cheias, retiram-se tais trapeiras /boeiros e as águas, por gravidade, derivam através de um rego de céu aberto pelas testeiras de diversas propriedades, numa extensão de 120 metros, até chegarem ao terreno referido 21, que hoje é do R. J (…)no sentido nascente / poente e num comprimento de 31 metros, que este destruiu nesse comprimento com uma máquina, impedindo o escoamento da água através de tal rego até aos prédios de A. e R. A (…), até à Poça W... , que funciona como retém das águas vindas das Poças K... , onde entra por gravidade e sai através de boeiro, também por gravidade, mantendo-se ainda parcialmente visível o rego no prédio do Sr. (…)viúvo, residente em Q... , tendo tal rego de céu aberto a profundidade e largura de 30 centímetros, ladeado por um cômoro batido e calcado com largura de 50 centímetros que ladeia o rego e que serve para acompanhar as águas desde o tempo do antepossuidor comum dos prédios referidos 5.

30. Também da Poça W... que represa águas das Poças K... , sai um rego de céu aberto com 30cmX30cm, com o comprimento de 47 metros, no sentido noroeste/sudeste por terrenos de M (…), desde o talhadouro até um aqueduto com 2 metros de comprimento, junto à parede poente das ruínas do palheiro da eira de V (…), seguindo junto a este, num comprimento de 7,60 metros até entrar no prédio do A.

31. Também vindo da Poça W... , segue um rego, com 30cm X 30cm, que se inicia no talhadouro, desenvolvendo-se para nascente em 7,80 metros até ao ponto Z do croqui, seguindo para nordeste, junto ao tubo de PVC de meia polegada, numa extensão de 51,80 metros até um aqueduto com 2,00 metros de comprimento junto à parede nascente (10,60 metros) das ruínas da eira de V (…), seguindo junto a esta parede, em terreno do R. A... , até ao prédio do A.

32. O exercício das servidões têm vindo a fazer-se pelo A. e antes pelo antepossuidor comum, para o seu respectivo prédio, de forma normal, estável e regular, referidas, continuamente, há mais de 18, 20, 30 anos, para rega e lima.

33. Atendo o que fica dito, está o A. privado do seu direito às águas referidas, causando-lhe prejuízos que ainda não são possíveis de determinar.

34. Tais prédios têm vindo a ser regados, o do A. por si, e o do R. A... , por este, desde o tempo do antecessor comum, consecutivamente, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e na convicção do exercício de um direito próprio, pelo que, além do mais, sempre teria A. e R. A... adquirido tal direito às águas da mina, pia, tanque e poças, quer por usucapião quer por destinação de pai de família.

35. As águas têm sido possuídas e fruídas, nas condições atrás expostas, para rega dos produtos aludidos e amanhados nos prédios do A. e do R. A... , mais propriamente nas partes de cultivo e regadio de cada um.

36. O que fazia o antepossuidor comum, nos termos atrás expostos.

37. A mina, pia, tanque e poças referidas já aí existem há mais de 30 anos.

38. Os prédios referidos nas alíneas A), B) e C) 5 e o referido no artigo 21º, foram, em tempos, propriedade de um dono comum os pais das partes.

39. O A. tem vindo a regar os produtos referidos desta petição, bem como a limar no inverno, desde o tempo dos referidos antecessores comuns, consecutivamente, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e na convicção do exercício de um direito próprio, pelo que, além do mais, sempre teria o A. adquirido, quer por usucapião quer por destinação de pai de família, as servidões referidas de presa e de aqueduto para utilização e exploração do direito às águas da mina, pia, tanque e poças captadas e derivadas, com a orientação, modo de exercício e características atrás referidas e através dos actos referidos correspondentes a estas servidões.

40. O R. A... , em dois pontos do seu prédio, a confinar com o do A. e da irmã de ambos, a R. M (…), restaurou muros, que ainda estão por concluir, tendo deixado restos de terra e pedra (cerca de 6 m3) por sobre o prédio do A. e do da referida irmã, tendo aquele prometido retirar tal entulho sem que, até hoje, o tivesse feito, o que está a impedir a funcionalidade do rego de água e da correlativa de pé para orientação de águas a que o A. tem direito na poça, a que se refere no ponto 31.

Factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa nomeadamente que:

 A servidão de passagem de pé tal qual é identificada pelo A. encontra-se tão só constituída a favor do prédio urbano do R. A (…), apenas e só um acesso para a casa de habitação e quintal anexo e nunca foi utilizado para acesso ao outro prédio do então casal comum e que hoje é propriedade do A. F (…).

 A servidão de passagem já não tinha qualquer continuação para norte onde hoje se situa o prédio do AF (…).

 Nem à data da separação física dos prédios do R. A (…) nem do A. F (…) existiam quaisquer sinais visíveis e permanentes reveladores de tal servidão.

 Desde a data em que o A. F... e os RR. (…) procederam, por acordo à divisão dos seus prédios tal qual consta da petição inicial – portanto há mais de 20 anos – nunca mais o A. F (…)fez qualquer passagem por sobre o prédio do R. (…).

 O R. A (…) vedou o seu prédio do prédio do A. (…)desde a data da separação dos prédios, não havendo qualquer passagem do prédio do R. A (…) para o prédio do A. (…).

 As águas da pia e mina existente no subsolo do réu F (…) eram apenas usadas para consumo na casa.

 Há mais de 40 anos que não existem de forma normal, estável e regular quaisquer servidões de águas a favor do prédio do A. F(…).

 A restauração dos muros efectuadas pelo R. A (…)no seu prédio não deixou restos e pedras com a dimensão apresentada pelo A. – 6m3.

 E a existirem alguns restos de terra que são insignificantes não estão a impedir a funcionalidade de qualquer rego de água e adminicula de pé, porquanto há mais de 40 anos que não circulam quaisquer águas pelo prédio do A. que tenham origem numa poça…»(sic).

                                                 *

                                                           ***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

Questão Prévia:

          Sem prejuízo da análise das questões versadas nas alegações do recurso, não obstante não ter existido impugnação da matéria de facto fixada na sentença, existe uma questão prévia que cumpre conhecer atinente á matéria de facto constante da referida decisão.

No ponto 32º da matéria de facto consta a expressão «exercício de servidões»; ponto 33º consta a expressão está «o autor privado do seu direito ás aguas»; no ponto 34 consta na parte final que teria o autor «adquirido tal direito ás aguas da mina, pia, tanque e poças, quer por usucapião, quer por destinação de pai de família» e ponto 39 consta na sua parte final que pelo que além do mais, sempre teria o autor «adquirido por usucapião, quer por destinação de pai de família as servidões referidas de presa, de aqueduto para utilização e exploração do direito as aguas da mina, pia, tanque e poças captadas e derivadas com orientação e modos de exercício e características atras referidas e através dos actos referidos correspondentes a estas servidões». E no ponto 40 consta «a que o A. tem direito na poça, a que se refere no ponto 31.».

Resulta que nesses pontos dos factos provados que essas expressões são conclusões de direito, as quais não podem integrar a matéria de facto, dado que não se traduzem em qualquer facto, mas sim numa conclusão de direito e como tal considera-se como não escrito.

Assim, a matéria de facto mantem-se nos termos da sentença apenas com as seguintes alterações, quanto aos pontos referidos decorrentes de se considerar não escritas essas conclusões de direito:

32. O exercício desses actos têm vindo a fazer-se pelo A. e antes pelo antepossuidor comum, para o seu respectivo prédio, de forma normal, estável e regular, referidas, continuamente, há mais de 18, 20, 30 anos, para rega e lima.

33. Atendo o que fica dito, está o A. privado das aguas referidas, causando-lhe prejuízos que ainda não são possíveis de determinar.

34. Tais prédios têm vindo a ser regados, o do A. por si, e o do R. A(…) por este, desde o tempo do antecessor comum, consecutivamente, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e na convicção do exercício de um direito próprio.

39. O A. tem vindo a regar os produtos referidos desta petição, bem como a limar no inverno, desde o tempo dos referidos antecessores comuns, consecutivamente, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e na convicção do exercício de um direito próprio.

40. O R. A... , em dois pontos do seu prédio, a confinar com o do A. e da irmã de ambos, a R. M (…), restaurou muros, que ainda estão por concluir, tendo deixado restos de terra e pedra (cerca de 6 m3) por sobre o prédio do A. e do da referida irmã, tendo aquele prometido retirar tal entulho sem que, até hoje, o tivesse feito, o que está a impedir a funcionalidade do rego de água e da correlativa de pé para orientação de águas.

                                                 *


A- Ilegitimidade passiva

Os recorrentes invocam que quanto à servidão sendo a mesma una e indivisível teriam que ser também demandados nesta acção os proprietários onerados com a servidão, os já referidos V (…) e C (…)

Neste ponto referem que o inicio da servidão, tal qual se encontra descrita no ponto 12 dos factos dados como provados, desenvolve-se por sobre dois prédios pertencentes aos confinantes V (…) e C (…)e acabando o seu leito a desembocar no prédio que foi dos antepossuidores A (…) e hoje dividido entre os filhos destes, os ora A. e RR., conforme consta do Ponto 14.º dos factos dados como provados.

A primeira consideração a fazer é questionar como esta servidão se constituiu inicialmente a partir do caminho público – Rua da Y... – e por sobre os prédios dos referidos V (…) e C(…), proprietários de prédios estranhos à presente ação. A qualificação por usucapião tem como fundamento a utilização da referida servidão por um determinado espaço de tempo- mais de 20 anos – e a constituição por destinação de pai de família por sinais deixados pelo pater familias no prédio dividido, denunciando serventia de uma parte em benefício de outra.

Alegam que sobre os prédios de V (…) e C (…) não existe qualquer servidão constituída por destinação de pai de família, nem tal foi alegado. Referem que no tempo dos antepossuidores A (…) e C (…) donos do então prédio, hoje de A. e RR., a servidão seria necessariamente constituída por usucapião e ao dividir-se o prédio em partes, por A. e RR., a servidão manteve-se indivisível (artigo 1546.º do CC).

Referem que têm os donos das parcelas resultantes da divisão do prédio que então pertencia ao casal comum A (…) e C (…) o direito de usar a velha servidão sem alteração nem mudança enquanto prédios dominantes em relação aos prédios servientes propriedade dos referidos V (…) e C (…).

Assim, alegam que quanto a este ponto que a acção foi proposta tão-somente contra os RR.  invocando a ofensa do direito de passagem, mas que tal não é por si suficiente, uma vez que para a ação proceder seria obrigatória e necessária a intervenção dos proprietários V (…) e C (…), sem cuja presença não podia a servidão ser qualificada.

          Por outro lado, e ainda no contexto da ilegitimidade, os réus alegam quanto á servidão de aqueduto que não se poderia reconhecer esta servidão de aqueduto sem demandar os proprietários dos prédios donde passam os tubos enterrados e os regos, sendo que dever-se-iam também demandar os restantes proprietários dos prédios onerados com a servidão de passagem da água, dado tratar-se de um caso de litisconsórcio necessário passivo.

          O autor pugna pela legitimidade das partes, considerando por um lado que os réus estariam a suscitar uma questão nova que não haviam suscitado anteriormente ás alegações de recurso e que nos autos apenas se discute os direitos usados pelo antigo dono comum do prédio mãe que estão em litigio entre o autor e seus irmãos réus, filhos daqueles antigos donos, que adquiriram dos mesmos, e que levou à divisão em substância do prédio mãe. Referem que quanto à passagem de pé que apenas pede que o primeiro R. seja condenado a reconhecer que sobre o prédio identificado no artigo 7º. alínea B) da p.i. se encontra constituída uma servidão de passagem de pé a favor do identificado no artigo 7º. alínea A), por destinação de pai de família e usucapião. E que quanto às servidões de aqueduto se pede que os 1ºs., 2ºs. e 3ºs. RR. sejam condenados a reconhecer que sobre os prédios referidos nos artigos 7º. alíneas B) e C) e 26º. da p.i., em benefício do artigo 7º. alínea A), se encontram constituídas por destinação de pai de família e usucapião, servidões de aqueduto.

                                                           *

          Desde logo surge como questão prévia a determinação se já se tendo declarado que as partes são legitimas e só nas alegações de recurso se ter suscitado a questão da ilegitimidade se não se trata de questão nova insusceptível de ser conhecida nesta sede.

Entendemos que é possível deduzir esta excepção e de a mesma ser conhecida nesta fase dado ser de conhecimento oficioso.

Neste sentido, vide Ac RG Processo:  347/14.9T8GMR.G1 Relator: JOÃO PERES COELHO 19-01-2017 (disponível na página da DGSI, local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de proveniência :«Sumário:          I - A excepção dilatória da ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário pode e deve ser conhecida oficiosamente pela Relação, implicando a absolvição do réu da instância, desde que o juiz, no despacho saneador, não a tenha apreciado, limitando-se a afirmar, de forma tabelar, que as partes eram legítimas. II - Nesse caso, a sentença proferida não pode subsistir, impondo-se a sua revogação, por ser incompatível com os direitos que a lei confere ao litisconsorte preterido, se alguma das partes vier a suscitar a sua intervenção ao abrigo do disposto no artigo 261º, n.º 2 do NCPC.

E igualmente, vide o Ac RC 446/11.9TBSEI.C1    Relator:        SÍLVIA PIRES         10-02-2015:«Sumário:    I – Tendo presente o disposto no art.º 595º, n.º1, a), e 3, do Novo C. P. Civil, bem como o facto da ilegitimidade ser uma excepção dilatória de conhecimento oficioso – art.º 577º, e), e 578º, do mesmo diploma legal – o facto da mesma não ter sido invocada na 1ª instância não preclude o direito de ser invocada em recurso, desde que não tenha sido concretamente apreciada no despacho saneador.».

          Igualmente Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 151), considera que o tribunal de recurso pode «conhecer de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado» e que essas questões podem referir-se «à relação processual, nomeadamente as  excepções dilatórias.

          Pelo exposto, a exceção dilatória de ilegitimidade pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal e determina a absolvição da instância (576º/1 e 2, 577º/e), 578º, 278º/1-d) do CPC) e nessa medida cumpre analisar esta excepção.

          A legitimidade é, face ao actual Cód.Proc.Civil, um pressuposto processual. Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da questão, julgando a acção procedente ou improcedente é necessário, também, que as partes tenham legitimidade para a acção, que o A. e o R. sejam partes legítimas (Cf. A.Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.129), sob pena de, não o sendo, o réu ser absolvido da instância (artigo 288º/1/d do Cód.Proc.Civil).

          A legitimidade (legitimatio ad causam) consiste na titularidade (activa e passiva) da acção (Cfr. Liebman, Manuale di diritto procesuale civile,I, 4ªed., p.139).

           O conceito está definido, embora com contornos vagos, no artigo 26º do Cód.ProcCivil, que define a legitimidade através da titularidade do interesse em agir (Cfr. A.Varela, op.cit.134). É parte legítima como autor quem tiver interesse directo em demandar. Será parte legítima como réu quem tiver interesse directo em contradizer.

          Diz-se que são partes legítimas, em princípio, os sujeitos da relação controvertida. Mas saber qual a relação jurídica controvertida que serve de base a esta determinação continua a ser uma velha e debatida querela.

          De um lado tiinhamos os seguidores da tese de Barbosa de Magalhães, segundo a qual são partes legítimas as pessoas que o autor aponta como sujeitos da relação controvertida, por não ser possível, sem prévia discussão do fundo, saber quem são realmente os sujeitos da relação.

       Do outro estão os que defendiam a tese de Alberto dos Reis, segundo a qual são partes legítimas as pessoas que o juiz, ouvidas as partes e realizadas as demais diligências necessárias, considera como sujeitos da relação litigada (Cf. A. Varela obra.cit., p.141).

          Na jurisprudência a tese dominante é a de Barbosa de Magalhães, que parece ser a que está em maior harmonia com a expressão legal "relação material controvertida" e é a prevista no art. 74º/1 do anteprojecto de 1993 do Cód.Proc.Civil (Cfr. Ac. STJ 18/1/94, CJ STJ-I-44; STJ 16/7/81, BMJ 309º-280; STJ-25/6/81, BMJ 308º-242; RC- 27/10/81, BMJ 351º-314; BMJ 380º-493; RC 4/11/82, CJ 82-V-245; Ac STJ, de 15-6-94, CJ, Acs do STJ, ano 2, t.2, 148), estribando-se esta tese fundamentalmente na consideração de que se a legitimidade das partes dependesse de serem elas as titulares da relação jurídica controvertida, só a final, após produção de prova, a questão poderia ser solucionada, o que equivalia a decidir sobre o mérito da acção. 

          Actualmente essa problemática ficou sanada em termos legislativos, sendo que a legitimidade está de facto dependente em primeiro lugar da configuração da causa feita pelo autor, resultante da conjugação da causa de pedir com o pedido apresentados na petição inicial, e assim em geral a legitimidade aferir-se-á pela posição das partes na relação material, tal como esta é configurada pelo autor (sendo que o novo Código de Processo Civil consagrou este entendimento)

          Só assim não será quando o réu traga elementos ao processo que permitam convencer da sua ilegitimidade (vg documentos), porque então o tribunal não pode ignorar a versão do réu e o princípio da aquisição processual ( Ac do STJ, de 7-12-93, CJ, Acs do STJ, ano 1, t.3, 168.).

          No caso em apreço consideramos que não foi preterido o litisconsórcio necessário porque estamos perante uma acção de condenação e não uma acção constitutiva e nessa medida as partes são legitimas porque a acção tem acautelado o seu efeito útil com as partes da acção. Não se tendo invocado que os terceiros referidos coloquem em causa a servidão de pé e de aqueduto e presa e atenta a natureza da acçaõ consideramos que a decisão a proferir produz o seu efeito útil quanto aos réus que é cessar a alegada violação dos direitos invocados.

No caso dos autos o que é peticionado pelo autor é o reconhecimento da servidão constituída por destinação do pai de família e usucapião de pé,  presa e de aqueduto e a condenação dos réus ao seu reconhecimento e que se abstenham de actos impeditivos da passagem e uso da água e a prática de actos que evitem a obstrução dessa utilização. O autor refere que quem coloca em causa ou obstáculos ao normal exercício das invocadas servidões são os réus referidos e não se invoca que os terceiros estejam a impedir a sua utilização e nessa medida não existe litisconsórcio passivo.

           Configurada nestes termos a relação material controvertida, por referência ao pedido concretamente formulado, torna-se evidente que o litígio concreto a dirimir apenas diz respeito aos autores e aos réus.

          Neste sentido, vide o  AC da RC Processo:   640/13.8TBLMG.C1, Relator:        MARIA TERESA ALBUQUERQUE Data do Acórdão:  02-04-2019:«Sumário:    I – Sendo o objectivo da legitimidade, em última análise, o de que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, de molde a não voltar a repetir-se, a aferência da legitimidade plural terá necessariamente que passar pela natureza e fim da acção.

II – Se, nas acções meramente declarativas, deverão estar em juízo as pessoas que disputam a situação activa ou passiva em causa, e se nas acções constitutivas se requererá a presença de todos os sujeitos da relação jurídica a constituir, modificar, ou extinguir, nas acções de condenação, o normal é que baste à legitimidade plural a presença passiva na lide de quem se encontre a violar o direito do autor.

III- A A. nos presentes autos não pretende uma alteração na ordem jurídica existente, mas apenas que, reconhecendo-se que tem direito à água da barroca pelo instituto da preocupação e à água das duas nascentes pelos institutos da usucapião e destinação do pai de família, esses seus direitos sejam reintegrados com a condenação dos RR. a limparem o rego e a permitir-lhes, a ela e aos seus familiares, o acesso à barroca, mina, rego e poças.

IV – Por isso, basta que a A. intente a acção contra quem se encontra a violar aqueles direitos.

V – Exigir a presença passiva dos proprietários dos prédios em que se situam as nascentes, a barroca, a mina e as poças, bem como a de todos os proprietários por cujos prédios a água passe, implicaria denegar ou dificultar substancialmente direitos…»(sic).

          Igualmente, neste sentido, vide o Ac. RG 1428/12.9TBBCL.G2, Relator:          EVA ALMEIDA, 11-10-2018: «Sumário:   I - A servidão predial define-se como “o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente” – art.º1543º do CC. Foi doado aos autores um prédio que beneficia das águas captadas noutro prédio e não as águas, como coisa autónoma (204º nº 1 al. b) do CC), separadas do prédio onde nascem ou são captadas e sem afectação a qualquer outro prédio. No caso e nas palavras da escritura de doação as águas pertencem ao prédio dos autores, são um benefício deste prédio e efectivamente assim vêm sendo fruídas. Estamos por isso perante um encargo sobre um prédio a favor de outro prédio determinado, que foi doado aos autores com esse benefício. O direito às águas está assim estabelecido não a favor dos autores (direito de propriedade), mas sim do respectivo prédio (servidão de águas).

II - O facto do nosso entendimento sobre a natureza do direito à água invocado pelos autores divergir conceptualmente do que consta da sentença recorrida, em nada afecta a sorte da presente acção, em que os autores, como pressuposto dos direitos que aqui pretendem ver reconhecidos (servidão de aqueduto e a adminiculum de passagem) apenas têm de provar o direito à água que é conduzida subterraneamente através do prédio dos réus, sendo indiferente que se trate de um amplo direito de propriedade sobre essas águas ou de um mais limitado direito, de fruírem no respectivo prédio da água captada num determinado prédio de terceiros (servidão de águas).

III - Em qualquer dos casos, é título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões, nomeadamente a usucapião, quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio (art.º 1390º do CC), como é o caso.

IV - Esta acção não é constitutiva, antes se apresentando como uma acção de condenação, na qual os autores, arrogando-se a titularidade de direitos que alegam ter sido violado pelos réus, pretendem se declare a existência e a violação desses direitos e se determine aos réus a realização da prestação (em regra, uma acção mas podendo bem ser uma abstenção ou omissão) destinada a reintegrar os direitos violados ou a reparar de outro modo a falta cometida.

V – Assim, tal como a propósito da desnecessidade de intervenção nesta acção dos proprietários do prédio onde são captadas as águas, também relativamente aos proprietários dos prédios atravessados pelo aqueduto (mina), não se impõe a sua demanda, nem reconhecimento nesta acção das demais servidões de aqueduto constituídas sobre prédios de terceiros, para que os autores vejam reintegrado o seu direito de servidão de aqueduto sobre o prédio dos réus.»(sic).

          Igualmente no mesmo sentido vide o AC RG Processo:          76/09.5TBMLG.G1        Relator:        MANUEL BARGADO   22-02-2011:« Sumário:   1. Se os autores pedem que o réu seja condenado a reconhecer que aqueles são os proprietários das águas com que irrigam o seu prédio rústico e que o prédio do réu está onerado com uma servidão de aqueduto em benefício do seu prédio, e ainda a sua condenação a desobstruir o rego que corre a céu aberto no seu prédio por forma a permitir que as águas sejam conduzidas até ao prédio dos autores e a abster-se, no futuro, de praticar quaisquer actos que impeçam essa mesma condução da água, não é necessária a demanda do proprietário do prédio onde se situa a poça donde provem aquela água, para que esteja assegurada a legitimidade do réu na acção.

2. O direito à água que nasce em prédio alheio pode ser – conforme o título da sua constituição – um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, ou seja, um direito de propriedade; e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes às necessidades deste, isto é, um direito de servidão.

3. Porém, para a aquisição do direito por usucapião, trate-se da aquisição da propriedade ou de servidão, torna-se ainda necessário, além dos demais requisitos exigidos por lei, este outro: o da construção de obras visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

4. Na dúvida quanto aos termos em que se processa a posse, mas sendo seguro que há a intenção de se exercer um direito real, deve concluir-se que se quer possuir em termos de direito de propriedade.».

          Conforme se refere no citado acórdão que estamos a acompanhar dado o paralelismo com o caso dos autos: «… Não se vê, pois, considerando a relação material controvertida tal como foi configurada pelos autores/recorrentes, que a decisão a obter só produza o “efeito útil normal” com a presença na lide do proprietário (ou proprietários) do referido prédio da Leira de Canle, e em relação aos quais em momento algum da petição inicial é afirmado que tenham colocado em questão os direitos a que os autores/recorridos se arrogam, sendo certo que também não alegou o réu/recorrido que a obstrução à passagem das águas para o prédio dos recorrentes realizada no seu prédio, tenha sido efectuada por ordem ou com o consentimento desse proprietário, caso em que se justificaria o seu chamamento ao processo através do respectivo incidente de intervenção principal provocada.

… Não é uma acção deste tipo que está em causa nos presentes autos: os autores não pretendem que seja constituído um direito de propriedade sobre as águas em questão nem que seja constituída uma servidão de aqueduto sobre o prédio do réu (art. 1550º do Código Civil), mas apenas que se declare a existência de tais direitos, com a consequente condenação do réu no seu reconhecimento e na realização da prestação destinada a reintegrar aqueles direitos violados, mediante a desobstrução do rego a céu aberto que passa no prédio do réu e que este se abstenha, no futuro, de praticar qualquer acto lesivo desses mesmos direitos.

A acção em causa apresenta-se, assim, como uma acção de condenação, na qual o autor, “arrogando-se a titularidade dum direito que afirma estar sendo violado pelo réu, pretende se declare a existência e a violação do direito e se determine ao réu a realização da prestação (em regra, uma acção mas podendo bem ser uma abstenção ou omissão) destinada a reintegrar o direito violado ou a reparar de outro modo a falta cometida” (cfr. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., revista e actualizada, 1985, pág. 17).

Assim, só faria sentido a demanda do proprietário (ou proprietários) do prédio denominado Leira da Canle, onde se situa a poça donde provêm as águas em causa, se aquele de alguma forma questionasse os direitos dos autores/recorrentes, o que não se verifica in casu, considerando a relação material controvertia apresentada pelos autores…»(sic).

          Acompanhando este último acórdão concluímos que atento o teor da causa de pedir e pedidos formulados pelo autor que as partes são legitimas não existindo litisconsórcio necessário em relação aos terceiros referidos.

          Pelo exposto julga-se improcedente a suscitada excepção de ilegitimidade passiva.

                                                           *


B- O prédio do réu está onerado com uma servidão de pé em proveito do prédio do autor.

          Na decisão recorrida foi decidido condenar-se o primeiro R. a:

- Reconhecer que sobre o prédio identificado no artigo 7º. alínea B) da p.i, se encontra constituída uma servidão de passagem de pé a favor do prédio identificado no artigo 7º. alínea A), nos precisos termos constantes dos artigos 11º. a 21º. da p.i; e reconhecer que tal servidão se encontra constituída por destinação de pai de família e por usucapião.

A sentença é omissa quanto á fundamentação jurídica quanto a este segmento do pedido apenas tendo decidido conforme acima referido.

O autor peticionou o reconhecimento de uma servidão de passagem de pé a favor do prédio referido e que fosse declarado que essa servidão havia sido adquirida por usucapião e por destinação de pai de família.

          Quanto a este pedido resultou provada a seguinte factualidade:

- A terra do A. e a do primeiro R. e a da segunda R. foram, em tempos, de um só dono de nome A (…) e mulher M (…), que foram residentes em T... , X... , sendo que estes durante mais de 20, 30 anos possuíram o prédio mãe pelo modo idêntico ao referido no artigo 9º. desta petição.

 No momento da separação destes prédios, em meados de 1998, haviam sinais visíveis e permanentes reveladores de serventia de pé por sobre o prédio do R. A (…), identificado em 5 B) e a favor do prédio do A. referido em 5 A).

 Tais sinais eram revelados por um trilho de terra batida e calcada pela contínua passagem de pessoas há mais de 20, 30 anos, bem diferenciado do restante terreno até pela existência de portais e escadas, e com a largura média de 90 centímetros.

 Em tal trilho se viam e ainda se vêm com carácter de permanência a dita terra batida e calcada pela contínua passagem de pessoas.

 Existe um caminho pedonal que se inicia num portal com a largura de 1.15 metros, permanentemente aberto e desimpedido, que confina com a Rua da Y... e desta segue, numa extensão de 23 metros para noroeste, de seguida desenvolve-se para norte numa extensão de cerca de 8 metros, depois numa extensão de 19 metros para sul, em terrenos de V (…) e C (…) da Y... , freguesia de X... , sem que até hoje tivesse havido oposição destes a tal passagem.

 Tal trilho de pé entra de seguida no prédio rústico do primeiro R. referido na alínea B) do ponto 5, num portão e ferro, com 1,25 metros de largura, seguindo para nordeste, num comprimento de 10 metros até uns degraus com a largura de 80 centímetros, que flectem para norte até ao terraço, seguindo neste num comprimento de 3 metros até dois degraus, com a mesma largura dos anteriores, e daqui segue para noroeste, contornando o tanque que represa águas, sempre para norte num comprimento de 5,40 metros, até atingir o prédio do A. retratado no levantamento topográfico supra referido.

 Este trilho é o mesmo do já existente no tempo do antigo dono comum do prédio do A. e do primeiro e segunda RR.

 O A. e seus antepossuidores, durante mais de 18, 20, 30 anos convictos de o fazer por direito próprio, têm transitado de pé através do mencionado trilho, para o seu mencionado prédio.

 Para amanho e recolha dos produtos no prédio mãe.

 E fazem tal passagem por tal trilho, à vista de toda a gente, no exercício de um direito próprio, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente.

 O R. A (…), por volta do mês de Fevereiro de 2015, procedeu à colocação de uma porta de madeira com cadeado fechado junto à estrema entre o prédio deste e o do A., impedindo assim a passagem para o prédio deste.

 O R. A (…)avisado em 12 de Março de 2015 para abrir o portão, pela carta constante de fls. 23, porém não o fez.

Desde então o A. ficou impossibilitado de passar por tal servidão.

O autor peticiona que o réu seja condenado a reconhecer a referida servidão de passagem a pé por constituição por destinação de pai de família e por usucapião, sendo que a parte contrária opõe-se a este entendimento.

          Os recorrentes alegam ainda no âmbito da questão do litisconsórcio/ilegitimidade que ao se considerar existir a servidão de passagem., que ao não se demandarem os terceiros, teríamos a servidão uma parte a existir por usucapião e outra por destinação de pai de família.

Neste ponto, e sem prejuízo do acima referido, resulta que o pedido é atinente á condenação do réu a reconhecer a servidão de passagem no prédio que lhe pertence a qual tem natureza unitária.

          Cumpre decidir.

          O autor pugna pela existência da servidão tanto por usucapião como por destinação de pai de família.

                A destinação do pai de família e a usucapião são duas formas de constituição do direito de servidão que é um direito real menor.

          Para outros desenvolvimentos, vide o Ac RC Processo: 1155/13.0TBVNO.C1     Data do Acórdão:  13-05-2014

Sumário:      1 - Não têm a mesma causa de pedir e pedido acções em que, numa, se pede o reconhecimento de servidão constituída por usucapião e, na outra, se pede o reconhecimento de servidão constituída por destinação de pai de família; sendo o respectivo título constitutivo que define o conteúdo, extensão e modo de exercício duma servidão, não tratam ambas as acções da mesma concreta servidão (por muitas semelhanças que a alegação factual e o pedido possam ter)…»(sic). E vide, igualmente o Ac STJ 1021/15.4T8PTG.E1.S1 Relator:        MARIA DA GRAÇA TRIGO, Data do Acórdão:     13-09-2018Sumário:      

I - Não pode confundir-se a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por usucapião com a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por destinação do pai de família.

II - Para a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, prevista no n.º 1 do art. 1547.º do CC, é necessário que: (i) os dois prédios ou as duas fracções do prédio em causa tenham pertencido ao mesmo proprietário; (ii) existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro; e (iii) que os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo (cfr. art. 1549.º do CC).

III - Não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários de constituição da relação de serventia mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente”.

IV - Apenas se extraindo da prova a existência no prédio do réu de um “corredor”, com um certo traçado arquitectónico, que era utilizado há mais de 50 anos pelo autor e, antes dele, pelos seus pais e outras pessoas, tal não é suficiente para considerar verificado tal pressuposto.

V - Ainda que se considerassem verificados todos os pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família, resultando provado que o autor deixou decorrer nove anos sobre as obras realizadas pelo réu, com o encerramento do “corredor” através de diversas construções – antes de, com a presente acção, reagir contra o desrespeito do alegado direito real de servidão –, sempre estaria a actuar em exercício abusivo do direito, por violação manifesta do princípio da boa fé (art. 334.º do CC).

VI - Incidindo sobre o autor o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado (cfr. art. 342.º, n.º 1, do CC), a falta de prova dos mesmos tem como consequência o não reconhecimento do direito.».

Estamos perante duas causas de pedir concorrentes ou alternativas e nessa medida o tribunal pode fundamentar a declaração do direito em qualquer uma delas.

Estabelece o artigo 1549º do CC: Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

São assim pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família:

- a existência de dois prédios ou de duas fracções do mesmo prédio que pertençam ao mesmo proprietário;

- a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem uma relação de serventia entre os prédios;

- a separação dos prédios ou fracções quanto ao domínio;

- Inexistência no documento respectivo de declaração contrária à constituição da servidão.

Esta servidão constitui-se no momento em que os prédios ou fracções de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.

Uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família é uma servidão voluntária, de criação ope legis, mas não uma servidão legal. E, por isso, não é susceptível de extinção por desnecessidade (conforme referido no Ac RP  Relator: RUI MOREIRA Processo: 3546/15.2T8LOU.P1  12/07/2017).

Tendo-se em conta a factualidade provada nos pontos 9º a 16º é patente a verificação dos requisitos da constituição da servidão por destinação do pai de família, dado que no momento da separação dos prédios em meados de 1988 havia sinais reveladores dessa servidão sobre o prédio do réu a favor do autor.

No acto de separação do domínio dos prédios, as partes destes autos não emitiram nenhuma declaração contrária á constituição da servidão.

          No caso dos autos é invocado que a servidão de pé teria sido constituída por usucapião (artº 1547º do Código Civil), sendo que no caso igualmente estão preenchidos esses pressupostos dado que mesmo que a posse só fosse considerada nos actos após a partilha (até á mesma a posse dizia respeito ao direito de propriedade e não ao de servidão) igualmente estariam preenchidos os requisitos (entre 1998 até ao presente decorreram mais de 20 anos em que o autor utilizou o caminho referido).

          Está demonstrada a servidão de passagem a onerar o prédio do 1º réu constituída por destinação do pai de família e nessa medida confirma-se neste segmento da sentença recorrida.

                                                           *       

          B- Noutro segmento do recurso é colocada em causa a condenação constante do ponto c) da sentença que decidiu condenar o 1º réu a: «.. c) - Recuar a porta 1,50 metros para o interior do seu prédio e entregar uma chave do cadeado, referidos no ponto 18., mantendo a servidão permanentemente livre e desimpedida por forma a o A. poder exercer o seu direito de passagem de pé e para que possa conduzir as águas desde o tanque e através do rego de céu aberto referido nos pontos 10 a 17 e não praticar mais actos iguais ou semelhantes aos referidos».

Referem os recorrentes que nos factos provados não consta aquela distância conforme consta do ponto 18º dado por provado»«..« 18. O R. (…), por volta do mês de Fevereiro de 2015, procedeu à colocação de uma porta de madeira com cadeado fechado junto à estrema entre o prédio deste e o do A., impedindo assim a passagem para o prédio deste.».

          O artigo 1360 do CCivil refere que o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.

          Neste segmento resulta que se entende assistir razão aos recorrentes ao não se poder considerar a condenação para o réu recuar a porta 1,50 metros para o seu prédio porque não ficou provada nem essa distância, nem a existência de nenhuma construção no prédio do réu nem no do autor, sendo que nessa medida apenas se pode condenar o 1º réu a : c) – Entregar uma chave do cadeado da porta,  referidos no ponto 18., mantendo a servidão permanentemente livre e desimpedida por forma a o A. poder exercer o seu direito de passagem de pé  e não praticar mais actos iguais ou semelhantes aos referidos».

Demonstrada a existência da servidão de passagem a pé, para o pleno exercício deste direito de servidão de passagem de que é titular o autor, tem o réu referido de lhe entregar chave do referido cadeado da porta.

                                                 *

C-Das servidões de presa e aqueduto e utilização das águas:

Os recorrentes consideram que os segmentos da condenação atinentes ás aguas não se poderão manter, dado que atenta a matéria provada não se sabe em que prédio se situam a mina e a pia, não se sabendo a localização da servidão de presa sinalizada pela mina e pia e poças.

Atento o teor do ponto 21º) está provado: «« 21. Pegado a um outro prédio do terceiro R. J (…), identificado na verba 22º. da relação de bens do referido inventário, constate de fls. 11 a 22, constituído por terra de cultura com vieiras, laranjeira e vinha, sita à Y... , freguesia de X... , a confrontar do norte com (…), sul (…), nascente caminho e do poente com (…), inscrita na matriz sob o artigo 519, e que veio a ser adjudicado a este, e junto ao caminho que se segue à Rua da Y... , existe uma pia e uma mina. ».

Alegam os recorrentes que conforme ensina Pires de Lima, Lições aos Curso de 45-46, Coimbra Editora, página 371, “A servidão de presa tem por conteúdo a derivação de águas por meio de obras destinadas a represá-las”.

E que no caso dos autos na petição e na matéria provada não resulta claramente onde se situam as ditas obras de represamento ou em que prédios nem proprietários, e que, não obstante essa circunstancia os réus foram condenados a reconhecer que sobre os prédios referidos nos pontos 5. Alíneas B) e C) e 21. e em benefício do referido no 5. Alínea A, se encontram constituídas por destinação de pai de família e usucapião as servidões de presas e de aquedutos e os respetivos direitos de utilização e exploração de água, nos termos dos pontos 22 a 27, 29 e 31.

Mais referem esta mesma observação haverá de referir-se também às presas da Poça Cimeira – artigo 29 dos Factos dados como provados – e a Poça W... – artigos 30 e 31 dos factos dados como provados. E também se verifica que estas poças ou presas não se situam nos prédios dos RR., nem o A. identifica os prédios onerados e os seus proprietários.

Referem que não sendo os RR. proprietários dos prédios onerados com aquelas servidões, não podem os mesmo ser condenados a reconhecê-las.

          Analisando a matéria de facto atinente ás aguas resultam demonstrados os seguintes factos:

21- Pegado a um outro prédio do terceiro R. J (…), identificado na verba 22º. da relação de bens do referido inventário, constate de fls. 11 a 22, constituído por terra de cultura com vieiras, laranjeira e vinha, sita à Y... , freguesia de X... , a confrontar (…) inscrita na matriz sob o artigo 519, e que veio a ser adjudicado a este, e junto ao caminho que se segue à Rua da Y... , existe uma pia e uma mina.

22. Da pia da água, em granito, de formato irregular, com cerca de 40 centímetros de profundidade, sai, para nordeste, um tubo de meia polegada, de forma subterrânea, à profundidade média de meio metro e num comprimento de 6 metros até uma presa, em granito, denominada partilha, e que segue para nordeste num comprimento de 61,35 metros, metade da água para o tanque e a outra metade através de igual tubo para J (…), tios de A. e RR., partilha por caudal que já se verifica há mais de 50, 80, 100 anos.

23. Da mina que é Y... por um portão de ferro com as medidas de 0,50 metros de largura e 1,40 metros de altura sai um tubo de ¾ de polegada, no sentido nordeste até ao tanque, numa extensão de 68,85 metros de forma subterrânea e à profundidade média de 80 centímetros até ao tanque, que tem as medidas de 2,50 metros por 1,50 metros e a profundidade de 1,00 metro, o que já aí existe há mais de 50 anos.

24. A água sai da mina aberta pelo pai do A. e RR., onde aquele, quando jovem, trabalhou na sua abertura, vai para o tanque, reforçando as regas e deste sai um rego de céu aberto, primeiro através de uma grande torneira de duas polegadas que existia até ao falecimento dos pais de A. e RR., tendo, há cerca de 5 anos, o R. A (…) substituído por duas torneiras pequenas de 3/4 de polegada, tendo o A., além das torneiras, também passado a retirar a água através de motor directamente para o referido rego de céu aberto, parte em cimento e parte térrea, com 50 centímetros de leito e 30 centímetros de profundidade, no comprimento de 10 metros, que segue para nascente, ultrapassa a estrema e entra no terreno deste, revelando tais obras visíveis e permanentes, a captação e posse das águas.

25. Estas águas são apenas utilizadas para os prédios do A. e do primeiro R., embora não estejam divididas.

26. A casa do R. A(…) tem um depósito próprio, funcionando o tanque referido em 24. como um depósito das terras de cultivo, muito embora este R., há 5 anos, tenha desviado um tubo que vinha da mina para o tanque, para o depósito da casa, ficando tal depósito com dois tubos e a água que vai para o tanque a cair em bica.

27. Além das águas da mina e da pia, acima referidas, existem águas de rega que nascem e se represam numa poça com o formato rectangular com 2,50 metros por 6,00 metros e a profundidade de cerca de 1,00 metro, marginando a terra fundeira de A (…), casado e M (…), viúvo, ambos do Q... , águas estas que são utilizadas por estes, pelo A. e pela R M (…), embora sem estarem divididas, sendo que da poça são captadas através de uma trapeira colocada no fundo da poça e que, quando cheia, retira-se esta e as águas, por gravidade, derivam através de um rego de céu aberto com 30 centímetros por 30 centímetros pela propriedade do referido A (…) e M (…), num comprimento de 24 metros, no sentido sul/noroeste/norte, e depois entra para nordeste no terreno da R. M (…), referido na alínea C) do artigo 7º. da p.i., num comprimento de 8 metros, até entrar no prédio do A., mediante rego de céu aberto, com a profundidade e largura de 30 centímetros, ladeado por um cômoro batido e calcado com a largura de 50 centímetros paralelo ao rego e que serve para acompanhar as águas desde o tempo do antepossuidor comum dos prédios referidos em 5.

28. Apenas a R. M (…) está a lançar estas águas para um rego que segue paralelo ao caminho público a nascente do prédio desta, apenas com o intuito de impedir o uso de tal água, pelo A. (doc. fls. 28).

29. Existem outras águas vindas das Poças K... , a poente, uma com o formato redondo com 10 metros de diâmetro e a profundidade de 1,50 metros e a outra com 4,00 metros de diâmetro por 70 centímetros de profundidade, confinantes com herdeiros de Manuel Simões e caminho público, águas estas que eram utilizadas pelos pais de A. e RR. e após a morte deles o foram pelo A. e pelo R. A (…), três dias por semana, muito embora, para os prédios destes, identificados nas alíneas A) e B) do ponto 5, seja apenas um dia, sendo que das poças são as águas captadas através de uma trapeira / boeiro, colocada no fundo das poças e que, quando cheias, retiram-se tais trapeiras /boeiros e as águas, por gravidade, derivam através de um rego de céu aberto pelas testeiras de diversas propriedades, numa extensão de 120 metros, até chegarem ao terreno referido 21, que hoje é do R. J (…), no sentido nascente / poente e num comprimento de 31 metros, que este destruiu nesse comprimento com uma máquina, impedindo o escoamento da água através de tal rego até aos prédios de A. e R. A (…) até à Poça W... , que funciona como retém das águas vindas das Poças K... , onde entra por gravidade e sai através de boeiro, também por gravidade, mantendo-se ainda parcialmente visível o rego no prédio do Sr. M (…), viúvo, residente em Q... , tendo tal rego de céu aberto a profundidade e largura de 30 centímetros, ladeado por um cômoro batido e calcado com largura de 50 centímetros que ladeia o rego e que serve para acompanhar as águas desde o tempo do antepossuidor comum dos prédios referidos 5.

30. Também da Poça W... que represa águas das Poças K... , sai um rego de céu aberto com 30cmX30cm, com o comprimento de 47 metros, no sentido noroeste/sudeste por terrenos de M (…), desde o talhadouro até um aqueduto com 2 metros de comprimento, junto à parede poente das ruínas do palheiro da eira de V (…), seguindo junto a este, num comprimento de 7,60 metros até entrar no prédio do A.

31. Também vindo da Poça W... , segue um rego, com 30cm X 30cm, que se inicia no talhadouro, desenvolvendo-se para nascente em 7,80 metros até ao ponto Z do croqui, seguindo para nordeste, junto ao tubo de PVC de meia polegada, numa extensão de 51,80 metros até um aqueduto com 2,00 metros de comprimento junto à parede nascente (10,60 metros) das ruínas da eira de V (…), seguindo junto a esta parede, em terreno do R. A (…), até ao prédio do A.

32. O exercício desses actos têm vindo a fazer-se pelo A. e antes pelo antepossuidor comum, para o seu respectivo prédio, de forma normal, estável e regular, referidas, continuamente, há mais de 18, 20, 30 anos, para rega e lima.

33. Atendo o que fica dito, está o A. privado das aguas referidas,  causando-lhe prejuízos que ainda não são possíveis de determinar.

34. Tais prédios têm vindo a ser regados, o do A. por si, e o do R. A (…) por este, desde o tempo do antecessor comum, consecutivamente, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e na convicção do exercício de um direito próprio.

35. As águas têm sido possuídas e fruídas, nas condições atrás expostas, para rega dos produtos aludidos e amanhados nos prédios do A. e do R. A (…), mais propriamente nas partes de cultivo e regadio de cada um.

36. O que fazia o antepossuidor comum, nos termos atrás expostos.

37. A mina, pia, tanque e poças referidas já aí existem há mais de 30 anos.

39. O A. tem vindo a regar os produtos referidos desta petição, bem como a limar no inverno, desde o tempo dos referidos antecessores comuns, consecutivamente, desde há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e na convicção do exercício de um direito próprio.

40. O R. A (…), em dois pontos do seu prédio, a confinar com o do A. e da irmã de ambos, a R. (…), restaurou muros, que ainda estão por concluir, tendo deixado restos de terra e pedra (cerca de 6 m3) por sobre o prédio do A. e do da referida irmã, tendo aquele prometido retirar tal entulho sem que, até hoje, o tivesse feito, o que está a impedir a funcionalidade do rego de água e da correlativa de pé para orientação de águas.

                                                           *

          Nos autos o autor pugna em resumo pela existência do direito de servidão quanto ás aguas da pia e da mina e tanque e de aguas de rega que nascem em poças (poça referida no ponto 27, poças K... , poça W... e rego referido no ponto 31) que teria adquirido por usucapião e por destinação de pai de família. Por outras palavras considera o autor que teria adquirido o direito de servidão de presa e de aqueduto para utilização e exploração do direito as águas da mina, da pia, do tanque e poças referidas por usucapião e destinação de pai de família.

Os réus consideram em resumo que não se podem reconhecer direitos a quaisquer servidões sem que se identifiquem para além dos prédios ou prédio dominante os prédios servientes e respetivos donos e por outro lado que o direito de servidão não permite o direito á utilização e exploração das aguas.

Cumpre decidir.

Cumpre determinar se o autor tem direito as servidões de água que invoca e se tem o direito de a represar e conduzir sobre prédios de terceiros e se a conduta dos réus violou esses alegados direitos.

          Por outras palavras, neste segmento da acção cumpre averiguar da existência de uma servidão de aqueduto e de presa constituída a favor do prédio do autor e onerando os prédios dos réus e, em caso de resposta afirmativa a tal questão, determinar se existe uma obstrução dos réus ao exercício, pelo  autor dos direitos inerentes a tal servidão.

          Servidão é o encargo imposto em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente: diz-se serviente o prédio sujeito a servidão e dominante o que dele beneficia (art.º 1543.º do Código Civil).

As servidões voluntárias, podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família (art.º 1547 n.º 1 do CC). As servidões legais podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa (art.º 1547.º n.º 2 do CC).

Sobre a constituição de servidão predial por destinação de pai de família, dispõe o Código Civil no art. 1549º o seguinte:

“Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.

A constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe, assim, a verificação dos seguintes requisitos essenciais:

a) que os prédios em causa tenham pertencido, unitária ou fraccionadamente, ao mesmo proprietário, de cujo tempo provenha a servidão;

b) que, quando da separação predial, nada se tenha estipulado em contrário;

c) que existam sinais visíveis e permanentes que revelem a servidão.

A constituição de servidão por destinação de pai de família, além de existência de sinais, assenta numa manifestação de vontade do transmitente e mesmo do transmissário, que se presume se nada for dito em contrário.

          Quanto á usucapião, para que um terceiro possa adquirir, por usucapião, o direito de propriedade ou de servidão sobre a água nascida em prédio alheio, será necessário que: se verifiquem todos os requisitos da usucapião de imóveis, previstos nos arts. 1293º e seguintes do C.C. (nomeadamente, a existência do corpus e do animus); e esses requisitos sejam acompanhados da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou a nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

          As águas podem ser públicas ou particulares, considerando-se como  particulares «as que nascerem em prédio particular e as pluviais que nele caírem (arts. 1385º e 1386º, nº 1, al. a), do C.C).

Nos termos do artigo 1389º do C.C., o «dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvo as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo. Logo, o dono da água que nasce num prédio é, em princípio, o dono desse prédio.

O desvio ao princípio situa-se na possibilidade que existe de outrem, sobre elas, deter um poder soberano, que bem pode ser o de propriedade transferido, ou originariamente a ter criado (usucapião) ou de servidão.

Precisando o que sejam «os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por justo título», lê-se no art. 1390º do C.C. que se considera «título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões».

          O direito de propriedade permite ao seu beneficiário «o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas» (art. 1305º do C.C.). A servidão predial «é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio, pertencente a dono diferente», dizendo-se «serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia» (art. 1543º do C.C.).

Logo, o nº 1 do art. 1390º do C.C. consagrou «a doutrina tradicional de que o direito a uma água nascida em prédio alheio tanto pode ser um direito de propriedade como um direito de servidão».

          Se o terceiro adquirente pode fruir ou dispor livremente da água nascida em prédio alheio aliená-la ou captá-la subterraneamente, usá-la neste ou naquele prédio, para este ou aquele fim, constitui-se um direito de propriedade. Se inversamente, se encontrar limitado no seu uso e disponibilidade, constituir-se-á um direito de servidão se o aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) é concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste.

          Conforme referido por Pires de Lima e Antunes Varela, (in “Código Civil Anotado”, vol. III, Coimbra Editora, pág. 305) “o direito à água que nasce em prédio alheio, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, e pode ser apenas o direito de a aproveitar noutro prédio, com as limitações inerentes, por conseguinte, às necessidades deste. No primeiro caso, a figura constituída é a da propriedade da água; no segundo é a servidão”

          No caso em apreço é alegado apenas como pressuposto dos direitos peticionados o reconhecimento da servidão de presa e de servidão de aqueduto sobre o prédio dos réus e não qualquer direito de propriedade.  A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, derivar e conduzir.

A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar no tanque e a conduzir pelo aqueduto (rego, cano ou tubo).

          Como refere Tavarela Lobo, no Manual do Direito de Águas, vol. II, pág. 153: –«Se o titular do direito à água a puder captar subterraneamente e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Se, ao contrário, o direito ao aproveitamento da água estiver limitado a determinado prédio, o direito à água constituirá um limitado direito de servidão.

Portanto, no plano jurídico quanto ás aguas existem duas possibilidades: o direito de propriedade se o titular do direito à água puder captá-la num prédio e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a, sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio; ou o direito de servidão, se o direito à água estiver limitado a determinado prédio ou prédios, podendo o proprietário do prédio dominante usar as águas só no interesse exclusivo desse prédio.

Estatui o n.º 1 do art. 1390º do CC que se considera justo título de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. Entre esses meios legítimos figura, sem dúvida, a usucapião (cfr. art. 1316º).

Nos ternos do artigo 1547 do CCivil, as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família, e ainda, na falta de constituição voluntária, «por sentença judicial e por decisão administrativa, conforme os casos».

          Contudo, e no caso particular de constituição da servidão de águas, por usucapião, lê-se no art. 1390º, nº 2 do C.C. que esta «só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio».

          Para que um terceiro possa adquirir, por usucapião, o direito de propriedade ou de servidão sobre a água nascida em prédio alheio, será necessário que: se verifiquem todos os requisitos da usucapião de imóveis, previstos nos arts. 1293º e seguintes do C.C. (nomeadamente, a existência do corpus e do animus); e esses requisitos sejam acompanhados da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou a nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

          É título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões, nomeadamente a usucapião, quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio (art.º 1390º do CC).

          A servidão de aqueduto consiste essencialmente, pressupondo o direito à água, na sua condução para o prédio dominante, por meio de cano ou rego condutor, através de prédio alheio (serviente). A servidão de presa de água consiste no direito de represar e derivar, para o prédio dominante, a água existente no prédio serviente, por meio de obras no prédio onerado.

Como refere José Cândido de Pinho (As águas No Código Civil, Almedina, 1985, pág., 193), a servidão de aqueduto “porque se prende com a condução  carece da existência, prévia ou simultânea, de um direito à água que se quer conduzir. Nesta perspectiva, a servidão é sempre um acessório do direito à água.

A servidão de aqueduto pressupõe «o direito à água derivada», pois só assim se justifica a «sua condução para o prédio onde é utilizada (dominante), por meio de cano ou rego condutor, através de prédio alheio (serviente)» (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Ld.ª 1990, p. 359).

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, (Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Ld.ª, 1987, p. 657), a servidão de aqueduto traduz-se quanto às águas particulares na faculdade de conduzir através de prédio alheio as águas desse tipo, a cujo aproveitamento se tenha direito).

          Estabelece o art. 1561º, nº 1 do C.C. que, em «proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios».

O pressuposto positivo da faculdade de constituição de servidão de aqueduto, é que o proprietário tenha um efectivo direito à água que pretende captar ou transportar no, e sobre, o prédio vizinho.

          A servidão de presa traduz-se no direito ao aproveitamento da água alheia (a água pertence ao dono do prédio serviente), enquanto que a servidão de aqueduto recai sobre águas próprias do proprietário dominante.

          Para outros desenvolvimentos, vide Ac RG processo:          2108/17.4T8GMR.G1     Relator:        JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS Data do Acórdão:  03-05-2018

1- O direito à água que nasce num prédio em benefício de um terceiro, conforme o título da sua constituição, pode ser um direito ao uso pleno dessa água, sem qualquer limitação por parte do adquirente da mesma – neste caso, está-se perante a aquisição do direito de propriedade à água -, como pode ser apenas o direito de aproveitar essa água noutro prédio, com as limitações inerentes às necessidades desse prédio de água – caso em que se está perante a constituição de uma servidão à água, constituído sobre o prédio onde esta nasce e/ou é captada (prédio serviente) a favor do outro prédio propriedade do terceiro adquirente da água (prédio dominante).

2- Tanto o direito de propriedade sobre a água, como o direito de servidão àquela, podem ser adquiridos por usucapião, desde que no prédio onde se situa a fonte ou a nascente da água existam sinais permanentes e visíveis que revelem a captação e a posse dessa água por parte do terceiro…».

 Qualquer das duas servidões pressupõem o direito à utilização da água. Portanto, o facto de não ter ficado provado a quem pertence a água, não tem qualquer relevância para o reconhecimento da servidão de aqueduto e de presa.

São pressupostos da constituição da servidão legal de aqueduto (artigo 1561.º do CCivil): a existência do direito à água; a necessidade efectiva de conduzir a água para a agricultura ou industria, ou casa de habitação para aí ser utilizada nos gastos domésticos e que a direcção e a forma do aqueduto são as mais convenientes para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.

          Para  a aquisição do direito por usucapião (cf. art. 1316.º do CC), trate-se da aquisição da propriedade ou de servidão, torna-se ainda necessário, além dos demais requisitos exigidos por lei, e tal como prescreve o n.º 2 do art. 1390.ºdo  CC que a usucapião seja “acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio”.

Ou seja, exige-se no art. 1390.º, n.ºs 1 e 2, do CC, a par dos requisitos gerais de uma posse conducente à usucapião, que tenha também havido a construção de obras no prédio onde se situa a fonte ou nascente de onde brotam as águas, e sem a prova dessas obras, feitas sem oposição do dono do prédio onde se situe a nascente ou fonte, a usucapião não será atendida, pois não constitui, só por si, justo título de aquisição de águas de nascentes.

         

No caso dos autos verifica-se que o autor não alega nem demonstra que ás aguas objecto das servidões peticionadas, sejam captadas num prédio particular, nem identificam qual o prédio serviente nem a quem pertence o alegado prédio serviente.

É indispensável a existência de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde existe a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio por quem invoca o direito à água (art.º 1390º nº 2 do CC).

Assim, não se tendo provado que se trate de água existente em prédios particulares ou de lagos e lagoas ou poças ou minas ou pias ou poças existentes em prédios particulares, em principio às aguas referidas nos autos serão públicas e nessa medida improcedem os pedidos de reconhecimento de servidão e utilização das aguas e os pedidos inerentes.

Resulta que não é alegada a localização da mina e da pia (indica-se apenas que «pegado a um outro prédio do terceiro réu»), nem da poça (indica-se que «marginando a terra fundeira de A (…)…»), nem do rego (indica-se ser «paralelo ao caminho público.»), nem das poças K... ( refere-se serem «confinantes com herdeiros de M (…) e caminho público.»), nem da poça W... .

          Doutro modo, por se desconhecer a natureza e titularidade da água, estar-se-ia a correr o risco de impor uma restrição ao direito de propriedade do titular do prédio serviente, e, com ela, se viabilizar uma actuação ilegítima do titular do beneficiário de uma servidão ao lhe facultar a apropriação ilícita da água particular de um terceiro, ou a apropriação ilícita de águas públicas.

          Dado que não se invoca nem demonstra a localização da captação das aguas referidas, nem que seja um prédio particular nem concretizam qual o prédio serviente é manifesto que terão que ser julgados improcedentes os pedidos  de reconhecimento de servidão atinentes ás águas (ponto III- servidão de presa, aqueduto e exploração e utilização da agua) e por inerência os pedidos atinentes á condução das agua (parte final do ponto c) da sentença) e de condenação a retirar o tubo do tanque e de reposição do rego a céu aberto (pontos c) e d) e e) e e ponto IV a) ponto V (retirar entulho).

          Neste sentido, vide o Ac RG Processo:         7/14.0T8VVD.G1 Relator:          EVA ALMEIDA 27-04-2017: «Sumário:    I - No âmbito do direito às águas particulares podem configurar-se as seguintes situações:

– Se o titular do direito à água puder captá-la num prédio e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a, sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado, seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Nesta hipótese, o titular (ou contitular) do direito de propriedade sobre as águas existentes num prédio alheio, pode dispor delas livremente, neste ou naquele prédio, para qualquer fim, até industrial e pode aliená-las. Já o dono do prédio onde se situa a nascente não pode utilizar as águas desse prédio, nem pode efectuar outra cessão (como se as águas se separassem do solo e não mais lhe pertencessem).

– Se o direito à água estiver limitado a determinado prédio ou prédios, estaremos perante um mais limitado direito de servidão de “frui”. Neste caso, o proprietário do prédio dominante (do prédio que tem o direito de usar as águas), só no interesse exclusivo desse prédio poderá usar as águas, na satisfação das necessidades ou de certas necessidades desse mesmo prédio, conforme a amplitude do título constitutivo daquela servidão. Não pode por isso cedê-las a outras pessoas. Já o dono do prédio serviente (do prédio onde a água é captada) pode usar livremente a água do seu subsolo, com a condição de não prejudicar a servidão constituída, i. é, desde que não diminua o caudal da água afecta à servidão.

II - A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, conduzir e derivar.

III - A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar e a conduzir.

IV - Mesmo que partilhássemos o entendimento de que, no âmbito das servidões voluntárias, não é necessário provar o direito à água, não se poderia julgar constituída por usucapião a servidão de presa e aqueduto, nem a acessória servidão de passagem (adminiculum), uma vez que as servidões são encargos sobre um prédio em benefício de outro ou outros e não resulta da factualidade provada qual o prédio sobre que tal encargo incide.

V – Ainda que se reconhecesse a existência de uma servidão de presa e aqueduto, que não se reconhece, os autores não teriam o direito de se opor à alteração efectuada pelo réu, uma vez que a mesma não estorvou o seu exercício, isto é, o aproveitamento da água nos prédios dos autores.»

          Conforme se refere no citado Acórdão na parte relevante para o caso dos autos, que estamos a acompanhar: «… No caso em apreço os autores não alegam que as águas são captadas num prédio particular, que, se fosse o caso, deveriam identificar.

Na respectiva petição inicial, centrados na “Poça do V... ”, mencionam apenas uma nascente, que desconhecemos se situa num prédio particular ou não.

O mesmo sucede com a poça, até se podendo inferir que as águas são públicas face ao que alegaram e também ao que se provou:

…Nenhum dos factos provados nos adianta que a nascente ou mesmo a poça se situem em prédio particular.

Tão pouco alegaram quaisquer obras de captação da água, mas apenas o seu represamento a cerca de 10m do lugar onde seriam captadas, sendo certo que embora tivessem alegado que tais obras (a presa) haviam sido efectuadas pelos seus antepossuidores não o lograram provar (art.º 51º da P.I. e elenco dos factos não provados na sentença). Assim como alegaram que o terreno onde a poça se situava, bem como esta, lhes pertencia, e não o provaram (art.º 28º da P.I., que consta do elenco dos factos não provados na sentença).

…Acresce que, não se tendo provado que se trate de água existente em prédios particulares ou proveniente dos lagos e lagoas existentes nos prédios particulares, como todas as demais são públicas, em princípio a água da nascente é pública.

…Ora, no caso em apreço, os autores não alegaram sequer que as águas eram originariamente públicas, muito menos que em data anterior a 21.3.1868 as tivessem adquirido por preocupação, doação régia ou concessão.

A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, conduzir e derivar.

A servidão de presa e a de aqueduto são sempre um acessório do direito à água e, portanto, a sua constituição pressupõe o direito à água a represar na poça e a conduzir pelo aqueduto (rego, cano ou tubo).

…Concluímos assim que a acção terá de improceder porquanto os autores não lograram provar o invocado direito à água.

Mesmo que partilhássemos o entendimento de que, no âmbito das servidões voluntárias, não é necessário provar o direito à água, não poderíamos julgar constituída por usucapião a servidão de presa e aqueduto, nem a acessória servidão de passagem [al. G) do pedido], uma vez que as servidões são encargos sobre um prédio em benefício de outro ou outros e não resulta da factualidade provada qual o prédio sobre que tal encargo incide (ver factos nºs 10, 11, 23, 24, e 25).

…Pelo exposto, na procedência das conclusões do apelante impõe-se a revogação da sentença recorrida e consequente absolvição do réu, uma vez que os demais pedidos formulados (declaração do direito de propriedade dos autores sobre os prédios que identificam) são mero pressuposto lógico dos pedidos formulados nas alíneas E) a L), que nos termos exposto improcedem, carecendo aqueles de autonomia no contexto desta acção…».                      

          Pelo exposto, no presente caso, ter-se-á de revogar a sentença recorrida, na parte que declara a existência de servidão de águas e bem como os restantes pedidos atinentes e nessa medida, apenas se mantem a decisão do ponto I e II a) e b) (servidão de passagem a pé constituída por destinação de pai de família e a declaração que o prédio referido no artigo 1º da petição deu origem aos 3 prédios referidos nos pontos A,B e C do artigo 7º da petição).

                             

       

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, confirmando-se parcialmente a sentença, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida na parte em que condena os recorrentes a: «..c) - Recuar a porta 1,50 metros para o interior do seu prédio e para que possa conduzir as águas desde o tanque e através do rego de céu aberto;

d) Retirar o tubo que colocou do tanque para a casa e recoloca-lo no tanque repondo neste a torneira antiga aludido nos pontos 26 a 31;

e) Repor o rego de céu aberto referido no ponto 24, à situação anterior.

III- Condenar-se os 1ºs., 2ª. e 3ºs. RR. a reconhecer que sobre os prédios referidos nos pontos 5. alíneas B) e C) e 21. e em benefício do referido no 5. alínea A) se encontram constituídas por destinação de pai de família e usucapião as servidões de presas e de aquedutos e o respectivo direito de utilização e exploração de água, nos termos dos pontos 24 a 26;

IV- Condenar-se a segunda R. a:

a) Repor o rego de céu aberto aludido no ponto 28. e a não mais desviar as águas para o rego;

V)- Condenar-se os 3ºs. RR. a retirar o entulho referido no artigo 40. e repor o rego à sua situação anterior;».

Mantendo-se apenas o demais decidido nessa sentença quanto aos pedidos: I- Declara que o prédio referido 1 dos factos provados., deu origem aos três prédios referidos nos pontos A, B e C do ponto 5, hoje distintos entre si, por mor de usucapião, com as áreas, configurações e linhas divisórias referidas no levantamento topográfico de fls. 27-28, 81, 82 e 84, sendo o prédio identificado no ponto A propriedade do A., o do ponto B propriedade do R. A (…) e o do ponto C da R. M (…), por os haverem adquirido, além do mais, por mor de usucapião, devendo o 1º. e 2ª. RR. serem condenados a assim o reconhecer;

II- Condena o primeiro R. a:

a) Reconhecer que sobre o prédio identificado no ponto 5, alínea B) da dos factos provados, se encontra constituída uma servidão de passagem de pé a favor do prédio identificado no ponto 5 alínea A), nos precisos termos constantes dos pontos 10 a 17.;

b) Reconhecer que tal servidão se encontra constituída por destinação de pai de família.

c) – Entregar uma chave do cadeado da porta, referidos no ponto 18., mantendo a servidão permanentemente livre e desimpedida por forma a o A. poder exercer o seu direito de passagem de pé referido nos pontos 10 a 17 e não praticar mais actos iguais ou semelhantes aos referidos;.».

Custas a cargo dos recorrentes e do apelada na proporção de 2/3 para o apelado e 1/3 para o apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

          Coimbra, 13/07/2020

Ana Vieira ( Relatora )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.