Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
37/08.1TBSCD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: DEVER DE RELATAR A GESTÃO E APRESENTAR CONTAS
DEVERES FUNDAMENTAIS
DEVER DE CUIDADO
DEVER DE ZELO
DEVER DE LEALDADE
PROIBIÇÃO DE CONCORRÊNCIA
NEGÓCIOS COM A SOCIEDADE
EXERCÍCIO DE OUTRAS ACTIVIDADES
RESPONSABILIDADE DE MEMBROS DA ADMINISTRAÇÃO PARA COM A SOCIEDADE
EXCLUSÃO JUDICIAL DE SÓCIO
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 64.º, 65.º, 72.º, 254.º, N.º 1, 397.º, N.º 1, 398.º, N.º 3, 428.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS.
Sumário: I) O sócio e gerente de uma sociedade por quotas não pode ser responsabilizado por todo e qualquer prejuízo sofrido pela sociedade durante a sua gerência, mas, tão só, por aqueles que possam resultar dos seus comportamentos que integrem violação do dever de cuidado ou de lealdade, dentro de um juízo de causalidade adequada.

II) O dever de gestão não compreende o dever de tomar decisões adequadas, tendo uma dimensão procedimental (deveres de vigilância e de auto esclarecimento ou de auto informação) e uma dimensão substantiva restringida a um conteúdo negativo de não tomar decisões irracionais.

III) A retirada de bens de uma sociedade para as instalações de outra sociedade levada a efeito gerente de facto da primeira e de gerente de direito e detentor da quase totalidade do capital social da segunda, sem que procedesse à respectiva facturação e às inerentes comunicações às autoridades fiscais e aduaneiras, integra uma violação do dever de lealdade, consubstanciado no dever de todo o administrador de não utilizar em benefício próprio meios ou informações da sociedade.

IV) Em consequência, será de responsabilizar aquele gerente pelo pagamento do preço de tais mercadorias, do qual a sociedade se encontra privada, nele se incluindo o valor de custo da mercadoria, o valor do IABA, o valor do IVA e o lucro que caberia à sociedade pela venda da mercadoria, assim como será de responsabilizá-lo pelas coimas que a sociedade venha a pagar pelos ilícitos fiscais decorrentes do referido em III).

V) O comportamento referido em III) constitui fundamento de exclusão judicial de sócio.

Decisão Texto Integral:    




                                                                                            

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A…, Lda., intenta a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B… ,

Pedindo:

a condenação do Réu a pagar à autora a quantia de 832.920,00 €, ou aquela que efetivamente se vier a provar corresponder aos seus reais prejuízos por aquele causados, assim como os futuros que no seu decurso se apurem, bem como nos que se vierem a liquidar.

Alegando, para tal e em síntese:

o réu é seu sócio desde janeiro de 2012, detendo 66% por seu capital;

apesar de a gerência de direito se encontrar atribuída ao sócio D… , o Réu  B… arrogou-se da qualidade de gerente, passando a gerir os destinos da sociedade;

no exercício de tal gerência, praticou atos que lesaram o património da sociedade, nomeadamente:

levou, sem documentação, quantidades significativas de produto da autora, provavelmente para a G… , sem que haja efetuado os respetivos pagamentos,

colocando a autora em infração perante as autoridades alfandegárias e fiscais com o risco das inerentes responsabilidades fiscais, contraordenacional e civil,

e prejudicando a A…, Lda ao não ver pagas as quantidades de matérias primas por si produzidas e das quais o Réu se apropriava, usando a sua qualidade de gerente;

nomeadamente, apurou-se a falta de inúmeras faturas que identifica, relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006, correspondentes ao que supostamente seriam as vendas de mercadorias da Requerente para a G… , além de faltas de entrega em IVA e IEC, sem os consequentes débitos à  G… e sem os devidos pagamentos, concluindo-se haverem sido omitidos à autora valores no montante estimado de 395.212,00 €, apenas para estes tres anos, sem que os mesmos lhe tenham sido pagos;

nas relações entre a A., como cliente, e a  G… como fornecedora, esta faturou à Autora inúmeros produtos que nunca deram entrada nos armazéns da Autora, encontrando-se, de qualquer modo, em falta os correspondentes valores, que ascendem a 25.065,09 €;

um dos funcionários da autora passou a estar diariamente ao serviço da G… , continuando a A. a suportar os respetivos salários, até agora estimados em 41.880,00€, sendo igualmente debitados à autora custos em combustíveis e refeições, no valor de 23.240,00 €, quando tais custos se reportam a viaturas ao serviço exclusivo da G… ;

os elevados valores de receitas omitidas à autora conduziram à contração de sucessivos empréstimos, gerando encargos financeiros muito desfavoráveis, dadas as taxas de juros à razão de 10,5 % anuais, na ordem dos 95.840,00 €, evitáveis por desnecessários;

tornando a G… o seu único cliente da Ginja V, vinha transacionado os seus produtos com uma escassíssima margem de lucro,

no exercício de 2002 encontra-se contabilizada na rubrica honorários o valor global de 13.875,82 €, sem referência à sua natureza e em documentos não válidos ou sem qualquer documento, sendo o seu beneficiário o Réu;

no site da DGCI apurou-se a existência de dívidas fiscais e coimas por infrações fiscais em mora e coimas por infrações fiscais, alcançando mais de 120.000,00 €, sendo certo que a quantia de 58.837,95 € de IEC em falta, resulta da ilegal introdução no consumo e comercialização pelo Réu, em benefício seu ou da G… , de cerca de 36.112,22 L de licor de Ginja da A., no período compreendido entre 1 de janeiro de 2003 e 31 de abril de 2004;

produto este num valor não inferior a 50.000 €,

fora uma coima no montante de 30.000,00 € que, por consequência de tal introdução ilegal no consumo, foi então aplicada à A.;

acresce que, em agosto de 2007, levou 888 caixas de Ginja, em setembro mais 235 caixas, e pediu para embalarem mais 300 caixas, tudo num valor aproximado de 70.182,36 €, sem que a A tenha recebido qualquer valor como contrapartida devida;

em novembro de 2007, voltou o R. a levar 5.652 garrafas de Licor de Ginja, agora no valor global de 23.252,33 €, com IEC e IVA incluídos, sem proceder ao respetivo pagamento e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades alfandegárias;

prejuízos que poderão ascender a mais de 832.920,00 € e pelos quais o réu é responsável ao abrigo do disposto no artigo 72º nº1, por violação do artigo 64º, ambos do CSC, aplicáveis por analogia aos administradores de facto.


*

A 11 de setembro de 2008, a sociedade autora propõe uma segunda ação – Processo nº 549/08.7TBSCD –, contra o aqui Réu, cuja apensação aos presentes autos veio a ser determinada, e na qual pede:

 a exclusão da qualidade de sócio da autora, assim perdendo a titularidade e o domínio das suas participações sociais/quotas da autora, no valor nominal de 12.469,98€,

alegando, em síntese:

aproveitando a sua qualidade de administrador de facto da autora, entre fevereiro de 2002 e outubro de 2007, o réu procedeu ao levantamento e apropriação de Licor Ginja V produzida pela autora, aproximadamente num total de 65.750 garrafas, sendo não faturadas, pelo menos, 57.407 garrafas e cerca de 10.488 faturadas mas sem lugar à emissão das respetivas DIC’s, em qualquer das situações sem pagamento do respetivo produto assim como do correspondente IABA e do respetivo IVA, alcançando globalmente (produto, IABA e IVA) valores de cerca de 300.000,00 €;

tais apropriações, correspondendo a introduções ilegais no consumo, geraram coimas e dívidas fiscais,

as quais viriam a ser parcialmente detetadas numa 1ª ação de fiscalização até ao período de 24 de maio de 2004, apurando-se uma falta nas existências da autora de 6.500,20 L de álcool puro, correspondendo a um valor de IABA devido ao Estado de 58.371 €, e de onde resultou a aplicação de coima fixada no valor de 30.000 €;

acresce que, em Agosto e Setembro levou mais caixas num valor aproximado de 70.182,36 €, e em novembro de 2007, voltou a levar mais 5.652 garrafas de Licor de Ginja num valor global de 23.252,33 €, sem declaração de introdução no consumo;

realizado novo varejo à autora, compreendendo um período entre 31.05.2004 e 07.08.2008, veio de novo a concluir-se que ocorreu introdução irregular no consumo de 42.444 garrafas de licor de ginja, e em consequência uma dívida de IABA, no montante de 113.108,78 €, acrescida de 5.782,63 €;

do controlo cruzado que aí se fez com a  G… apurou-se a existência de 26.605 garrafas de Ginja V suas instalações sem qualquer documento de venda, pelo que resulta certo ter a A., por consequência da conduta do R. de pagar mais 58.770 de IABA, juros e coimas, para além do respetivo IVA;

mais alega todos os demais factos por si alegados na 1ª ação para sustentar o pedido de indemnização civil formulado contra o Réu;

Conclui que o R., fosse pela obtenção de vantagens económicas à conta da A., fosse pela criação injustificada de encargos, pela descapitalização, pelo uso de bens sociais ou dos seus capitais para fins estranhos e prejudiciais aos interesses da A. e fraudes na contabilidade e na administração, o Réu visou satisfazer apenas interesses pessoais, conduzindo à quebra da confiança entre ele e a autora e os demais sócios.


*

O Réu contesta ambas as ações, alegando, em síntese:

o Réu viu-se obrigado a intervir na gerência da autora, porquanto, o seu gerente  D… não praticava os atos necessários à gestão da sociedade;

todas as decisões da gerência foram tomadas com o conhecimento e o acordo do gerente D… ;

todos os produtos alegados nos arts. 65º a 69º da P.I. foram efetivamente fornecidos e deram entrada nas instalações da requerente;

quanto às dívidas fiscais apenas subsiste uma dívida de 14.341,85 €, encontrando-se em contencioso uma possível dívida de 59.000 €, relativa a factos que têm a ver com a alegada falta de álcool em stock, sendo que pode reportar-se a período anterior a janeiro de 2002 por não ter havido controle de stocks aquando da aquisição das quotas por parte do Réu;

com exceção dos 43.443,84 € relativos ao último fornecimento de 2007, a que se refere o artº 97 da P.I., todos os produtos entregues pela autora à  G… foram faturados e pagos.

O réu conclui pela improcedência de ambas as ações e pela sua absolvição do pedido e, ainda,

na ação principal,

alegando ter, como representante da G… , procedido ao pagamento de todos fornecimentos à autora, sendo obrigado ao longo dos anos a efetuar suprimentos à autora, sendo credor da mesma de avultadas quantias, como resulta do balancete de 31-12-2007, valor que não pode liquidar, formula pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora a pagar ao réu o valor que exceder a compensação e que afinal se apresente como crédito do Réu sobre a autora, e,

alegando ainda que, pretendendo a autora ser ressarcida pela gestão levada a cabo entre 2002 e 2007, altura em que a autora teve como gerente, de direito e de facto,  D… e como alegado gerente de facto o aqui réu, e que o referido D… , por ação ou omissão, participou na boa ou má gestão da autor, pelo que, pretendendo acautelar o seu direito de regresso, requer a intervenção provocada passiva do sócio gerente D… , a fim de este ser admitido na causa como associado do réu, com as legais consequências.

A 14 de julho de 2008[1], foi proferido despacho a admitir o incidente de intervenção principal provocada” de D… , que citado nos termos do artigo 327º do anterior CPC, interveio nos autos aderindo ao articulado da autora.

Realizada audiência de julgamento, cuja última sessão teve lugar no dia 5 de julho de 2018, a 7 de março de 2019, foi proferida sentença a:

I. Julgar a presente ação principal parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia líquida de €309.918,38.

 II. Condenando o Réu a pagar à Autora a quantia que se liquidar em execução de sentença, no que tange aos acima elencados prejuízos não quantificados, com o limite relativo ao montante total do pedido da ação principal.

III. Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu, dele absolvendo a autora.

IV. Julgar a procedente a ação apensa, declarando excluído o Réu  B… da qualidade de sócio da Autora  A… LDA, pelo que os produtos que fabrica “Licor de Ginja V”– com a consequente PERDA DA TITULARIDADE E O DOMÍNIO DAS SUAS DUAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS/QUOTAS – cada uma delas no valor nominal de €12.469,98 –, na identificada autora.


*

Inconformado com a Sentença final, o Réu interpôs recurso de apelação, concluindo as suas alegações com as seguintes pretensões:

a) Deve ser verificada a alegada nulidade processual;

b) Devem ser verificadas as alegadas nulidades da sentença recorrida e, perante a impossibilidade da sua sanação, deve-se proceder à anulação do julgamento;

c) Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente:

i. A alterando-se a factualidade provada e não provada nos termos referidos nas conclusões supra;

ii. Reapreciando-se a matéria de direito, absolvendo-se o Réu dos pedidos e condenando-se a Autora na reconvenção.

A autora apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.

Proferido Acórdão por este tribunal a anular a decisão proferida em 1ª instância, a fim de o tribunal fundamentar devidamente a decisão por si proferida relativamente aos pontos 3, 7, 22, 23, 27, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 45 e 46, e 51 a 58, da factualidade dada como “provada” e aos pontos 20, 67, 32 e 39, da matéria de facto dada como “não provada”, ao abrigo e nos termos previstos no artigo 662º, nº2, al. d) e nº3, al. b), do CPC,

Veio o tribunal a quo a proferir nova Sentença, de que agora se recorre, suprindo a fundamentação em falta, mantendo, no mais, os exatos termos do anteriormente decidido.


*

Inconformado com a tal Sentença, o Réu veio interpor novo recurso de Apelação, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[2]:
(…)
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, e com o risco de algo nos escapar, dadas as 219 páginas por que se prolonga a sentença recorrida, sem qualquer preocupação de sintetizar as posições expressas pelas partes nos articulados de cada uma das ações, e da extensão das alegações de recurso com a formulação de 194 conclusões, as questões que logramos distinguir e a decidir, nesta sede, são as seguintes:
1. Se o tribunal pode dar como provados factos que correspondem ao conteúdo de documentos, mas que não foram alegados pelas partes nos articulados.
2. Impugnação da matéria de facto
a. Impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto
b. Eliminação de factos por conclusivos
c. Factos a aditar
3. Se se verificam os requisitos da responsabilidade civil do Réu/administrador de facto para com a sociedade nos termos do artigo 72º do CSC
4. Condenação solidária com o Réu recorrente, do chamado  D… ou fixando o seu direito de regresso.
5. Se se encontram reunidos os requisitos para a exclusão do Réu de sócio.
6. Prescrição do direito de requerer a exclusão de sócio.
7. Reapreciação do pedido reconvencional.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

*

(…)

*

A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas, na parte em que assumem relevo para as decisões a proferir no âmbito do presente recurso:

1. A Autora, doravante e abreviadamente A…, Lda, foi constituída em 28/09/1995, (…), entre os contraentes D… , I… e J… , ficando cada um deles como titular de uma quota no valor nominal de €12.469,95, representativa de 33,33% da totalidade do capital social investido no montante de €37.409,85 (…), tem como seu objecto social a produção e comércio de licores e outras bebidas alcoólicas, sua importação e exportação, sendo detentora do entreposto fiscal de produção PT5035…., atribuído pela Direcção Geral das Alfândegas e Impostos, pelo que os produtos que fabrica “Licor de Ginja V” ficam em regime de suspensão do Imposto sobre Álcool e Bebidas Alcoólicas até serem introduzidos no consumo.

2. A A…, Lda foi constituída para dar continuidade à atividade industrial e comercial que antes havia sido iniciada por  D… por volta de 1932, de fabrico e comercialização de licor de ginja, detentor da marca "Ginja V" e que vinha sendo depois prosseguida, também em nome individual e a partir de 27 de Março de 1987 até 1995, pelo filho daquele, D… doravante e abreviadamente  D… que, aliás, com o pai já trabalhava há cerca de 20 anos.

3. Ao  D… ficaram confiadas exclusivamente as funções relacionadas com o fabrico do licor de ginja, enquanto que aos sócios  I… e  J… todas as demais funções de gestão, nomeadamente, as relacionadas com os aspetos comerciais, banca, clientes, fornecedores, administrativos, contabilísticos, etc.

4. Nos termos então inicialmente acordados entre os três identificados sócios fundadores, nas cláusulas 5A e 6A do pacto social constitutivo- que ainda hoje se mantém inalterado -todos os sócios foram nomeados gerentes, obrigando-se a Autora com a assinatura de dois gerentes.

5. Em 23 de Janeiro de 2002, os referidos sócios  I… e J… , por escritura pública lavrada a fls. 38 do Livro 56-E, do Cartório Notarial de…., com renúncia à gerência, cederam as suas quotas ao Réu B… .

6. Em consequência de tal cessão de quotas, a distribuição do capital social da Autora passou a ser de duas quotas para o Réu B… , cada uma no valor nominal de €12.469,98 e de uma quota, no mesmo valor nominal, para o sócio e gerente D….

7. A partir desse momento o Réu  B… passou a exercer todas as funções de gerência na A…, Lda, que antes competiam aos gerentes  I… e J… , mantendo-se o gerente  D… nas que já vinha exercendo.

8. (…) em 18 de Julho de 2007, por força da divisão da quota de €12.469,95 pertencente a D… , foi por aquele transmitida a E… , uma quota da Autora, no valor de €1.000,00.

9. Através ou mediante prévias convocatórias efetuadas nos termos legais, no dia 5 de Dezembro de 2007, foi convocada para ter lugar uma assembleia geral da Autora, em sessão extraordinária, com a seguinte

"ORDEM DE TRABALHOS

1. Dar a conhecer e apreciar a revelada conduta do sócio B… , nesta qualidade e enquanto gerente de facto da sociedade, nos períodos compreendidos a partir de Fevereiro de 2002 até Outubro de 2007;

2. Analisar quais as consequências decorrentes para a sociedade, particularmente quanto aos prejuízos que lhe foram causados pela conduta do sócio B… , nesta qualidade e como seu gerente de facto, a que se refere o ponto 1;

3. Deliberar sobre a instauração pela sociedade de uma acção judicial e eventual procedimento criminal contra o sócio B… , com vista à sua responsabilização e indemnização a favor da sociedade pelos danos a esta causados com a sua conduta, quer enquanto sócio quer enquanto gerente de facto;

4. Deliberar sobre a instauração pela sociedade de uma acção judicial com vista à exclusão judicial do sócio B… , face às consequências e resultados das suas condutas, a que se referem os pontos 1, 2 e 3 anteriores, para com a sociedade".

(Pontos 10., 11., 12, 13., 14., 15., 16., 17. – eliminados)

18. O sócio e gerente  D… instaurou uma ação judicial visando a anulação das deliberações sociais positivas, bem como à anulação dos votos do sócio B… , e os respetivos procedimentos cautelares, destinados a acautelar os efeitos úteis daquela, aos quais couberam, respetivamente, os nºs 9/08.5TBSCD do 1° Juízo e 822/07.1TBSCD do 2° Juízo.

19. Nesta última foi proferida decisão, datada de 10 de Janeiro de 2008, já transitada em julgado, da qual consta, além do mais aí exarado, o seguinte:

Decisão

Pelo exposto, julgo procedente a pretensão do requerente  D… e, em consequência:

1. Declaro e ordeno a suspensão da execução das deliberações sociais positivas constantes do instrumento de acta de reunião de assembleia geral da requerida, de 5 de Dezembro de 2007, registada no livro nº 1, a fls 2, sob o nº 16, do ano de 2007, do Cartório Notarial de ….. Introduzidas e votadas pelo sócio  B… págs. 16 a 23, concretamente aquelas a que se referem os pontos um a seis de tal matéria.

2. Declaro provisoriamente nulos, por ilegais, os votos proferidos pelo sócio B… , em situação de impedimento por conflito de interesses com a sociedade, que conduziram às deliberações negativas a que se referem os pontos um a quatro da ordem de trabalhos de pág. 2 a 16 do supra mencionado instrumento de acta de reunião da assembleia geral, considerando  assim provisoriamente aprovadas essas mesmas deliberações com os votos do requerente e da sócia E… ”.

20. A Autora instaurou a ação principal, da qual os procedimentos cautelares mencionados em 15 constituíram incidente, que foi distribuída ao 1º juízo do então Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, com o nº de processo 9/08.6TBSCD.

21. Ambas as ações foram julgadas procedentes, a ação principal confirmada em via de recurso e o procedimento cautelar alterado em sede recursiva, com uma maior amplitude.

22. Com a entrada em 2002 do Réu na sociedade, o sócio  D… manteve-se a exercer na Autora exclusivamente e apenas as funções relacionadas com o fabrico do licor de Ginja, na ordem das duas produções anuais e, de anos a anos, 3 vezes por ano, alturas em que então se deslocava à sede social, além de a assinar, quando solicitado pelo Réu cheques e alguns documentos, alguns daqueles em branco.

23. Por sua vez o Réu assumiu e chamou para si exclusivamente todas as demais funções de gestão na A…, Lda, concretamente as relacionadas com comercialização, fornecedores, banca, pagamentos, administrativas, contabilísticas e com clientes.

24. Consta da certidão de matrícula da Autora que, mediante a ap. 1, de 12 de Julho de 2002 foi registada a transmissão da quota pertencente a D… a M… , Ldª e, mediante apresentação de 3/7/2007 foi cancelada a transmissão da quota a favor de  M… Ldª, “(...)pelo que tornou a ser titular da mesma D… ”.

25. Mais dela consta que a sua gerência era exercida por  D…. no período em que foi titular de uma quota  M… Ldª.

26. A “ G… , Importação e Exportação de Produtos Alimentares e Bebidas, Ldª”, é uma sociedade por quotas, com sede em …., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …. sob o nº….., e que tem por objeto a representação, importação, exportação e comercialização de marcas e produtos alimentares e bebidas e o capital de €4.987,98, distribuído por duas quotas, sendo uma de €4.489,18, pertencente a B… , que exerce as funções de gerente daquela sociedade, e outra de €498,90, pertencente ao sócio N…..

27. Na sequência da descrita alteração societária, por acordo entre o  D… e o Réu, a G… veio a tornar-se fornecedora da Autora e praticamente a sua única cliente, no pressuposto de que adquirisse à Autora a quase totalidade da sua produção a qual, em seguida, comercializaria e distribuiria no mercado.

28. Após o Réu entrar para sócio da Autora, a G… , passando a ser o quase exclusivo cliente daquela- como tal devendo beneficiar até de redução de preço para revendedor -, passou a pagar à Autora a Ginja V a 372$00 ou €3,40 litro.

29. Com o descrito quadro de funções foi sendo o Réu quem, sozinho e em representação da Autora A…, Lda estabelecia contactos e contratava com fornecedores, com a Banca e com a referida G… , enquanto quase cliente única daquela.

30. Era ainda o Réu quem, exclusivamente, assumia todas as funções relacionadas com a comercialização dos produtos da Autora, os pagamentos, assumindo ainda todas as funções administrativas e com clientes, tudo por sua iniciativa.

31. O sócio D… , para além do fabrico, limitava-se a assinar cheques e alguns documentos, efetuando algumas assinaturas, em branco, e quando solicitado pelo Réu.

32. Face às circunstancias referidas nos pontos 22, 23, 29, 30 e 31, e à total ausência de ajuda e participação por parte do Sr. D… em quaisquer outras funções para além das relacionadas com a produção, este não estava ao corrente do quotidiano da vida económico-financeira-comercial da Autora.

33. Além do sócio D… também os funcionários depositavam inteira confiança no Réu o qual, para além de sócio maioritário invocava a sua qualidade de Advogado e foi sempre dando a entender que tudo corria na normalidade.

34. Era o Réu quem tratava ou mandava tratar ao Técnico Oficial de Contas tudo o que relacionado seja com os livros, a documentação e a contabilidade sociais, documentos contabilísticos e sociais esses que, após o Réu ter adquirido a qualidade de sócio, passaram a estar na posse de um contabilista da sua confiança, onde permaneceram, encontrando-se na sede social umas pastas com faturas e fichas, bem como um computador onde eram lançadas tais faturas.

35. (A partir de data não apurada em concreto, a correspondência dirigida à Autora passou a ser levantada direta e pessoalmente no apartado desta nos CTT locais e era normalmente acedida apenas pelo Réu) – Não provado.

36. À data de 15.05.2009, não se encontrava registada qualquer outra prestação de contas posterior a 29.04.1999, encontrando-se em falta a prestação de contas relativas aos exercícios de 1999 e seguintes.

37. A partir de certo momento, quando o Réu já executada as descritas funções ou tarefas, por ação daqule, ao invés do que sucedia em simultâneo com as vendas da autora, passaram a deixar de ser emitidas as respetivas guias de transporte da A…,Lda as quais, até então, eram emitidas e entregues por um seu funcionário, simultaneamente com a venda e carga das mercadorias produzidas

38. (…. eliminado) Era o Réu quem, no suporte informático/computador da firma, lançava as faturas, dado que os funcionários da Autora, ao tempo, não estavam capacitados para emitirem tais documentos.

39. A Autora sempre realizou, em regra, duas produções anuais de Ginja, salvo uma ou outra vez em que fez três produções.

40. A  G… debitou à Autora, através da fatura nº 5151 de 22 de Agosto de 2006, correspondente a 120 garrafas de whisky Jameson, (600 garrafas de vinho tinto Udaca - eliminado) e 360 garrafas de Porto Fundador, no montante de €3.940,61, as quais nunca deram entrada nos armazéns desta última – não provado

41. (Ainda o Réu, como efetivo e responsável único pela aquisição de mercadorias da Autora, fez dar entrada na contabilidade desta de faturas de terceiros como sucedeu com a fatura nº 220005, datada de 16/05/2002, da firma O… -Importação e Exportação de Bebidas Lda, relativa à compra de 1.680 garrafas de vinho do Porto Quinta Estanho White e 3.360 garrafas de Vinho do Porto Quinta do Estanho, no valor de €14.683,03, com IVA incluído, mercadoria essa que nunca deu entrada nos armazéns da Autora) – não provado.

42. Por outro lado ainda o Réu fez dar entrada na contabilidade da Autora da factura nº 2815 de 27 de Janeiro, relativa à compra de 1.680 garrafas de Vinho do Porto Quinta Estanho White, 1.680 garrafas de Vinho do Porto Quinta do Estanho tawny, para além de 24 garrafas de Vintage 1998, no valor de €10.382,06, com IVA incluído, mercadoria essa que deu entrada nos armazéns da Autora.

43. Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor global não foi possível apurar em concreto.

44. À firma  G… Importação e Exportação de Produtos Alimentares Ldª a Autora forneceu mercadoria no valor de €43.443,84, relativa aos últimos fornecimentos de 2007 e que aquela lhe não pagou, respeitando a quantidades, produtos e procedimento não concretamente identificados ou apurados e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades Alfandegárias.

45. O trabalhador da A…, Lda, C… , a dada altura, em data não apurada em concreto, e por período também não apurado em concreto, mas nos anos de 2004, 2005 e 2006, também passou a distribuir produtos da G…,  sendo que a respetiva remuneração e encargos sociais pagos pela Autora, num total de €62.889,0.

46. (Nesse mesmo contexto, espácio-temporal- 2004, 2005 e 2006 -e ainda por determinação do Réu, foram imputados custos à Autora, em combustíveis e refeições, respeitantes ao referido C… , a viaturas ao serviço exclusivo da  G… ou de terceiros estranhos à Autora de, €14.533,00 e €2.690,00) (eliminado)

47. No exercício de 2002 encontra-se contabilizado na rubrica de honorários o valor global de €13.875,82, sem referência à sua natureza e em documentos internos sem a forma legal ou sem quaisquer documentos, sendo seu beneficiário o Réu, que recebeu tal quantia.

48. A Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, procedeu a duas ações inspetivas no âmbito do imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), uma respeitante ao período decorrido entre 1 de janeiro de 2003 e 31 de Maio de 2004 (Varejo de 2004) e uma segunda abrangendo o período de 31 de maio de 2004 até 7 de Janeiro de 2008 (Varejo de 2008) e que tiveram a Autora por destinatária.

49. No Varejo de 2004 apurou-se uma quantidade de 13.440,29 litros de álcool a 100%, resultando uma diferença para menos de 6.500,20 litros de álcool a 100%, aí se concluindo que tal diferença resulta numa dívida em sede de IABA no valor de €58.371,80.

 50. Mais se fez constar do respetivo relatório que “a diferença para menos detectada (...) configura-se como uma contraordenação aduaneira prevista e punível nos termos da alínea b) nº1 do artigo 96º conjugado com o nº 1 do artigo 109º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, anexo à Lei 15/2001, de 5 de Junho.

51. A referida quantidade de álcool em falta corresponde a 36.112 garrafas de Licor de Ginja V.

52. Foi sempre o Réu quem tratou de todo este processo com a Alfândega de Aveiro, apresentando requerimentos, prestando declarações ou deduzindo reclamações, incluindo impugnações, sempre assumindo-se como representante legal da Autora, mantendo em seu poder toda a documentação e notificações relativas ao processo de varejo.

53. No varejo realizado em Janeiro de 2008 – no qual foi levado a cabo um “controlo cruzado” com a  G… e às estampilhas fiscais da Autora – conclui-se que ocorreu introdução “irregular” no consumo (sem as respetivas DIC’s), de 31 de Maio de 2004 a 31 de Dezembro de 2007, de um total de 16.827 de garrafas de litro de licor de ginja com as perdas tributáveis correspondentes a um total de €3.028,86 e, em consequência, uma dívida de IABA no montante de €28.023,08, acrescida de importância não quantificada a título de juros compensatórios.

54. Mais se apurou em tal varejo terem sido rececionadas nas instalações da G…  25.605 garrafas de “Ginja V L – 18” sem qualquer documento de venda, com valor não apurado em concreto.

55. Em tal varejo é igualmente reportada a existência de divergências entre as guias de transporte e as faturas emitidas pela Autora à G… , mediando entre as saídas do entreposto fiscal (diretamente para clientes da G…  ou para esta) e a emissão das respetivas faturas, vários meses, ou acumulando-se num único documento (fatura) diversas e diferentes saídas, quer em quantidade, quer em tempo da sua ocorrência.   

56.a. Na sequência das conclusões e propostas constantes do Relatório de Varejo de 2008, a Autora teria que pagar a mais, a título de IABA, juros e coimas, quantia não apurada em concreto, além do respetivo IVA.

56. b. Na sequência das Conclusões e Propostas constantes do Relatório do Varejo de 2004, foi aplicada à Autora uma coima de 30.000 €.

57. (Para evitar a execução e venda dos seus ativos, ao deduzir oposição ao ato de liquidação por avaliação indireta, a Autora teria de prestar garantia do valor a impugnar, com o legal acréscimo) - eliminado

58. No período compreendido entre Janeiro de 2002 e outubro de 2007 foram introduzidas no consumo, pelo menos, 52.628 garrafas de Ginja de um litro a 18%, sem que tal facto se tenha refletido nas vendas da Autora, e sem que esta haja liquidado os respetivos impostos – IABA (Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas) e o IVA (Imposto sobre o valor Acrescentado) – sendo que a cada garrafa corresponde um custo de €1,64 de Ginja, €1,66 de IABA e €0,64 de IVA, num total de €3,94, num quantitativo total global não apurado em concreto, auferindo a Autora, por cada litro de Ginja vendido um lucro cujo quantitativo também não foi apurado em concreto.

  59. Era o Réu quem ordenava aos funcionários da Autora a preparação e o embalamento de determinadas quantidades de licor de Ginja, por vezes fazendo ele próprio tais levantamentos, em horários e momentos não apurados em concreto, tudo no período compreendido entre Fevereiro de 2002 e Outubro de 2007.

60. A Autora pagava ao sócio  D… a renda mensal de €1.000,00, como contrapartida pela utilização das instalações.

61. Com a distribuição do produto da Autora a  G… auferia um lucro não quantificado, sendo que a distribuição feita pela Autora, mesmo por rent-a-car, implica um custo, por garrafa, não quantificado.

62. A Autora sempre liquidou à DGAIEC todo o lABA cobrado e que, relativamente às faturas emitidas em 2004, 2005 e 2006 ascendeu a €165.660,76.

63. Em meados de 2007 constatou-se que a contabilidade de 2004 e 2006 não se encontrava elaborada, verificou-se a inexistência de balancetes analíticos e extratos quanto aos restantes anos – à  exceção dos relativos a Dezembro de 2002 –, verificou-se a inexistência de declarações periódicas de IVA do 1º, 3º e 4º trimestres de 2003, de declarações dos Mod. 22 de IRC de 2005 e 2006, de declarações anuais e dossiers fiscais de todos os exercícios (2002 a 2006) e de balanços, anexos, demonstração de resultados e inventários.

64. E também se constatou que os documentos não se encontravam classificados e registados os documentos contabilísticos existentes.

65. Por via do conjunto de omissões mencionadas no anterior artigo as faturas 14, 15, 16, 17, 20, 24, 25 e 29 não estavam lançadas na contabilidade do ano de 2004 da Autora, mas encontravam-se contabilizadas na escrita organizada da Autora na conta da G…  Ldª.

66. Por sua vez as faturas do ano de 2005, nºs 6, 7 e 8 e do ano de 2006, as nºs 9, 10, 11 e 12, constam da contabilidade reorganizada da Autora, levada a cabo aquando da efetivação da perícia dos autos.

67. O controlo das entradas de produtos e matérias-primas, saídas do fabrico, produções era efetuado pelo Srº H… .

68. O  D… entre 2002 e 2007 nunca elaborou ou mandou elaborar o relatório de gestão, as contas de exercício e demais documentos de prestação de contas, nunca convocando uma assembleia de sócios e submetendo tais documentos à sua apreciação.

69. Ainda o Réu contraiu vários empréstimos ou financiamentos bancários, em nome da A…, Lda, os quais geraram encargos financeiros, com taxas de juro à razão de 10,50% anuais, num montante que se situa em €95.840,00, sendo que dos documentos respetivos, requerendo ou pedindo o financiamento, deles não teve conhecimento e intervenção, com a sua assinatura, o gerente D… .

70. Também em sede de instituições bancárias o Réu movimentou e movimentava regularmente a débito contas bancárias da A…, Lda, apenas com a sua assinatura.

71. Em 30/11/2007 estavam registadas na contabilidade da Autora as seguintes dívidas:

- IVA: €56.007,98;

- IABA: €167.338,00,09;

- SEGURANÇA SOCIAL: €21.149,25.

72. E existia também uma coima aplicada por via de contraordenação referida infra, no montante de €30.000,00, cuja estava impugnada.

73. A Autora recorreu a empréstimos bancários, relativamente aos quais se encontravam em divida, em 23-01-2002, o valor de €49.879 à Caixa Geral de Depósitos e €69.831,71 à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …..

74. Em 29/11/2007 a Autora nada devia à Caixa Geral de Depósitos.

75. Nesta mesma data a Autora devia à caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ….. quantia não apurada em concreto, mas não superior a €3.926,12.

76. O Réu manteve os empregados sem prejuízo do que se exarou supra sobre o funcionário C… .

77. As chaves das instalações da Autora eram detidas por pessoas não apuradas em concreto, mas pelo menos estavam na posse do Sr D… , do Réu e de um funcionário não identificado, os quais tinham assim acesso permanente e ilimitado às mesmas.

78. Muito esporadicamente os funcionários vendiam garrafas de ginja ao balcão.

79. No período compreendido entre os anos de 1995 a 2007 a Autora teve uma faturação líquida não apurada em concreto, faturando quantia também não quantificada a nível de impostos, sobretudo IVA, IABA e selo.

80. Ao longo destes anos, a Autora pagou despesas correntes, designadamente com o salário dos funcionários a qual, no ano de 2001 ascendeu a montante não quantificado e, em média, em cada ano, desde 2002 a 2007, assumiram valor não apurado em concreto, tal sucedeu com os montantes pagos à Segurança Social, relativamente aos seus funcionários.

81. Ainda a Autora foi liquidando as compras com matérias primas e outros produtos cujo valor total, em 2001, não se apurou em concreto.

82. Também a Autora foi liquidando despesas anuais com o álcool, açucar, garrafas, caixas de cartão, impostos (incluindo IABA), selos fiscais, honorários do TOC, despesas administrativas, água, eletricidade, telefone, seguros, cápsulas, rótulos e outros encargos, todo e cada um deles em montante médio não especificado.

83. O IABA liquidado pela Autora, relativamente às faturas emitidas em 2004, 2005 e 2006 ascendeu a montante não quantificado, ainda que numa situação na qual o teor alcoólico foi reduzido de 20º para 18º por litro, com redução do valor comercial e custos de produção.

(…).

86. Conforme consta das actas cujas cópias se encontram juntas aos autos apensos a fls 352 e segs, no ano de 1995 a Autora teve um resultado líquido negativo de 55.863$00, no ano de 1996 de 3.025.559$00, no ano de 1997 de 9.475.829$00, no ano de 1998 de 6.508.029$oo, no ano de 1999 de 2.670.064$00, no ano de 2000 de 1.431.850$00.

87. A partir de Abril de 2008 o Srº  D… renunciou à sua remuneração como gerente, além de que no ano de 1999 já não havia gerentes remunerados e ainda a Autora deixara de pagar as rendas das suas instalações.

88. Em 28-11-2002 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária, convocada pelo sócio M… , LDª. que informou ter adquirido a quota do Sr D… , a quem foi informada da débil situação económica da empresa e a sua necessidade em obter suprimentos para pagar os prejuízos e dívidas acumulados e transitados da anterior gerência e reorganizar a gestão e atividade da sociedade.

89. No período de 1995 a 2001 os sócios  J… e  I… fizeram, cada um deles, empréstimos contabilizados à sociedade no valor de €35.556,78 e muitos outros não contabilizados, perdendo nela dezenas de milhares de contos cada um, ao invés do  D… que obteve um empréstimo da sociedade de €5.353,45.

90. “Todas as faturas emitidas pela autora relativamente aos fornecimentos efetuados à G… , e que que se encontram na contabilidade da autora a dezembro de 2007, se encontram pagas.

91. No período compreendido entre 1 de janeiro de 2002 e 31 de outubro de 2007, o  A… procedeu ao depósito de inúmeras quantias num total de 92.365,00 €, em contas bancárias da D… .

92. No ano de 2001, a autora faturou 70.000,00 €.


*

B. Subsunção do Direito aos Factos

1. Responsabilização do Réu por danos causados à sociedade

A decisão recorrida, após uma longa apresentação introdutória sobre os pressupostos gerais da responsabilidade civil e sobre as circunstâncias em que pode haver lugar à responsabilidade dos administradores de facto, analisa a reclamada “responsabilização do réu por omissão de diversos deveres que lhe estavam cominados, assente que ele desenvolveu, de facto, as funções de gerente, sem a sua nomeação formal para tal, e em exclusivo”, fazendo-a assentar nos seguintes factos (pp. 191-195 da decisão recorrida), de onde retira a ilicitude da conduta do réu, e que aqui enumeramos para facilitação da análise:

1. o Réu decide sozinho que  G… se torna fornecedora da Autora e praticamente a sua única cliente, no pressuposto de que adquirisse à Autora a quase totalidade da sua produção a qual, em seguida, comercializaria e distribuiria no mercado;

2. a  G… passa a ser o quase exclusivo cliente da Autora e passa a pagar à Autora a Ginja V a 372$00 ou €3,40 litro;

3. o Réu, sozinho e em representação da Autora A…, Lda, estabelecia contactos e contratava com fornecedores, com a Banca e com a referida G… , enquanto quase cliente única daquela;

4. o Réu assumia exclusivamente todas as funções relacionadas com a comercialização dos produtos da Autora, os pagamentos, assumindo ainda todas as funções administrativas e com clientes, tudo por sua iniciativa; - sócio D… , para além do fabrico, limitava-se a assinar cheques e alguns documentos, efetuando algumas assinaturas, em branco, e quando solicitado pelo Réu;

5. o Réu tratava sozinho ou mandava tratar ao Técnico Oficial de Contas tudo o que relacionado seja com os livros, a documentação e a contabilidade sociais, documentos contabilísticos e sociais esses que, após o Réu ter adquirido a qualidade de sócio, passaram a estar na posse de um contabilista da sua confiança, de nome l…., domiciliado em …., pai da sua mulher ou companheira, onde permaneceram, não entregues à Autora, sem que houvessem ficado na sede social quaisquer elementos que possibilitassem o controle contabilístico da atividade da A…, Lda, nomeadamente através da documentação de suporte das suas operações e transações sociais;

6. a partir de data não apurada em concreto, a correspondência dirigida à Autora passou a ser levantada directa e pessoalmente no apartado desta nos CTT locais e era normalmente acedida apenas pelo Réu;

7. a partir de certo momento, quando o Réu já executava as descritas funções ou tarefas, por ação daquele, ao invés do que sucedia em simultâneo com a venda dos bens produzidos pela Autora, passaram a deixar de ser emitidas as respetivas guias de transporte da A…, Lda as quais, até então, eram emitidas e entregues por um seu funcionário, simultaneamente com a venda e carga das mercadorias produzidas;

8. as faturas, que deveriam corresponder e documentar contabilisticamente e para efeitos fiscais às transações comerciais da A…, Lda, deixaram de ser enviadas em exemplar para a sede social, sendo exclusivamente o Réu quem, no suporte informático/computador da firma, lançava as faturas, dado que os funcionários da Autora, ao tempo, não estavam capacitados para emitirem tais documentos;

9. Réu ordenava aos funcionários da Autora a preparação e o embalamento de determinadas quantidades de licor de Ginja, por vezes fazendo ele próprio tais levantamentos, em horários e momentos não apurados em concreto, tudo no período compreendido entre Fevereiro de 2002 e Outubro de 2007;

10. em meados de 2007 constatou-se que a contabilidade de 2004 e 2006 não se encontrava elaborada, verificou-se a inexistência de balancetes analíticos e extratos quanto aos restantes anos – à exceção dos relativos a Dezembro de 2002;

11. verificou-se a inexistência de declarações periódicas de IVA do 1º, 3º e 4º trimestres de 2003, de declarações dos Mod. 22 de IRC de 2005 e 2006, de declarações anuais e dossiers fiscais de todos os exercícios (2002 a 2006) e de balanços, anexos, demonstração de resultados e inventários;

12. constatou-se ainda que os documentos não se encontravam classificados e registados os documentos contabilísticos existentes;

13. por via deste conjunto de omissões as faturas 14, 15, 16, 17, 20, 24, 25 e 29 não estavam lançadas na contabilidade do ano de 2004 da Autora, mas encontravam-se contabilizadas na escrita organizada da Autora na conta da G…  Ldª;

14. e as facturas do ano de 2005, nºs 6, 7 e 8 e do ano de 2006, as nºs 9, 10, 11 e 12, constam da contabilidade reorganizada da Autora, levada a cabo aquando da efetivação da perícia dos autos;

15. o controlo das entradas de produtos e matérias-primas, saídas do fabrico, produções era efetuado pelo Srº Rui Pereira;

16. em sede de instituições bancárias o Réu movimentou e movimentava regularmente a débito contas bancárias da A…, Lda, apenas com a sua assinatura;

17. o Réu manteve os empregados sem prejuízo do que se exarou supra sobre o funcionário C… ;

18. as chaves das instalações da Autora eram detidas por pessoas não apuradas em concreto, mas pelo menos estavam na posse do Sr D… , do Réu e de um funcionário não identificado, os quais tinham assim acesso permanente e ilimitado às mesmas;

20. muito esporadicamente os funcionários vendiam garrafas de ginja ao balcão;

20. no período compreendido entre os anos de 1995 a 2007 a Autora teve uma faturação líquida não apurada em concreto, faturando quantia também não quantificada a nível de impostos, sobretudo IVA, IABA e selo;

21. ao longo destes anos, a Autora pagou despesas correntes, designadamente com o salário dos funcionários a qual, no ano de 2001 ascendeu a montante não quantificado e, em média, em cada ano, desde 2002 a 2007, assumiram valor não apurado em concreto, tal sucedeu com os montantes pagos à Segurança Social, relativamente aos seus funcionários;

22. ainda a Autora foi liquidando as compras com matérias primas e outros produtos cujo valor total, em 2001, não se apurou em concreto e foi liquidando despesas anuais com o álcool, açúcar, garrafas, caixas de cartão, impostos (incluindo IABA), selos fiscais, honorários do TOC, despesas administrativas, água, eletricidade, telefone, seguros, cápsulas, rótulos e outros encargos, todo e cada um deles em montante médio não especificado;

22. o IABA liquidado pela Autora, relativamente às faturas emitidas em 2004, 2005 e 2006 ascendeu a montante não quantificado, ainda que numa situação na qual o teor alcoólico foi reduzido de 20º para 18º por litro, com redução do valor comercial e custos de produção.

De tal elenco de factos selecionados pelo juiz a quo, constata-se que os referenciados sob os pontos 3, 4, 5, 6 (eliminado dos factos provados), 7 (eliminado) 8 (parcialmente eliminado), 9, 15, 16, respeitam unicamente à distribuição de funções entre o sócio/gerente  D… e o sócio, aqui réu, e não de factos ilícitos praticados pelo Réu suscetíveis de fundamentar qualquer responsabilidade civil.

O mesmo se pode afirmar relativamente aos factos contantes dos pontos 17, 18 e 19, relativos ao facto de ter mantido os empregados da autora e de quem mantinha as chaves das instalações da autora, e sobre a venda esporádica de Ginja V ao balcão.

Relativamente aos factos referidos sob os pontos 1 e 2:

1. o Réu decide sozinho que  G… se torna fornecedora da Autora e praticamente a sua única cliente, no pressuposto de que adquirisse à Autora a quase totalidade da sua produção a qual, em seguida, comercializaria e distribuiria no mercado;

2. a  G… passa a ser o quase exclusivo cliente da Autora e passa a pagar à Autora a Ginja V a 372$00 ou €3,40 litro;

Relativamente a esta decisão tomada pelo Réu – de tornar a  G… a sua principal ou quase exclusiva cliente, garantindo o escoamento da sua produção – enquanto administrador de facto da autora (qualidade que o Apelante não impugna), inexiste qualquer elemento nos autos dos quais resulte ter sido danosa para os interesses da autora: o assegurar o escoamento dos produtos da autora constituiria, até, em tese geral, uma vantagem para a autora, sendo certo não se ter apurado que estivesse a ser fornecida à  G… abaixo do seu valor de mercado ou a um preço mais favorável à G…  do que aquele que era praticado anteriormente a tal decisão.

Como tal, os únicos acima comportamentos selecionados pelo tribunal e acima descritos que lhe podem ser apontados como ilícitos, porque violadores do dever de manter a contabilidade organizada são os referidos pelo juiz a quo nos pontos 10, 11, 12, 13 e 14.

Após citação de jurisprudência e considerações doutrinais, o juiz a quo faz assentar o juízo de ilicitude “na inexistência de contabilidade, na retirada de produto sem faturação, na imputação de custos da  G… à Autora, recebimento de honorários não acordados, etc., etc., tudo estribado na relação de confiança quase ilimitada que o gerente  D… e os funcionários da Autora depositavam em si, havemos de concluir, necessariamente, cremos, que não oferece dúvidas que o Réu violou o dever de cuidado, zelo e lealdade plasmados no citado artigo 64º.”

E do elenco dos atos de gestão concretamente exercidos pelo Réu, entre inícios de 2002 e finais de 2007 como gerente da autora –, e que acima deixámos reproduzidos, o juiz a quo, sem qualquer outra explicação que correlacione qualquer um desses comportamentos com os alegados danos, dá por assente que de tais comportamentos resultaram danos para a autora (cfr. pp. 195 a 203, da sentença recorrida):

Por outro lado, na parte relativa a danos ou prejuízos que resultaram para a Autora da descrita conduta do Réu temos os seguintes factos:

1.A  G… debitou à Autora, através da factura nº 5151 de 22 de Agosto de 2006, correspondente a 120 garrafas de whisky Jameson, 600 garrafas de vinho tinto Udaca e 360 garrafas de Porto Fundador, no montante de €3.940,61, as quais nunca deram entrada nos armazéns desta última.

2.Ainda o Réu, como efectivo e responsável único pela aquisição de mercadorias da Autora, fez dar entrada na contabilidade desta de facturas de terceiros como sucedeu com a factura nº 220005, datada de 16/05/2002, da firma  O… - Importação e Exportação de Bebidas Lda, relativa à compra de 1.680 garrafas de vinho do Porto Quinta Estanho White e 3.360 garrafas de Vinho do Porto Quinta do Estanho, no valor de €14.683,03, com IVA incluído, mercadoria essa que nunca deu entrada nos armazéns da Autora.

3. Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor global não foi possível apurar em concreto.

4. À firma G… , Importação e Exportação de Produtos Alimentares Ldª a Autora forneceu mercadoria no valor de €43.443,84, relativa aos últimos fornecimentos de 2007 e que aquela lhe não pagou, respeitando a quantidades, produtos e procedimento não concretamente identificados ou apurados e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades Alfandegárias.

5. Ainda e sempre por exclusiva determinação do Réu o trabalhador da A…, Lda,   C… , a dada altura, em data não apurada em concreto, e por período também não apurado em concreto, mas nos anos de 2004, 2005 e 2006, passou a estar permanente e diariamente nas instalações da  G… e/ou ao seu serviço, na distribuição, sendo que a respectiva remuneração e encargos sociais eram pagos pela Autora, num total de €62.889,00.

6. Nesse mesmo contexto, espácio-temporal - 2004, 2005 e 2006 - e ainda por determinação do Réu, foram imputados custos à Autora, em combustíveis e refeições, respeitantes ao referido C… , a viaturas ao serviço exclusivo da  G… ou de terceiros estranhos à Autora de, €14.533,00 e €2.690,00.

7. No exercício de 2002 encontra-se contabilizado na rubrica de honorários o valor global de €13.875,82, sem referência à sua natureza e em documentos internos sem a forma legal ou sem quaisquer documentos, sendo seu beneficiário o Réu, que recebeu tal quantia.

Em resultado dos varejos efectivados pela Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, reportados, aos períodos decorridos até 31 de Maio de 2004 e daí até 7 de Janeiro de 2008 e que tiveram a Autora por destinatária, constata-se a seguinte realidade factual:

A. “(...) No varejo efectuado em 31/5/2004 apurou-se uma quantidade de 13.440,29 litros de álcool a 100% pelo que resultou uma diferença para menos de 6.500,20 (...) litros de álcool a 100%.

Esta diferença resulta numa dívida em sede de IABA (...) no valor de €58.371,80 (...)”., que se configura como uma contraordenação aduaneira, sendo que a referida quantidade de álcool em falta corresponde a mais de 34.260 garrafas de Licor de Ginja V.

Note-se que foi sempre o Réu quem tratou de todo este processo com a Alfândega de Aveiro, apresentando requerimentos, prestando declarações ou deduzindo reclamações, incluindo impugnações, sempre assumindo-se como representante legal da Autora, mantendo em seu poder toda a documentação e notificações relativas ao processo de varejo.

B. No varejo realizado em Janeiro de 2008- no qual foi levado a cabo um “controlo cruzado” com a  G… e às estampilhas fiscais da Autora -concluiu-se que ocorreu introdução “irregular” no consumo (sem as respectivas DIC´S), de 31 de Maio de 2004 a 31 de Dezembro de 2007 de um total de 16.827 garrafas de litro de licor de ginja, com as perdas tributáveis correspondentes a um total de €3.028,86 e, em consequência, uma dívida de IABA no montante de €28.023,08, acrescida de importância não quantificada a título de juros compensatórios.

Nessa ocasião e na referida firma  G… apurou-se a existência de 25.605 garrafas de “Ginja V Litro -18” nas suas instalações sem qualquer documento de venda, com valor não apurado em concreto, tal como existiam divergências entre as guias de transporte e as facturas emitidas pela Autora à G… , mediando entre as saídas do entreposto fiscal (directamente para clientes da  G… ou para esta) e a emissão das respectivas facturas, vários meses, ou acumulando-se num único documento (factura) diversas e diferentes saídas, quer em quantidade, quer em tempo da sua ocorrência.

Por consequência da descrita conduta do Réu, a Autora teria que pagar a mais, a título de IABA, juros e coimas, quantia não apurada em concreto, além do respectivo IVA, tendo-lhe sido aplicada uma coima de €30.000,00, acima identificada.

9. No período compreendido entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2007 entre um mínimo de 52.628 garrafas e um máximo de 69.671 garrafas de Ginja de um litro a 18% foi introduzida no consumo, sem que tal facto se tenha reflectido nas vendas da Autora nem esta haja liquidado os respectivos impostos- IABA (Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas) e o IVA (Imposto sobre o valor Acrescentado) –sendo que a cada garrafa corresponde um custo de €1,64 de Ginja, €1,66 de IABA e €0,64 de IVA, num total de €3,94, num quantitativo total global não apurado em concreto, auferindo a Autora, por cada cada litro de Ginja vendido vendido um lucro cujo quantitativo também não foi apurado em concreto.

10. Ainda o Réu contraiu vários empréstimos ou financiamentos bancários, em nome da A…, Lda, os quais geraram encargos financeiros, com taxas de juro à razão de 10,50% anuais, num montante que se situa em €95.840,00, sendo que dos documentos respectivos, requerendo ou pedindo o financiamento, deles não teve conhecimento e intervenção, com a sua assinatura, o gerente D… .

11. Em 30/11/2007 estavam registadas na contabilidade da Autora as seguintes dívidas:

- IVA: €56.007,98;

- IABA: €167.338,00,09;

- SEGURANÇA SOCIAL: €21.149,25.

12. E existia também uma coima aplicada por via de contraordenação referida infra, no montante de €30.000,00, cuja estava impugnada.

13. A Autora recorreu a empréstimos bancários, relativamente aos quais se encontravam em divida, em 23-01-2002, o valor de €49.879 à Caixa Geral de Depósitos e €69.831,71 à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de…..

14. Em 29/11/2007 a Autora nada devia à Caixa Geral de Depósitos.

15. Nesta mesma data a Autora devia à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ….. quantia não apurada em concreto, mas não superior a €3.926,12.

Mas há ou existem outros factos.

Assim em face das funções atribuídas ao Réu, dada a inteira confiança que o referido  D… depositava nele, este não estava ao corrente do quotidiano da vida económico-financeira-comercial da Autora, sendo certo que também os funcionários depositavam inteira confiança no Réu o qual, para além de sócio maioritário invocava a sua qualidade de Advogado e foi sempre dando a entender que tudo corria na normalidade.

Por outro lado a partir de 2002 e até Dezembro de 2007 não tiveram lugar Assembleias Gerais, incluindo as ordinárias e obrigatórias relativas à discussão e aprovação das contas de cada exercício, cujas também não foram convocadas pelo gerente  D… porque não estava na posse dos elementos de contabilidade, essas eram funções ou tarefas que não lhe estavam "distribuídas", ademais de depositar uma enorme confiança no Réu e de estar convencido que o mesmo era gerente de direito.

 A Autora sempre realizou, em regra, duas produções anuais de Ginja, salvo uma ou outra vez em que fez três produções.

E ainda se provou que o Réu fez dar entrada na contabilidade da Autora da factura nº 2815 de 27 de Janeiro, relativa à compra de 1.680 garrafas de Vinho do Porto Quinta Estanho White, 1.680 garrafas de Vinho do Porto Quinta do Estanho tawny, para além de 24 garrafas de Vintage 1998, no valor de €10.382,06, com IVA incluído, mercadoria essa que deu entrada nos armazéns da Autora.

Ou também que a Autora pagava ao sócio  D… a renda mensal de €1.000,00, como contrapartida pela utilização das instalações.

Com a distribuição do produto da Autora a  G… auferia um lucro não quantificado, sendo que a distribuição feita pela Autora, mesmo por rent-a-car, implica um custo, por garrafa, não quantificado.

Por sua vez a Autora sempre liquidou à DGAIEC todo o lABA cobrado e que, relativamente às facturas emitidas em 2004, 2005 e 2006 ascendeu a €165.660,76. No tocante ao falecido  D… este, entre 2002 e 2007 nunca elaborou ou mandou elaborar o relatório de gestão, as contas de exercício e demais documentos de prestação de contas, nunca convocando uma assembleia de sócios e submetendo tais documentos à sua apreciação.

Mais resulta da certidão junta a fls 548, datada de 27 de Maio de 2009, que a propriedade da viatura de marca Toyota e matrícula …., mediante apresentação de 9/5/1980, está registada a favor de F…, e que sobre o referido veículo não se encontram registados quaisquer ónus ou encargos, não havendo apresentações pendentes.

E da certidão junta a fls 550, datada de 20 de Maio de 2009, que a propriedade da viatura de marca Renault e matrícula ….., mediante apresentação de 7/2/1996, está registada a favor da Autora, e que sobre o referido veículo se encontra registada uma penhora de 9/3/1994, não havendo apresentações pendentes.

Conforme consta das actas cujas cópias se encontram juntas aos autos apensos a fls 352 e segs, no ano de 1995 a Autora teve um resultado líquido negativo de 55.863$00, no ano de 1996 de 3.025.559$00, no ano de 1997 de 9.475.829$00, no ano de 1998 de 6.508.029$oo, no ano de 1999 de 2.670.064$00, no ano de 2000 de 1.431.850$00.

A partir de Abril de 2008 o Srº  D… renunciou à sua remuneração como gerente, além de que no ano de 1999 já não havia gerentes remunerados e ainda a Autora deixara de pagar as rendas das suas instalações.

Em 28-11-2002 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária, convocada pelo sócioM… , LDª que informou ter adquirido a quota do Sr D… , a quem foi informada da débil situação económica da empresa e a sua necessidade em obter suprimentos para pagar os prejuízos e dívidas acumulados e transitados da anterior gerência e reorganizar a gestão e actividade da sociedade.

No período de 1995 a 2001 os sócios J…  e  I… fizeram, cada um deles, empréstimos contabilizados à sociedade no valor de €35.556,78 e muitos outros não contabilizados, perdendo nela dezenas de milhares de contos cada um, ao invés do  D… que obteve um empréstimo da sociedade de €5.353,45.

De tais factos – alguns dos quais surgem como completamente alheios a qualquer “prejuízo” ou despesa acrescida por parte da autora, como a realização pela autora de duas produções anuais de ginja, a existência de duas viaturas, uma registada a favor da autora com uma penhora registada em 1994, e uma outra a favor de um terceiro, que a A. tenho procedido ao pagamento de todo o IABA cobrado, que em período anterior à entrada do R. na sociedade A. tenham sido feitos suprimentos por parte dos anteriores sócios –  a sentença recorrida parte para a responsabilização do réu pelas perdas da empresa, com base no seguinte raciocínio:

“Recordemos que o artigo 64º prescreve que “os gerentes…de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”.

Ora atentando nos factos acima elencados e que se traduzem, no essencial, na circunstância da gestão da Autora estar centrada ou centralizada única e exclusivamente na pessoa do Réu – ele  tudo decide sozinho, incluindo a assinatura unicamente por si de cheques, quando eram exigidas duas ou a contracção de empréstimos apenas com a sua assinatura, apenas ele recebe o correio, só ele faz a facturação em termos da sua introdução no sistema informático – desdobrada no aludido sistema de vaso comunicantes com a G… , na inexistência de contabilidade, na retirada de produto sem facturação, na imputação de custos da  G… à Autora, recebimento de honorários não acordados, etc, etc, tudo estribado na relação de confiança quase ilimitada que o gerente  D… e os funcionários da Autora depositavam em si, havemos de concluir, necessariamente, cremos, que não oferece dúvidas que o Réu violou o dever de cuidado, zelo e lealdade plasmados no citado artigo 64º.

Nessa medida, uma vez que esta violação constitui um comportamento ilícito e culposo – ainda que esta se presuma, como escrevemos, sem embargo do Réu não ter logrado ilidi-la, ela está provada como culpa efectiva –assente a ilicitude da sua conduta, porque ética e juridicamente censurável, faz impender sobre o seu património próprio a responsabilidade pelos danos derivados da sua actuação que foram causados no património societário (artigo 563º do CC).

Na hipótese em apreço todo o seu comportamento se revela censurável por frontalmente violador dos deveres de cuidado e de lealdade que sobre si recaíam, foi gerador de prejuízo para o património da sociedade. Os montantes já quantificados são os seguintes: €3.940,61, €14.683,03, €43.443,84, €62.889,00, €14.533,00, €2.690,00, €13.875,82, €28.023,08, €30.000,00, €95.840,00 num total de €309.918,38.

Porém se há estes valores já quantificados, outros existem em termos ilíquidos.

Tal o que sucede com um conjunto de 5.310 garrafas cuja venda foi omitida, cujo valor global não foi possível apurar em concreto, ou ainda 25.605 garrafas de “Ginja V Litro -18” nas instalações da G… , sem qualquer documento de venda, e sem valor apurado bem como no que respeita a um mínimo de 52.628 garrafas e um máximo de 69.671 garrafas de Ginja de um litro a 18% introduzida no consumo, sem que tal facto se tenha reflectido nas vendas da Autora nem esta haja liquidado os respectivos impostos- IABA (Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas) e o IVA (Imposto sobre o valor Acrescentado) –sendo que a cada garrafa corresponde um custo de €1,64 de Ginja, €1,66 de IABA e €0,64 de IVA, num total de €3,94, num quantitativo total global não apurado em concreto.

Por outro lado, relativamente às dívidas registadas na contabilidade da Autora em 30/11/2007, inexiste datação das mesmas, isto é, ignora-se se as mesmas foram contraídas ou não no período de gerência do Réu.

Relativamente a estes danos eles carecem de posterior liquidação, cuja ocorre quando o montante de um qualquer dano não pôde ser averiguado, por não haver elementos para fixar a quantidade.

(…).

E a sua responsabilização, ainda que na qualidade de gerente de facto, é legalmente determinada dado que, como bem se retira do acervo fáctico, estão inequivocamente presentes os acima apontados três requisitos: existe um exercício positivo, real e efectivo da gerência, com determinado grau de intensidade (qualitativo e quantitativo) – o Réu fê-lo exclusivamente –  tal como ele possuía autonomia decisória – o paradigma deste ponto encontra-se na subscrição de cheques apenas com a sua assinatura quando o pacto social exigia duas – e finalmente estava presente o conhecimento do sócio e gerente de direito – o referido D… –dado que a gestão do Réu da parte de não produção era ou foi pressuposto da aquisição das quotas, por parte do Réu, dada a divisão de tarefas ou funções que existiam na sociedade, com a anterior composição societária e que se manteve.

Como assim a acção principal, procede, assim, nos sobreditos termos, sendo que em relação ao pedido reconvencional, ele naufraga dado que relativamente a ele os autos “guardam de Conrado o prudente silêncio”.

Ou seja, partindo da circunstância de a gestão da autora estar “centrada única e exclusivamente na pessoa do réu” (conduta que a decisão recorrida imputa ao réu como censurável, embora sem invocar qualquer norma da qual decorra a ilicitude de tal gestão exclusiva de facto), e imputando-lhe ainexistência de contabilidade organizada, a retirada de produto sem faturação, a imputação de custos da  G… à autora, recebimento de honorários não acordados, a decisão recorrida considera que o Réu “violou o dever de cuidado, zelo e lealdade plasmados no citado artigo 64º”.

Insurge-se o Apelante contra tal decisão de condenação contra si proferida – num montante global de 309.918,38 €, bem como nos demais prejuízos que se vierem a demonstrar em execução de sentença – com fundamento em que a factualidade provada não preenche os requisitos da responsabilidade em relação aos prejuízos imputados ao réu, faltando por vezes o requisito do facto ilícito, o requisito do dano ou o requisito do nexo de causalidade.

Cumpre apreciar, antes de mais, os princípios vigentes quanto à responsabilização dos administradores para com a sociedade.

Nos termos do artigo 72º, nº1 do Código da Sociedades Comerciais, “os administradores ou diretores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”.

Em tal norma, estão contidos pelo seguinte modo os pressupostos em geral exigidos para a responsabilidade civil por factos ilícitos: i) ilicitude do comportamento dos administradores – “atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais”; ii) culpa, presumida, neste âmbito – “salvo se provarem que procederam sem culpa; iii) dano – “danos a esta” – e; iv) nexo de causalidade entre o facto (ilícito e culposo) e o dano “danos a esta causados por atos ou emissões …”[3].

Um dos deveres especiais a que se encontram sujeitos os administradores é ao dever de relatar a gestão e apresentar contas, nos termos previstos no artigo 65º do C.S.C. – segundo qual os membros da administração devem: i) elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas; e ii) submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual.

Para além dos deveres dos administradores que resultam imediata e especificadamente do CSC ou de outras leis[4], encontram-se, ainda, sujeitos a obrigações de conduta decorrentes do dever geral de diligência,

que o artigo 64º do CSC faz desdobrar em dois tipos deveres: os deveres de cuidado e os deveres de lealdade:

1. Os gerentes e administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenando;

b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Quanto ao dever de cuidado, considerando que existem outras manifestações, tão ou mais importantes que as mencionadas e que a norma remete para uma formulação genérica, é doutrinalmente subdividido em quatro deveres[5]: i) o dever de vigilância e de controlo da atividade da sociedade (duty of care); ii) o dever de investigar e de aferir da fiabilidade das informações (duty of inquiry); iii) o dever de, no processo de tomada de decisões, comportar-se razoavelmente e obter informação suficiente e razoável para que tome uma decisão acertada (reasonable decisionmaking process); iv) o dever de tomar e executar decisões ponderadas (reasonable decision), até porque o administrador se encontra ao comando da sociedade e as decisões poderão refletir-se na rentabilidade da mesma.

O dever (geral) de lealdade é definível como dever de os administradores exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se portanto de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios[6].

Coutinho de Abreu[7], aponta como deveres de lealdade que os administradores devem comportar-se com correção (fairness) quando contratam com a sociedade, não concorrer com ela, não aproveitar em benefício próprio oportunidades de negócio societárias, assim como bens e informações da sociedade, não abusar do estatuto ou posição do administrador.

Em concretização de tais deveres tal autor, salientando que os dois primeiramente assinalados consistem em deveres legais específicos, com consagração no CSC, distingue os seguintes:

a) proibição, sob pena de nulidade, nas sociedades anónimas, de celebração de certos negócios entre a sociedade e os respetivos administradores (artigos 397º, nº1 e 428º);

b) dever dos administradores de não exercerem, por conta própria ou alheia, atividade concorrente (arts. 254º, nº1, para os gerentes das sociedades por quotas, e 398º, 3, e 428º para os administradores de sociedades anónimas);

c) dever de aproveitar as oportunidades de negócio da sociedade em benefício dela, não em seu próprio benefício ou no de outros sujeitos, salvo consentimento da sociedade.

d) dever de todo o administrador de não utilizar em benefício próprio meios ou informações da sociedade;

e) dever de não abusar da sua posição ou estatuto, não lhe sendo permitido receber vantagens patrimoniais (comissões, luvas, etc.) de terceiros ligadas à celebração de negócios entre a sociedade e esses terceiros.

Por sua vez, Nuno Manuel Pinto de Oliveira[8], entre os corolários do dever de fidelidade/lealdade dos administradores, aponta a existência, entre outros, do dever de os administradores se absterem de atuar em conflito de interesses; o dever de se absterem de comportamentos suscetíveis de se concretizarem em alguma vantagem para si próprios ou para terceiros à custa da sociedade; o dever de não discriminarem os sócios; de não administrarem os sócios em benefício de terceiros (por ex. sócios) influentes.

Assim densificados os deveres de cuidado e de lealdade, teremos de concordar em que “a inexistência de contabilidade organizada, a retirada de produto sem faturação, a imputação de custos da  G… à autora, recebimento de honorários não acordados”, seriam suscetíveis de integrar violações do dever de cuidado, zelo e lealdade contidos no citado artigo 64º.

Não se colocando aqui em causa que o réu, a partir do momento em que assumiu funções de gestão de facto, se encontrava sujeito ao dever de elaboração e apresentação de contas (o que envolve a obrigação de manter a contabilidade organizada) e aos deveres gerais de cuidado e de lealdade na gestão da sociedade, a questão que aqui se coloca passa por aferir de que modo os “danos” alegados pela autora podem ser o resultado das eventuais violações de tais deveres.

Com efeito, o Réu não pode vir a ser responsabilizado por todo e qualquer “prejuízo” sofrido pela autora durante a sua gerência mas, tão só, por aqueles que possam resultar dos seus comportamentos violadores do deve der de cuidado ou de lealdade, dentro de um juízo de causalidade adequada.

Analisemos, assim, cada um dos alegados “prejuízos” sofridos pela autora e se o réu pode ser responsabilizado pelos mesmos perante a autora.

1.a. Condenação do Réu a pagar o valor de 3.940,6 €, relativo à fatura nº 5151, emitida pela  G… à autora, correspondente a 120 garrafas de whisky Jameson, 600 garrafas de vinho Udaca e 360 garrafas de Porto Fundador, as quais não deram entrada nos armazéns da autora.

Insurge-se o Apelante contra tal condenação, alegando que o facto de tais garrafas terem sido faturadas pela  G… à A. A…, sem que as mesmas tenham dado entrada nos armazéns desta, não preenche os requisitos da responsabilidade civil, nomeadamente o da ilicitude do comportamento do Réu – não é alegada a venda de tais bens sem a respetiva faturação ou sequer a apropriação dos mesmos –, o prejuízo ou o nexo de causalidade.

Tal condenação assenta, única e exclusivamente, nos factos contantes do ponto 40 da matéria de facto dada como provada:

“40. A  G… debitou à Autora, através da fatura nº 5151 de 22 de Agosto de 2006, correspondente a 120 garrafas de whisky Jameson, 600 garrafas de vinho Udaca e 360 garrafas de Porto Fundador, no montante de €3.940,61, as quais nunca deram entrada nos armazéns desta última.”

Face à procedência da impugnação deduzida a tal matéria, na sequência da qual veio tal facto a ser dado como não provado, será de revogar, nesta parte, a sentença recorrida,

assim como, face à procedência da impugnação deduzida à matéria constante do ponto 41, na sequência da qual veio, também este, a ser dado como “não provado”, é igualmente de revogar a decisão recorrida, na parte em condenou o Réu no pagamento da quantia de 14.683,03 € (reportada à mercadoria constante da fatura nº 220005, datada de 16.05.2002 da firma O… – Importação e Exportação de Bebidas, Lda.).

1.b. Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor não foi possível apurar em concreto.

Insurge-se o Apelante contra a decisão de o condenar no valor de tais garrafas, em valor a liquidar, quando a matéria dada como provada não permite apurar que garrafas são estas, quando foram adquiridas, quando foram vendidas e por quem, inexistindo qualquer facto ilícito imputável ao réu.

Tal matéria corresponde ao facto levado ao ponto 43 da matéria de facto dada como provada:Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor global não foi possível apurar em concreto”.

Desde logo, nos questionamos sobre o alcance de tal facto, supondo-se ter sido extraído das afirmações dos srs. peritos contantes da resposta ao quesito 69 (fls. 1007), bem como dos esclarecimentos por si prestados a fls. 1018 do suporte físico. Os srs. Peritos terão chegado a tal resultado face à existência de duas faturas de compras (ns. 220005 e 2815) pela  D… respeitantes à compra pela A., a primeira, de 5040 garrafas e a segunda, de 3.384 garrafas (de Porto Quinta do Estanho e Porto V tinto), só encontrando documentos de vendas respeitantes a 13.872 garrafas; a partir daí, e comparando com os documentos existentes e existências constantes do inventário, concluem que, havendo compras de 17.010 garrafas e tendo apenas sido vendidas 11.700 garrafas, terá havido omissão de vendas relativamente a 5.310 garrafas, ou seja, deduzem que as garrafas compradas à quais não corresponde um posterior documento de venda, terão sido vendidas sem emissão de documentos. Contudo, o que verdadeiramente temos são 5.310 garrafas relativamente às quais existem documentos de compra por parte da autora, que não surgem no inventário de 2007 e sem que haja documentos que comprovem a sua saída da A.V., desconhecendo-se o que lhes terá acontecido. Por outro lado, fazendo os srs. peritos incluir nessa contagem as garrafas que teriam sido compradas através da fatura nº 220005 da Firma O…., Lda., no valor de 14.683, € - correspondente à compra de 1680 garrafas de vinho do Porto Quinta estado white e 3.360 garrafas de vinho do porto Quinta do Estanho Tawny, afirmam que esta fatura, apesar de ter um recibo correspondente, nunca foi paga nem reclamada e “concluindo-se que esta fatura não tem substância ou seja, as mercadorias nunca entraram em armazém” (pag. 1107 dos autos). Ora se, apesar dos documentos existentes, os srs. peritos contataram que essas 5.040 garrafas nunca deram entrada nas instalações da autora, que esta também não as pagou, que as faturas não foram reclamadas e que a sociedade cessou a atividade em 31.12.2003, inexiste sequer qualquer prejuízo relativamente ao facto de as respetivas garrafas não aparecerem.

Como tal, a deduzir-se tratarem-se das garrafas a que se reportam os srs. peritos na resposta ao ponto 69, não se pode afirmar que a existência de qualquer perda de ganho pela autora relativamente a tais garrafas.

Por outro lado, chama-se ainda a atenção para a circunstância de que sempre se trataria de facto não alegado pela autora – o que a autora alega no artigo 68 da P.i. é que “O R. (…) fez dar entrada na contabilidade desta, facturas de terceiros, cujos produtos não deram entrada física nas suas instalações, como sucedeu com a fatura nº 220005 da firma “O… -Importação e Exportação de Bebidas, Lda.”, relativa a vinho do Porto, no  valor de 14.683,03 € com IVA incluído e com a fatura nº 1815, de 27 de janeiro, relativa ao mesmo tipo de bebida alcoólica, no valor de €10.382,06”.

Ora, o Juiz a quo, dando como não provada a matéria respeitante à fatura nº 1815 (facto que fez constar do ponto 8. Dos factos “Não Provados”), dá como provado que “relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas”, quando o que a Autora alegara é que as garrafas a que se reportavam as tais faturas 1815 e 220005 nunca haviam dado entrada física no armazém.

Ou seja, tal facto não poderia ser tido em consideração pelo tribunal por não alegado.

É de revogar a decisão recorrida no sentido de condenação do Réu no respetivo valor.

1.c. Custos com o trabalhador C… , respeitantes ao valor dos seus salários, no montante de 62.889 €, combustíveis e refeições, nos montantes de 14.553 € e 2.690 €

Segundo o Apelante a condenação do réu no pagamento dos vencimentos auferidos pelo C… , custos com combustíveis e refeições respeitantes não seriam devidos, porque dos mesmos não resultam a violação dos deveres de um gerente criterioso.

Face às alterações introduzidas quanto a esta matéria em sede impugnação da matéria de facto (cfr. pontos 45 e 46, este último dado como não provado) temos que o trabalhador da A…, Lda.,  C… , a dada altura, em data não apurada em concreto, e por período também não apurado em concreto, mas nos anos de 2004, 2005 e 2006, passou a distribuir, também, produtos da G… , sendo que a respetiva remuneração e encargos sociais pagos pela Autora, ascenderam a um total de €62.889,0.

Tal funcionário era trabalhador da autora (como foi reconhecido pela legal representante da autora em depoimento de parte), e sempre terá estado afeto à parte comercial e de distribuição, sendo que, o facto de a  G… assegurar a compra da quase totalidade dos seus produtos não a exime de proceder às respetivas entregas (na  G… ou em clientes terceiros) e de assumir os respetivos custos, como vinha fazendo até então. É certo ser aqui relatado um aproveitamento dos seus serviços para entregas respeitantes também a produtos da G….. Contudo, não se nos afigura ser razão suficiente para passar a imputar o pagamento da totalidade do respetivo salário à  G… e, muito menos, para responsabilizar o Réu pelo respetivo pagamento, apenas porque era ele, em simultâneo, o administrador de facto da  D… e o administrador da G… .

Quanto ao valor de combustíveis e subsídios de refeição, os pedidos a eles respeitantes caiem por terra face à eliminação do ponto 46, por não provado.

1.d. Devolução de Honorários à autora no valor de 13.975,82 €.

O tribunal, com base no ponto 47 da factualidade dada como provado – No exercício de 2002 encontra-se contabilizado na rubrica de honorários o valor global de €13.875,82, sem referência à sua natureza e em documentos internos sem a forma legal ou sem quaisquer documentos, sendo seu beneficiário o Réu, que recebeu tal quantia, – condenou o réu a devolver à autora a quantia de 13.875,82 € que o Réu terá recebido da autora a título de honorários.

Insurge-se a Autora quanto a tal obrigação de restituição, porquanto, tendo este prestado serviços profissionais para a autora, os mesmos presumem-se remunerados, nos termos do artigo 1158º CC.

Temos de dar razão ao apelante.

Os autores nada mais alegam para fundamentar o pedido de condenação do réu a devolver o valor que recebeu a titulo de honorários durante aquele ano, para além da omissão de documentos que o suportem.

Não alegam que tais serviços não tenham sido prestados (aliás o facto de o Requerido ter exercido as funções administrador de facto de desde 2002 a outubro de 2007 constituiu precisamente um dos fundamentos da presente ação), nem que o réu tivesse renunciado a receber qualquer remuneração, sendo que, segundo o artigo 255º do CSC, salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios (sendo que do teor do ponto 87., em que se dá como provado que, a partir de Abril de 2008, a  D… renunciou à sua remuneração como gerente, inculca a ideia de que, apesar de não exercer de facto funções de gerência, terá sido remunerado por tais serviços até então).

É assim, de revogar, também nesta parte, a decisão recorrida.

1.e. Dos custos financeiros dos empréstimos

Insurge-se o Apelante contra a decisão da sua condenação no pagamento da quantia 95.840,00 €, com base na materialidade a que se reporta o ponto 69º, com o seguinte teor:

“69. Ainda o Réu contraiu vários empréstimos ou financiamentos bancários, em nome da A…, Lda, os quais geraram encargos financeiros, com taxas de juro à razão de 10,50% anuais, num montante que se situa em €95.840,00, sendo que dos documentos respetivos, requerendo ou pedindo o financiamento, deles não teve conhecimento e intervenção, com a sua assinatura, o gerente D… ”

Segundo o Apelante, a factualidade constante do ponto 69 não é suficiente para condenar o Réu no pagamento de tal quantia porquanto, para aferir a prática de um facto ilícito, violador dos deveres do gerente era necessário saber: quem e quando concedeu à autora tais empréstimos, quais os montantes mutuados, a necessidade dos empréstimos, em que foi usado o montante mutuado, custos alternativos com empréstimos. Sem tais elementos não é possível verificar se os referidos custos financeiros constituíram um dano, se os mesmos eram desnecessários ao desenvolvimento e sustentação da atividade comercial da autora ou se esta tinha outras alternativas mais vantajosas para se financiar. Por fim, sustenta ainda que tenho a autora utilizado os referidos montantes mutuados, daí retirando um evidente beneficio, a condenação do Réu no pagamento do valor dos juros geraria um manifesto enriquecimento sem causa.

Nesta parte, temos de dar razão ao Réu.

Por que motivo deverá o réu suportar os encargos dos empréstimos contraídos pela autora quando, da leitura da factualidade dada como provada, não se descortina qualquer facto do qual possa resultar ter a contração de tais empréstimos correspondido a atos de má gestão? (sendo que se encontra provado que, tendo a autora recorrido a empréstimos em data anterior à entrada do Réu como sócio, em valores que rondavam os 120.000,00 €, os mesmos se encontravam praticamente liquidados em 20.11.2007 – cfr., pontos 73., 74., 75.[9]).

O que poderia estar aqui em causa era, tão só, uma violação do dever de cuidado, da “diligência de um gestor criterioso e ordenado”, na modalidade do dever de tomar decisões substancialmente corretas.

Encontrando-se o dever de gestão no centro dos deveres dos administradores, ele implica discricionariedade, embora pautada pelos deveres gerais do art. 64º, tem um conteúdo altamente indeterminado, até por ser uma “obrigação de meios” e não uma “obrigação de resultado”[10].

Na sequência da discussão acerca da responsabilidade dos administradores por decisões atentatórias do dever de cuidado, mais precisamente do dever de tomar decisões razoáveis, veio dispor o novo nº2 artigo 72º do CSC:

2. A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.

Para Pedro Caetano Nunes, o dever de gestão não compreende o dever de tomar decisões adequadas: o dever de gestão teria uma dimensão procedimental (deveres de vigilância e de auto esclarecimento ou de auto informação) e uma dimensão substantiva restringida a um conteúdo negativo, de não tomar decisões irracionais[11].

O mérito de certas decisões dos administradores não é julgado pelos tribunais com base em critérios de razoabilidade, mas segundo critério de avaliação excecionalmente limitado: o administrador será civilmente responsável somente quando a decisão for considerada “irracional”, sem qualquer explicação coerente, incompreensíveis[12].

Segundo Rui Pinto Duarte[13], com a norma contida no nº2 do art. 72º, terá o legislador querido procurado transpor para o direito português o que nos EUA é conhecido por “business judgment rule”, ou seja, a regra segundo a qual as decisões dos administradores, no espaço da discricionariedade da gestão, se presumem corretas, cabendo a quem queira responsabilizá-los pelas consequências das mesmas provar que elas violaram algum dos deveres a que os administradores estão obrigados[14].

Ainda segundo tal autor[15], a norma contida no nº1 do artigo 72º do CSC, que atribui aos administradores o ónus de provarem que agiram sem culpa, não se aplica aos casos de responsabilidade fundada em má gestão, porque a própria causação dos danos – a provar por quem alega ser lesado – envolve necessariamente um juízo sobre a diligencia do administrador: “Aquele que imputar esse comportamento a um administrador está forçado, pela natureza da imputação, a alegar e a provar factos que permitam afirmar a culpa do administrador. Noutras palavras (…), cabe àquele que pretenda responsabilizar administradores perante sociedades por atos de má gestão provar todos os pressupostos dessa responsabilidade, incluindo a falta de diligência dos administradores”.

Se a violação dos deveres legais – deveres de cuidado e de lealdade – constitui um comportamento ilícito que, verificados os restantes pressupostos implica também responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade, e se o nº1 do artigo 72º consagra uma presunção de culpa dos administradores pela violação dos deveres legais, tal presunção não abrange a ilicitude[16].

Ora, relativamente à contratação dos empréstimos aqui em causa, não se encontra demonstrado qualquer facto do qual possa resultar ter constituído uma decisão menos adequada e muito menos, uma decisão irrazoável. Não existem nos autos elementos que apontem para que a contração de tais empréstimos não tenha sido justificada ou tenha sido efetuada em moldes demasiado onerosos para a autora.

Nesta parte é também de revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou o Réu no montante de 95.840,00 €, respeitante aos custos financeiros dos empréstimos contraídos durante o período da sua gerência.


****

Quanto aos restantes montantes em que o Réu foi condenado, tal condenação envolve uma duplicação de valores, tal como, relativamente a alguns deles sustenta o Apelante.

Com efeito, a sentença recorrida determina a condenação do Réu no pagamento das seguintes quantias:

a) já liquidadas – de 28.023,08 € respeitante a IABA que lhe terá liquidado na sequência do varejo de 2008; 30.000,00 € de coima (aplicada na sequência do Varejo de 2004), 43.443,84 €, relativa aos últimos fornecimentos efetuados à  G… e não objeto de faturação nem de declaração às Autoridades Fiscais e Aduaneiras;

b) e em quantia a liquidar, respeitantes a 25.605 garrafas de Ginja V L a 18%, existentes nas instalações da G… , sem qualquer documento de venda e sem valor apurado, e a um mínimo de 52.628 garrafas e um máximo de 69.671 garrafas de Ginja V L a 18% introduzidas no consumo sem que se tenha refletido nas vendas da autora e sem que esta tenha liquidado os respetivos impostos (IABA e IVA), “sendo que a cada garrafa corresponde um custo de 1,64 de Ginja, 1,66 de IABA e 0,64 de IVA, num total de 3,94, num quantitativo não apurado em concreto.

Com efeito, a sentença recorrida tomou em consideração as tais 25.605 garrafas de Ginja V, a que faz referência o Varejo de 2008 como tendo sido vendidas à G… , sem qualquer documento de venda e sem a correspondente declaração às Finanças, as garrafas apuradas no Relatório de peritagem (entre um mínimo de 52.628 garrafas e um máximo de 69.671) e os 43.443 €, respeitante aos últimos fornecimentos efetuados à  G… em 2007 (também estes de Ginja V, como é alegado no art. 97 da P.I.), sem qualquer documento de venda e sem a correspondente declaração às AFA., como se se tratassem de eventos autónomos[17], e que se pudessem somar quando,

todos eles se reportam a garrafas de Ginja V L a 18% que terão sido “vendidas” ou levadas para a G… , entre 1 de janeiro de 2002 e 01.12.2007:

- o Varejo de 2004, fez os seus cálculos reportados entre 01.01.2003 e 31.1.2003;

-  o Varejo de 2008, reportou-se ao período de 31.05.2004 a 31.12.2007;

- o confessou que os últimos fornecimentos efetuados à  G… antes da sua saída não foram faturados;

sendo que, determinada a realização de uma perícia ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2007, esta veio a concluir que, durante aquele período, terão sido introduzidas no consumo entre um mínimo de 52.628 e um máximo de 69,671, de garrafas de Ginja V[18].

Este valor não pode ser somado aos valores parciais apurados nos Varejos de 2004 e 2008 ou aos confessados pelo Réu, porque os inclui, respeitando a garrafas de Ginja V introduzidas no consumo sem faturação durante o período a que se reporta a peritagem.

Só haverá, como tal, um número global de garrafas de Ginja VL a 18%, como tendo sido “vendidas” ou levadas para a  G… sem a respetiva faturação, que é o que se reporta o ponto 58. da matéria de facto, e que, por retificação deste tribunal ficou fixado em 52.628 garrafas.

Mas a duplicação não se ficou por aqui.

Se a condenação do réu (e diz-se se, porque os termos da fundamentação e da condenação do que se vier a liquidar surgem-nos como dúbios) decretada pelo tribunal recorrido no que se vier a liquidar abrange o valor total das mercadorias não faturadas – nele se incluindo o valor de custo da ginja, o valor do IABA e o valor do IVA, mais a parte correspondente ao lucro da autora –, a condenação em simultâneo dos valores de IABA e de IVA que lhe foram ou vierem a ser cobrados pelas Finanças, implicará o pagamento a duplicar dos  impostos devidos pela introdução no consumo de tal produto.


***

Feitas tais considerações e antes de se avançar para cada um dos prejuízos alegados a tal respeito, haverá que assentar em que a introdução no consumo, que se prolongou durante todo o período da gerência do réu, de 52.628 garrafas de Ginja V, sem que tal facto se tenha traduzido nas vendas da autora e sem que esta haja liquidado os respetivos impostos é suscetível de integrar um ato ilícito (ponto 58 da matéria de facto).

Assentando a responsabilidade civil dos administradores da sociedade na “violação de deveres legais ou contratuais” (artigo 72º, nº1), residirá nesta a ilicitude fundamentadora da responsabilidade do administrador.

Ora, não só, os referidos factos integram ilícitos de natureza fiscal e aduaneira, por violarem os arts. 29º, nº1 al. b), e 35º do Código do IVA e uma contraordenação fiscal aduaneira então prevista e punível nos termos da al. g) do nº2 e nº1, do art. 109º e do nº4 do art. 26º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), como violam o princípio de lealdade a que se encontram sujeitos os administradores por força do artigo 64º nº1, do CPC, fazendo incorrer o réu em responsabilidade civil pelos danos daí decorrentes.

A relação do administrador para com a sociedade é considerada como uma relação fiduciária na medida encontra em causa a gestão de bens alheios e uma atuação em nome do interesse da sociedade[19].

Dentro dos vários deveres em que se concretiza o dever de lealdade, Coutinho de Abreu destaca o dever de todo o administrador de não utilizar em benefício próprio meios ou informações da sociedade[20].

Dentro do dever de os administradores se absterem de comportamentos suscetíveis de se concretizarem em alguma desvantagem para a sociedade, Nuno Manuel Pinto de Oliveira, refere o dever de não causar danos ou prejuízos à sociedade, fazendo diminuir o seu património social e o dever de não disporem de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros, de não fazerem um uso dos bens da sociedade contrário aos interesses desta para satisfazerem um interesse próprio ou de terceiro[21].

A retirada de garrafas de Licor de Ginja das instalações da autora para a  G… sem que procedesse à respetiva faturação e às inerentes comunicações às autoridades fiscais e aduaneiras, socorrendo-se da sua dupla qualidade de administrador de facto da autora e de administrador e detentor da quase totalidade do capital social da G… , consiste numa apropriação de bens alheios que se encontravam sob a sua gestão – sendo que, só relativamente a estes últimos fornecimentos respeitantes a 2007 e a que se reporta o ponto 44. é pelo Réu alegado não se tratar de uma apropriação mas de um mero atraso na faturação –, integrando claramente uma violação daquele dever de lealdade.

Assente a existência de um comportamento ilícito por parte do réu – que exercia as funções de gerência de facto em exclusividade, como resulta da materialidade dada como provada –, e presumindo-se a culpa do réu por força do nº1 do artigo 72º do CSC, será o mesmo responsável, pelos danos daí decorrentes em termos de causalidade adequada.

Passemos, então, à análise de cada um dos “danos” pelos quais foi o réu condenado relativamente a tais factos.

1.f. Dívida de Imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas (IABA) no valor de 28.023,08 €, na sequência das 16.827 garrafas de Ginja vendidas com documento, mas sem DIC’S

Insurge-se o Apelante contra a decisão recorrida que, com base no ponto 53. da factualidade dada como provada, o condenou no pagamento da quantia de 28.023,08 €, a título de IABA, pelo facto de, mais uma vez, não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil:

- a existência de uma dívida de IABA não corresponde a qualquer facto que possa ser indiretamente imputado ao réu, uma vez que, sendo o IABA um imposto, o mesmo seria devido no caso de introdução regular no consumo;

- não se verificando que esse valor tenha sido pago pela autora, não há prejuízo;

- independentemente de qualquer ato praticado pelo Réu, tal imposto sempre seria devido pela introdução de bebidas alcoólicas no consumo;

- tendo a liquidação do imposto decorrido no varejo de 2008, durante a gestão da atual gerência, impunha-se a um gestor criterioso verificar se os pressupostos da liquidação estavam corretos, o que não aconteceu;

- não é possível imputar qualquer facto ao réu, porquanto, a “introdução irregular” no consumo ocorreu alegadamente entre 31.05.2004 e 31.12.2007, abrangendo o período em que o réu foi afastado da gerência da autora (outubro de 2007).

Vejamos, assim, se é de manter a condenação do Réu no pagamento à autora do valor de IABA no valor de 28.083,08 €, devidos relativamente às 16.827 garrafas de L de licor de Ginja que terão sido “vendidas com documento mas sem DIC’s”.

De tal materialidade e do facto de o Relatório do Varejo de 2008, distinguir tais vendas das garrafas vendidas “sem qualquer documento de venda”, deduzimos que tais garrafas terão sido objeto da respetiva faturação, ou seja, terão sido debitadas à autora. Ora, aquando da faturação, nelas é efetuada a cobrança do correspondente IABA e IVA (cfr., a título de ex., fatura emitida por fornecimento de Ginja V à  G… e que se mostra junta a fls. 156 do Proc. apenso de destituição de sócio).

Como tal, dos autos não consta qualquer facto que nos permita concluir que nos documentos de venda relativamente a tais garrafas não tenham sido devidamente contabilizados os montantes devidos a título de IABA e IVA, assim como, não é alegado que tais fornecimentos se encontrem por pagar, sendo que os Srs. peritos até concluíram que todos os fornecimentos à  G… que foram objeto de faturação se encontram pagos.

Por outro lado, haverá que atentar na natureza do IABA (Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas).

O Decreto Lei nº 599/99 de 22 de Dezembro (que procedeu à codificação do regime dos impostos especiais de consumo incidentes sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, sobre os produtos petrolíferos e sobre os tabacos manufaturados), em vigor à data dos factos, determina que, quanto ao facto gerador do IABA – Imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas[22] –, ficarem sujeitos a imposto a partir da sua produção ou importação em território nacional ou no de outros Estados membros, desde que, neste último caso, sejam expedidos para território nacional, sendo sujeitos passivos dos impostos especiais de consumo o depositário autorizado, o operador registado, o operador não registado e o representante fiscal (artigos 3º, e 6º, nº1).

No caso em apreço, o sujeito passivo de tal imposto é a aqui autora, a quem foi atribuído o entreposto fiscal de produção nº 39…..[23] (cfr., Relatório de Varejo de 2008, Doc. nº4, pp. 493 e ss.).

Sendo o imposto exigível no momento da introdução em consumo ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com tal diploma (artigo 7º, nº1), o sujeito passivo é obrigado a proceder à declaração de introdução em consumo às autoridades tributárias aduaneiras nos prazos e termos previstos no artigo 8º.

O incumprimento de tais deveres de comunicação às Finanças, é considerado infração pelo Regime Geral das Infrações Tributárias, qualificada como “Introdução irregular no consumo”, sendo punível com coima (artigo 109º do RGIT).

Podendo a introdução “irregular” no consumo ser eventualmente imputável à negligência do Réu, enquanto administrador de facto da autora, o certo é que o imposto cobrado pela sua introdução no consumo não correspondente a qualquer consequência ou sanção para a sua introdução irregular: tal imposto sempre seria devido mesmo que a introdução do álcool no consumo tivesse sido atempadamente comunicada às Finanças, tendo por ato contributivo, por ato gerador do imposto, a introdução do álcool no consumo.

A omissão atempada de tal declaração – único ato imputável ao réu nesta sede –poderá, de facto, ter acarretado prejuízos para a autora, como o são as eventuais coimas que lhe possam ter sido ou lhe possam vir a ser aplicadas pela ausência ou atraso na apresentação das correspondentes declarações e que venha a suportar.

Quanto ao imposto em si, seja o IABA – devido pela introdução do álcool no consumo –, seja em sede de IVA, não corresponde a qualquer “prejuízo” a suportar pela autora, mas a um imposto resultante e inerente à sua atividade, a entrar em regra de custos e que acabará por ser suportado pelo consumidor final.

Como tal, e quanto ao imposto de IABA 28.371,80 €, resultante da venda de tais garrafas com documento, mas sem a emissão das DIC’s, não encontra qualquer fundamento jurídico para a condenação do réu no respetivo pagamento à autora, sendo que além do mais, esta nada terá pagado às Finanças a tal título.

Como tal, haverá que revogar, nesta parte a decisão de condenação do réu no respetivo pagamento.

1.g. Coima de 30.000,00 € aplicada à autora

Quanto à coima de 30.000,00 que foi aplicada à autora pela Autoridade tributária na sequência do Varejo de 2004[24], sustenta o Apelante que, da factualidade dada como provada, não consta qualquer facto que demonstre a aplicação à autora de qualquer coima e muito menos que esta tenha resultado da conduta do Réu, não se sabendo em que processo foi a autora condenada na referida coima, quando foi condenada, por que factos foi condenada, quem era gerente à data da condenação, se a referida coima foi paga, prescreveu ou foi condenada.

A condenação do Réu no pagamento da quantia de 30.000,00 € assentava na matéria constante do ponto 56. – “Por consequência da descrita conduta do réu, a autora teria de pagar a mais, a título de IABA, juros e coimas, quantia não apurada em concreto, além do respetivo IVA, tendo-lhe sido aplicada uma coima de 30.000 €, acima identificada”, que, tendo sido objeto de impugnação, foi objeto da seguinte alteração:

56.a. Na sequência das conclusões e propostas constantes do Relatório de Varejo de 2008, a Autora teria que pagar a mais, a título de IABA, juros e coimas, quantia não apurada em concreto, além do respetivo IVA.

56.b. Na sequência das Conclusões e Propostas constantes do Relatório do Varejo de 2004, foi-lhe aplicada uma coima de 30,000,00 €.

Ora, não só, da matéria de facto dada como provada se fez constar que este Varejo de 2004 respeitou ao período decorrido entre 1 de janeiro de 2003 e 31 de maio de 2004 (ponto 48. da matéria de facto), como do Despacho proferido a 30.10.2006, pela DGAIEC que aplicou tal coima – cuja cópia consta a fls. 291 a 297, II vol. do processo Apenso –, constam os factos a que se reportam e o período em que ocorreram, sendo que, encontrando-se tal certidão junta aos autos sempre os respetivos factos podem ser tidos em consideração pelo tribunal[25].

Ou seja, ao contrário do alegado pelo Réu a aplicação de tal coima encontra-se perfeitamente determinada quanto aos factos e período a que respeita, sendo que a sua aplicação ocorreu quando o Réu exercia ainda funções de administração de facto da autora – a decisão é de 30 de outubro de 2006 tendo sido remetida para liquidação a 31 de maio de 2007 (fls. 299 do Proc. apenso), pelo que estará necessariamente a par da mesma.

E, assim sendo, constituindo a venda de mercadorias sem a respetiva faturação e sem as obrigatórias declarações às Autoridades Ficais e Aduaneiras um ilícito fiscal, o comportamento do Réu que, no seu próprio interesse ou no interesse da G… , do qual era sócio quase único, levantava mercadorias para a  G… sem a respetiva faturação e sem se assegurar das obrigatórias declarações às Finanças, levará a considerarmos ser o Réu responsável pelos danos daí decorrentes, nomeadamente por indemnizar a autora pelos valores que venha a pagar de coimas.

Contudo, por um lado, não sendo alegado que a autora tenha procedido ao respetivo pagamento, não há qualquer prejuízo da autora pelo qual tenha de ser indemnizada.

  Por outro lado, atentar-se-á em que, relativamente às dívidas fiscais em mora e coimas por infrações fiscais em dívida à data da propositura da ação (que à data de 04.10.2007, atingiriam já o valor de 130.000,00 €), por não terem sido pagas e face à inexistência de bens suficientes da devedora, encontrava-se a autoridade tributária em processo de determinar a reversão de tais dívidas contra os subsidiariamente responsáveis,  D… e o aqui Réu, o primeiro enquanto gerente de direito e o segundo enquanto gerente de facto (como consta do documento junto pela Autora com a P.I. – decisão de 04.10.2007, da autoridade tributária, de fls. 77 a 80, do processo principal.).

Ou seja, o Réu (assim como o outro gerente) poderá, de facto, a vir a ser responsabilizado pelo pagamento junto das Finanças, não só pelas dívidas por impostos como pelas coimas não pagas pela Autora, nada havendo a indemnizar à própria autora, pelo menos por ora, que não alega, sequer, ter procedido ao respetivo pagamento.

Será de revogar, também nesta parte, a decisão recorrida.

1.h. Condenação no pagamento do montante de 43.443,84 € relativos a fornecimentos feitos à  G… no final de 2007 e não pagos e no que se vier a liquidar relativamente às garrafas de Ginja V ilegalmente introduzidas no consumo.

Insurge-se o Apelante contra tal condenação, relativa a fornecimentos feitos à  G…. no final de 2007, alegando que tal facto não nos permite imputar qualquer responsabilidade ao réu, sendo que, a haver qualquer dívida relativamente ao preço de tais mercadorias, o devedor da mesma é a sociedade  G… e não o seu sócio ou gerente, sendo a autora credora da  G… no valor das respetivas vendas, sendo que, tendo o Réu sido afastado da gerência da G… , não tinha qualquer forma ou obrigação de promover a cobrança da referida dívida.

Tal condenação tem por base o seguinte facto constante do ponto 44. dos factos provados: “À firma G… , importação e Exportação de Produtos Alimentares, Lda., a Autora forneceu mercadoria no valor de 43.443,84 €, relativa aos últimos fornecimentos de 2007 e que aquela lhe não pagou, respeitando a quantidades, produtos e procedimentos não concretamente identificados ou apurados e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades Alfandegárias”

Nesta parte é de dar razão ao Apelante.

O devedor dos fornecimentos efetuados e não pagos é o comprador, a G… , que não se confunde com o seu administrador ou sócio, aqui sócio, sendo que, a autora não fundamenta o seu pedido numa eventual desconsideração da personalidade da G… .

Caso assim se não entendesse, haveria ainda que atentar-se em que, sob pena de os mesmos estarem a ser duplicadamente considerados, que esses fornecimentos de Ginja V à  G… se incluem dentro dos números totais de garrafas apuradas relativamente a Ginja V ilegalmente introduzidas no consumo e a que se reportam o ponto 58 da matéria de facto.

É de revogar, nesta parte, a decisão recorrida.

1.i. Garrafas de 1l de Ginja V

Insurge-se o Apelante quanto à decisão contida na decisão recorrida de, com base nos pontos 58 e 59 da factualidade provada, condenar o Réu a pagar à autora um valor a liquidar em execução de sentença relativo às garrafas de 1L de Ginja V alegadamente vendidas sem faturação e sem a correspondente declaração às Autoridades Fiscais e Aduaneiras, com a seguinte fundamentação:

- sendo tais factos balizados entre fevereiro de 2002 e dezembro de 2007, e tendo o R. sido afastado da gerência da autora em outubro de 2007, torna-se difícil saber qual o efetivo prejuízo imputável ao Réu;

- não sabendo quando foram essas garrafas vendidas e considerando a condenação do pagamento dos 43.443,84 € de produtos fornecidos, sempre haveria uma ilegal duplicação da condenação.

Respeita tal condenação ao disposto no ponto 58. da matéria dada como provada: “No período compreendido entre janeiro de 2002 e dezembro de 2007, entre um mínimo de 52.628 garrafas e um máximo de 69.671 garrafas de Ginja V de um litro a 18% foi introduzida no consumo, sem que tal facto se tenha refletido nas vendas da autora nem esta haja liquidado os respetivos impostos – IABA (Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas) e o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) – sendo que, cada garrafa corresponde a um custo de 1,64 de Ginja, 1,66 € de IABA e 0,64 de IVA, num total de 3,94 €, num quantitativo total global não apurado em concreto, auferindo a autora, por cada litro de Ginja vendido um lucro cujo quantitativo também não foi apurado em concreto.

Quanto ao facto de ser difícil saber quantas garrafas terão sido vendidas entre fevereiro de 2002 e outubro de 2007, de modo a calcular qual o verdadeiro prejuízo imputável ao Réu, não seria impeditivo de uma condenação a liquidar em momento posterior: esta figura existe precisamente para permitir a condenação por prejuízos que se sabe existirem mas cujo montante não se mostre ainda apurado. Ou seja, como dispõe o nº2 do artigo 609º do CPC, “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade”.

Quanto ao risco de duplicação da condenação, e reconhecendo que dentro dos números indicados no ponto 58 se encontrarão incluídos os fornecimentos confessados pelo Réu e não pagos, tal risco não se verifica uma vez que não foi aqui decretada a condenação do Réu nos tais 43.443,84 € já liquidados.

Temos, assim, por apurado que, durante o período da sua gestão de facto – até outubro de 2007 –, foram introduzidas no consumo 52.628 garrafas de Ginja V sem que tenha ocorrido a respetiva faturação, o que teve por consequência que a autora se viu privada do respetivo valor, tendo sido omitidas as declarações legais às autoridades fiscais aduaneiras para efeitos de cobrança de IABA e IVA.

Conforme se já referiu, a introdução no consumo sem a respetiva faturação e sem a consequente declaração às autoridades tributárias constituiu uma violação (culposa) dos deveres de lealdade para com a sociedade autora, que fará incorrer o Réu em responsabilidade civil pelos prejuízos daí decorrentes, relativamente aos danos que a autora sofreu ou vier a sofrer na sequencia dos mesmos.

A Autora fez assentar o seu pedido de responsabilidade civil relativamente a tais factos no por si alegado nos artigos 53º a 64º, de que o Réu “em seu benefício pessoal ou da sua  G… prejudicar a A…, Lda, pela circunstância de, ao contrário do que seria expectável, não ver esta ultima pagas as matérias primas por si produzidas e das quais o réu se apropriava, usando a sua suposta qualidade de gerente”.

Ora, se relativamente aos últimos fornecimentos efetuados em 2007 antes da saída do Réu, este alegou tratar-se de um mero atraso na faturação, sendo que a autora possuirá os elementos necessários para a respetiva faturação ao adquirente de tais mercadorias, a G… , o mesmo não se pode afirmar relativamente às demais garrafas (excluídos os tais fornecimentos cujo numero de garrafas não se encontra apurado) levadas da autora para a G… , desde inícios de 2002 e até à sua saída em outubro de 2007, relativamente à apropriação das demais garrafas, constatamos a existência dos seguintes danos:

a) a autora encontra-se privada do respetivo preço, nele se incluindo o valor de custo da Ginja, o valor do IABA, o valor do IVA e o lucro que caberia à autora em tal transação;

b) a ausência de apresentação das DIC’S (declaração de introdução no consumo) fará a autora incorrer em coimas.

Quanto estas coimas ou outras) em que a autora possa vir a ser condenada na sequência da atuação objeto do Varejo de 2008, e se esta as vier a suportar – só no caso de a autora proceder ao respetivo pagamento constituirão um prejuízo para a autora – poderão, também elas constituir fundamento de responsabilidade do Réu, fazendo-o incorrer no dever de indemnizar a autora pelo respetivo valor.

Como tal, haverá nesta parte de proceder à revogação da decisão recorrida:           revogando-se a condenação do réu a pagar à Autora a quantia líquida de €309.918,38, a que se reporta o ponto I;

condenando-se o Réu a pagar à Autora em quantia a liquidar, no que respeita aos acima elencados prejuízos não quantificados: i) valor da Ginja V introduzida no consumo durante os anos de 2001 e 2007, correspondente a 52.628 garrafas (nele se incluindo o valor de custo da Ginja, o valor do IABA, o valor do IVA e o lucro que caberia à autora em tal transação) a ele havendo que descontar os últimos fornecimentos a que se reporta o ponto 44.; ii) no valor das coimas que lhe tenha sido aplicada na sequência de tais factos e cujo pagamento a autora venha a suportar.

1.j. Dívidas registadas na Contabilidade da autora a 30.11.2007

A sentença recorrida, com base no ponto 71 da factualidade provada condenou o réu a pagar os valores de impostos (IVA, IABA e Segurança Social) que se encontram “registados na contabilidade da autora”,

Insurge-se o Réu contra tal decisão alegando o artigo 609º, nº2 do CPC apenas permite a condenação em valor a liquidar em execução de sentença quando não estiver definido o objeto ou a qualidade, sendo que na condenação de tais prejuízos falta apurar se existe alguma possibilidade de imputar essas dívidas a uma ação do réu, ignorando se foram ou não contraídas no período de gerência do réu, faltando factualidade que nos permita qualifica-las como um dano e se foram decorrentes de um facto ilícito.

Mais uma vez temos de dar razão ao Apelante.

Se tais impostos de IABA e IVA são devidos à entidade tributária na sequência das transações efetuadas pela Autora no âmbito da sua atividade, com que fundamento jurídico se poderá responsabilizar o Réu, então seu gestor de facto, pelo respetivo pagamento?

 É certo que, em certas circunstâncias, face ao incumprimento da sociedade, as autoridades tributárias pelo instituto da reversão, podem solicitar o seu pagamento aos gerentes, que poderão vir a responder solidariamente.

Mas não é esta responsabilidade solidária que aqui se discute, mas a obrigação do Réu, enquanto administrador da autora pagar ele próprio, do seu bolso, o valor dos impostos que se encontrassem em dívida por parte da autora – valor que que esta nunca pagou às Finanças e do qual, como tal, se não encontra desembolsada.

Na ausência de ligação de cada um dos valores contidos dentro dos montantes devidos pela Autora a titulo de IABA, IVA ou à Segurança Social, e tratando-se de montantes que a autora não suportou até agora e que se encontrarão em dívida àquelas entidades, não temos por demonstrada a existência de qualquer dano ou, sequer, de qualquer facto ilícito por parte do Réu que possa ter dado causa à liquidação de tais impostos.

Também nesta parte é de revogar a decisão de condenação do Réu em montante a liquidar.

II. Responsabilidade solidária dos Gerentes.

Sustenta o Apelante que tendo requerido a intervenção principal provocada dos herdeiros do gerente D… , se verificaria a nulidade da sentença por omissão de pronuncia relativamente à condenação do D… .

Mais sustenta que presumindo-se a culpa dos gerentes pelos atos ou omissões praticadas no exercício dos seus deveres legais (art. 72º), que o invocado desconhecimento da gestão da sociedade configura em si mesmo uma violação dos deveres legais, nomeadamente de cuidado e de zelo, previstos no artigo 64º do artigo 64º do CPC e a violação dos seus deveres, nomeadamente quanto à  falta de convocação das assembleias é agravada pelo facto de este ser o único gerente de direito, pede a revogação da decisão recorrida e a condenação dos habilitados do R. Chamado D… , nessa qualidade, e solidariamente com o Réu, em função da solidariedade dos gerentes ou fixando o seu direito de regresso.

Quanto à questão da omissão de pronúncia, desde logo adiantamos não ser de dar razão ao Apelante.

No seu requerimento de “Intervenção provocada passiva”, o Réu, invocando que o gerente  D… contribui de forma significativa para a má-gestão da autora, omitindo seguramente os deveres de controlo, e que pretende acautelar o direito de regresso contra aquele ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 73º do CSC, veio requerer a “intervenção provocada passiva” do  D… como associado do réu.

Invocando por fundamento a existência de um direito de regresso contra terceiro, que assim pretende acautelar, encontrar-nos-íamos perante o incidente de intervenção acessória provocada, previsto nos arts. 330º a 333º, tendo como único objetivo a formação de caso julgado relativamente ao chamado e sem que o tribunal seja chamado a pronunciar-se sobre a existência, ou não deste direito de regresso.

No incidente de intervenção acessória, não há lugar ao alargamento do objeto da ação à relação existente entre o réu e o chamado, pelo que, a sentença não terá de apreciar esta relação[26].

De qualquer modo, sempre se dirá que baseando-se a responsabilidade do administrador em facto próprio – por ação ou omissão – a solidariedade prevista no artigo 73º do CSC só se verificaria no caso de se verificarem relativamente aos mesmo os pressupostos da responsabilidade civil. Ora, o Ré foi aqui condenado unicamente relativamente aos danos resultantes da apropriação de garrafas da  D… que levou para a  G… sem que tenha efetuado a respetiva faturação, facto este só a ele imputável.

É de improceder a pretensão da Apelante.


*

2. Pedido reconvencional – compensação pelos créditos sobre a autora resultantes de suprimentos efetuados pelo Réu ao longo dos anos e condenação da autora no pagamento do que exceder os montantes em dívida pelo Réu.

Na contestação que deduz à ação principal, alega o Réu que, para além de, como representante da G… , ter pago todos os fornecimentos à autora, para isso servindo as quantias por ele depositadas na conta da autora, também se viu obrigado a efetuar suprimentos à autora, sendo credor da mesma de avultadas quantias, tal como resulta do balancete de 31.12.20012, onde estão já refletidos suprimentos do requerido à requerente no valor de 44.487,68 €, em valor que, no período de 23.01.2002 até finais de 2007 não pode liquidar, remetendo para liquidação posterior, pedindo o reconhecimento a compensar eventuais créditos recíprocos e a pagar-lhe o valor que exceder essa compensação que se apresente como crédito da autora.

Insurge-se o Apelante contra a decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional, com fundamento na impugnação que deduziu à matéria de facto, pela qual pretendeu que se desse como “provados” os valores dos suprimentos referidos nos pontos 32 e 39 da matéria de facto dada como “não provada”:

32. O Réu fez suprimentos à A., com crédito não quantificado a seu favor.

39. Em 31.12.2012 havia suprimentos do Réu à Autora no valor de 44.487 € e no período que vai desde 23.01.2002 até finais de 2007, em montante ilíquido não apurado até ao momento.”

Na sequência da procedência da impugnação da matéria de facto, veio este tribunal a dar como provado, o seguinte:

“91. No período compreendido entre e de janeiro de 2002 e 31 de outubro de 2007, o sócio  B… procedeu ao depósito de inúmeras quantias num total de 92.365,00 € em contas bancárias da D… .”

É certo não ter ficado devidamente apurado a que título o Réu terá procedido a tais depósitos.

Enquanto o Réu reconvinte sustenta tratarem-se de “suprimentos” por si efetuados, a autora encontra neles outra explicação, alegando que tais depósitos, a terem dado entrada nos cofres da A. (artigos 15 a 18º da Réplica da Ação principal):

 “16. (…) foram-no sempre nos moldes já referidos em 89º da petição.

17. Ou seja, o R. fazendo-se valer abusivamente da sua qualidade de sócio maioritário e da sua suposta mas reiterada afirmada qualidade de gerente (e até de dono daquilo tudo), praticou, em prejuízo da autora e em seu benefício pessoal ou da G… , os atos de descapitalização e máxime, de “apropriação” de bens sociais descritos na petição.

18. De facto, o R. levava, como efetivamente levou, sem pagar e sem documentação elevadíssimas quantidades de Ginja V, assim esvaindo a A.,

19. E face à inevitável e consequente escassez de meios financeiros e liquidez na A., o R. ia dando entrada “sempre tarde e a más horas de alguns escassos valores não apurados que, afinal, mais não eram do que, apenas pequena parte, daquilo que deveriam ser as suas normais receitas.”

Contudo, a consideração de tais depósitos como “empréstimos” à sociedade (e a serem empréstimos à sociedade teriam de ser considerados suprimentos) ou a sua consideração como mero pagamento das inúmeras quantidades de garrafas que ia levantando da autora para a  G… sem a respetiva faturação, surge como irrelevante para a questão aqui em apreço, consistente no direito do réu a ver compensado o respetivo valor nos montantes que a final vier a ser condenado a indemnizar a autora.

No caso de se tratarem de “empréstimos” (e ainda que nulos por falta de forma) sempre teria o autor o direito à restituição das quantias mutuadas (artigos 1142º e 289º, nº1, do Código Civil). No caso de se tratarem de pagamentos das garrafas que o Réu ia levantando sem a correspondente faturação, então, também o valor de cada um desses depósitos teria de ser considerado e abatido ao valor em que a autora vier a ser condenada relativamente ao “preço” de tais garrafas.

Quanto à questão de tais empréstimos poderem ser ou não qualificados como suprimentos surge aqui igualmente como irrelevante.

A qualificação dos empréstimos feitos à sociedade como “suprimentos” – mútuo à sociedade feito por um sócio, com a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, contrato este não sujeito a forma legal (artigo 243º, ns. 1, 2 e 6, CSC) e não dependente de prévia deliberação dos sócios (artigo 244º, nº3, CSC) – destina-se unicamente a proteger os credores sociais: sendo contabilisticamente registados como passivo, uma vez decretada a insolvência da sociedade os suprimentos só podem ser reembolsados aos credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas para com terceiros (artigo 245º, nº3 CSC).

Concluindo, independentemente do objetivo visado pelo Réu com aqueles sucessivos depósitos – como mútuos à sociedade autora ou como pagamentos parciais das mercadorias que ia levantando sem a respetiva faturação –, a partir do momento em que o Réu é responsabilizado pelo pagamento à autora do valor das garrafas de Ginja V retiradas da Autora sem a devida faturação, terá direito a deduzir, aos montantes por si devidos e em que vier a ser condenada na quantia a liquidar, as quantias que fez ingressar nas contas bancárias da autora, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da autora.

Quanto ao pedido reconvencional propriamente dito, de condenação da autora nos montantes que excederem o valor em que o Réu vier a ser condenado, já é de improceder, uma vez que não ficou apurado se tais montantes se destinaram a “empréstimos” à autora ou a pagamentos das mercadorias que o Réu ia levantando sem faturação, sendo que, neste ultimo caso, será obvio não ter direito à sua restituição.

Quanto ao pedido reconvencional será, assim, de confirmar a decisão da sua improcedência.


*

3. Da exclusão do Réu de sócio da autora.

A sentença recorrida, considerando que a exclusão de sócio prevista no artigo 242º do CSC não depende de facto de a sua conduta ter já causado danos efetivos à sociedade, bastando a demonstração de que o comportamento do sócio é suscetível de causar prejuízos relevantes ao ente societário, sendo necessário que este seja relevante e que guarde um nexo de causalidade com a conduta desleal ou gravemente perturbadora do funcionamento da sociedade, veio a julgar a ação procedente, decretando a exclusão de sócio:

Resta apreciar a questão relacionada com a pedida exclusão de sócio por parte do Réu.

Os factos já acima foram elencados e, se serviram para fundamentar a responsabilização do Réu, são igualmente aptos a serem incluídos nesta parte do pedido.

Na verdade repescando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Setembro de 2017 o Réu retirou da Autora inúmero produto, que levou para a sociedade que controlava a 90%, e aí comercializou o produto, com custo zero e lucro a 100%, causando evidentes prejuízos à Autora, afectou no exclusivo interesse da  G… um funcionário da Autora, impondo-se dizer que se esta vende o produto àquela, a partir desse momento os encargos ou custos com a sua comercialização são ou devem ser da exclusiva responsabilidade da compradora, o que não sucedeu, dado que foi a Autora quem nesse período suportou a sua remuneração, subsídio de refeição e ainda despesas com combustível.

Mas mais: contraiu crédito bancário sem que se encontre qualquer deliberação ou fundamento ou causa ou motivo ou necessidade para que tal sucedesse.

Nessa exacta medida a conduta do Réu caracteriza a noção de desleal ou perturbação do funcionamento da sociedade, causando-lhe prejuízos relevantes- veja-se o quantitativo já apurado. Por isso que se pode dizer que o interesse societário foi posto em causa pelo Réu, com violação das suas obrigações e inelutável condução a resultados que prejudicaram o fim social. Trata-se, aqui, não de um incumprimento, mas da ponderação dos efeitos para sociedade Autora da respetiva conduta.

Temos, assim, por preenchidos, os dois pressupostos de que depende a exclusão de sócio da sociedade por quotas aqui Autora, por parte do Réu: comportamento desleal ou francamente perturbador do funcionamento da sociedade e prejuízos relevantes, efectivos.”

O Réu sustenta a revogação de tal decisão, com fundamento em que não se encontram provados factos demonstrativos de comportamentos desleais do réu que tenham causado qualquer prejuízo à autora ou que sejam suscetíveis de os causar.

Ora, se é verdade que, na sequência da impugnação deduzida pelo Réu, os factos respeitantes ao aproveitamento pelo autor de um funcionário da autora para serviços relacionados com a  G… vieram a ser alterados e que o tribunal concluiu pela inexistência de qualquer ilicitude na contratação dos empréstimos, mantém-se a existência de um comportamento desleal do Réu que provocou prejuízos à sociedade autora e que é suscetível de vir a provocar prejuízos ainda não devidamente apurados.

O instituto jurídico da exclusão de sócio é moldado de forma a dirimir o conflito de interesses que o opõe o interesse do sócio em permanecer na sociedade (ou, pelo menos de não sair dela contra a sua vontade) ao interesse da sociedade em afastar esse sócio, dando prevalência ao interesse social por o considerar de maior importância[27].

Dispõe o nº1 do artigo 242º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.

Relativamente à sociedade por quotas, o regime da exclusão de sócio, espalhado por várias normas, assenta na cláusula geral contida no artigo 242º do CSC, que faz depender a exclusão do sócio da verificação de: i) um comportamento do sócio que seja desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade; ii) que tal comportamento do sócio tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.

Como salienta Carolina Cunha[28], se na dinâmica da cláusula geral do artigo 242º, os factos relevantes se restringem a certas condutas dos sócios – condutas em si mesmas já passiveis de um juízo de desvalor, quer por violarem os princípios de lealdade, quer por entravarem o funcionamento da sociedade, a nota essencial, aquela que, no seio da sociedade por quotas, confere sentido à opção legislativa da prevalência do interesse da sociedade e que alicerça a concomitante inexigibilidade da permanência do sócio, reside no prejuízo, atual ou potencial, que tais condutas provocam.

E, no caso em apreço, duvidas não haverá da verificação de ambos os pressupostos.

A matéria dada como provada revela-nos que o comportamento do réu, enquanto gestor de facto da autora, surge como desleal e altamente perturbador do funcionamento da sociedade: ao longo dos anos, aproveitando-se da dupla qualidade de sócio e administrador de facto da autora  de sócio quase exclusivo e administrador da G… , o réu procedeu à transferência de inúmera mercadoria da autora para a  G… sem a respetiva faturação e sem a legal declaração de tais vendas à Autoridades Fiscais e Aduaneiras – seja por, deliberadamente, se pretender apropriar das mesmas, em seu benefício ou em benefício da G… , sem proceder ao pagamento de tais mercadorias, seja pelo desleixo de ir levantando caixas de licor sem a sua imediata contabilização e faturação, e de proceder a uma única faturação mensal, acabando por perder o controle da mercadoria que levava para a G… .

E tal comportamento é suscetível de importar prejuízos relevantes para a sociedade, quer por a ausência de declaração às finanças ser suscetível de integrar infrações ficais e aduaneiras, sujeitando a autora à aplicação de coimas, quer pela privação por parte da autora do valor das mercadorias levantadas por parte da autora, valores estes que ascenderão a centenas de euros.

Atentar-se-á em que, para legitimar a exclusão judicial de sócio, sendo necessários que os comportamentos do sócio tenham causado ou sejam suscetíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade, não se exige um prejuízo efetivo mas apenas a capacidade de provocar danos[29].


*

4. Prescrição do direito de requerer a exclusão de sócio

Na oposição que deduziu à ação de exclusão de sócio, o Réu invoca a prescrição do direito da autora, com fundamento em que, tendo a deliberação de exclusão de sócio sido tomada em assembleia geral de 5 de dezembro de 2007, a respetiva ação deu entrada em tribunal em 10 de setembro de 2008, quase 10 meses após a deliberação, encontrando-se excedido o prazo de 90 dias previsto nos arts. 186º e 254º, nº6, CSC.

O tribunal a quo concluiu pela improcedência da prescrição do direito de requerer a exclusão de sócio, considerando que, face à impugnação judicial de tal deliberação decidida por acórdão proferido a 10.02.2009, aquando da propositura da ação de destituição de sócio, a deliberação ainda não havia ganhado eficácia jurídica.

Insurge-se o Apelante contra a decisão de improcedência da prescrição do direito de requerer a exclusão de sócio, com os seguintes fundamentos:

- a deliberação de exclusão ocorreu no dia 05.12.2007 quando a autora, através do seu gerente, teve conhecimento dos factos imputados ao Reu mais de 90 dias antes dessa deliberação;

- a decisão do tribunal de considerar que a ação nº 822/07 só produziu efeitos com o trânsito em julgado da decisão em 10.02.2009, está manifestamente errada, porquanto a decisão proferida no procedimento cautelar 822/07, a 10.01.2008, expressamente determinou que considerada aprovadas a deliberação que autorizava a instauração de exclusão do réu com os votos do requerente e da sócia  E… pelo que a A. estava autorizada a executar tal deliberação desde 10.01.2008.

Não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, dependendo de invocação por parte do interessado (artigo 303º Código Civil), a invocação da prescrição, por parte do Apelante, pela primeira vez em sede de recurso, com fundamento em que à data da deliberação de exclusão havia já decorrido o prazo de 90 dias é perfeitamente extemporânea, não podendo dela conhecer este tribunal de recurso.

Interposta, pelo sócio D… , providência cautelar pedindo a suspensão das deliberações sociais positivas tomada na assembleia de 05.12.2007 e introduzidas pelo sócio  B… e que se considerem nulos os votos deste que conduziram às deliberações negativas a que se referem os pontos 1 a 4 da ordem dos trabalhos, nela foi proferida decisão a 10 de janeiro de 2008, a “declarar provisoriamente nulos os votos proferidos pelo sócio  B… (…) que conduziram às deliberações negativas a que se referem os pontos 1 a 4 da ordem dos trabalhos (…) considerando assim provisoriamente aprovadas essas mesmas deliberações com os votos do Requerente e da Sócia E… ”, a qual foi objeto de recurso para a Relação, decidido por acórdão proferido a 10.02.2009, teremos de concordar com a decisão recorrida de que, só com o trânsito em julgado desta decisão, a deliberação ganha a sua eficácia jurídica ou que, pelo menos, só após esta data fica definida tal situação, só a partir daí se iniciando o prazo de prescrição do direito de ação.

Com efeito, o prazo da prescrição apenas começa a correr quando puder ser exercido (nº1 do artigo 306º), no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder atuar[30].

A ação de exclusão judicial de sócio encontra-se dependente de prévia deliberação dos sócios (artigo 242º, nº2 CSC).

Incluída na ordem dos trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária do dia 5 de dezembro de 2007, a deliberação sobre a instauração pela sociedade de uma ação de exclusão judicial de sócio relativamente ao réu, tal proposta obteve o voto contra do aqui réu, sócio maioritário, pelo que, só no caso de procedência do pedido de anulação do voto contra do sócio réu, peticionado na referida ação judicial e procedimento cautelar instauradas pelo sócio D… , se encontraria reunida aquela condição necessária para a instauração e procedência da ação de exclusão de sócio.

Confirma-se, assim, o juízo de improcedência da exceção de prescrição.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em, julgando a Apelação parcialmente procedente, revogar parcialmente a decisão recorrida proferida relativamente à ação principal:

1. Revogando-se a decisão de condenação do Réu na quantia líquida de 309.918,38€,

2. Condenando o Réu no pagamento à autora da quantia a liquidar, unicamente quando aos elencados prejuízos não quantificados:

i) preço da Ginja V introduzida no consumo durante os anos de 2001 e 2007, correspondente às 52.628 garrafas a que se reporta o ponto 58. da matéria de facto, nelas havendo que descontar o valor dos últimos fornecimentos a que se reporta o ponto 44., bem como à dedução da quantia de 92.365,00 €, correspondente ao valor dos depósitos por si efetuadas nas contas da A.;

 ii) no valor das coimas que lhe tenha sido ou venham a ser aplicadas na sequência de tais factos e cujo pagamento a autora venha a suportar.

4. Julgando-se improcedente o pedido reconvencional de condenação da autora a proceder ao pagamento da quantia que exceder a compensação.

Confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.

Custas na ação principal (de responsabilidade civil) e na Apelação, a suportar pelo Apelante e pela Apelada, na proporção de 2/3 e de 1/3, respetivamente, suportando o Réu as custas respeitantes à ação de exoneração de sócio e as do pedido reconvencional formulado na ação principal.                   

                                                                     Coimbra, 15 de junho de 2021


[1] Cfr., fls. 332 a 336, do processo físico.
[2] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do disposto no nº1 do artigo 639º CPC.
[3] J. M. Coutinho de Abreu, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades”, 2ª ed., IDET; Cadernos Nº5, Almedina, p.7.
[4] Entre eles, o de não ultrapassar o objeto social (art. 6º, nº4), não distribuir aos sócios bens sociais sem deliberação previa; convocação ou requerer a convocação de assembleia geral em caso de perda de metade do capital social (art. 35º), não exercer por conta própria ou alheia, sem consentimento da sociedade, atividade concorrente com a desta (arts. 254º, 398º, ns. 3 e 5, 428º), não executar deliberações nulas, etc.
[5] Neste sentido, entre outros, Maria Elisabete Ramos, “Aspectos substantivos da responsabilidade civil dos membros do órgão de administração da sociedade”, BFDUC LXXIII (1997). Quanto a J. M. Coutinho de Abreu, opta por uma diferente nomenclatura: (a) o dever de controlo ou vigilância organizativo-funcional; (b) o dever de atuação procedimentalmente correta (para a tomada de decisões) e (c) o dever de tomar decisões (substancialmente) razoáveis – “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social”, in “Reformas do Direito das Sociedades”, Almedina, p.20.
[6] J. M. Coutinho de Abreu, artigo e local citado, p. 22.
[7] Artigo e local citados, p.23.
[8] “Responsabilidade Civil dos Administradores, Entre Direito Civil, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência”, Coimbra Editora, p. 43-44.
[9] Relativamente aos encargos financeiros resultantes de empréstimos e de contas caucionados, os Srs. Peritos fizeram constar do seu relatório que “o endividamento da empresa era no ano início do ano de 2002 de 119.711,50 € e que progressivamente foi sendo reduzido e em Outubro de 2007 era nulo, tendo aumentado em 25.000,00 € entre Outubro e Dezembro de 2007 e consequentemente os encargos financeiros apresentam uma evolução similar, cfr., fls.1003 e 1003v. da ação principal).
[10] Entre outros, Rui Pinto Duarte, “Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais”, pp.74, 85
[11] “Sentença da 3ª vara Cível de 27.10.2003 – dever de gestão e business judgment rule”, in “Corporate Governance”, Almedina, 2006.
[12] J.M. Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. I, p. 845.
[13] Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais”, Católica Law Review, Vol. II, nº2, Maio 2018, p.87., disponível in https://fd.lisboa.ucp.pt/asset/5336/file.
[14] A business judgment rule estabelece uma presunção de licitude da conduta em favor dos administradores, nos termos do qual desde que reunidos certos pressupostos, o juiz abster-se-á de aferir do mérito da atuação do administrador - Wang Huating, “Os deveres de lealdade e de diligencia dos administradores de sociedades”, p.24.
[15] “Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais”, Católica Law Review, Vol. II, nº2, Maio 2018, p.87., disponível in https://fd.lisboa.ucp.pt/asset/5336/file.
[16] Coutinho de Abreu e M. Elisabete Ramos, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. I, IDET, Almedina, p. 843.
[17] Como já anteriormente se referiu, a sentença recorrida seguiu a técnica de, em vez de apurar qual o número total de garrafas de Ginja V vendidas pela Autora à  G… sem documentos de venda ou com documentos de venda mas sem DIC, e dar o respetivo resultado como provado, optou, por, na matéria de facto que dá como provada, reproduzir afirmações parciais e conclusões finais dos Varejos de 2004 e de 2008 e do Relatório de Peritagem, quando os mesmos deveriam ter servido, tão só, como meios de prova, para a partir deles, se chegar à conclusão de quantos litros de álcool terão sido introduzidos ilegalmente no consumo e eventualmente não pagos pela  G… à autora.
[18] Como fazem constar do seu Relatório, os Srs. Peritos, partindo da suspeita de existirem fortes indícios de “transações registadas que não deveriam estar e, por outro lado, outras que terão sido omitidas”, tentaram responder à questão de qual a quantidade de álcool que teria sido introduzido no ilegalmente no consumo entre 1 de janeiro de 2002 e dezembro de 2007 – não objeto de faturação e sem o devido pagamento de impostos. Os Srs. peritos tendo embora em consideração o valor de 6.500, 20 L de álcool detetados pelo Varejo de 2004 (correspondentes a 36,112 garrafas de ginja), não se ficaram por aí e precederam aos seus próprios cálculos, se através da realização de vários testes: a) teste pelo álcool, do qual resultaria um valor de 69.671 garrafas em falta; teste pelas garrafas, do qual resultaria um valor de 52.628 garrafas em falta; c) teste pelas estampilhas fiscais, o que daria 57.500 garrafas em falta. As tais garrafas de Ginja V que o Réu reconhece ter levado para a  G… sem que chegassem a ser objeto de faturação, encontrar-se-ão incluídas entre as garrafas que terão saído da autora sem qualquer documento de venda,  e que estes contabilizaram entre um mínimo de 52.628 garrafas e um máximo de 69.671, garrafas que terão sido ilegalmente introduzidas no consumo, não tendo sido refletidas nas vendas da Requerente nem liquidados os respetivos impostos, não se tratando de um valor a somar ao referido a final pelos srs. peritos. Uma vez que, quer o Relatório de Peritagem, quer o Relatório do Varejo de 2008, abarcam todo o período até Dezembro de 2007 (o varejo de 2008 vai até 07.01.2008), os últimos fornecimentos de mercadoria efetuados à  G… em 2007 e a que se reporta o ponto 44, que não terão sido faturados que se não encontrarão pagos, terão sido tidos em consideração, quer no Varejo de 2008 (que fez uma análise cruzada à contabilidade de ambas as empresas e às existências de garrafas de Ginja V na G.. ), quer no Relatório de Peritagem .
[19] Vânia Patrícia Filipe Magalhães, “A conduta dos administradores das sociedades anónimas: deveres gerais e interesse social”, RDS I (2009), 2, 379-414, p. 395.
[20] “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social”, artigo e local citados, p.28.
[21] Obra citada, pp.46-49.
[22] Imposto que incide sobre a cerveja, os vinhos, as outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool (artigo 48º, nº1 do DL 599/99).
[23] Entendendo-se por «entreposto fiscal» o local onde são produzidos, transformados, armazenados, recebidos ou expedidos pelo depositário autorizado, no exercício da sua profissão, produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, nas condições estabelecidas no presente Código dos Impostos Especiais de Consumo e demais legislação complementar (artigo 24º, nº1).
[24] Cfr., notificação da liquidação coerciva, com data de emissão de 04.06.2007, e com juros de mora desde 27.12.2006 (doc. 10 junto com a P.I., no apenso de destituição de sócio, fls. 108)
[25] Despacho esse onde, depois de aí serem dados determinados factos como provados se conclui: “considerando provada a apresentação de perdas de álcool em percentagens superiores às franquiadas por lei, que determinaram o surgimento de uma dívida de 59.435,25 €, em sede de imposto especial sobre o consumo (…) decorrentes do apuramento de uma diferença de 6.500,20 L de álcool, correspondente às diferenças entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, referente ao período de 01.01.2003 a 31.05.2004, data da realização do varejo, incorrendo na prática de uma contraordenação fiscal aduaneira prevista (…), considerando que a dívida é de 59.435,25 € e que não se encontra paga, decido aplicar à arguida A…, Lda., a coima de 30.000,00 € que se considera proporcional às circunstancias em que a infração foi cometida”.  
[26] Cfr., Acórdão do TRC de 13-07-2016 relatado pela aqui relatora, disponível in www.dgsi.pt.
[27] Carolina Cunha, “A Exclusão de Sócios (Em Particular Nas Sociedades por Quotas)”, Problemas do Direito das Sociedades, IDET, p.207; e Luís Menezes Leitão, “Pressupostos de Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, AAFDL, Lisboa 2004, p. 13-15 e 29-31.
[28] Artigo e local citados, p. 212.
[29] Raúl Ventura, “Sociedades por Quotas”, Vol. II, 1999, p. 60.
[30] Ana Filipa Morais Antunes, “Prescrição e Caducidade, Anotação aos Artigos 296º a 333º do Código Civil (O Tempo e a sua Repercussão nas Relações Jurídicas”, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 83.