Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
359/13.0GAALB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONTRA-PROVA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 05/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ALBERGRIA-A-VELHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 292.º, N.º 1, DO CP; ARTIGO 153.º, DO CE; ARTIGOS 363.º, N.º 2, E 369.º, N.º 1, DO CC
Sumário: A não realização da contraprova, no caso em que existe declaração de vontade do visado em sentido contrário - corporizada em documento elaborado por órgão de polícia criminal, com a qualificação de autêntico (artigos 363.º, n.º 2, e 369.º, n.º 1, do CC), em relação ao qual não foi suscitada falsidade -, remete para o princípio in dubio pro reo, por não poder considerar-se provado qual o valor da TAS de que o arguido era portador, impondo-se, em consequência, declaração de absolvição.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - HISTÓRICO DO PROCESSO
            1.         O arguido A... foi detido em 08 de Junho de 2013 por condução sob o efeito do álcool.
            Constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência, foi o mesmo libertado e notificado para comparecer em Tribunal no dia 11 de Junho de 2013, a fim de ser julgado.
            Deduzida acusação pelo Ministério Público (de futuro, apenas Mº Pº), a audiência de julgamento veio a ter lugar no dia 20 de Junho de 2013.
            No decurso da audiência de julgamento, o arguido suscitou a nulidade da prova do teste quantitativo de álcool que lhe fora feita, uma vez que tinha solicitado a realização da contra-prova e a mesma não lhe havia sido efectuada.
            A M.mª Juíza relegou a decisão sobre essa nulidade para decisão final.
            O arguido veio a ser condenado:
a) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido (de futuro, apenas p. e p.) pelo artigo 292º nº 1 do Código Penal (de futuro, apenas CP), na pena de 85 dias de multa.
b) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

            2.         Inconformado, recorre o arguido de tal sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
            «I. O arguido ora recorrente foi no âmbito dos presentes autos condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nºl do CP, na pena de oitenta e cinco dias de multa à taxa diária de 10,OO€, o que perfaz a quantia de 850,OO€, foi ainda por este aludido motivo condenado à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, nºl, alínea a) do CP pelo período de cinco meses.
            II. No entanto o tribunal não teve em conta as declarações do arguido no que diz respeito a ter pedido a contra prova e ao facto de a mesma estranhamente não ter sido efetuada.
            III. Nos autos designadamente na notificação efetuada ao arguido consta que este requereu a contra prova.
            IV. Essa notificação foi assinada em triplicado pelo órgão de polícia criminal notificante.
            V. O ora recorrente confirmou também nas suas declarações que havia requerido a contra prova e que a mesma não havia sido feita.
            VI. Esse pormenor tem neste caso sub iudice manifesta e decisiva importância.
            VII. Não se compreende como é que os Srs. Agentes da autoridade numa questão de tamanha importância para os direitos, liberdades e garantias do arguido tem tão pouca atenção.
            VIII. O Agente afirma no seu depoimento prestado em audiência de julgamento que de facto assinou a notificação efetuada ao arguido.
            IX. Atestando portanto nos presentes autos que tudo o que de lá constava era conhecido por ele e correspondia à verdade dos factos.
            X. O arguido ora recorrente por sua vez assinou a notificação que lhe estava de momento a ser feita.
            XI. Ora nessa notificação que lhe estava a ser feita e que no momento assinara, declarava-se claramente que este havia requerido a contraprova.
            XII. Essa mesma contraprova não foi efetuada.
            XIII. Os agentes da autoridade ouvidos nos presentes autos preferiram dizer que estávamos perante um lapso.
            XIV. Afirmando que o ora recorrente nunca haveria solicitado a contraprova.
            XV. Ora, tal não corresponde á verdade.
            XVI. Isto porque o arguido requereu mesmo a contraprova, e tanto assim foi que também ele assinou a notificação que lhe foi feita contendo essa importante menção.
            XVII. O arguido ora recorrente tirando a notificação assinada por ele e pelo soldado notificante, não tem mais nenhum elemento de prova para corroborar a sua versão de que efetivamente havia requerido a contra prova.
            XVIII. Nem tem, nem tem que ter.
            XIX. Coloque-se a questão nestes termos, se o tribunal não valorar a notificação dada ao arguido então qual é a garantia que o arguido tem em relação ao conhecimento dos factos e do estrito cumprimento das garantias processuais que lhe assistem.
            XX. Neste caso concreto, o pedido da contraprova por ele feito.
            XXI. O arguido sem esta notificação ou neste caso concreto sem a valorização desta notificação ficaria sem poder se defender.
            XXII. De mãos atadas completamente dependente daquilo que os soldados dissessem em Tribunal.
            XXIII. Ora, tal não pode acontecer.
            XXIV. O arguido tem que ter garantias de defesa sob pena de, se assim não for, ficar coarctado dos seus direitos mais básicos de defesa.
            XXV. O resultado da contra prova neste caso em concreto é fundamental para defesa dos direitos de defesa do arguido.
            XXVI. O legislador ao impor a necessidade de os agentes fiscalizadores informarem o arguido da possibilidade de efetuar a contra prova e da obrigação destes diligenciarem no sentido desta se efetuar, tinha em vista eliminar as probabilidades de erro de um método de medição ou aparelho.
            XXVII. A prova obtida mediante um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, é uma prova obtida mediante instrumentos, e por isso, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova - o artigo 127º do Código de Processo Penal (doravante CPP), por contraponto à prova pericial, cujo resultado se encontra subtraído à livre apreciação do tribunal, como estatui o artigo 163º do CPP.
            XXVIII. Por outro lado estatui o artigo 125º do CPP que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, sendo que no caso das provas instrumentais, há necessidade de certeza das mesmas e que os instrumentos em causa se encontrem devidamente aprovados por lei, e a recolha da mesma seja efetuada observando as prescrições legais.
            XXIX. Ora, no caso dos presentes autos, a recolha da prova do estado de embriaguez, mediante o exame de ar expirado, dependendo tal qualificação da TAS, tendo sido requerida contra prova, que não foi efetuada, tal facto fere de invalidade o próprio exame de ar expirado.
            XXX. Que afecta o mesmo, pois o exame de sangue requerido e não efectuado, prevalece sobre a prova feita nos presentes autos.
            XXXI. Assim, resulta a inexistência de prova válida do estado de embriaguez do aqui arguido.
            XXXII. Assim, inexistem razões para que o recurso, ora interposto possa ser colocado em crise.
            XXXIII. Pois apesar do arguido ter confessado o consumo de bebidas alcoólicas, sem a quantificação da TAS não se poderá concluir pela possibilidade de preenchimento do tipo do artigo 292º do Código Penal, ou sequer pelo preenchimento de qualquer contraordenação, uma vez que as mesmas dependem sempre da quantificação da TAS, não só para a existência das mesmas como para graduação das mesmas. (cfr. artigo 81º do Código da Estrada).
            XXXIV. Assim, se o resultado prevalecente não foi devidamente apurado como estipula a lei.
            XXXV. Não tendo portanto sido afastado o valor do exame inicial, há que concluir que não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia.
            XXXVI. Não sendo já possível realizar a contraprova, mais não nos resta do que requerer a procedência do presente recurso, uma vez que não se provou um dos elementos objetivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº l do Código Penal: condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
Termos em que no mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser o arguido absolvido do crime em que foi condenado.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.»

3.         O Mº Pº em 1ª instância não respondeu.
Já neste Tribunal da Relação, o Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal (de futuro, apenas CPP), o arguido nada disse.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4.         OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados provados na douta sentença:
            «1. No dia 08 de Junho de 2013, pela 1h40, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula (...), de sua propriedade, pela Rua Dr. António Fortunato Pinho, em Albergaria-a-Velha.
            2. Interceptado nesse local pelos militares da GNR foi submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado com o aparelho “Dragger Alcoteste 7110 MKIIIP”, tendo o arguido apresentado uma TAS de 1,93 g/l de álcool no sangue.
            3. Tal situação deveu-se ao facto de o mesmo ter ingerido bebidas alcoólicas num momento anterior ao da condução.
            4. O arguido agiu de forma voluntária e consciente bem sabendo que nas condições em que se encontrava não podia conduzir o veículo e que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
            5. O arguido:
            a) É sócio gerente da sociedade “B..., Lda.”, auferindo mensalmente €600,00;
            b) vive com uma companheira, funcionária administrativa e que aufere mensalmente cerca de €600,00, em casa arrendada, pagando mensalmente a título de renda a quantia de €300,00 mensais;
            c) a sua companheira trabalha ainda aos fins-de-semana numa discoteca, auferindo quantia que oscila entre os €160,00 e os €180,00 mensais;
            d) tem o 9º ano de escolaridade;
            e) não tem antecedentes criminais.
MOTIVAÇÃO
            A convicção do tribunal formou-se com base nos depoimentos do arguido e das testemunhas inquiridas, conjugado com as regras da experiência comum e da normalidade e bem assim do acervo documental junto aos autos.
            Cumpre sublinhar que o arguido pese embora tenha admitido a condução do veículo em causa nas circunstâncias descritas em 1., declarou considerar que a taxa apresentada é abusiva se tivermos presente que o mesmo apenas bebeu três copos de vinho, conforme por si referido.
            Ademais, declarou ter requerido a contraprova, o que não veio a ser efectuado e que sentia que andava a ser perseguido pelos agentes da autoridade.
            Todavia, esta versão do arguido não logrou de todo convencer-nos não só quando concatenada com a prova documental junta aos autos, mormente o talão de fls. 12, e bem assim com as declarações das testemunhas que foram então inquiridas.
            Desde logo o depoimento dos militares da GNR, preciso, descomprometido e espontâneo, um dos quais, C..., que não conhece o arguido de quaisquer outras circunstâncias, se não as constantes do libelo acusatório.
            Esclareceu tal testemunha que se encontrava em missão de patrulhamento, e porque viu o arguido conduzindo em contra-mão, encetou perseguição ao mesmo, interceptou-o, e procedeu como habitualmente, solicitando que lhe exibisse os documentos e que saísse do veículo.
            Quando o arguido saiu, o militar da GNR deparou-se com a seguinte situação: o arguido não só arrastava a voz, como tinha dificuldades em manter o equilíbrio, motivo pelo qual foi efectuado o teste qualitativo, cujo resultado foi positivo.
            Porque assim foi, o arguido foi transportado até ao posto, onde realizou o teste quantitativo, apresentando a taxa em apreço.
            Mais precisou que o arguido em momento algum requereu a contra-prova e que a contradição existente entre o auto de notícia de onde ressalta não ter o arguido requerido a contra-prova (fls. 3 v.º) e a notificação junta a fls. 11 onde consta que o arguido declarou pretender realizar a contra-prova, resulta de um mero lapso, pois que o sistema informático às horas em que preencheu o expediente está em actualização, gerando alguns erros no preenchimento das notificações, o que, in casu, ocorreu, pois garante que o arguido não requereu a contra-prova.
            O depoimento desta testemunha mostrou-se desinteressado e dizem-nos as regras da experiência e da normalidade, que a contra-prova é sempre efectuada quando os arguidos assim a solicitam. É um direito que lhes assiste e do qual estão cientes os militares da GNR.
            Credibilizamos assim tal versão, tanto mais que foi igualmente confirmada pelo militar da GNR que acompanhava a testemunha anterior, D..., que já conhece o arguido por o mesmo ser residente em Albergaria-a-Velha.
            De forma serena, precisou por que motivo interceptaram o arguido. É que este conduzia em contra-mão, tendo efectuado seguimento ao mesmo, dado ordem de paragem e efectuado pedido de documentos, constataram que tudo estava conforme.
            Todavia, e porque o arguido aparentava estar alcoolizado, tanto pela sua postura, como pela linguagem arrastada e olhos vidrados, foi efectuado o teste qualitativo, cujo resultado deu positivo. Já no posto, e efectuado teste quantitativo, o resultado apresentado foi o constante do talão junto aos autos.
            Informado que podia requerer a contra-prova, pelo arguido foi negada tal pretensão, dizendo que sabia ter bebido.
            Elaborado o expediente, o arguido foi libertado.
            Prosseguindo, esclareceu o motivo da contradição entre o auto de notícia e a notificação, evidenciando que a única folha do expediente que não se enquadra com o demais é a notificação efectuada ao arguido, porquanto é utilizada uma base de dados antiga e o sistema informático utilizado não é o habitual, mercê das falhas que o mesmo apresenta a partir de determinada hora.
            Não tem dúvidas que o arguido não solicitou a realização de contra-prova e que a notificação de fls. 11 não resulta se não de um lapso.
            Ora a versão aventada pelos militares da GNR não se nos afigura desrazoável, inverosímil ou despropositada, motivo pelo qual a credibilizamos e nos convencemos que o arguido não requereu a contra-prova, conforme foi exarado no auto de notícia, tratando-se tão só e apenas de um lapso a notificação que lhe foi efectuada, lapso esse que, segundo cremos, resultou esclarecido.
            E se tivesse requerido a contra prova não seria mais consentâneo com tal pretensão por parte do arguido não se ausentar das instalações da GNR enquanto a mesma não fosse realizada? E então que motivo aventou o arguido para a sua não realização? Nenhum…, apenas dizendo que estava tão nervoso com a situação que só queria dali retirar-se. E se assim o queria, assim o fez, logo que libertado.
            E já em tribunal requereu a suspensão provisória do processo, mas olvidou-se, nessa altura, de esclarecer que lhe foi negada a contra-prova. E quando negada lhe foi a suspensão provisória do processo, e constatou da existência do lapso, só nessa altura se lembrou que afinal teria requerido a contra-prova e que a mesma lhe foi negada, não apresentando contudo qualquer explicação credível para a sua não realização.
            As demais testemunhas inquiridas, designadamente F..., G... e H.., amigos do arguido, de forma coerente e espontânea, esclareceram que o arguido esteve com os mesmos a jantar em casa da segunda testemunha e que apenas bebeu cerca de três copos de vinho, não aparentando estar embriagado quando dali se ausentou cerca das meia noite, meia noite e meia.
            Embora nos cause alguma estranheza a precisão com que as testemunhas depuseram quanto ao número de copos de vinho que o arguido bebeu, não é menos certo porém que o arguido apenas veio a ser interceptado cerca de uma hora mais tarde, demonstrando-se assim que tais testemunhas desconhecem se o arguido terá posteriormente ao jantar ingerido qualquer outra bebida.
            Por fim, a testemunha I..., companheira do arguido, apenas soube esclarecer que o arguido bebe socialmente, que existem diversas operações STOP junto ao seu local de trabalho e que o arguido, que a vai levar e buscar foi já interceptado diversas vezes, nunca apresentando qualquer taxa de álcool no sangue mas que no dia dos factos não esteve no jantar em que aquele participou.
            Estranho seria também, dizemos nós, que o arguido, conhecedor de tais operações e da frequência com que as mesmas são efectuadas, pois que junto a um estabelecimento nocturno, onde labora a sua companheira aos fins-de-semana, ingerisse bebidas alcoólicas.
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            Quanto às condições sócio-económicas do arguido tivemos em consideração as suas declarações, que nos pareceram suficientemente consistentes e credíveis.
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            Ajudou ainda a formar a convicção do Tribunal o certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 14.»
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            QUANTO À INVOCADA NULIDADE, FOI A SEGUINTE A DECISÃO:
            «Chegados que estamos a este ponto, afigura-se-nos que o processo reúne todos os elementos para que dela possamos conhecer.
            Alega o arguido ter requerido a contra-prova, que não foi efectuada, motivo pelo qual o teste quantitativo efectuado está ferido de nulidade e não pode ser tomado em consideração.
            As garantias de defesa do arguido foram coarctadas de modo ilegal e atentatório da lei fundamental.
            A este requerimento respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, pugnando pelo indeferimento da pretensão do arguido, pois que da prova produzida resultava que o arguido não havia requerido qualquer contra-prova, e que a ter ser sido cometida tal omissão, o que não se concedia, tal nulidade estava sanada pois tinha que ter sido arguida até ao início da audiência.
            Ora, afigura-se-nos, em face da prova produzida e a que supra nos referimos e expusemos, que o arguido em momento algum requereu a contra-prova, não aventando sequer qualquer explicação plausível para a sua não realização por parte dos militares da GNR, motivo pelo qual de nenhuma nulidade está ferida a prova apresentada nestes autos, mormente o teste quantitativo e que serve de suporte probatório à acusação formulada.
            Abstemo-nos de tecer qualquer outro considerando quanto ao tema em causa, por despiciendo, pois que se trata de uma questão de convicção, a qual adquirimos no sentido contrário ao invocado pelo arguido.
            Destarte, falece a invocada nulidade da prova consubstanciada no exame de pesquisa de álcool no ar expirado.»

            5.         O MÉRITO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 412º nº 1 e 119º do CPP.
            QUESTÕES A RESOLVER: quais as consequências da não realização de contraprova da taxa de álcool no sangue.

      5.1.      Como resulta das conclusões, o recurso versa apenas sobre as ilações a retirar da força probatória do teste quantitativo de álcool efectuado ao arguido, uma vez que este havia requerido contraprova e esta não lhe foi efectuada.
            Impõe-se, portanto, analisar a notificação em causa, a qual faz fls. 11 dos autos.
      Na verdade, mais do que ocorrência de nulidades, situamo-nos antes no domínio de uma questão da fiabilidade dos meios de aquisição da prova.[[1]]
            Esta notificação é, também ela, um meio de prova, no caso uma prova documental.
            Na verdade, é através desse documento (meio de prova) que se alcança a demonstração de que a notificação/comunicação foi efectuada e de qual a declaração de vontade do arguido no tocante à contraprova (factos relevantes).
            Esse documento foi elaborado por um agente da GNR, com competência para o efeito, pelo que recebe a qualificação de documento autêntico: art. 363º nº 2 e 369º nº 1 do Código Civil (de futuro, apenas CC).
            Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e essa força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade: art. 371º nº 1 e 372º nº 1 do CC, bem como o art. 169º do CPP.
            Nem o arguido nem o Mº Pº suscitaram a falsidade de tal documento.
            Na verdade, a questão suscitada pelo arguido foi no sentido exactamente inverso, ou seja, o arguido considera, e invocou, que o documento (notificação) traduz com fidelidade e exactidão o que na realidade se passou: ter-lhe sido dado nota de que podia requerer contraprova e que ele pretendeu exercer tal prerrogativa.
            Tratando-se de um documento autêntico, cuja falsidade não foi invocada, ele está subtraído à livre apreciação do tribunal, antes integrando o domínio da prova vinculada: art. 169º e art. 127º do CPP.
            Ora, como se extrai da motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida, foi isso que fez a M.mª Juíza: formou convicção com base no princípio da livre apreciação da prova (por apelo aos depoimentos de 2 testemunhas e às regras da experiência), quando tal lhe estava vedado pelo art. 169º do CPP.
            «Consagrando-se um regime semelhante ao do direito probatório material constante do Cód. Civil, estabelece-se aqui mais uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal, contemplado no art. 127º, pois que só o valor probatório dos documentos não autênticos nem autenticados é que é de livre apreciação pelo julgador.
            O valor dos demais — dos autênticos e dos autenticados — pode, por sua vez, ser ilidido com base na falsidade do documento em si ou na não correspondência do seu conteúdo à realidade, na falta de autenticidade ou na falta de veracidade, a averiguar e a decidir, hoje, no próprio processo principal (art. 170º) e não através de incidente como acontecia no direito anterior (...).». [[2]]
            No caso, o tribunal não declarou a falsidade do documento de notificação de fls. 11 dos autos (o que, não tendo sido suscitado pelo arguido ou Mº Pº, sempre poderia ter feito oficiosamente), nem suscitou o ritualismo prescrito no art. 170º do CPP.
            Consequentemente, os factos materiais constantes da notificação de fls. 11 têm de ser tidos como plenamente provados.
            E, no que toca a factos materiais com interesse para o objecto do recurso, consta dessa notificação que, após lhe terem sido efectuadas as comunicações impostas pelo art. 153º nº 2 e 3 do CE, «Lido e achado conforme, declaro pretender contraprova através de análise sanguínea”, seguido de rubrica do arguido e do agente da GNR.
            Consequentemente, tem de se considerar assente que o arguido declarou pretender contraprova, através de análise sanguínea, e que a mesma não lhe foi efectuada.

            5.2.      E quais as consequências a extrair da não realização dessa contraprova?
            No domínio da fiscalização da condução rodoviária sob o efeito do álcool, referia o Código da Estrada (de futuro, apenas CE) vigente à data [[3]]:
            Artigo 153.º
            1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
            2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
            a) Do resultado do exame;
            b) (...);
            c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
            d) (...).
            3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
            a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
            b) Análise de sangue.
            4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
            5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
            6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
(...).
            Extrai-se deste normativo que a contraprova se destina a elidir a presunção da exactidão do valor fornecido pelo aparelho aprovado para o efeito, vulgo alcoolímetro.
            Perante a declaração de vontade do arguido, impunha-se que os agentes autuantes o tivessem conduzido de imediato ao estabelecimento oficial de saúde mais próximo, a fim de lhe ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito: art. 153º nº 5 do CE.
            Não o tendo feito, cercearam ao arguido um meio de prova (no caso, uma contraprova, manifestação do princípio do contraditório) legalmente estabelecido em seu favor e interesse.
            A não realização da contraprova remete-nos para uma situação de non liquet no tocante a um facto essencial para os elementos constitutivos do crime imputado ao arguido, uma vez que é necessário ponderar que o resultado da contraprova viesse a demonstrar que afinal a TAS apresentada pelo arguido era uma outra (superior? inferior?), diferente da registada pelo alcoolímetro.
            Ora, como refere Figueiredo Dias, «se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido». [[4]]
            Ou seja, impõe-se no caso a presunção de inocência do arguido (princípio in dubio pro reo), que é o mesmo que dizer não poder considerar-se provado qual o valor da TAS de que o arguido era portador.
            Ignorado qual o valor dessa TAS e constituindo um dos elementos do crime a condução do veículo motorizado na via pública, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, impõe-se a absolvição do arguido.

            III.       DECISÃO
6.         Pelo que fica exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida, absolvendo o arguido Recorrente do crime de condução em estado de embriaguez que lhe vinha imputado.
Sem custas.
                                                                      

Coimbra, 21 de Maio de 2014
                                  
 (Isabel Silva - relatora)

(Alcina da Costa Ribeiro - adjunta)

      [[1]] E isso mesmo parece ter percebido o arguido; depois de, em sede de audiência de julgamento ter situado a questão como uma “nulidade da prova do teste quantitativo de álcool” (nulidade essa que a M.mª Juíza considerou não se verificar), já em sede de conclusões de recurso centraliza a questão no domínio probatório.
      [[2]] Simas Santos e Leal-Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, vol. I, 3ª edição, 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 1102, anotação ao art. 169º.
      [[3]] Os factos aqui em causa ocorreram em Junho de 2013, sendo que o Código da Estrada foi entretanto objecto de alterações pela Lei nº 72/2013, de 03.09, em vigor desde 01 de Janeiro de 2014 (art. 12º da referida Lei.).
      [[4]] In “Direito Processual Penal”, vol. I, pág. 213.