Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1346/11.8TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ARRENDAMENTO
COMUNICABILIDADE
CASAMENTO
UNIÃO DE FACTO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DENÚNCIA
ILEGITIMIDADE
PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DESPEJO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.12, 236, 342, 1068, 1724, 1725, 1730, 1735, DL Nº 325-B/90 DE 15/10 ( RAU ), LEI Nº 6/2006 DE 27/2 ( NRAU )
Sumário: 1 - O contrato de arrendamento celebrado pela arrendatária na vigência do RAU, não se comunica nos termos previstos no artigo 1068.º do CC, ao cônjuge que com ela contraiu casamento no regime da separação de bens já posteriormente à entrada em vigor do NRAU.

2 - Ao membro de união de facto que não foi parte no contrato de arrendamento não tem que ser efectuada a comunicação prevista no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, não tendo que ser accionado quer na acção de despejo quer na execução para entrega de coisa certa porquanto inexiste, nesse caso, litisconsórcio necessário passivo ou litisconsórcio voluntário.

3 - Do citado preceito decorre ainda que a comunicação ao cônjuge do arrendatário quando está em causa qualquer situação que determine a cessação do contrato de arrendamento, só tem que lhe ser dirigida se o local arrendado constituir casa de morada de família.

4 - Independentemente da data da celebração do contrato de arrendamento e do regime de bens do casamento, as acções relativas ao direito ao arrendamento da residência da família devem ser intentadas por ambos os cônjuges ou contra ambos os cônjuges, porque a final podem implicar a perda da casa de morada de família.

5 - Assim, a invocação pelo cônjuge arrendatário da sua ilegitimidade passiva fundada na violação do artigo 28.º-A do CPC, pressupõe que a acção ou execução contra si instaurada tenha como objecto a casa de morada de família. Por isso, é ao arrendatário que a invoca que incumbe o ónus da alegação e prova de que o arrendamento incide sobre a residência da família, nos termos previstos no artigo 342.º, n.º 2, do CC.

6 - Não tendo o arrendatário invocado na oposição deduzida que o imóvel arrendado é a casa de morada de família, deve o mesmo ser considerado parte legítima.

7 - A cláusula contratual relativa à estipulação de prazo em contrato celebrado na vigência do RAU, deve apreciar-se à luz da lei vigente ao tempo da sua celebração, posto ser pacífico, em face do disposto no artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte do CC, que a validade ou invalidade do contrato de arrendamento ou de alguma das suas cláusulas, por vício de forma ou inobservância de normas imperativas vigentes, se rege pela lei vigente ao tempo da celebração do contrato.

8 - Desconhecendo-se a intenção subjectiva das partes, em face do imperativamente disposto no artigo 98.º, n.º 2, do RAU, e das regras de interpretação previstas nos artigos 236.º e 238.º do CC «um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário» não poderia deduzir do prazo de um ano estipulado no contrato, que as partes pretenderam efectuar uma estipulação de prazo efectivo.

9 - Em conformidade com o estabelecido no artigo 26.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 6/2006, nos contratos sem duração limitada celebrados no domínio do RAU, não é possível a denúncia imotivada pelo senhorio.

10 - Consequentemente, a comunicação efectuada à arrendatária não é eficaz para produzir o efeito jurídico pretendido, razão por que, a Exequente não tem título executivo válido.

11 - Mas, mesmo que estivéssemos perante um contrato de duração limitada, a cláusula que estabelece um prazo de duração efectiva de um ano e sua prorrogação por igual período, seria nula nessa parte, por força da conjugação do n.º 2 do artigo 98.º do RAU com o artigo 294.º do Código Civil.

12 - A nulidade dos prazos estabelecidos na referida cláusula não determinaria, porém, a nulidade do contrato, devendo entender-se, nesse caso, que as partes haviam celebrado um contrato de arrendamento de duração limitada, pelo prazo mínimo previsto na lei, ou seja, por cinco anos, renovando-se automaticamente no fim deste prazo, por períodos mínimos de três anos, se não fosse denunciado por qualquer das partes.

13 - Assim sendo, porque a comunicação efectuada ocorreu em plena vigência do período de prorrogação do contrato, a consequência seria igualmente a referida em 9.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. MA (…), por apenso à execução para entrega de coisa certa que lhe foi movida por MI (…), deduziu a presente oposição, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, em consequência, seja absolvida do pedido por absoluta falta de título executivo.

Mais requereu a suspensão imediata do despejo ou o diferimento da desocupação do imóvel, porquanto é pessoa doente e não tem outra casa para habitar.

Para o efeito alegou, em síntese, que:

A exequente não é parte legítima, já que o seu nome não consta do contrato de arrendamento, nem prova que seja proprietária, comproprietária ou usufrutuária do imóvel em causa.

Por outro lado, a oponente é casada com F..., desde 16 de Março de 2009, pessoa com quem vive há mais de sete anos, sendo que o marido não foi notificado para o despejo e, como tal, a executada é parte ilegítima desacompanhada do marido, porquanto lhe é comunicável o direito ao arrendamento.

Acresce que o contrato de arrendamento, de prazo inferior a cinco anos, é um contrato sem duração limitada, que se rege pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, pelo que só pode ser denunciado de acordo com os arts. 68º, 69º, 70º e 71º do RAU.

Assim, é nula a notificação que foi feita à executada, pelo que inexiste título executivo para produzir efeitos a cessação do contrato de arrendamento e o consequente despejo.

Para além disso, tal cessação e despejo sempre seria ineficaz por o marido da executada, também titular do arrendamento não ter sido notificado para a cessação do contrato e despejo.

2. A exequente contestou, referindo ter legitimidade enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de António Sequeira Fernandes, seu marido, e que a executada é parte legítima já que a mesma celebrou o contrato de arrendamento, em 2001, enquanto solteira, e tendo casado em 2009 fê-lo no regime da separação de bens.

Mais alega que, ao contrato de arrendamento aplica-se o NRAU, que entrou em vigor em Agosto de 2006, o qual criou novos títulos executivos, sendo por isso eficaz, como título executivo, os documentos dados em execução para os fins pretendidos, concluindo, assim pela improcedência da presente oposição.

3. Foi elaborado despacho saneador (fls. 48 e ss.), onde foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade activa e passiva, e procedente a insuficiência do título executivo, por não ter sido efectuada a comunicação a ambos os cônjuges e o arrendado constituir a casa de morada de família, determinando-se, em consequência, a extinção da instância executiva.

4. Inconformada com esta decisão a Exequente/Oponida interpôs o presente recurso de apelação que finalizou com as seguintes conclusões:

(…)

5. Pela Recorrida foram apresentadas alegações que encerrou nos seguintes termos:

(…)

9. Dispensados os vistos, cumpre decidir.


*****


II. O objecto do recurso[1].

O presente recurso de apelação e ampliação do respectivo objecto, suscitam, pela ordem lógica de apreciação, as questões essenciais de saber se:

- o contrato de arrendamento se comunicou ao cônjuge da arrendatária;

- a oposição à renovação do contrato tinha que ser comunicada ao ora cônjuge da arrendatária;

- em caso negativo, se a acção executiva tinha que ser instaurada contra a arrendatária e respectivo cônjuge;

- existe ou não título executivo validamente constituído.


*****

III – Fundamentos

III.1. – De facto:

Na decisão recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:

1. Nos autos de execução a que os presentes correm por apenso, foi dada à execução:

i) Um documento, reduzido a escrito, assinado pelos contraentes, denominado “Contrato de Arrendamento”, no qual A (…), na qualidade de senhorio, cedeu a MA (…), na qualidade de arrendatária, o prédio urbano sito em ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ... mediante a renda anual de 360.000$00, a pagar em duodécimos de 30.000$00, ao senhorio na respectiva residência, no primeiro dia do mês anterior a que respeitar, pelo prazo de um ano, com início em 1.05.2001 e com termo em 1.5.2002, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, caso não seja denunciado por qualquer das partes nos termos da lei.

2. MI (…), na qualidade de «cabeça-de-casal da herança de (…)», por intermédio de advogado, remeteu a MA (…), carta registada, datada de 19 de Maio de 2008, na qual comunica-lhe, para além do mais, o seguinte (a qual juntou aos autos de execução):

“Assunto: denúncia do contrato de arrendamento – habitação própria”.

“É intenção da minha cliente, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de (…), opor-se à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais outorgado em 28 de Março de 2011, cujos efeitos produzir-se-ão a partir de 30 de Abril de 2011.

Para o efeito, nos termos da legislação em vigor, nomeadamente do artigo 1097º do Código Civil, na sequência do aditamento decorrente da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, serve a presente para comunicar a V. Exa. que se vem opor à renovação do contrato de arrendamento firmado entre ambas as partes em 28 de Março de 2001, devendo desocupar o arrendado a partir da data de 30 de Abril de 2011”.

3. MA (…) casou com (…) no dia 16 de Março de 2009, sob o regime imperativo da separação de bens.

4. MA (…) vive, pelo menos desde 2004, com (…) no imóvel identificado em 1.i..

5. A (…) faleceu às 21 horas e 50 minutos, no dia 21 de Julho de 2005, no estado de casado com MI (…).


*****

III.2. – O mérito do recurso

Insurge-se a Recorrente contra o segmento do saneador-sentença recorrido que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da Recorrida/Opoente, considerando que o locado constitui casa de morada de família e, como tal, o cônjuge da arrendatária deveria ter sido notificado da oposição à renovação e, consequentemente, ser parte na presente acção executiva, concluindo que «não tendo sido efectuada comunicação supra mencionada a ambos os cônjuges, é forçoso considerar que não se formou um título executivo válido, que possibilite o prosseguimento da presente execução executiva contra os mesmos.

Destarte, por impossibilidade de suprimento da aludida omissão em sede executiva, resta julgar a presente oposição procedente, e, consequentemente, julgar extinta a instância executiva (artigo 816.º, ex vi artigo 929.º, n.º 1, e 817.º, n.º 4, do Código de Processo Civil)».

Em abono da sua pretensão invocou a Recorrente que quando o contrato de arrendamento foi celebrado a arrendatária era divorciada e que apenas teve conhecimento do seu casamento em sede de oposição à execução, o qual, tendo sido celebrado no regime da separação de bens, não possibilita a comunicação do arrendamento ao cônjuge, sendo certo que em momento algum ficou demonstrado que o locado era a casa de morada de família do casal, razão pela qual, não podia o Mm.º Juiz do Tribunal a quo dar como assente tal facto.

Comecemos, pois, por apreciar se o contrato de arrendamento em apreço se comunicou ou não ao cônjuge da arrendatária.


*****

III.2.1. Da comunicabilidade do contrato de arrendamento

Conforme decorre dos documentos juntos aos autos de execução a que os presentes correm por apenso, foi dado à execução um documento reduzido a escrito, celebrado e assinado pelos contraentes em 28 de Março de 2001, denominado “Contrato de Arrendamento”, no qual A (…) na qualidade de senhorio, cedeu a MA (…), na qualidade de arrendatária, o prédio urbano sito em ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ... mediante a renda anual de 360.000$00, a pagar em duodécimos de 30.000$00, ao senhorio na respectiva residência, no primeiro dia do mês anterior a que respeitar, pelo prazo de um ano, com início em 1.05.2001 e com termo em 1.5.2002, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, caso não seja denunciado por qualquer das partes nos termos da lei.

Em face do ajuizado contrato de arrendamento, não subsistem quaisquer dúvidas de que apenas outorgou no mesmo a ora executada MA (…) na qualidade de arrendatária.

Não dissentem também as partes quanto a estar demonstrado que MI (…) na qualidade de «cabeça-de-casal da herança de (…), por intermédio de advogado, remeteu a MA (…), carta registada, datada de 19 de Maio de 2008, na qual lhe comunicou, para além do mais, ser sua intenção opor-se à renovação do contrato de arrendamento firmado entre ambas as partes em 28 de Março de 2001, devendo desocupar o arrendado a partir da data de 30 de Abril de 2011.

Acontece, porém, que entre a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento e a data prevista na mesma para a desocupação do imóvel, MA (...) casou com (…) no dia 16 de Março de 2009, sob o regime imperativo da separação de bens, facto que também não se mostra controvertido.

Terá o casamento da arrendatária, por si só, alguma repercussão na relação arrendatícia, “comunicando-a” ao cônjuge?

Dir-se-á, desde já, que não.

Efectivamente, o contrato de arrendamento foi celebrado em 2001, no domínio da vigência do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, o qual expressamente previa no respectivo artigo 83.º[2] a incomunicabilidade do direito ao arrendamento habitacional, independentemente do regime de bens do casamento. No domínio da sua vigência era, pois, pacífico que a posição do arrendatário habitacional não se comunicava ao respectivo cônjuge, fosse qual fosse o regime de bens que estes tivessem adoptado[3].

No entanto, no decurso do contrato de arrendamento cujos efeitos ora se apreciam, entrou em vigor no dia 28 de Junho de 2006 o Novo Regime do Arrendamento Urbano[4], introduzido pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro[5], cujo artigo 3.º introduziu uma norma inovadora, o artigo 1068.º do Código Civil[6], que sob a epígrafe “Comunicabilidade”, veio estatuir que “[o] direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente”.

Consequentemente, prevendo-se agora no NRAU como regra geral, -aplicável, portanto, tanto para os arrendamentos habitacionais como para os não habitacionais -, que a comunicabilidade é admitida segundo o regime de bens, nos contratos celebrados após a data da sua entrada em vigor, para aferir se o arrendamento se comunicou ou não ao cônjuge há que observar as regras respeitantes ao regime de bens adoptado pelo casal. Assim:

 “–       no regime da separação de bens, o direito do arrendatário não se comunica ao seu cônjuge, pois não há património comum do casal (cfr. art.º 1735.º do CC);

–          no regime da comunhão de adquiridos, o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, ingressando no património comum, se o contrato for celebrado na constância do casamento [cfr. art.ºs 1724.º, al. b), 1725.º e 1730.º do CC];

–          no regime da comunhão geral, o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, integrando o património comum do casal, mesmo que o contrato de arrendamento seja anterior ao casamento (cfr. art.º 1732.º do CC)”[7].

Porém, quando os contratos de arrendamento foram celebrados até 27-06-2006, como é o caso dos presentes autos, podem colocar-se algumas questões relativas à aplicação da lei no tempo, porquanto embora o art.º 1068.º do CC, disponha directamente sobre o conteúdo da relação jurídica arrendatícia, não o faz “abstraindo dos factos que lhes deram origem”, conforme previsto no artigo 12.º, n.º 2, do CC, mas, antes pelo contrário, tendo em consideração tais factos. Daí que, atento o disposto no art.º 59.º da Lei n.º 6/2006 e no art.º 12.º do CC, o art.º 1068.º do CC também se aplica aos contratos de arrendamento de pretérito que tenham sido celebrados por arrendatário que venha, já no domínio do NRAU, a contrair casamento, mas apenas se o fizer no regime da comunhão geral de bens[8].

Ora, tal não é manifestamente a situação dos presentes autos em que, quer por via da norma imperativa ínsita no art.º 83.º do RAU quer por via da que veio a ser consagrada no artigo 1068.º do CC que remete para o regime de bens, a posição da arrendatária não poderia, em qualquer um dos casos, comunicar-se ao respectivo cônjuge, porquanto o regime patrimonial entre a arrendatária e o cônjuge no casamento é o regime imperativo da separação de bens.

 Concluindo, no caso em apreço, o contrato de arrendamento não se comunicou ao cônjuge da arrendatária, e, portanto, a mesma não poderia ser, como não foi, considerada parte passiva ilegítima na presente execução com este fundamento.


*****

III.2.2. Da casa de morada de família

            Mas, independentemente do regime de bens adoptado entre os cônjuges, poderá a não comunicação da oposição à renovação do contrato ao cônjuge da arrendatária determinar a ilegitimidade desta para estar em juízo desacompanhado daquele?

            Foi o que entendeu o Mm.º Juiz a quo aduzindo que:

            «Da conjugação do n.ºs 1 e 3 do artigo 28.º-A, resulta que devem ser propostas contra marido e mulher as acções de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família.

Tal regime respeitante à casa de morada de família, natural desenvolvimento da protecção conferida à família no artigo 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e desenvolvido, designadamente, ao longo dos artigos 1682.º, n.º 2, 1682.º-B, n.º 2, 1775, n.º 2 e 3, 1778.º, 1793.º, 2103.º-A e 2103.º-C, todos do Código Civil, visa proteger aquela que é a residência permanente da família.

O mencionado esforço de tutela da família e da sua residência habitual, abrangeu também as normas respeitantes ao arrendamento urbano e, em particular, à sua cessação.

Com efeito, estabelece o artigo 12.º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro que, se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 9.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges.

As comunicações aludidas são precisamente as relativas à cessação do contrato de arrendamento (cfr. artigo 9.º, n.º 1 do mencionado diploma legal), as quais constituem, a par do aludido contrato, o título executivo complexo, a que o artigo 15.º, n.º 1, al. c) faz referência – note-se que, com a reforma de 2006 ocorreu uma alteração da terminologia legal, correspondendo a anterior denúncia (artigo 100.º, n.ºs 2, 3 e 4 do RAU) à actual oposição à renovação (1097.º do Código Civil).»

Este raciocínio mostra-se correctamente expendido posto que resulta dos normativos legais em apreço que assenta, conforme ali se salientou, na protecção da casa de morada de família e no casamento.

Na verdade, continuou o Mm.º Juiz:

«Sendo tais normas aplicáveis aos contratos de duração limitada celebrados entre 15 de Novembro de 1990 e 27 de Junho de 2006, conforme estabelecido no artigo 26.º, n.º 1 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, constituindo, o locado, casa de morada de família da ora Opoente e do seu cônjuge, a comunicação relativa à cessação do contrato de arrendamento efectuada pela Oponida (denúncia, utilizando a antiga terminologia legal ou oposição à renovação na actual) deveria ter sido dirigida a cada um dos cônjuges, para que se formasse um título executivo válido quanto a ambos.

Em face de tais normas, é forçoso considerar que, a cessação do contrato de arrendamento que tenha por objecto a casa de morada de família do arrendatário, apenas será válida se a comunicação tiver sido dirigida a ambos os cônjuges, sob pena de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo.

Ora, no caso vertente, em sede de oposição à execução, apurando-se a qualidade de casa de morada de família do objecto alvo de execução para entrega de coisa certa (cfr. factos 3. e 4.), constata-se a supra dita insuficiência do título, insusceptível de suprimento, porquanto a extensão do próprio título possibilita a intervenção principal provocada do cônjuge.

De facto, mesmo aqueles que admitem o incidente de intervenção principal provocada na acção executiva restringem a sua actuação aos casos em que o potencial interveniente conste previamente do título executivo, sob pena do incidente servir para a formação dum título executivo contra terceiros (…).»

O raciocínio assim expendido funda-se em dois pressupostos: o de que o imóvel arrendado é a casa de morada de família da executada e seu cônjuge; e o de que a comunicação devia ter sido efectuada a ambos os cônjuges.

Porém, será que estas afirmações se aplicam integralmente nestes termos nos presentes autos?

Comecemos pela última.

Conforme resulta da matéria de facto, a intenção de MI (…), na qualidade de «cabeça-de-casal da herança de (…)», de se opor à renovação do contrato de arrendamento firmado entre ambas as partes em 28 de Março de 2001, foi comunicada à arrendatária MA (…), por carta registada datada de 19 de Maio de 2008.

Ora, nesta data, a arrendatária não era casada. Portanto, a comunicação da referida intenção não podia, por definição, ter sido dirigida a um cônjuge que à data da manifestação de vontade de cessar o contrato, pura e simplesmente não existia como tal.

Mas será que tal comunicação também tinha que ser efectuada ao “unido de facto”?

O Mm.º Juiz, considerou assente, por acordo entre as partes, sob o ponto 4 da matéria de facto que MA (…) vive, pelo menos desde 2004, com (…) no imóvel arrendado.

Insurge-se a Recorrente, afirmando que tal facto não podia ter sido considerado assente por acordo entre as partes, porquanto se mostra controvertido, atenta a matéria de facto que invocou nos artigos da sua contestação à oposição.

Vejamos, se lhe assiste razão.

A Executada, na oposição deduzida em 21-11-2011, quanto à excepção de ilegitimidade passiva, invocou no artigo 2.º que “[a] oponente é casada com (…) desde 16 de Março de 2009, conforme certidão de casamento que se junta, pessoa com quem vive há mais de sete anos, do conhecimento da exequente, sendo que o marido não foi notificado para o despejo e como tal a executada é parte ilegítima desacompanhada do marido, que tem igualmente direito ao arrendamento.(doc. nº1)”.

Ora, compulsada a contestação da ora Recorrente, ao contrário do que esta agora invoca em sede de recurso, em momento algum a mesma ali refere que só teve conhecimento do casamento da executada aquando da deduzida oposição, não se vendo dos invocados artigos 26.º a 33.º da oposição referentes à resposta à deduzida excepção, qualquer facto que contrarie a alegação de que a pessoa do cônjuge da arrendatária é do conhecimento da exequente, e que o mesmo vive com ela há mais de sete anos.

Portanto, quanto ao segmento relativo à vivência da arrendatária em união de facto com o ora cônjuge, pelo menos desde 2004, nada há a apontar a que se tenha considerado assente, em face do que dispõem os artigos 817.º, n.º 3, 466.º, n.º 2, e 490.º, n.º 2, todos do CPC.

Questão diferente é a de saber se tal vivência em união de facto em data anterior à comunicação da intenção de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem alguma influência na economia dos presentes autos.

Na verdade, tal só ocorreria se a protecção concedida por lei à casa de morada de família, se estendesse ao unido de facto, e tal não acontece.

Efectivamente, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 7/2001, de 11-05, “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a protecção da casa de morada de família, nos termos da presente lei”, e tal protecção só é conferida pela lei, se bem atentarmos na redacção dos artigos 4.º e 5.º, aos casos de ruptura da união de facto ou de morte de um dos seus membros. E tal continua a ser assim, apesar das alterações recentemente introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, visando o alargamento da protecção dos unidos de facto nas várias vertentes ora modificadas com o fito de consagrar uma maior equiparação das situações de união de facto ao casamento.

Significa isto que, não tendo nenhuma disposição da Lei n.º 7/2001, equiparado em termos gerais e absolutos as uniões de facto, nos termos em que ali as protege, às relações jurídicas emergentes do casamento, apenas tendo pretendido estender às situações de união de facto alguns direitos próprios da relação matrimonial[9], e não tendo sido alterado nem o disposto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, nem o artigo 28.º-A do CPC, deve concluir-se que ao membro da união de facto que não foi parte no contrato de arrendamento não tem que ser efectuada a comunicação prevista no aludido artigo 12.º, não tendo que ser accionado quer na acção de despejo quer na execução para entrega de coisa certa porquanto inexiste, nesse caso, litisconsórcio necessário passivo ou litisconsórcio voluntário[10].

Portanto, no caso em apreço, no momento em que a comunicação foi efectuada, não sendo a arrendatária casada, a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento apenas tinha que ser efectuada à arrendatária, como foi. Consequentemente, não se verifica no caso sub judice, qualquer violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, pela singela razão de que à data da comunicação não havia cônjuge da arrendatária a quem dirigir a mesma.

Acontece, porém, que entre o momento em que tal comunicação foi efectuada à arrendatária, e o momento em que a acção executiva de que estes autos são apenso foi efectuada, aquela veio a contrair casamento.

Significa isso, por si só, que a execução tinha que ser instaurada contra ambos os cônjuges?

Responderemos, desde já, que não necessariamente.

Efectivamente, do já citado artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, resulta cristalinamente que a comunicação ao cônjuge do arrendatário quando está em causa qualquer situação que determine a cessação do contrato de arrendamento, só tem que lhe ser dirigida se o local arrendado constituir casa de morada de família.

Na verdade, atento o disposto no artigo 1673.º do CC, os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, procurando salvaguardar a unidade da vida familiar, e salvo motivos ponderosos em contrário, devem adoptar a residência da família, sendo que para além deste preceito, todo o regime legal referente à casa de morada de família ínsito nos artigos 1682.º, n.º 2, 1682.º-B, alínea b), 1775.º, n.ºs 2 e 3, 1778.º, 1793.º, 2103.º-A e 2103.º-C, todos do CC, corresponde ao desenvolvimento do princípio fundamental consagrado no n.º 1 do art.º 67.º da CRP, de acordo com o qual a família tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

Assim sendo, pode concluir-se que o conceito de casa de morada de família enquanto objecto desta especial protecção legal, implica que a casa em questão constitua ou tenha constituído a residência principal do agregado familiar e que um dos cônjuges seja titular de um direito que lhe confira a utilização dela para aquele fim[11].

Por isso, o artigo 1682.º-B do CC, que rege sobre a disposição do direito ao arrendamento, estabelece que relativamente à casa de morada de família, carecem do consentimento de ambos os cônjuges, a resolução, a oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento pelo arrendatário; a revogação do arrendamento por mútuo consentimento; a cessão da posição de arrendatário; e o subarrendamento ou o empréstimo, total ou parcial; em suma, todas as formas de cessação do contrato de arrendamento que tenha por objecto a casa de morada de família.

Este preceito legal, que foi aditado pelo DL n.º 496/77, de 25-11, tem actualmente a redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, cujo art.º 2.º, n.º 2, alterou a alínea a), acrescentando precisamente a referência à figura da oposição à renovação. Note-se, porém, que esta introdução não traduz qualquer alteração de fundo, mas da simples harmonização com a terminologia adoptada pelo legislador do NRAU para designar esta forma de cessação do contrato de arrendamento que anteriormente era referida como denúncia no artigo 1055.º do CC.

Considerando o que supra expendemos a propósito da possibilidade de comunicação do contrato de arrendamento, devemos concluir que em face do regime introduzido pelo artigo 1068.º do CC a respeito da comunicabilidade do arrendamento, este artigo aplica-se apenas quando o contrato de arrendamento tenha sido celebrado somente por um dos cônjuges na posição de arrendatário e o seu direito não se tenha comunicado ao respectivo cônjuge[12], quer tal aconteça por causa do regime de bens adoptado em contrato e casamento celebrados após o NRAU, quer seja em virtude de o contrato e o casamento terem sido celebrados no domínio do RAU que estabelecia o regime imperativo da incomunicabilidade independentemente do regime de bens, quer finalmente por o contrato ser anterior ao NRAU e o casamento ter sido celebrado na vigência deste novo regime mas sem que os cônjuges adoptassem o regime da comunhão geral de bens.

Significa isto, que do preceito em referência conjugado com o disposto no artigo 28.º-A do CPC resulta, sem margem para dúvidas, que independentemente da data da celebração do contrato de arrendamento e do regime de bens do casamento, porque a final podem implicar a perda da casa de morada de família, as acções relativas ao direito ao arrendamento da residência da família devem ser intentadas por ambos os cônjuges ou contra ambos os cônjuges.

Trata-se de uma especial protecção da casa de morada de família que impõe que se considere tão relevante a posição do cônjuge arrendatário como a do não arrendatário, quando é a residência da família que está em causa[13].  

Pressuposto primeiro deste direito, é, portanto, que o imóvel arrendado seja a casa de morada de família, porquanto se o não for a lei já não concede esta protecção do direito ao arrendamento nos casos em que o mesmo não se tenha comunicado ao cônjuge do arrendatário.

Assim sendo, a invocação pelo cônjuge arrendatário da sua ilegitimidade passiva fundada na violação do artigo 28.º-A do CPC, pressupõe que a acção ou execução contra si instaurada tenha como objecto a casa de morada de família. Por isso, é ao arrendatário que a invoca que incumbe o ónus da alegação e prova de que o arrendamento incide sobre a residência da família, nos termos previstos no artigo 342.º, n.º 2, do CC.

Ora, vistos os autos, e mormente o indicado artigo 2.º da oposição, verificamos que em momento algum a executada invocou na referida peça processual que o imóvel arrendado era a casa de morada de família, limitando-se a afirmar que “é casada com (…) desde 16 de Março de 2009 (…) pessoa com quem vive há mais de sete anos, do conhecimento da exequente, sendo que o marido não foi notificado para o despejo e como tal a executada é parte ilegítima desacompanhada do marido, que tem igualmente direito ao arrendamento”. Portanto, a arrendatária não cumpriu com o ónus de alegação que sobre si impendia, razão pela qual a invocada excepção sempre soçobraria. Mas, ainda que se entendesse que tal alegação poderia estar implícita na defesa que a executada deduziu, a possibilidade de a mesma se mostrar provada por acordo entre as partes estaria in casu completamente afastada considerando que a exequente invocou nos artigos 54.º a 59.º da sua contestação que o marido da executada é proprietário de uma fracção, sita na ..., na cidade da Covilhã, imóvel, no qual o mesmo vem habitando, conjuntamente com a ora executada, nestes termos impugnando especificadamente que o imóvel arrendado constitua a casa de morada de família.

Assim sendo, em face do disposto no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, aplicável, ex vi do artigo 466.º, n.º 2, da mesma codificação, por não se mostrar abrangido pela excepção prevista no artigo 813.º, n.º 4, do mesmo diploma, não podia o Mm.º Juiz a quo ter considerado provado, por acordo, que a executada e o marido viviam desde pelo menos 2004, no imóvel arrendado.

Porém, apesar de não poder considerar-se assente a vivência do casal no imóvel arrendado, ao invés do preconizado pela Recorrente, in casu, tal não seria caso de reenvio para o apuramento de tal facto controvertido em face das sobreditas regras relativas ao ónus da prova, uma vez que não é a Oponida que tem que demonstrar que a Oponente vive com o marido em casa deste. Era esta que tinha que alegar que vivia com o marido no imóvel arrendado e não o fez, com a natural consequência da improcedência da excepção invocada, que assenta no pressuposto de se tratar da casa de morada de família.

Na verdade, em caso de cessação extrajudicial do contrato, o senhorio apenas tem que efectuar as necessárias comunicações a ambos os cônjuges quando o imóvel arrendado constitui a casa de morada de família, (cfr. artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 6/2006), passando assim a dispor, em princípio, de título executivo bastante para instaurar a execução contra ambos.

No caso em apreço, tendo o contrato de arrendamento sido subscrito apenas pela arrendatária quando ainda não era casada, e tendo o senhorio dirigido a comunicação apenas ao cônjuge que interveio no contrato de arrendamento, caso instaurasse a execução contra ambos os cônjuges, aí sim, o outro membro do casal seria parte ilegítima por o título não o abranger, impondo-se consequentemente que o requerimento executivo fosse liminarmente indeferido quanto ao mesmo [cfr. art.º 55.º, n.º 1, e art.ºs 812.º, n.º 2, al. b), actual art.º 812.º-E, n.º 1, al. b), aplicável no caso, em virtude de o processo se ter iniciado após 31-03-2009, data de entrada em vigor do DL n.º 226/2008, de 20-11), ambos aplicáveis por via do art.º 466.º, n.º 2, todos do CPC].

De facto, admitindo que o imóvel arrendado fosse a casa de morada de família e não tendo tal alegação sido efectuada pela arrendatária em sede de oposição à execução para a sua entrega, tal situação poderia constituir fundamento para embargos de terceiro[14] por parte do cônjuge do arrendatário que tal invocasse oportunamente[15], mas não tendo sido invocada na oposição deduzida pela arrendatária, não constitui fundamento para alicerçar a sua ilegitimidade na execução.

Conclui-se, pois, atento o disposto no artigo 55.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a legitimidade na acção executiva, que no caso em apreço, a executada é parte legítima na execução de que os presentes autos são apenso.

Assim sendo, se estivéssemos apenas perante este fundamento, seria procedente o recurso interposto pela Exequente.

Porém, a Executada suscitou na oposição a questão relativa à própria validade do título executivo, a qual não foi apreciada em virtude de o Mm.º Juiz a ter considerado prejudicada pela decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade arguida[16], mas que importa apreciar agora nos termos do artigo 715.º, n.º 2, do CPC, por ter sido novamente suscitada em sede de alegações de recurso.

Na verdade, atento o teor das contra-alegações da Executada/Oponente, através das quais a mesma, apesar de não o ter expressamente afirmado, procedeu à ampliação do âmbito do recurso nos termos consentidos pelo artigo 684.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que claramente solicitou que este “Tribunal da Relação deverá tomar conhecimento que inexiste título executivo também pelos fundamentos invocados de 3 a 11 da oposição à execução, por só poderem ser considerados contratos de duração limitada os que obedecerem ao preceituado nos artº 98º, 99º e 100º da Lei 321-B/90, Dec-Lei 257/95 e artº1095º nº2 do Código Civil e Lei 6/2006 artº26º nº4. Ou seja os contratos de arrendamento de prazo inferior a 5 anos são contratos sem duração limitada e regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, só podendo ser denunciados de acordo com o artº 68º, 69º, 70º e 71º da RAU», impõe-se a apreciação desta questão, cumprindo consequentemente decidir se no caso em apreço a Exequente dispõe ou não de título executivo contra a Executada.


*****

II.2.3. Do título executivo

            Invocou a Executada que inexiste título executivo para produzir efeitos a cessação do contrato de arrendamento e o consequente despejo, uma vez que o contrato em apreço, porque celebrado por prazo inferior a 5 anos, não foi outorgado como contrato de duração limitada, porquanto para o ser tinha que obedecer ao preceituado nos artigos 98.º, 99.º e 100.º do RAU.

A esta alegação, opôs a Exequente que as partes convencionaram, no referido contrato de arrendamento, o inicio da vigência do mesmo e o seu término ao clausularem que "... O prazo de duração é de um ano, com inicio em 01 de Maio de 2001 e com termo em 01 de Maio de 2002, prorrogável por períodos iguais e sucessivos enquanto não for denunciado por qualquer das partes, nos termos da lei", pelo que quiseram efectivamente estipular um prazo para a duração efectiva do contrato, sendo a vontade das partes, manifestada desde logo no contrato, a de celebrar um contrato de arrendamento de duração limitada.

Mais aduz que ao caso em apreço tem aplicação o disposto no Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), mormente nos artigos 26.º e 59.º, pelo que, muito embora o contrato de arrendamento em causa tenha sido celebrado na vigência do RAU, entretanto revogado, deve ter-se como aplicável o disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, pelo que o contrato referido, acompanhado da comunicação prevista no artigo 9.º, n.º 1 do NRAU constitui título executivo válido, à semelhança do que se verificava aliás no âmbito da vigência do RAU, por força do disposto nos artigos 45.º e 46.º, alínea d) do CPC, para efeitos de ser instaurada execução para entrega de coisa certa.

Ora, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado na vigência do RAU[17] e tendo entretanto entrado em vigor o NRAU, a questão de saber qual o regime que se aplica ao caso sub judice, contende directamente com a de saber se é ou não válido o título dado à execução.

Efectivamente, o legislador do NRAU, de forma deliberada, não se limitou a reger sobre o regime dos contratos de arrendamento celebrados após a sua entrada em vigor, antes pretendendo ser de “mais simples apreensão e aplicação um sistema em que não coexistam, por tempo indeterminado, duas regulações sobre temas materialmente idênticos, sendo possível, com a devida cautela e tendencialmente, sujeitar todos os contratos à mesma lei”[18].

Com tal finalidade, adoptou normas próprias mas consentâneas com o já disposto no artigo 12.º do Código Civil, relativamente aos princípios gerais que regem sobre a aplicação da lei no tempo, isto porque um novo regime do arrendamento urbano - que regula não só a formação do contrato de arrendamento mas também as vicissitudes da sua vigência e cessação -, sempre contenderia, pela própria natureza do contrato que visa regular, com relações jurídicas já constituídas, abstraindo dos factos que lhes deram origem.

Em decorrência deste princípio geral e regendo expressamente quanto à aplicação da lei no tempo, o artigo 59.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, veio afirmar que “[o] NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”. Portanto, a regra é que o NRAU se aplica imediatamente a todos os contratos, mesmo aos celebrados anteriormente à sua vigência, com duas excepções, de diferente natureza: a constante da parte final do referido preceito, relativa às normas transitórias constantes dos artigos 26.º a 58.º; e a consagrada no n.º 3 do mesmo artigo quanto às normas supletivas contidas no NRAU que “só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável”.

Das referidas normas transitórias avulta o artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006 de acordo com o qual, em harmonia com a regra geral ínsita no referido artigo 59.º “os contratos celebrados na vigência do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321º-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes”, referindo-se nos seus n.ºs 3 e 4, respectivamente, aos contratos de duração limitada e aos contratos sem duração limitada. Portanto, ao contrato em apreço, quer se conclua que o contrato é com ou sem duração limitada, aplicam-se, quanto à possibilidade de oposição renovação ou de denúncia, as regras previstas, respectivamente, no artigo 26.º, n.ºs 3 e 4 do regime transitório.

Apreciemos, então, o regime substantivo das mesmas.

Esta sujeição, por princípio, dos contratos celebrados na vigência do RAU ao novo regime justifica-se pelo facto de, sendo contratos mais recentes, as rendas estarem actualizadas por via dos factores de actualização previstos no RAU e por o vinculismo ser menor, dada a possibilidade já ali introduzida de o senhorio proceder à então designada denúncia do contrato de arrendamento (correspondente à actual oposição à renovação), no caso de este ter sido celebrado com duração limitada (no NRAU designado com estipulação de prazo certo).

De facto, entre a figura da oposição à renovação e a anterior designação de denúncia, não existe diferença de conteúdo uma vez que ambas consistem numa manifestação de vontade unilateral de desvinculação do contrato de arrendamento, no termo do prazo inicialmente fixado pelas partes ou da prorrogação entretanto ocorrida, impedindo assim que opere a renovação automática[19], inicialmente prevista no artigo 100.º, n.º 1, do RAU e actualmente constante da previsão do n.º 1 do artigo 1096.º do CC.

Portanto, ao invés do que sucedia no regime do arrendamento constante da versão inicial do Código Civil, na vigência do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, já era permitida a celebração de contratos de arrendamento para habitação de duração limitada, estabelecendo-se que o prazo que as partes estipulassem para a duração efectiva destes não poderia ser inferior a cinco anos (artigo 98.º, n.º 2); que tais contratos se renovavam automaticamente no fim desse prazo, por períodos mínimos de três anos, se outro não tivesse sido especialmente previsto (artigo 100.º, n.º 1, 1.ª parte); e por fim, permitia que a renovação automática do contrato não se efectuasse, possibilitando a sua denúncia pelo senhorio, que a teria de fazer mediante notificação judicial avulsa do inquilino requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação (artigo 100.º, n.º 1, parte final, e n.º 2).

Assim sendo, cumpre apreciar a cláusula contratual relativa à estipulação de prazo no contrato em apreço, à luz da lei vigente ao tempo da sua celebração, posto ser pacífico, em face do disposto no artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte do CC, que a validade ou invalidade do contrato de arrendamento ou de alguma das suas cláusulas, por vício de forma ou inobservância de normas imperativas vigentes, se rege pela lei vigente ao tempo da celebração do contrato, ao abrigo da qual devem também ser interpretadas as cláusulas ali inseridas[20]. Vejamos, então, o que previa o RAU a este respeito.

Configurando a referida possibilidade de estipulação de prazo efectivo a maior inovação do RAU, visando já então estimular o arrendamento e permitindo ao senhorio “denunciar” o contrato caso não pretendesse que o mesmo se renovasse, o legislador impôs que a adopção de tal faculdade constasse no texto escrito do contrato, pretendendo consequentemente que a intenção das partes a este respeito valesse apenas desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes.  

Pretende a Executada que os contratos de arrendamento de prazo inferior a cinco anos, como é o caso dos autos, que tem duração de um ano, são contratos sem duração limitada, que se regem pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, só podendo ser denunciados com os motivos constantes nos artigos 68.º, 69.º, 70.º e 71.º do RAU e 1101.º a 1104.º do CC, o que não é o caso dos autos.

A questão em apreço, reconduz-se consequentemente à interpretação da cláusula primeira ínsita no contrato de arrendamento, de acordo com a qual, “o prazo de duração do arrendamento é de um ano, com início em 1.05.2001 e com termo em 1.5.2002, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, caso não seja denunciado por qualquer das partes, nos termos da lei”.

Significa esta estipulação negocial que as partes quiseram sujeitar o contrato de arrendamento a um prazo efectivo ou, ao invés, que pretendiam um contrato sem duração limitada?
Para tal efeito deve efectuar-se a interpretação da referida cláusula, à luz do regime então vigente, e em obediência às regras gerais estabelecidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil. Assim sendo, na interpretação do caso presente importa considerar que, em princípio, e por força do disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC que consagra a doutrina da impressão do destinatário, deve prevalecer “o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”; e porque estamos em presença dum contrato formal, em obediência ao preceituado no n.º 1 do artigo 238.º do CC, a declaração não poderá “valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
Ora, no caso em apreço as partes, nada aduzem de relevante quanto à respectiva intenção aquando da celebração do contrato, limitando-se ambas a invocar por que razão o contrato deve ser qualificado de duração limitada ou ilimitada, respectivamente. Portanto, para interpretar a sua vontade, ficamos reconduzidos à cláusula contratual em apreço da qual apenas resulta evidente que as mesmas estipularam um prazo no contrato que é diferente do prazo supletivo de seis meses então previsto no artigo 10.º do RAU, pelo que, não existem dúvidas que pretendiam que o contrato tivesse um prazo diferente daquele que a lei supletivamente estabelecia.
Mas pretendiam que este prazo limitasse a duração do contrato ou não?
Quanto a esta questão, pensamos ser de responder negativamente se tivermos presentes os elementos interpretativos supra referidos.
Na verdade, tendo o RAU estabelecido de forma inovadora a possibilidade de o senhorio obstar à renovação automática do contrato no termo do prazo, o facto de na cláusula em apreço se ter mencionado “considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, caso não seja denunciado por qualquer das partes, nos termos da lei”, em sintonia com o estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 100.º do RAU de acordo com o qual os contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não seja denunciados por qualquer das partes”, poderia inculcar que se entendesse que a vontade das partes era a de sujeitar o contrato em apreço ao regime de duração limitada então permitido pelo RAU.
Porém, conforme claramente decorre da cláusula em questão, o prazo estabelecido pelas partes não foi o mínimo de cinco anos imperativamente previsto no artigo 98.º, n.º 2, do RAU como prazo mínimo para a duração do contrato de arrendamento habitacional, assim como o prazo de prorrogação foi fixado em período inferior ao mínimo de três anos previsto no artigo 100.º, n.º 1, do RAU.
Ora, sendo certo que este artigo remete expressamente para os contratos celebrados nos termos do artigo 98.º, n.º 2, e este, referindo-se ao n.º 1, que possibilita às partes a estipulação de um prazo para duração efectiva do contrato, clara e imperativamente afirma que tal prazo não pode, contudo, ser inferior a 5 anos. Ou seja, da interpretação conjugada do artigo 98.º, n.ºs 1 e 2, resulta que as partes podem estipular um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação, desde que insiram essa cláusula no texto escrito do contrato e que o prazo estipulado não seja inferior a cinco anos. Se assim for, deve entender-se que o contrato foi celebrado com duração limitada, ainda que as partes o não tenham expressamente afirmado[21].
Porém, no caso em apreço, desconhecendo-se a intenção subjectiva das partes, em face do sentido objectivo consagrado no texto contratual, parece-nos que «um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário» não poderia em face do referido texto legal e do teor da cláusula contratual, deduzir do prazo de um ano estipulado no contrato, que as partes pretenderam efectuar uma estipulação de prazo efectivo.
Na verdade, apesar de não ser exigível que para considerar o contrato de duração limitada, tal implique que do texto do mesmo conste expressis verbis uma cláusula dizendo que os sujeitos contratuais adoptam tal regime legal, o certo é que a sua intenção nesse sentido tem que ter no texto do contrato um mínimo de correspondência expressa, tem que resultar do mesmo de forma clara, sem ambiguidades[22], que a mera inclusão do prazo de um ano, não nos parece permitir.
Efectivamente, não podemos olvidar que o prazo de cinco anos estabelecido pelo RAU para os contratos de arrendamento para habitação de duração limitada é um prazo imperativo, e que da estipulação contratual de prazo tem que resultar de forma clara que as partes se pretendem vincular em contrato com prazo certo. Ora, sendo a estipulação de prazo no contrato uma das menções legalmente previstas como integrando o seu conteúdo - artigo 8.º, n.º 2, alínea g) do RAU - sendo consequentemente um dos seus elementos, independentemente de estarmos perante um contrato de duração limitada ou ilimitada - quando as partes expressamente nada refiram a respeito da pretendida duração limitada do contrato, e estipulem um prazo inferior ao de cinco anos imperativamente previsto para os contratos de prazo efectivo, não poderá, apenas com estes elementos interpretativos, sustentar-se que está em causa um contrato de duração limitada, pois que não é modo algum inequívoco ou claro que as partes quiseram vincular-se desse modo. Ao invés, conforme a experiência bem demonstra, o prazo contratual de um ano era até o prazo mais típico adoptado nos contratos de arrendamento vinculísticos, não se podendo olvidar que no caso em apreço estamos perante um contrato-tipo que foi manuscrito apenas quanto ao prazo de duração e tem as demais referências, mormente as supra citadas quanto à menção final à denúncia, impressas.
Conclui-se, portanto, que no caso em apreço, o estabelecimento do prazo de um ano não permite afirmar que estamos perante um contrato de duração limitada[23].
Nestes termos, em conformidade com o estabelecido no artigo 26.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 6/2006, os contratos sem duração limitada celebrados no domínio do RAU regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as especificidades constantes das alíneas a) a c), ou seja, para o que ora importa, não se lhes aplica a alínea c) do artigo 1101.º do CC.
Como assim, não é possível a denúncia pelo senhorio mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação. O mesmo é dizer que nestes contratos, não é possível a denominada denúncia imotivada.
Pelo exposto, a comunicação efectuada à arrendatária não é eficaz para produzir o efeito jurídico pretendido, razão por que, a Exequente não tem título executivo válido, o que sempre acarretaria num momento inicial o indeferimento liminar da execução, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 812.º-E, n.º 1, alínea a), e 820.º do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20-11, e em sede de oposição à execução determina a extinção da instância executiva, por via do disposto no artigo 817.º, n.º 4, do CPC.
Ex abundanti, sempre se dirá que o mesmo ocorreria in casu se, como pretende a Exequente, estivéssemos perante um contrato de arrendamento de duração limitada.
Na verdade, tudo se prende com a estipulação de um prazo mínimo imperativo pelo artigo 98.º, n.º 2, do RAU, e com as consequências que acarreta a violação deste comando legal, com o estabelecimento de um prazo menor.
Efectivamente, se estivéssemos perante um contrato de duração limitada, a respectiva cláusula primeira, no que toca ao estabelecimento de um prazo de duração efectiva de um ano e sua prorrogação por igual período, seria nula, por força da conjugação do referido n.º 2 do artigo 98.º do RAU com o artigo 294.º do Código Civil, uma vez que, por via das referidas normas de imperatividade mínima, não era permitido estipular um prazo inferior a 5 anos para a duração do contrato de arrendamento, nem inferior a 3 anos para a respectiva prorrogação[24].
A nulidade dos prazos estabelecidos na referida cláusula não determina, porém, a nulidade do contrato, uma vez que, em face da regra prevista no artigo 292.º do CC relativa à redução do negócio, não tendo sequer sido alegado que o contrato não teria sido “concluído sem a parte viciada”, a nulidade de tal parte da cláusula primeira relativa ao período de um ano não implicaria a nulidade do contrato de arrendamento.
O que aconteceria, então? Já foram defendidas duas soluções:
- a de que sendo tal cláusula nula, não produz quaisquer efeitos e deve ter-se por não escrita, o que significa não haver cláusula a estipular o prazo de duração, devendo tal falta ser suprida com recurso ao prazo supletivo, significando isto que o contrato de arrendamento fica sujeito ao regime geral, sem limitação de prazo[25];
- a de que se deve neste caso fazer funcionar o prazo mínimo definido para os contratos de duração limitada[26].
E é este último o entendimento que temos como mais adequado. Na verdade, se demonstrada a intenção das partes de subordinarem o contrato a uma duração limitada, a única parte da cláusula que seria nula era a fixação dessa duração e prorrogação pelo período de um ano quando a lei impõe um mínimo de cinco e três anos, respectivamente, mas já não o estabelecimento dum prazo efectivo de duração do contrato, porquanto esse é permitido por lei. Trata-se, em bom rigor, de adequar à situação em apreço os comandos dos artigos 239.º do CC quanto à integração dos negócios jurídicos, que se efectua de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se tivessem previsto o ponto omisso, e 293.º do CC quanto à conversão do negócio nulo ou anulado, que pode converter-se num negócio com conteúdo diferente, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.

Concluir-se-ia, portanto, que as partes haviam celebrado um contrato de arrendamento de duração limitada, pelo prazo mínimo previsto na lei, ou seja, por cinco anos, renovando-se automaticamente no fim deste prazo, por períodos mínimos de três anos, se não fosse denunciado por qualquer das partes.

Assim sendo, tendo o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos, tido o seu início em 01-05-2001, o termo do prazo inicial de 5 anos ocorreria em 30-04-2006, portanto, quando ainda não estava em vigor o NRAU. Por isso, ao abrigo ainda do artigo 100.º, n.º 1, do RAU, o contrato havia-se renovado, e o prazo inicial prorrogado por mais três anos, cujo termo ocorreria em 30-04-2009. Ora, antes do termo da primeira prorrogação e já no domínio do NRAU a ora Exequente, enviou em 19-05-2008, a comunicação à arrendatária, efectuada nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 6/2006, manifestando a sua intenção de se opor à renovação do contrato.

Até aqui – se estivéssemos perante contrato de duração limitada - estaria tudo certo do ponto de vista da aplicação da lei no tempo: pretendendo operar a denúncia, agora designada de oposição à renovação do contrato, já na vigência do NRAU, atento o disposto no citado artigo 59.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, aplicar-se-ia o procedimento previsto na nova lei. Esta afirmação é válida quer para a formação do título executivo compósito previsto no artigo 15.º, da citada Lei, que é a base da execução de que os presentes autos são apenso, quer para as comunicações entre as partes[27].

De facto, enquanto no domínio do RAU a denúncia nos contratos de duração limitada era efectuada mediante notificação judicial avulsa do inquilino, com a entrada em vigor do NRAU, a comunicação a que se refere o artigo 1097.º do CC, está sujeita às regras constantes dos artigos 9.º a 12.º da Lei n.º 6/2006, deixando de ser necessário o recurso à notificação judicial avulsa prevista no art.º 100.º, n.º 2, do RAU. E, não sendo o locado desocupado na data devida, serve de base à “execução para entrega de coisa imóvel arrendada” o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no citado artigo 1097.º do CC, conforme previsto no artigo 15.º, n.º 1, al. c), da referida Lei.

Portanto, do ponto de vista formal, a Exequente cumpriu todos os requisitos legalmente exigíveis para a formação do título executivo que deu à execução.

A questão que se coloca, porém, é a de verificar se tal título é ou não exequível, atento o disposto no artigo 816.º do CPC. Efectivamente, fundando-se a execução em título extrajudicial, formado nos termos do citado artigo 15.º da Lei n.º 6/2006, a oposição à execução é o principal meio de defesa do arrendatário que aqui pode invocar quaisquer factos que poderia invocar em sua defesa no processo de declaração.

A oposição é assim o momento próprio para averiguar, nomeadamente, se ao senhorio existia ou não o direito de extinguir o contrato e exigir a entrega do imóvel, bem como se lhe assistia tal direito nos moldes concretos em que o exerceu.

E como se aferem tais requisitos? Voltamos a necessitar de recorrer às regras de aplicação da lei no tempo.

Como vimos, no momento em que a ora Exequente manifestou a intenção de se opor à renovação do contrato, estava em vigor o NRAU. Porém, tratando-se de contrato celebrado antes da entrada em vigor deste novo regime, ou seja, de relação contratual que subsistia proveniente do regime anterior, por força do artigo 59.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, há que atentar nas normas transitórias estabelecidas, in casu, no artigo 26.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de acordo com o qual “os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional”.

Conforme se afere pela simples leitura do preceito, neste caso, o prazo mínimo de prorrogação do contrato, é sempre de três anos, coincidente, portanto, com o regime supletivo previsto a este respeito quer no artigo 100.º, n.º 1, do RAU, quer no artigo 1096.º do CC.

Vejamos, pois, quais as consequências do disposto neste preceito quanto ao caso em apreço.

Como vimos, porque a comunicação efectuada pela ora Exequente com vista à oposição à renovação foi efectuada menos de um ano antes do termo do prazo da primeira prorrogação (a carta foi enviada em 19-05-2008 e o referido termo ocorria em 30-04-2009), em 01-05-2009, iniciou-se novo prazo de prorrogação do contrato, prazo esse que por força do disposto no artigo 26.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, apenas terminou em 30-04-2012. Assim sendo, a comunicação enviada à arrendatária no sentido da oposição à renovação com efeitos em 30-04-2011, é ineficaz para produzir o resultado pretendido porquanto, nessa data, ainda se encontrava em curso o prazo de prorrogação do contrato legalmente assegurado à arrendatária. Como tal, a ora Exequente não podia nessa data desvincular-se validamente do contrato que havia celebrado, o qual se encontrava plenamente em vigor.
Nestes termos, também se estivéssemos perante um contrato de duração limitada, a comunicação efectuada à arrendatária não seria eficaz para produzir o efeito jurídico pretendido, razão por que, também por tal via, a Exequente não teria título executivo válido, o que sempre acarretaria num momento inicial o indeferimento liminar da execução, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 812.º-E, n.º 1, alínea a), e 820.º do CPC, e em sede de oposição à execução a extinção da instância executiva, por via do disposto no artigo 817.º, n.º 4, do CPC.

Pelo exposto, improcede o recurso interposto pela Exequente, sendo de confirmar a decisão de extinção da instância executiva.


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III.3. Síntese conclusiva:

I - O contrato de arrendamento celebrado pela arrendatária na vigência do RAU, não se comunica nos termos previstos no artigo 1068.º do CC, ao cônjuge que com ela contraiu casamento no regime da separação de bens já posteriormente à entrada em vigor do NRAU.

II - Ao membro de união de facto que não foi parte no contrato de arrendamento não tem que ser efectuada a comunicação prevista no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, não tendo que ser accionado quer na acção de despejo quer na execução para entrega de coisa certa porquanto inexiste, nesse caso, litisconsórcio necessário passivo ou litisconsórcio voluntário.

III - Do citado preceito decorre ainda que a comunicação ao cônjuge do arrendatário quando está em causa qualquer situação que determine a cessação do contrato de arrendamento, só tem que lhe ser dirigida se o local arrendado constituir casa de morada de família.

IV - Independentemente da data da celebração do contrato de arrendamento e do regime de bens do casamento, as acções relativas ao direito ao arrendamento da residência da família devem ser intentadas por ambos os cônjuges ou contra ambos os cônjuges, porque a final podem implicar a perda da casa de morada de família.

IV - Assim, a invocação pelo cônjuge arrendatário da sua ilegitimidade passiva fundada na violação do artigo 28.º-A do CPC, pressupõe que a acção ou execução contra si instaurada tenha como objecto a casa de morada de família. Por isso, é ao arrendatário que a invoca que incumbe o ónus da alegação e prova de que o arrendamento incide sobre a residência da família, nos termos previstos no artigo 342.º, n.º 2, do CC.

V - Não tendo o arrendatário invocado na oposição deduzida que o imóvel arrendado é a casa de morada de família, deve o mesmo ser considerado parte legítima.

VI - A cláusula contratual relativa à estipulação de prazo em contrato celebrado na vigência do RAU, deve apreciar-se à luz da lei vigente ao tempo da sua celebração, posto ser pacífico, em face do disposto no artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte do CC, que a validade ou invalidade do contrato de arrendamento ou de alguma das suas cláusulas, por vício de forma ou inobservância de normas imperativas vigentes, se rege pela lei vigente ao tempo da celebração do contrato.
VII - Desconhecendo-se a intenção subjectiva das partes, em face do imperativamente disposto no artigo 98.º, n.º 2, do RAU, e das regras de interpretação previstas nos artigos 236.º e 238.º do CC «um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário» não poderia deduzir do prazo de um ano estipulado no contrato, que as partes pretenderam efectuar uma estipulação de prazo efectivo.
VIII - Em conformidade com o estabelecido no artigo 26.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 6/2006, nos contratos sem duração limitada celebrados no domínio do RAU, não é possível a denúncia imotivada pelo senhorio.
IX - Consequentemente, a comunicação efectuada à arrendatária não é eficaz para produzir o efeito jurídico pretendido, razão por que, a Exequente não tem título executivo válido.
X - Mas, mesmo que estivéssemos perante um contrato de duração limitada, a cláusula que estabelece um prazo de duração efectiva de um ano e sua prorrogação por igual período, seria nula nessa parte, por força da conjugação do n.º 2 do artigo 98.º do RAU com o artigo 294.º do Código Civil.

XI - A nulidade dos prazos estabelecidos na referida cláusula não determinaria, porém, a nulidade do contrato, devendo entender-se, nesse caso, que as partes haviam celebrado um contrato de arrendamento de duração limitada, pelo prazo mínimo previsto na lei, ou seja, por cinco anos, renovando-se automaticamente no fim deste prazo, por períodos mínimos de três anos, se não fosse denunciado por qualquer das partes.
XII - Assim sendo, porque a comunicação efectuada ocorreu em plena vigência do período de prorrogação do contrato, a consequência seria igualmente a referida em IX.


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IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida, ainda que por diversos fundamentos.

Custas pela Recorrente/Exequente.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[2] Inserido numa Secção do Capítulo II dedicado ao arrendamento para habitação.
[3] PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA, in Curso de Direito da Família, 2.ª edição, Vol. I, pág. 539 e segs. criticavam a posição assumida pelo legislador do RAU (e, antes deste, no art.º 1110.º, n.º 1, do CC), afirmando que “a solução da incomunicabilidade do direito ao arrendamento para habitação merece as maiores reservas”. Diferentemente, quanto aos arrendamentos para comércio ou indústria, face ao carácter patrimonial de que o direito ao arrendamento aí se revestia e até por argumento a contrario sensu, decorrente do facto de existir esta norma especial a prever a incomunicabilidade apenas no arrendamento para habitação, a doutrina e a jurisprudência preconizavam que nos demais arrendamentos o princípio geral seria o da comunicabilidade, segundo o regime de bens. Cfr. neste sentido, ARAGÃO SEIA, in Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 7.ª edição, Almedina, pág. 567, e BALTAZAR COELHO, in A incomunicabilidade na posição do arrendatário, Scientia Juridica, n.º 299, págs. 304 e 305, bem como os Acs. STJ de 03-06-2003 (revista 1462/03-6.ª), 08-07-2003 (revista 436/03-1.ª) e 24-04-2004 (agravo 992/04-6.ª), todos disponíveis em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[4] Doravante abreviadamente designado NRAU.
[5] Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 24/2006, de 17 de Abril.
[6] Doravante abreviadamente designado CC.
[7] Cfr. anotação da ora Relatora, em co-autoria com Laurinda Gemas e João Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª Edição Revista, Actualizada e Aumentada, Quid Juris 2009, pág. 300.
[8] Cfr. obra citada, págs. 300 e 301, quanto às várias questões que podem suscitar-se no âmbito da aplicação da lei no tempo.
[9] O que apenas acontece quando se mostram verificados os requisitos que a lei impõe, ou seja, quando o legislador entende que tal extensão é ética e socialmente justificável.
[10] Cfr. neste sentido, quanto ao artigo 28.º-A do CPC, o Ac. STJ, de 05-06-2007, proferido no Agravo n.º 1377/07 – 1.ª, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, que também se pronuncia quanto ao entendimento pacífico de que esta distinção entre a situação dos unidos de facto e dos casados, não é inconstitucional. Também no sentido de que as exigências legais relativas à cessação do contrato de arrendamento são distintas consoante se trate de uma união de facto ou de um casamento, pode ver-se no mesmo sítio, o Ac. STJ, de 12-10-1999, Revista n.º 660/99 – 6.ª, Sum. Ac., www.stj.pt, onde se decidiu que “o contrato de arrendamento de uma casa de morada de família (família natural) pode ser resolvido apenas por uma das partes que formam a união de facto e que figura nesse contrato como arrendatário”.
[11] Cfr, neste sentido, NUNO DE SALTER CID, in A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, Coimbra, págs. 53 e 54.
[12] Seguimos de perto a posição por nós adoptada na referida obra, pág. 544.
[13] Cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 27-04-2004, proferido no Agravo n.º 992/04 – 6.ª, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[14] Cfr. neste sentido, o citado Ac. STJ, de 27-04-2004, Agravo n.º 992/04 – 6.ª.
[15] Efectivamente, nos casos em que o cônjuge não tenha de ser demandado, a sua citação na acção executiva tem lugar ao abrigo dos artigos 864.º, n.º 3, al. a) e 825.º do CPC. Cfr. a este propósito, OLINDA GARCIA, in A Acção Executiva para Entrega de Imóvel Arrendado, 2.ª ed., Coimbra Editora, págs. 39 e 49.
[16] Sem atentar que, in casu, atentos os fundamentos da oposição da executada, podia conhecer de mérito nos termos do disposto no artigo 288.º, n.º 3, do CPC.
[17] O DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, por força do respectivo artigo 2.º, n.º 1, entrou em vigor no dia 18-10-1990.
[18] Cfr. Explicação sobre a Reforma do Arrendamento Urbano disponível para consulta no Portal do Governo, in www.portugal.gov.pt.
[19] Cfr. anotação ao artigo 1096.º, na obra já citada, com co-autoria da ora Relatora, pág. 458. 
[20] Cfr. neste sentido, por todos, Ac. STJ de 27-09-2007, Revista n.º 1993/07-7.ª secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, e o mais recente Ac. de 12-06-2012, Processo n.º 3650/10.3TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 12-05-2005, Revista n.º 81/05 – 2.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[22] Cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 20-01-2010, Processo n.º 4125/06.0 TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Cfr. neste sentido, Ac. TRL de 03-03-2011, Processo n.º 4498/06.5TVLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 12-03-1998, Revista n.º 706/97-2.ª secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, e mais recentemente, Ac. de 12-06-2012, Processo n.º 3650/10.3TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Cfr. neste sentido, o ora citado Ac. STJ de 12-03-1998.
[26] Cfr. neste sentido, o ora citado Ac. STJ de 12-06-2012.
[27] Cfr. entendimento vertido na obra citada, pág. 140.