Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
739/15.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE DO EXEQUENTE
INDEMNIZAÇÃO
CULPA
Data do Acordão: 11/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.819º CPC
Sumário: 1 – A obrigação de indemnizar prevista no art. 819º do C.P.Civil (na redação dada pelo Dec. Lei 38/2003, de 08/03), depende do preenchimento de dois requisitos processuais (a procedência da oposição à execução e a inexistência de citação prévia do executado) e bem assim da verificação dos demais pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual (cf. art. 483º do C.Civil), com recorte específico quanto à culpa (falta de prudência normal).

2.- A responsabilidade do exequente prevista nesse art. 819º do C.P.Civil, visa cobrir as hipóteses de litigância temerária que não são sancionadas pelo regime da má fé processual.

3. – Não deve ter lugar a correspondente condenação, quando não é possível concluir que a Exequente/recorrida ao instaurar a execução tivesse previsto ou não pudesse deixar de prever a possibilidade do resultado danoso invocado pela A. aqui recorrente.

4.- Não é legítimo extrapolar da nulidade da citação (por não terem sido observadas na sua realização as formalidades prescritas na lei), a conclusão, em termos de se considerar “provado”, que a Executada aqui Autora não teve efetivo conhecimento do teor do requerimento de injunção: ao invés, os dados factuais dos autos, conjugados com a circunstância de a A./recorrente nunca ter alegado (e muito menos provado!) que não tomou efectivo conhecimento do teor do requerimento de injunção, tornam muito mais plausível, senão mesmo verosímil, que ela A./recorrente acedeu oportunamente ao teor dessa notificação, pelo que, se não quis deduzir oposição à mesma, “sibi imputet”.

Decisão Texto Integral:           






  Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

M (…), residente na Rua (...) , intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra “R (…) S.A.”, com sede na Avenida (...) , dizendo que a ação deve ser julgada procedente e, consequentemente:

- “Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos patrimoniais supra elencados, o montante total de 5.733,15€ (cinco mil, setecentos e trinta e três euros e quinze cêntimos), acrescido de juros até efectivo e integral pagamento;

- Mais, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora o valor indemnizatório cujo exacto cômputo não foi (nem é ainda), pelos motivos supra aduzidos, possível efectuar de modo definitivo e que, por esse motivo, se relega para execução de sentença;

- De igual sorte, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de indemnização pelos supra descritos danos não patrimoniais, valor nunca inferior a 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), acrescido de juros até efectivo e integral pagamento;

- Finalmente, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de multa in casu legalmente devida, o valor de 1.020,00€ (mil e vinte euros)”.

Alega, em síntese, que no dia 8 de Outubro de 2010, a Ré instaurou contra a Autora a execução nº 5217/10.7TBLRA, que melhor identifica, tendo apresentado como título executivo um requerimento de injunção (nº.213680/10.7YIPRT) ao qual foi conferida força executiva. No âmbito daquele requerimento injuntivo, a Ré declarou ter celebrado com a Autora uma convenção de domicílio para efeitos de citação, o que não é verdade, pelo que a notificação da Autora foi expedida por “via postal simples”.

Assim, na execução, não houve lugar a citação prévia da Autora, tendo no dia 5 de Março de 2012, sido penhorado o seu veículo marca “BMW”, matrícula “ (...) EC”, que foi apreendido a 23 de Julho de 2013. Só neste dia, já após a efetivação de tal penhora, foi a Autora regular e validamente citada e só nessa ocasião teve pela primeira vez conhecimento da existência de um processo judicial contra si instaurado pela Ré mais de 3 (três) anos antes. Face a tal a Autora, apresentou oposição à execução, com o nº.5217/10.TBLRA-A, que no dia 9 de Junho de 2014 foi julgada integralmente procedente.

Do referido circunstancialismo fáctico resulta não ter a Ré agido com a prudência a que estava legalmente adstrita, pelo que responde pelos danos culposamente causados à Autora.

A efetivação do referido ato executivo teve um impacto absolutamente devastador na Autora. Em primeiro lugar, na medida em que a referida viatura era um instrumento indispensável ao exercício da sua atividade profissional de promotora de vendas, a privação do respetivo uso desde 23 de julho de 2013 impossibilitou o exercício de tal atividade, redundando na cessação da sua relação laboral com a sociedade comercial L (…), Lda., em 31 de julho de 2013. Por esse motivo a Autora deixou de auferir, pelo menos, o valor de total de 3.132,00€ correspondente a 522,00€ de retribuição base x 6 (seis) meses, única fonte de rendimentos da Autora. A privação de uso do veículo impossibilitou, também que a Autora executasse as mais elementares tarefas da sua vida pessoal, sendo que vive em área deslocada da cidade.

Viu-se a Autora forçada a alugar uma viatura, aluguer que se manteve até ao dia 16 de Outubro de 2013 e cujo cômputo total ascendeu a 2.346,15€. No dia 17 de Outubro de 2013 porque não tinha condições para continuar a suportar o encargo com aluguer de viatura, pediu ao seu irmão uma viatura emprestada, que utilizou até ao dia 18 de Março de 2014, tendo suportado, as despesas com o pagamento da reparação a que a mesma teve de ser sujeita e ainda atinente ao seguro, que ascenderam a 255,00€.

No âmbito do incidente de prestação de caução apresentado pela Autora com o fito de obter o levantamento da penhora sobre a sua viatura teve a Autora de efetuar um depósito bancário no valor global de 1.749,98€, que até à data da propositura da ação não lhe foi restituído, pelo que tem direito a receber o valor respeitante aos juros que deixou de auferir, à taxa civil desde 10 de Dezembro de 2013 e cujo exato cômputo, pelo facto de não lhe ter sido ainda restituído, relega para a fase de execução de sentença.

Fruto da circunstância da apreensão ter sido efetuada pelo agente de execução com auxílio da força pública - e, portanto, com o “aparato” inerente - na casa de habitação da Autora e na presença do cliente e vizinhos que ali se encontravam, sentiu-se esta profundamente vexada e humilhada, situação infeliz e rapidamente propalada e que teve a particularidade de causar profunda humilhação na Autora, tida por todos que com ela lidam como pessoa e profissional de fino trato, de ética e moral irrepreensíveis e que, se para tanto tivesse tido oportunidade tudo faria para se defender em sede própria e evitar tal situação. A Autora no dia 23 de julho de 2013 e nos dias subsequentes andou acabrunhada, nervosa e hipersensível, comportamento totalmente contrário à sua maneira de ser - já que quem, na realidade, a conhece sabe que é uma pessoa calma, serena e bem-disposta -, tendo a realidade descrita sido igualmente foco de inúmeras desavenças conjugais com o seu marido. Teve a Autora dificuldade em adormecer, resultado da recordação, sempre presente, da humilhação e do vexame sofridos. Assim, resulta estarmos perante danos patrimoniais e não patrimoniais claramente merecedores de tutela jurídica, que foram consequência direta e necessária da conduta culposa da Ré. Assim, dúvidas não restam de que esta incorre na obrigação de indemnizar a Autora, a título de indemnização pelos danos patrimoniais referidos e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, valor nunca inferior a 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), acrescido de juros até efetivo e integral pagamento. Por fim, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de multa o valor de 1.020,00€ (mil e vinte euros). Cita jurisprudência e doutrina.

Juntou documentos, requereu as suas declarações de parte e arrolou testemunha.

*

A Ré, regularmente citada, contestou, pugnando pela improcedência da ação, e deduziu reconvenção, que não foi admitida – cfr. despacho de fls. 133-139.

Alega, em síntese, em sede de contestação, que se dedica à prestação de serviços de viagens e turismo, resultante da fusão entre as sociedades S (…9 e G (…).

No âmbito da sua atividade comercial (nessa data ainda denominada S(…)), reservou a favor da Autora, seu marido (…) e um grupo de amigos um pacote turístico de fim de ano em Roma, com o operador "T (...) ", com saída a 31/12/2008 e regresso a 04/01/2009, em regime de alojamento e pequeno almoço, sendo o custo total da viagem dos referidos oito membros do grupo, 4.517,00€, importando a parte da viagem da A. e do marido em 1.104,00€, que com o desconto de 8€ por pessoa feito pela Ré, ascendeu ao valor de 1.088,00€.

A Autora sinalizou a viagem no dia 14/12/2008, através do cheque n.º (...) , emitido pelo valor de 300€, tendo a Ré emitido o recibo n.º (...) .

Imediatamente a seguir ao Natal desse ano a Autora contactou a loja da Ré em (...) e solicitou informação sobre os gastos de cancelamento da viagem. Foi informada pelos funcionários da Ré de que atendendo a que as passagens aéreas já haviam sido emitidas e se tratava de um pacote de fim de ano, os gastos de cancelamento corresponderiam ao valor integral do pacote. Não obstante, a Autora cancelou a viagem no dia 30/12/2008, invocando problemas de saúde e internamento hospitalar do seu marido. Na data em que a A. cancelou a viagem já a R. tinha pago a quantia total de 4.103,56€ (correspondente à soma das quantias parciais de 1.025,89€ e 3.077,67€, ao operador T (...) . O prejuízo sofrido pela Ré com o cancelamento da viagem da Autora e marido, ascendeu à quantia de 839,55€ (1.018,63€- 179,08€).

À data dos factos estava em vigor o Decreto-Lei n.º 209/97, de 13.08, cujo artigo 29.º referente ao direito do Cliente à rescisão de viagem turística ou organizada), previa que “O cliente pode sempre rescindir o contrato a todo o tempo, devendo a agência reembolsá-lo do montante antecipadamente pago, deduzindo os encargos a que, justificadamente, o início do cumprimento do contrato e a rescisão tenham dado lugar e uma percentagem do preço do serviço não superior a 15%.” Assim, a Ré tem direito a receber da Autora a quantia de 539,55€ acrescida de uma indemnização correspondente a 15% do valor do serviço, ou seja 163,20€ (1.088,00€ x 15%), totalizando 702,75€.

Tanto a fatura emitida pela Ré como as cartas de interpelação acima referidas foram enviadas pela Ré para a morada da Autora sita na Rua (...) , fazendo expressa menção aos “gastos de cancelamento” da viagem sub judice, conforme docs. 12, 13 e 14. Esta morada é a mesma morada em que a Autora atualmente reside, o que resulta claramente quer do formulário da p.i., quer do seu cabeçalho. A carta enviada em 14/01/2009 foi recebida pela própria Autora que, no dia 19/01/2009, assinou o respetivo aviso de receção – cfr. aviso de receção que junta como Doc. Resulta, assim, evidente, que é falso que a Autora “não tivesse a mínima ideia” de que era devedora à Ré do valor dos gastos de cancelamento da viagem reservada para si e para o seu marido.

Porque a Autora não efetuou o pagamento do valor devido à Ré, no dia 21/06/2010, esta apresentou o requerimento de injunção n.º 213680/10.7YIPRT contra a Autora, pedindo o pagamento do valor de capital de 608,92€ (valor indicado por lapso pois que o em divida era 702,75€), acrescido do valor dos juros de mora até essa data vencidos – cfr. doc. 16

Foi por mero lapso que no requerimento de injunção foi indicada a existência de convenção de domicílio. Não obstante ter sido indicada a existência de convenção de domicílio, o requerimento de injunção sub judice foi notificado à A. por via postal simples no dia 02/07/2010 – cfr. Aviso dos CTT com o n.º (...) que junta como doc. 17 – na morada da A. já acima referida Rua (...) . A prova de depósito referente à notificação deste requerimento de injunção foi feita no dia 19/07/2010 – cfr. histórico de atos praticados no processo, emitido pelo Balcão Nacional de Injunções, que junta como doc. 18.

Posteriormente, no dia 15/09/2010 porque a A. não apresentou oposição à injunção apesar de a ter recebido, foi aposta fórmula executória ao requerimento de injunção sub judice – cfr. Doc. 18.

Uma vez que a A. se manteve sem pagar à R. o valor que lhe é devido, no dia 08/10/2010, a R. iniciou a ação executiva sub judice contra a A. - processo n.º 5217/10.7TBLRA, pendente no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, no âmbito do qual foi penhorado o veículo da A..

Foi apenas quando a A. apresentou oposição à execução e à penhora, que a R. se apercebeu da errónea menção à existência de convenção de domicílio, constante do requerimento de injunção sub judice. Não obstante ter apresentado contestação à oposição deduzida pela A., a defesa apresentada pela R. nessa contestação não configurou qualquer comportamento censurável o merecedor de qualquer outro adjetivo, visando unicamente o aproveitamento dos atos até aí praticados, atento o facto de todas as notificações referentes a essa ação judicial, terem sido efetuadas para a já referida morada da A.: Rua (...) .

De salientar que no âmbito da ação executiva foram efetuadas pesquisas ao património da A., tendo o Agente de Execução nomeado apurado que a A. era proprietária de 2 veículos automóveis, motivo pelo qual são totalmente destituídas de fundamento as alegações da A. constantes dos artigos 13º e seguintes da p.i. e fundamentadoras do pedido de indemnização deduzido contra a R.

Não existindo qualquer facto ilícito ou culpa da R. e sendo certo que é falso que a A. não tivesse outro veículo automóvel, deverá improceder o pedido de condenação da R., no pagamento de indemnização pedida pela A..

Depois em sede de reconvenção, pelos factos que alega (cfr. arts. 56º e segs.) pede que a A. seja condenada a pagar à R. a quantia total de 877,42€, correspondente ao valor do prejuízo causado pela A. à R. com o cancelamento da viagem sub judice, acrescido da indemnização legal de 15% prevista no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 209/97, de 13.08, bem como dos juros de mora vencidos, calculados à taxa civil desde 19/02/2008 até 07/05/2015 e vincendos, calculados à taxa civil, desde 07/05/2015, até integral pagamento.

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A Autora apresentou réplica onde começa por sustentar ser inadmissível a reconvenção apresentada pela Ré, por incompatibilidade das formas de processo. Mais invocou a prescrição do crédito reclamado.

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Pronunciou-se Ré sobre tais questões, sustentando não assistir razão à Autora, pelas razões que invoca.

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Foi proferido despacho que não admitiu a reconvenção – cfr. fls. 133-139.

Foi fixado o valor da causa – cfr. fls. 139-140

Mais foi proferido despacho saneador e admitida prova, conforme fls. 140.

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Antes do julgamento a Autora apresentou articulado superveniente que, consta a fls. 172 -173, dizendo, em síntese, que no dia 4 de Junho de 2016, em pleno IC2, sentido Santo Antão-Batalha, quando o marido conduzia o veículo de matrícula (...) EC foi seguido por um veículo da Guarda Nacional Republicana, que o mandou parar, sendo-lhe dito que não podia circular com a mencionada viatura por a mesma estar penhorada, pois constava na base de dados de apreensão de veículos uma ordem nesse sentido.

Completamente atónito, apressou-se o marido da Autora a dizer que era impossível existir tal ordem de apreensão, pois que há mais de 2 (dois) anos que o (extinto) 3º. Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria havia, no âmbito do processo que ali correu termos com o nº.5217/10.TBLRA, ordenado o levantamento da atinente penhora. Ora,

Como os agentes de autoridade não acreditassem em tal versão, apressou-se o marido da Autora (que se encontrava em Madrid) a telefonar-lhe com o fito de indagar onde estava guardada a cópia do douto despacho judicial confirmativo de tudo quanto afiançava aos senhores agentes de autoridade.

A Autora, que ficou nervosíssima, disse ao seu marido onde a cópia de tal despacho se encontrava, sendo que, com autorização dos senhores agentes de autoridade, aquele foi a casa buscá-la e, regressado ao local, procedeu à sua exibição. Apesar disso, optaram os agentes de autoridade por, ainda assim, entrar em contacto telefónico com o agente de execução, que respondeu “já não existir interesse na apreensão”, tendo então permitido ao marido da Autora que se fosse embora, conduzindo a viatura com a matrícula (...) EC.

A Autora no dia em causa e nos dias subsequentes ficou bastante tensa e nervosa, comportamento totalmente contrário à sua maneira de ser já que quem, na realidade, a conhece sabe que é uma pessoa calma e serena, estando, outrossim, na base das sérias dificuldades em adormecer que a Autora enfrentou, já que era constante a recordação de mais este dramático episódio no âmbito desta rocambolesca realidade. Ademais, foi o episódio foco de desavenças conjugais com o seu marido.

Conclui dizendo estar-se perante danos não patrimoniais claramente merecedores de tutela jurídica e, bem assim, que estes foram consequência direta e necessária da conduta culposa da Ré que consubstancia o objeto do processo sub judice, pelo que dúvidas não restam de que esta incorre na obrigação de indemnizar a Autora.

Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de indemnização por tais danos não patrimoniais, valor nunca inferior a 750,00€ (setecentos e cinquenta euros), acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.

Arrolou testemunhas e juntou documento.

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Notificada a Ré, nos termos e para efeito do disposto no art.588º, nºs 4 e 5 do CPC, veio responder, a fls. 179vº-180, dizendo, em síntese, que não duvida que o episódio narrado pela A. possa ter causado nervosismo e até sido causa de uma discussão entre a A. e o seu marido.

Não obstante, considera a R. não ter qualquer responsabilidade quanto ao sucedido, uma vez que a ordem de cancelamento da apreensão do veículo da A., tinha que ter sido dada à Polícia, pelo Agente de Execução responsável pelo processo executivo que a R. em tempos moveu contra a A., que acabou por se extinguir nos termos alegados na contestação, e não pela R.. De facto, tal é o que resulta do disposto no artigo 719.º, nºs 1 e 2 do C.P.C. O cancelamento de uma penhora de um veículo, bem como o cancelamento da ordem de apreensão do mesmo pela Polícia, são atos que, manifestamente, emergem do processo após a sua extinção e que carecem da intervenção do Agente de Execução. Assim, a haver algum responsável pelo pagamento de qualquer indemnização à A. (o que, não obstante, não se concede), o mesmo apenas poderia ser o Agente de Execução, após demonstração efetiva, por este, de que não cumpriu a ordem de cancelamento da apreensão do veículo.

Conclui que deverá o articulado superveniente ser julgado improcedente, uma vez os factos alegados não são modificativos do direito de indemnização que a A. pretende fazer valer contra a R. nos presentes autos.

*

Foi realizada audiência de discussão e julgamento com respeito pelo legal formalismo, conforme resulta da ata respectiva.

Na oportuna sequência foi proferida sentença – incorporando a enunciação dos factos dados como provados e não provados e a correspondente “motivação” – na qual se considerou, em suma, que sem embargo de ter a Ré alegado que só por mero lapso apôs a menção de “sim” no campo do requerimento de injunção relativo ao “domicílio convencionado”, não se podia concluir ter a Exequente/Ré agido sem a “prudência normal” (por estar munida de um requerimento a que foi conferida força executiva na sequência de uma notificação que sendo feita por “via postal simples”, tinha sido a carta em causa comprovadamente depositada na caixa de correio da Autora, donde podia a Exequente/Ré perspetivar que a Executada/Autora não arguisse a nulidade de citação/notificação), acrescendo, em todo o caso, que a considerar-se que a propositura da execução consubstanciava uma situação de falta de “prudência normal” da Exequente/Ré, ponderando a situação no quadro do art. 570º, nº1 do C.Civil, importava concluir que também haveria falta de “prudência normal”, isto é, culpa da Executada/Autora, que, ao ser notificada da injunção mediante “via postal simples”, não apresentou oposição, mormente arguindo a nulidade (que só em sede de oposição à execução veio a arguir), termos em que se julgou a acção improcedente e, em consequência, se absolveu a Ré do pedido.

                                                           *

Inconformada com essa sentença, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, que finalizou com as seguintes conclusões:

«(…)

                                                                 *

Por sua vez, apresentou a Ré contra-alegações das quais extraiu as seguintes conclusões:

(…)

            Cumprida a formalidade dos vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo ser eliminada da matéria de facto “não provada” o facto constante do respetivo “ponto 8”, a saber, «A Autora se para tanto tivesse tido oportunidade (legalmente devida), tudo faria para se defender em sede própria e evitar tão triste “espectáculo”», o qual devia passar a figurar entre os factos dados como “provados”.

- (des)acerto da decisão que considerou não dever ter lugar a responsabilização da Ré, enquanto exequente na execução nº 5217/10.TBLRA do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Leiria, no quadro do previsto no art. 819º do Código de Processo Civil (na redação dada pelo Dec. Lei 38/2003, de 08/03, que tem como correspondente o atual art. 858º do n.C.P.Civil).

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram “provados” na 1ª instância:

«1. No dia 8 de Outubro de 2010, a Ré instaurou contra a Autora a execução nº5217/10.7TBLRA do extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, tendo apresentado como título executivo um requerimento de injunção com o nº.213680/10.7YIPRT, ao qual foi conferida força executiva.

2. No âmbito daquele requerimento injuntivo, a Ré declarou expressamente ter celebrado com a Autora uma convenção de domicílio para efeitos de citação.

3. Todavia, como a Ré sabia, em momento algum foi celebrada com a Autora qualquer convenção de domicílio para efeitos de citação.

4. Consequência direta e necessária da mencionada declaração da Ré em sede de injunção, a notificação da Autora no âmbito do aludido procedimento injuntivo foi expedida por “via postal simples” para a morada da autora, Rua (...) , carta depositada na caixa de correio da Autora no dia 02/07/2010.

5. Posteriormente, no dia 15/09/2010 e porque a A. não apresentou oposição à injunção foi aposta fórmula executória ao requerimento de injunção.

6. E no âmbito da mencionada execução, não houve lugar a citação prévia da Autora.

7. No dia 5 de Março de 2012, foi penhorado o veículo da Autora marca “BMW”, matrícula “ (...) EC”, tendo o mesmo sido apreendido no dia 23 de Julho de 2013, data em que a Autora foi citada para a execução.

8. Na sequência da citação, a Autora apresentou oposição à execução, proc. nº. 5217/10.TBLRA-A, do extinto 3º. Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria.

9. E deduziu incidente de prestação de caução, com o fito de obter o levantamento da penhora sobre a viatura e a respetiva substituição pela prestação de caução, caução que a Autora efetuou por depósito bancário no valor global de 1.749,98€.

10. No dia 9 de Junho de 2014, naquele processo de oposição à execução foi proferida sentença, transitada em julgado a 19/12/2014, com o seguinte teor:

“SENTENÇA

                                                                                        ***

I. RELATÓRIO

                                                                                          *

1. M (…), residente na R. (...) , veio deduzir oposição à penhora e embargos de executado contra R (…), S.A., com sede na Avenida (...) .

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte: O título executivo é inexistente, uma vez que a executada não foi regular e devidamente citada no âmbito do procedimento injuntivo.

(…)

Entende que a exequente deve ser condenada a pagar à executada, a título de indemnização por danos patrimoniais, o montante de € 670,48 e que deve ser condenada a pagar à executada, a título de indemnização por danos não patrimoniais e sem prejuízo das demais penalidades, valor nunca inferior a € 1.000.

(…)

2. A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos do executado e da oposição à penhora. (…)

           *

4. A exequente declarou que não foi celebrada qualquer convenção de domicilio com a executada e que a menção ao "sim" no campo do requerimento de injunção "domicílio convencionado" foi um mero lapso.

                                                                                     *

               *

Com os presentes embargos e oposição à penhora, a opoente pretende que o Tribunal se pronuncie quanto à nulidade do título executivo, inexistência do crédito alegado pela exequente, ilegalidade da penhora e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a suportar pela exequente.

(…)

                                                                                   ***

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

                                                                                     *

                    O tribunal considera provados por documento e por acordo, e com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

A)

Na execução a que a presente oposição corre por apenso foi apresentado como título executivo um requerimento de injunção a que foi conferida força executiva e no qual a exequente declarou ter celebrado com a opoente uma convenção de domicílio para efeitos de citação.

B)

Não foi celebrada qualquer convenção de domicílio para efeitos de citação entre exequente e opoente.

C)

No âmbito do procedimento de injunção, a opoente foi citada por "prova de depósito".

D)

Em sede de execução, a exequente peticionou o pagamento do montante global de € 719,24.

E)

No âmbito do processo executivo foi penhorado, em 5 de março de 2012, um veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula (...) EC.

F)

Esse veículo foi apreendido a 23 de julho de 2013, tendo a executada ficado fiel depositária.

G)

A executada foi citada para a execução em 23 de julho de 2013.

H)

Por despacho de 25 de fevereiro de 2014 na sequência da prestação de caução por parte da executada, foi ordenado o levantamento da penhora referida em E).

                                                                                    ***

Para dar como provado o facto A) o Tribunal baseou-se no título executivo.

O facto B) decorre de confissão da exequente, que consta do requerimento com a referência 16225084.

O facto C) foi dado como provado por força do documento de tis. 87. O facto D) com base no requerimento executivo.

O facto E) decorre do documento de fls. 9 e 10 do processo executivo, o F) de fls. 23, o G) de fls. 24 e o H) de fls. 73 do apenso B.

                                                                                    ***

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Embargos do executado

O executado, citado para a execução, tem a faculdade de pagar a quantia exequenda e respetívas custas ou de se opor à execução, mediante a dedução de embargos.

Os embargos do executado quando a execução é baseada em sentença podem ter qualquer dos fundamentos previstos nas várias alíneas do artigo 729.9 do Código de Processo Civil.

Quando o título executivo for um requerimento de injunção a que tenha sido aposto fórmula executória, os fundamentos de oposição serão idêntico:" a que acrescem os fundamentos admissíveis para execuções suportadas em títulos de outra natureza, verificado que esteja determinado circunstancialismo (artigos 731.º e 857.º do Código de Processo Civil). (…)

Os títulos executivos que podem servir de base à execução estão previstos no artigo 703.º, nº1, do Código de Processo Civil, e podem ser sentenças condenatórias, documentos exarados ou autenticados pelo notário ou por profissional equiparado e com especiais características, títulos de crédito e documentos a que seja legalmente atribuída força executiva.

                                                                                     *

B. O título dado à execução

O título dado à execução é um requerimento de injunção a que foi atribuída força executiva.

Nos termos do disposto no artigo 729.2, al, d), do Código de Processo Civil, tanto tratando-se de um título executivo constituído por uma sentença como por um requerimento de injunção com força executiva, os embargos de executado podem ser por fundamento a falta ou nulidade da citação para a ação declarativa.

Vejamos.

No requerimento da injunção, a exequente indicou a existência de domicílio convencionado.

A existência ou inexistência de convenção das partes do local onde se encontram domiciliadas para efeito de realização da citação é fundamental palia aferir a forma como se efetua a citação: por meio de carta simples, com prova de depósito, caso exista, e por meio de carta registada com aviso de receção no caso de lnexlstlr (artigos 12.º e 12.º-A do Decreto-lei n.º 269/98. de 1 de Setembro).

Face à declaração efetuada pela exequente no requerimento de injunção, foi a opoente citada por meio de carta simples com prova de depósito (facto C)).

Contudo, como decorre do facto B), não foi celebrada qualquer convenção de domicílio para efeitos de citação entre exequente e opoente. Pelo que a citação da opoente deveria ter assumido a forma de carta registada com aviso de receção, como determina a lei nas situações em que inexiste convenção de domicílio.

Assim, verifico que a citação da opoente para os termos do processo declarativo procedimento de injunção - é nula, por não terem sido observadas na sua realização as formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º1, do Código de Processo Civil).

Nestes termos, e atendendo a que a nulidade foi tempestivamente arguida e ao facto de a falta poder prejudicar a defesa do citando, designadamente por desconhecimento do ato, declaro a nulidade da citação da opoente em sede de procedimento de injunção.

Consequentemente, anulo todos os atos que se lhe seguiram (artigo 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), designadamente a aposição de força executiva.

O artigo 703.º, com a epigrafe "Espécies de títulos executivos", dispõe o seguinte:

1- À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;

b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) Os titulas de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste casa, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Assim, não se podendo considerar que o requerimento de injunção tem força executiva, não integra qualquer das espécies de títulos executivos, designadamente a prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil por remissão do artigo 14.º do anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.

Nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 726.º do Código de Processo Civil, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título.

Face à anulação dos atos posteriores à citação nula, esta seria uma situação de manifesta falta de título executivo, determinante de indeferimento liminar do requerimento executivo, em sede de execução.

Esta omissão é suscetível de ser agora conhecida, por força do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, al. a), e 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que a conheço e, não sendo a falta corrigível em sede de execução, determino a extinção do processo executivo (artigo 734.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

                                                                                        *

Posto que a extinção da execução determina, por si só, o levantamento da penhora, fica prejudicado o conhecimento da oposição à penhora.

                                                                                        *

No que respeita à indemnização peticionada pela opoente, importa apenas, de forma simples, referir que não se trata de pedido admissível em sede de embargos do executado, na medida em que o objeto deste tipo de incidente é tão só a oposição à execução, sendo inadmissíveis pedidos de outra natureza, designadamente declarativa.

Pretendendo a opoente fazer valer o direito à indemnização que se arroga, terá se intentar a correspondente ação declarativa.

Assim, quanto a este pedido, conheço da exceção de erro na forma do processo e, não sendo caso de aproveitar qualquer ato praticado, apenas dará lugar à absolvição da instância.

                                                                                      ***

V. DISPOSITIVO

                                                                                        *

Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados,

1) Julgo os embargos de executado procedentes e, em consequência, determino a extinção do processo executivo;

2) Face à extinção do processo executivo, com o concomitante levantamento da penhora, não conheço, por prejudicada, a oposição à penhora;

3) Conheço da exceção de erro na forma do processo quanto 20 pedido de condenação da exequente em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela embargante e absolvo, nesta parte, a exequente da instância.

(…)”

11. A Autora utilizava o veículo “BMW”, matrícula “ (...) EC”, no exercício da sua atividade profissional de promotora de vendas, bem como em outras tarefas da sua vida pessoal, v.g. idas ao supermercado, às compras, etc., sendo que vive em área deslocada do centro da cidade de (...) .

12. Em consequência a Autora alugou uma viatura, situação que se manteve até ao dia 16 de Outubro de 2013, cujo cômputo total ascendeu a 2.346,15€ (dois mil, trezentos e quarenta e seis euros e quinze cêntimos).

13. Posteriormente pediu ao seu irmão uma viatura emprestada, ao que o mesmo aquiesceu, tendo a Autora utilizado tal viatura até ao trânsito em julgado do despacho de 25/02/2014, que decretou o levantamento da penhora sobre a viatura “BMW”, matrícula “ (...) EC” e a respetiva substituição pela prestação de caução (proc. nº.5217/10.7TBLRA-B).

14. Em consequência da situação da apreensão, ocorrida no dia 23 de Julho de 2013, a Autora andou nervosa e teve desavenças com o seu marido.

15. Aquando da apreensão do veículo a Autora trabalhava como promotora de vendas para L (…), Lda., auferindo mensalmente cerca de 611,01€;

16. No dia 4 de Junho de 2016, no IC2, sentido Santo Antão-Batalha, quando o marido da Autora conduzia o veículo com matrícula “ (...) EC”, foi seguido por um veículo da Guarda Nacional Republicana, que o mandou parar, ordem que foi acatada.

17. Foi comunicado ao marido da Autora que não podia circular com a supra mencionada viatura por a mesma estar penhorada, constando na base de dados de apreensão de veículos uma ordem nesse sentido.

18. O marido da Autora disse que era impossível existir tal ordem de apreensão, pois que havia sido ordenado, no proc. nº.5217/10.7TBLRA, o levantamento da penhora.

19.Os agentes entraram em contacto telefónico com o agente de execução, que respondeu já não interessar a apreensão, após o que aqueles senhores agentes de autoridade permitiram que o marido da Autora se fosse embora, conduzindo a viatura com a matrícula “ (...) EC”.

20. A situação referida em 16. e segs. deixou a Autora nervosa e foi foco de desavenças entre a mesma e o marido.

21. A R. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de viagens e turismo, resultante da fusão entre as sociedades S (…) e G (…).

22. No âmbito da sua atividade comercial a R. (nessa data ainda denominada S (...) ), reservou a favor da A. e seu marido, C (…) (num grupo com Outras pessoas), um pacote turístico de fim de ano em Roma, com o operador "T (...) ", com saída a 31/12/2008 e regresso a 04/01/2009, em regime de alojamento e pequeno almoço.

23. O custo total da viagem do grupo, ascendia à quantia de 4.517,00€, importando a da Autora e marido, após desconto de 8€/pessoa feito pela R., em 1.104,00€.

24. A A. sinalizou a viagem no dia 14.12.2008, através do cheque n.º (...) , emitido pelo valor de 300€, tendo a R. emitido o recibo n.º (...)

25. Em dia não concretamente determinado, antes do início da viagem, a A. contactou a loja da R. em (...) e cancelou a viagem, invocando problemas de saúde e internamento hospitalar (seus).

26. Atendendo a que a A. havia sinalizado a viagem com o pagamento da quantia de 300,00€ a R. considerou a existência de uma dívida correspondente ao valor de 608,92€, conforme carta datada 12/01/2009, recebida pela A. que, no dia 19/01/2009, assinou o respetivo aviso de receção.»

¨¨

            Sendo que se consignou o seguinte em termos de factos “não provados”:

            «B) Nada mais se provou com relevância para a decisão, designadamente que:

«1. A A privação do veículo BMW, em consequência da apreensão referida em 7. dos factos provados redundou na cessação da relação laboral da Autora com a sociedade comercial “L (…), Lda.” em 31 de Julho de 2013, deixando a Autora de auferir, pelo menos, o valor de total de 3.132,00€ [(522,00€ (quinhentos e vinte e dois euros) a título de retribuição base x 6 (seis) meses].

2. A Autora não tem qualquer outra fonte de rendimentos.

3. A Autora utilizou a viatura do irmão até 18/03/2014.

4. À data da apreensão do veículo BMW a Autora tinha outro veículo.

5. Autora em consequência da privação do uso da quantia da caução, referida em 9. dos factos provados, deixou de auferir juros, desde 10/12/2013 a 27/12/2015, no montante de 50,82€ e posteriormente.

6. A apreensão do BMW foi efetuada também na presença de vizinhos da Autora que ali se encontravam, sentindo-se a Autora profundamente vexada e humilhada.

7. Situação rapidamente propalada, sendo a Autora tida por todos como pessoa e profissional de fino trato, de ética e moral irrepreensível.

8. A Autora se para tanto tivesse tido oportunidade (legalmente devida), tudo faria para se defender em sede própria e evitar tão triste “espectáculo”.

9. No dia 23 de Julho de 2013 e nos dias subsequentes andou acabrunhada, hipersensível, comportamento totalmente contrário à sua maneira de ser - já que quem, na realidade, a conhece sabe que é uma pessoa calma, serena e bem-disposta.

10. Teve a Autora, dificuldades em adormecer, resultado da recordação, sempre presente, da humilhação e do vexame sofridos.

11. A Autora com reparação e seguro do veículo do irmão despendeu 255,00€.»

                                                                       *

            3.2 (…)

Finalmente, importa não olvidar que “porque se mantêm vigorantes os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca, de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.”[2]

Daí que – conforme orientação jurisprudencial desde sempre prevalecente – «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição[3]

Dito de outra forma, «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, [que não compete a este tribunal ad quem sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra] expandidas.»[4]

Em conclusão, mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelos apelantes ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, pois que, à Relação apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou, apontando-se como casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas – v.g. por distracção – determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

Nesta linha de entendimento, já doutamente se concluiu que «A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.»[5]

Assim, se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente dos ora Recorrentes tal depoimento, não pode esta Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas – os princípios da imediação e oralidade).

Aliás, em consonância com este entendimento se mostra a circunstância de se manter no actual art. 640º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.

O que tudo serve para dizer que os elementos de prova invocados pela A./recorrente se revelam por demais inconclusivos para o efeito visado pela mesma – em termos de impugnação da convicção formado pelo Tribunal a quo – que o mesmo é dizer, sobre figurar entre os factos dados como “não provados” o respectivo “ponto 8”.

Donde, não se deteta qualquer desacerto da decisão da matéria de facto quanto a esse impugnado “ponto 8” – no sentido de que o mesmo tinha de figurar no elenco dos factos “provados”, por existirem no processo meios de prova concludentes e decisivos que tivessem sido desrespeitados!

Termos em que se conclui no sentido de que não se detecta qualquer “erro de julgamento” por parte do tribunal a quo no particular da resposta dada que se traduziu em dar como não provado este dito “ponto 8”, que assim se mantém nesses precisos termos.

                                                          ¨¨

Sem embargo do vindo de decidir, por ser útil à boa decisão da causa e constituir facto que resulta comprovado documentalmente nos autos, entende-se aditar ao elenco dos “Factos Provados”, sob o nº “27.”, o seguinte:

«27. Ao ser instaurado o requerimento executivo a que se reportou o facto “1.”, a Exequente, no campo destinado a “Bens indicados à penhora”, consignou “Não são indicados bens à penhora.»

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa no presente recurso aferir e decidir do (des)acerto da decisão que considerou não dever ter lugar a responsabilização da Ré, enquanto exequente na execução nº 5217/10.TBLRA do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Leiria, no quadro do previsto no art. 819º do Código de Processo Civil (na redação dada pelo Dec. Lei 38/2003, de 08/03, que tem como correspondente o atual art. 858º do n.C.P.Civil).

Vejamos, antes de mais, o quadro legal relevante para o efeito.

Preceitua o artigo 819.º do Código de Processo Civil (com a epígrafe de “Responsabilidade do exequente”) que «Procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados e incorre em multa correspondente a dez por cento do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça, quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer».

Resulta do teor deste normativo que, procedendo a oposição nos casos em que não houve citação do executado, porque por lei a ela não se procede, o exequente responde pelos danos culposamente causados e incorre em multa «quando não tenha agido com a prudência normal».

Sendo certo que para se verificar esta responsabilidade do exequente é necessário que tenha ocorrido e se tenha concretizado a penhora em bens do executado.

Numa análise liminar tudo isto se verifica no caso vertente.

Mas será que se pode efetivamente concluir no caso vertente que a Exequente aqui recorrida não actuou com a “prudência normal”?

Está em causa a instauração da execução ajuizada em que era título executivo um requerimento de injunção cuja notificação/citação à A., então Requerida no mesmo, foi efetuada por “via postal simples”, de forma indevida, na medida em que inexistia “convenção de domicílio”, donde essa notificação/citação devia na verdade ter tido lugar através de carta registada com aviso de receção (cf. arts. 12º e 12º-A do DL nº 269/98 de 1 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 32/2003 de 17/2).

Ora, foi precisamente esse título executivo, com esse vício formal no que à notificação/citação dizia respeito, que permitiu a efetivação da penhora sem prévia citação da Executada – a ora A./recorrente.

De referir que os embargos de executado oportunamente instaurados pela Executada (ora A./recorrente), foram julgados procedentes e, em consequência, foi determinada a extinção do processo executivo, sendo que a fundamentar tal procedência foi considerado o facto de no requerimento da injunção (dado à execução), a Exequente (aqui Ré/recorrida), ter indicado a existência de domicílio convencionado, o que de facto não era verdade, em consequência do que a Executada (aqui A./recorrente), foi notificada através de carta simples, com prova de depósito (e não por meio de carta registada com aviso de receção, como deveria ter sido), em consequência do que a notificação/citação da Executada para a injunção foi considerada “nula, por não terem sido observadas na sua realização as formalidades prescritas na lei (artigo 191.º, n.º1, do Código de Processo Civil)” e anulados todos os atos que se lhe seguiram (artigo 195º, nº 2, do C.P.Civil), designadamente a aposição de força executiva, termos em que, com base na falta de título executivo, foi determinada “a extinção do processo executivo”.

Entendeu-se na sentença recorrida, em primeiro lugar, que era de acolher a invocação feita pela aqui Ré/recorrida (em sede de contestação da presente acção) de que a menção ao “sim” no campo do requerimento de injunção “domicílio convencionado” fora um mero lapso, de que só se apercebeu quando a Executada ora A./recorrente deduziu oposição à execução e à penhora.   

 Não concordamos com que se possa dar acolhimento a tal, tanto mais que não se trata de circunstância que encontre suporte nos factos “provados”, para além de sempre remeter para um plano de subjetividade, de difícil comprovação!

Por igualdade de razão, também não nos merece acolhimento o que a Ré/recorrida invoca nas suas contra-alegações recursivas quanto a ser de “desculpar” o ocorrido, na medida em que o requerimento de injunção fora subscrito por uma “advogada estagiária”, donde trata-se de alguém que se encontra em formação e a quem não é exigível o mesmo grau de diligência e capacidade de previsão que seriam exigíveis a um advogado com alguns anos de experiência, face ao que «enquanto a um Advogado é exigível que saiba que a menção ao “sim” no campo “domicílio convencionado?” dos requerimentos de injunção só deve ser efetuada quando exista um contrato de convenção de domicilio, o mesmo não é exigível a um advogado estagiário».

Desde logo, porque a falta de “prudência normal” de cuja apreciação se cuida nesta sede tem até mais a ver com a instauração da execução (porque fundada num título executivo indevidamente obtido!), do que propriamente com a propositura do requerimento de injunção; ora, no que à instauração da execução diz respeito, não vem alegado nem resulta que a mesma tenha sido operada por um qualquer “advogado estagiário”.

Depois, porque, salvo o devido respeito, o que está em causa – saber do significado e consequência da opção pelo “sim” no campo do requerimento de injunção “domicílio convencionado” – não é matéria de “transcendência” jurídica, muito ao invés, trata-se das matérias mais basilares e de fácil apreensão para um qualquer prático do direito, donde o legislador ter permitido a intervenção forense do “advogado estagiário” nos seus termos.

Posto isto, temos que se fundamenta igualmente a sentença recorrida no entendimento de «(…) que não se pode concluir ter a Exequente/Ré agido sem a “prudência normal”, uma vez que ao requerimento injuntivo tinha sido conferida força executiva, tendo a Executada/Autora sido notificada do mesmo por carta expedida por “via postal simples” para a morada da Autora, Rua (...) , carta depositada na caixa de correio da Autora no dia 02/07/2010.

Assim, podia a Exequente/Ré perspetivar que a Executada/Autora, não arguisse a nulidade da citação/notificação (nulidade que não é de conhecimento oficioso – cfr. arts. 191º, nº2 e 196º do CPC e ainda arts. 729º, d) e 731º do mesmo diploma legal –, diferentemente da situação de falta de citação - cfr. arts. 187º, a), 188º, nº1 e 196º do CPC), o que, de facto, podia ter acontecido (…)».

A A./recorrente contrapõe que este raciocínio corresponde à utilização de uma premissa “totalmente falaciosa, por desamparada da indispensável base normativa”.

Que dizer?

Temos presente[6] o entendimento nesta matéria constante do aresto invocado nas alegações recursivas, a saber:

«“Ao determinar que o Exequente responde pelos danos causados culposamente, esta norma remete-nos para o regime da obrigação de indemnizar previsto nos arts.562º. e ss. do C. Civil. Cabe assim ao lesado, ao pretender fazer valer o seu direito indemnizatório, a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito que possam levar o tribunal a concluir pela existência do dever de indemnizar, nos termos do disposto no art.342º., nº.1, do C. Civil. “(...) Diz-nos J. M. Gonçalves Sampaio, in “A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas”, pág. 202, que «Importa realçar, entretanto, que a actuação geradora da responsabilidade do exequente tida com dolo ou culpa, ainda que leve, não se confunde com a sua actuação como litigante de má fé, prevista no normativo do art.456º.: nesta, o âmbito da ilicitude é mais largo; naquela, o âmbito da culpa é mais largo». “Ao contrário do que acontece com a litigância de má fé prevista no artigo 456º. do CPC, a responsabilidade do exequente a que se refere o artigo 819º. não exige o dolo nem a negligência grave, contentando-se com a culpa correspondente à actuação não conforme com a prudência normal. “(...) A propósito da razão de ser do art.819º. do C.P.C. a que se reporta à responsabilidade do Exequente, diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2012: «O fundamento da responsabilização do exequente por danos, culposamente causados ao executado, a que reporta o citado normativo, assenta na circunstância de terem sido praticados actos de agressão sobre bens do executado, sem que este disso haja sido avisado, já que a citação do executado foi, neste caso, diferida para um momento posterior da realização da penhora. Com efeito, não tendo sido dada ao executado a oportunidade de se defender em momento anterior à penhora dos seus bens, estará o mesmo mais exposto a lesões patrimoniais».”»

Aliás, este entendimento não deixou de ser igualmente invocado na sentença recorrida, particularmente quando se louvou nos seguintes ensinamentos doutrinais:

«Como é dito por José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 331 em anotação ao art. 819º “o exequente só responde nos termos do art. 819º, quando a penhora é efetuada, por não haver lugar, por dispensa legal ou dispensa por ele requerida, à citação prévia do executado (…), e, mais tarde, na oposição à execução, se verifica que esta não podia proceder, em ambos os casos se sancionando nos termos gerais da responsabilidade civil essa actuação desconforme com a diligência do bom pai de família (“não tenha agido com a prudência normal”). (…) a actuação geradora da responsabilidade do exequente, tida com dolo ou culpa, ainda que leve (…) não se confunde com a actuação como litigante de má fé, sancionada nos termos do art. 456, divergindo os requisitos de uma e outra em que o âmbito da ilicitude é mais largo na previsão sancionatória da litigância de má fé, enquanto o da culpa é mais largo na previsão do preceito ora anotado.”

Basta, pois, a negligência ou mera culpa, isto é, que o exequente, ao instaurar a execução, não tenha agido “com a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”- art. 487º, nº 2 do Cód. Civil – ou seja “com a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, Limitada, pág. 489.»

Ocorre que, consabidamente, a obrigação de indemnizar prevista neste art. 819º do C.P.Civil, depende do preenchimento de dois requisitos processuais (a procedência da oposição à execução e a inexistência de citação prévia do executado) e bem assim da verificação dos demais pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual (cf. art. 483º do C.Civil), com recorte específico quanto à culpa (falta de prudência normal).[7]

Isto é, está em causa neste particular uma responsabilidade baseada na culpa (ainda que bastando uma culpa leve – dita falta de prudência normal), o que tem desde logo o significado e consequência de que não está em causa a responsabilidade pelo risco (que prescinde da culpa do agente – cf. arts. 499º e segs. do C.Civil).

Será então que se pode concluir que a Exequente/recorrida, ao instaurar a execução, atuou de forma imprudente?

É certo que “a responsabilidade do exequente prevista no art. 819º visa cobrir as hipóteses de litigância temerária que não são sancionadas pelo regime da má fé processual”.[8]

Ora, sem embargo de tal atuação imprudente ser reconduzível ao comportamento leviano ou adoptado com negligência leve[9], cremos bem que não.

Em primeiro lugar, porque não é possível concluir que a Exequente/recorrida ao instaurar a execução tivesse previsto ou não pudesse deixar de prever a possibilidade do resultado danoso invocado pela A./recorrente em consequência da penhora do veículo automóvel desta: tenha-se em consideração que ao ser instaurada a execução nem sequer foi indicado qualquer bem à penhora (cf. facto “provado” supra aditado sob o nº “27.”).

Acresce que a Exequente não exerceu uma pretensão materialmente indevida – que como tal tivesse sido reconhecida/declarada por via da procedência da oposição à execução – posto que, como supra também já se evidenciou, a procedência da oposição decorreu de razões formais (consequentes da nulidade da citação operada no requerimento de injunção).

Nesta linha de entendimento, acabamos por aderir ao sustentado na sentença recorrida a que supra se aludiu – que a Exequente se encontrava munida de um requerimento executivo a que tinha sido conferida força executiva, pelo que, não obstante a Executada/Autora ter sido notificada do mesmo na sua morada por via “postal simples”, podia a Exequente/Ré perspetivar que a Executada/Autora, não arguisse a nulidade da citação/notificação – isto é, que nessas circunstâncias e contexto, tendo a Executada/Autora postergado a possibilidade de arguir essa nulidade da citação/notificação, porventura já não iria assentar a sua defesa nessa base na sequência processual, reservando para a ação executiva subsequente a formulação da sua defesa.

Isto porque tendo em consideração a natureza de título judicial impróprio que pacificamente é atribuída pela doutrina ao requerimento de injunção (ao qual foi aposta formula executória), e face à cominação aí efetuada ao requerido para a falta de dedução de oposição – conferir força executória – entender-se-á que a dedução de oposição em tal sede é uma mera faculdade que lhe é concedida, unicamente para efeitos de obstar à constituição de um título executivo, podendo reservar para a ação executiva subsequente a formulação da sua defesa.

Sendo certo que já ao tempo era entendimento maioritário o de que “Na oposição de mérito à execução, a qual visa um acertamento negativo da obrigação exequenda, incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito substancial, sendo à ação executiva que se devem reportar as normas dos artigos 342º a 345º do Código Civil, relativas ao problema do ónus da prova. Assim, quando, como no caso dos autos, o executado ponha em causa ser ele a pessoa responsável pelo cumprimento da obrigação exequenda, é o exequente que, em sede de oposição à execução, terá o encargo de provar, de acordo com o artigo 342º, nº1, do Código Civil”, donde, “a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não tem o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente”[10].

Acresce que, mesmo a assim se não entender, nos merece igualmente acolhimento o último argumento utilizado na sentença recursiva, traduzido no seguinte:

«Dispõe o art. 570º, nº1 do Cód. Civil, que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”

Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, Obra Citada, pág. 587, em anotação àquele artigo, “para que o tribunal goze da faculdade conferida no nº1, é necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (cfr. art. 563º). Deve, além disso, o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano (…). A culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como directamente aos danos provenientes desse facto. (…) As culpas do lesado e do responsável tanto podem ser simultâneas como sucessivas. (…)”

Ora, a considerar-se que a propositura da execução nos referidos termos consubstancia uma situação de falta da “prudência normal", de culpa da Exequente/Ré, também haveria de considerar-se haver falta da “prudência normal", de culpa da Executada/Autora quando ao ser notificada da injunção mediante “via postal simples” na sua morada, na Rua (...) , carta depositada na respetiva caixa de correio no dia 02/07/2010 (não estando demonstrado, nem sequer alegado, que tal carta não ter chegou ao seu conhecimento), ao não apresentar oposição, mormente arguindo a nulidade que só em sede de oposição à execução arguiu. A consequência seria, pois, a exclusão de qualquer indemnização à Executada/Autora, nos termos do referido artº 570º, nº1 do CPC.»   

Atente-se no que já supra se deixou vincado, a saber, que não é legítimo  extrapolar da nulidade da citação (por não terem sido observadas na sua realização as formalidades prescritas na lei), a conclusão, em termos de se considerar “provado”, que a Executada aqui Autora não teve efetivo conhecimento do teor do requerimento de injunção: ao invés, os dados factuais dos autos, conjugados com a circunstância de a A./recorrente nunca ter alegado (e muito menos provado!) que não tomou efectivo conhecimento do teor do requerimento de injunção, tornam muito mais plausível, senão mesmo verosímil, que ela A./recorrente acedeu oportunamente ao teor dessa notificação, pelo que, se não quis deduzir oposição à mesma, “sibi imputet”…

Sendo certo que perfilhando-se o entendimento vindo de enunciar, não se vislumbra que ocorra qualquer vício de inconstitucionalidade – “violação do direito de acesso à Justiça plasmado no art.20º. da Constituição da República Portuguesa, na vertente do direito de defesa e da garantia do princípio do contraditório e, bem assim, do princípio da igualdade plasmado no art.13º. da nossa Lei Fundamental” (como sustentado a outrance nas alegações recursivas).

Na verdade, apresentam-se, ao invés, as limitações estabelecidas e vigentes a como adequadas, razoáveis e proporcionadas, em harmoniosa compatibilização de interesses díspares em presença, sem sacrificar inútil ou intoleravelmente os interesses das partes, termos em que inexiste violação do princípio do contraditório ou, mais latamente, do direito de acesso aos tribunais; tal como não pode falar-se, salvo o devido respeito, de processo inequitativo – no plano de acesso à justiça – ou de violação da proibição da indefesa, cabendo à parte conhecer e optar pelos tempos legalmente concedidos para a dedução da defesa, pelo que o seu desconhecimento ou inércia só a si poderão, sendo o caso, ser imputados.

Ademais cremos que a interpretação por nós aqui perfilhada é a que está subjacente ao que foi sustentado por LOPES DO REGO em obra de referência nesta temática, a saber, “as exigências de simplificação e celeridade - assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil - terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional - podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes (…), sem todavia, aniquilar ou restringir desproporcionalmente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional - não apenas célere - mas também justa, adequada e ponderada.[11]

Improcedendo assim inapelavelmente o recurso.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A obrigação de indemnizar prevista no art. 819º do C.P.Civil (na redação dada pelo Dec. Lei 38/2003, de 08/03), depende do preenchimento de dois requisitos processuais (a procedência da oposição à execução e a inexistência de citação prévia do executado) e bem assim da verificação dos demais pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual (cf. art. 483º do C.Civil), com recorte específico quanto à culpa (falta de prudência normal).

II – Sendo certo que a responsabilidade do exequente prevista nesse art. 819º do C.P.Civil, visa cobrir as hipóteses de litigância temerária que não são sancionadas pelo regime da má fé processual.

III – Não deve ter lugar a correspondente condenação, quando não é possível concluir que a Exequente/recorrida ao instaurar a execução tivesse previsto ou não pudesse deixar de prever a possibilidade do resultado danoso invocado pela A. aqui recorrente.

IV – Ademais, não é legítimo extrapolar da nulidade da citação (por não terem sido observadas na sua realização as formalidades prescritas na lei), a conclusão, em termos de se considerar “provado”, que a Executada aqui Autora não teve efetivo conhecimento do teor do requerimento de injunção: ao invés, os dados factuais dos autos, conjugados com a circunstância de a A./recorrente nunca ter alegado (e muito menos provado!) que não tomou efectivo conhecimento do teor do requerimento de injunção, tornam muito mais plausível, senão mesmo verosímil, que ela A./recorrente acedeu oportunamente ao teor dessa notificação, pelo que, se não quis deduzir oposição à mesma, “sibi imputet”.

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Autora/recorrente.

Coimbra, 14 de Novembro de 2017

                                                 (Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                                (Fernando Monteiro)

                                           (António Carvalho Martins)


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Citámos agora o acórdão do T.Rel. do Porto de 19/09/2000, in C.J., Ano XXV - 2000, tomo 4, a págs. 186.
[3] Cf. o acórdão do T.Rel. de Coimbra de 25/5/2004, proferido no proc. nº 17/04, cujo texto integral está acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[4] Cf. acórdão do T.R. de Coimbra de 25/11/2003, proferido no proc. nº 3858/03, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Assim no acórdão do S.T.J. de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, cujo texto integral pode ser acedido em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Desde logo por o aqui Relator e 1º Adjunto terem sido ambos Adjuntos no acórdão do T.Rel. de Coimbra de 13.05.2014, no proc nº 180/08.7TBIDN-B.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, cujos segmentos vão ser de seguida transcritos no texto.
[7] Neste sentido o acórdão do T. Rel do Porto de 21.06.2012, no proc. nº 1616/11.5TBMTS-A.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[8] Assim TEIXEIRA DE SOUSA, in “Aspectos gerais da Reforma da acção executiva”, CDP nº 3, a págs.16.
[9] Cf. CATARINA PIRES CORDEIRO, in  “A responsabilidade do exequente na nova acção executiva, CDP nº 10, a págs. 21; no mesmo sentido, MARIA OLINDA GARCIA, in “A Responsabilidade do exequente e de outros intervenientes processuais”, a págs. 74; LEBRE DE FREITAS / ARMINDO RIBEIRO MENDES, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, a págs. 331 e LOPES DO REGO, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 2.ª edição, 2004, a págs. 43.
[10] Citámos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 658/2006, de 28 de novembro de 2006, disponível in www.dgsi.pt., num dos muitos casos em que aquele tribunal, sendo chamado a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da restrição dos meios de oposição na execução baseada em injunção à qual foi aposta fórmula executória, proferiu um juízo de inconstitucionalidade, entendimento este que veio a resultar na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 731º, nº1, do CPC, emitida pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015, de 12 de maio de 2015, “quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, face ao que temos por indiscutido que A./Executada não se encontrava limitada nos seus fundamentos de defesa, podendo ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.

[11] In “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, a págs. 855.