Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8785/13.8TDPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: PROCESSO PENAL
SUBSTITUIÇÃO
DEFENSOR OFICIOSO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (LEIRIA – INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO INSTRUÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 66.º DO CPP; ARTS. 34.º, N.º 2, E 24.º, N.º 5, DA LEI N.º 24/2004, DE 29-07 (REDACÇÃO DA LEI N.º 47/2007, DE 28-08)
Sumário: Os prazos em curso no âmbito do processo penal não se interrompem por via da substituição de defensor nomeado ao arguido.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A decisão proferida em 3 de Março de 2016 indeferiu a abertura de instrução requerida pela arguida, A..., por extemporaneidade.

2. Inconformada, dela recorre a arguida, concluindo, em síntese:

1. A arguida foi notificada da douta acusação, por carta enviada em 4 de Dezembro de 2015, objecto de depósito em 9 de Dezembro de 2015, considerando-se notificada em 14 de Dezembro de 2015.

2. O prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução terminava em 15 de Janeiro de 2016, considerando o período de férias judiciais.

3. Em 4 de Janeiro de 2016, a arguida solicitou a substituição de defensor oficioso, pedido que foi deferido, tendo-lhe sido nomeada nova defensora em 19 de Fevereiro de 2016.

4. O pedido de substituição de defensor constitui uma causa de interrupção do prazo, iniciando-se novo prazo com a notificação do novo defensor.

5. Com a interrupção, o prazo para requerer a abertura de instrução terminava em 10 de Março de 2016.

6.Mas mesmo que se considere que o pedido de escusa suspende o decurso do prazo, ainda assim, o requerimento de abertura de instrução era tempestivo, porquanto foi entregue em 1 de Março de 2016.

3. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do Recorrente, concluindo pela improcedência do recurso.

4. O Digno Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, pronunciou-se como consta a fls. 87 e 88, pedindo a nulidade da decisão por falta de fundamentação.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II. QUESTÕES A DECIDIR

As questões essenciais a decidir consistem em saber se:

- A decisão é nula por omissão da fundamentação; Nulidade da decisão;

- O pedido de substituição de defensor interrompe ou suspende o prazo para requerer a abertura de instrução.

III. DO OBJECTO DO RECURSO

1.Nulidade da decisão

O Digno Procurador Geral Adjunto vem arguir a nulidade da decisão por manifesta falta de fundamentação, pois «nem refere a situação de nomeação de outra defensora e os factos envolventes».

É sabido que o dever de fundamentação constitui uma exigência do processo equitativo assegurado pelo artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, visando assegurar a total transparência da decisão.

Segundo o artigo 97º, nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentença, quando conhecerem a final do objecto do processo, e a forma de despacho quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando ponham termo ao processo sem conhecerem do respectivo objecto.

A fundamentação a que hão-de obedecer os actos decisórios vem prevista no artigo 97º, nº 5, do Código de Processo Penal, que impõe o dever de especificação dos motivos de facto e de direito.

A inobservância deste ónus tem como consequência o cometimento de mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição previsto no artigo  123º do mesmo Código (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 3ª Edição, 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 628 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 273).

De facto, segundo o princípio da legalidade consagrado no artigo 118.º do Código de Processo Penal, «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei».

Ora, contrariamente ao que sucede com as sentenças (artigo 379º, do Código de Processo Penal), não existe preceito legal a cominar de nulidade a decisão que indefira a abertura de instrução.

Ora, assumindo a decisão recorrida natureza de despacho - não conheceu do objecto do processo - e não sentença, estamos perante uma mera irregularidade e não nulidade.

E, para que a irregularidade determine a invalidade do acto a que se refere e os termos subsequentes que possa afectar, deve ser arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Vale isto para dizer, como se lê no Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2013 (Relatora: Fernanda Ventura, in www.dgsi.pt) que:

«A falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável.

(….)

Esta solução é consentânea com o modo como a lei adjectiva penal estabeleceu o sistema fechado das nulidades insanáveis e dependentes de arguição, configurando as normas relativas a nulidades como normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo, e, portanto, insusceptíveis de aplicação analógica (cf. o artigo 11.º do Código Civil) – vide Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição, Lisboa, 2009, p. 298».

No caso concreto, nem o arguido, nem o Ministério Público, em primeira instância, arguiram, atempadamente, a nulidade da decisão recorrida perante tribunal que a cometeu, encontrando-se, por isso, sanada, à data em que foi invocada pelo Digno Procurador Geral Adjunto.

2. Efeitos no prazo do pedido de substituição de defensor

A questão suscitada pelo recorrente traduz-se em saber se o pedido de substituição de defensor suspende o prazo de 20 dias para requerer a abertura da instrução.

A Lei nº 34/2004, de 29/7, com a alteração dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, procedeu à alteração do regime de acesso ao direito e aos tribunais, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

O Artigo 32º, nº 1, deste diploma permite ao beneficiário do apoio judiciário, a possibilidade de, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.

Uma vez deferido o pedido de substituição, são-lhe aplicáveis aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes, de entre as quais se destaca o nº 2, onde se lê:

«O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º».

São estas as normas invocadas pela recorrente para concluir que o pedido de substituição do defensor interrompeu ou suspendeu o prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução.

E, assim seria, se, ao caso, se aplicasse o citado artigo 24º, nº 5: O prazo interrompido, por vida do pedido de substituição de patrono pelo beneficiário do apoio judiciário, iniciar-se-ia conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou b) a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

Porém, para o processo penal, existem normas especiais que regulam a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição, inseridas no Capítulo IV, da Lei nº 34/2004, de 29 de Setembro, sob a epígrafe “Disposições especiais sobre o processo penal”, a saber:

«A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45º».

O artigo 66º do Código de Processo Penal reza, assim:

«1 - A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no acto.

2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa.

3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa.

4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.

5 – (…)»

Este é o preceito regulador do regime da substituição de defensor, em processo penal, que, ao contrário do disposto nos artigos 24º, nº 5, ex vi 34º, nº 2 e artigo 32º, da Lei 34/2004, não prevê qualquer interrupção ou suspensão do prazo que estiver em curso, aquando do pedido de substituição ou dispensa do defensor.

Ao invés, o nº 4, do mesmo artigo 66º, dispõe que o defensor nomeado se mantém para os actos subsequentes do processo, enquanto não for substituído.

Esta regra contém, aliás, a mesma redacção que a do artigo 42º, nº 3, da Lei 34/2004, onde se lê:

«enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo».

Também o artigo 41º, nº 3, aponta no sentido da continuidade do defensor nomeado, quando estabelece que este se pode «manter para os actos subsequentes do processo, em termos a regulamentar na portaria referida no n.º 2 do artigo 45º»

Por último, diga-se que o nº 10, do artigo 39º, da Lei 34/2004, ao invés de prever qualquer suspensão ou interrupção do processo, aquando do requerimento para a concessão do apoio judiciário, estabelece que este requerimento «não afecta a marcha do processo».

Tratam-se, assim, de normas especiais que afastam a regra geral do artigo 24º, nº 5, ex vi, artigos 34º, nº 2 e 32º, nº 2, todos da Lei 34/3004.

Esta posição foi já acolhida nesta Relação, no Acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2013 (in www.dgsi.pt) onde se escreveu:

«(…)

Indo às normas do processo penal, isto mesmo resulta do diploma quando se estabelece no art. 61º, nº 1, al. e), de forma expressa, que o arguido goza, em qualquer fase do processo, do direito de «constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor».

Do mesmo modo dispõe o nº 4 do art. 66º, que, independentemente das vicissitudes que possam ocorrer durante o processo, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo enquanto não for substituído.

Isto decorre, precisamente, da preocupação que a lei tem de não permitir que o arguido, na pendência de um processo, possa estar, em momento algum, desacompanhado de defensor.

Face a tal princípio percebe-se, então, que não exista para o processo penal norma semelhante ao artigo 34º, nº 2, que prevê a interrupção do prazo em curso quando ocorra pedido de escusa do patrono (não defensor) nomeado.

É que se assim fosse então, por exemplo, poderia defender-se que um prazo de prisão preventiva em curso seria interrompido caso houvesse substituição de defensor.

Portanto, a norma do art. 34º, nº 2, da Lei 34/2004, de 29/7, não se aplica ao processo penal.

Aliás, a sua redacção logo fazia intuir esta realidade, quando ali se fala em “patrono”, claramente do “mundo” do processo civil, pois que em processo penal esta figura não existe. O que temos é o defensor.

Então, assim sendo, os prazos em curso no processo penal não se interrompem por via da substituição do defensor.

E não se argumente com a violação do direito ao recurso. O arguido não foi impedido de interpor recurso porque esteve sempre acompanhado de defensor.

Repetindo, a lei não permite hiatos no que respeita ao acompanhamento do arguido por parte de defensor. Precisamente por isso o seu direito ao recurso sempre esteve assegurado, precisamente porque o defensor nomeado mantém-se para os actos seguintes, até ser substituído.

(…)

Entendimento diferente contrariaria, entendemos, lei expressa».

No mesmo sentido se pronunciaram, o Acórdão da Relação de Évora de 30 de Junho de 2015, (Processo nº28/08.2GBCCH.E1) e o Acórdão da Relação do Porto de 13 de Abril de 2016, (Processo nº 480/14.7SJPRT.P1).

Do que precede, podemos concluir, como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2005, proferido no processo nº 2251/05 – 5ª Secção (citado por Henriques Gaspar, no Código de Processo Penal Comentado – 2014 -, pág. 236), que as disposições especiais supra citadas «não prevêem, no âmbito do incidente de substituição de defensor, a interrupção dos prazos em curso; pelo contrário (…) dispõem, especialmente que, em processo penal, “o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta  a marcha do processo” e “enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes”.

Daí que não se suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido».

Estes argumentos, que acolhemos na íntegra, valem mutatis mutandis para o prazo de abertura da instrução.

O mesmo é dizer que não assiste razão à recorrente.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar totalmente não provido o Recurso, mantendo a decisão recorrida 

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa 3 UCS.

Coimbra, 7 de Dezembro de 2016

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - adjunta)