Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2251/12.6TBPBL-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
REGIME PROVISÓRIO
DIVÓRCIO
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 381, 1407 Nº7, 1413 CPC, 1105, 1793 CC
Sumário: 1. A fixação da utilização provisória da casa de morada de família, prevista no art. 1407º, nº 7, do CPC, apesar de ter um fim cautelar, não tem a natureza comum de uma providência cautelar nos moldes do art. 381º e segs., do CPC, dado que não exige, como acontece com esta, a verificação do requisito periculum in mora.

2. Na fixação desse regime provisório deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos arts. 1793º, nº 1, e 1105º, nº 2 do CC, com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio.

3. É de autorizar a utilização da casa de morada de família ao cônjuge mulher, membro do casal entrado em rotura, se esta foi viver para uma casa arrendada, com os 3 filhos menores que lhe foram confiados, e se a mesma não trabalha, tendo como rendimentos cerca de 485 € mensais, provenientes de um curso de formação, de rendimento social de inserção e da prestação alimentar a favor dos seus filhos, e de encargos cerca de 480 € mensais, incluindo a renda, enquanto o cônjuge marido continua a viver sozinho na dita casa, casa esta com capacidade para albergar a mulher e os filhos suficientemente, trabalhando o mesmo por conta própria, e auferindo pelo menos 500 € por mês como gerente de uma sociedade unipessoal, cuja quota social é detida pelo seu pai, assim revelando uma maior capacidade de ganho e de auferir rendimentos.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. Nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em que é autora H (…) e réu M (…), ambos residentes em Pombal, deduziu a primeira incidente de utilização provisória da casa de morada de família e de atribuição provisória de alimentos.

Pediu, com base em factualidade por si alegada na petição inicial, que o requerido fosse condenado no pagamento de uma prestação provisória mensal não inferior a 300 € e a utilização provisória, em exclusivo, da casa de morada de família, designadamente por a guarda dos 3 filhos menores do casal lhe ter sido confiada.

O requerido deduziu oposição defendendo a improcedência daqueles pedidos alegando, em suma, que foi a requerente quem abandonou a casa de morada de família e passou a residir numa casa que arrendou para o efeito, juntamente com os filhos; que não tem outra casa para habitar, nem tem condições para arrendar uma casa; apenas aufere 500 € por mês.

Arrolou testemunhas e juntou documentos.

Foi oficiosamente ordenada a realização de relatórios sociais a respeito das condições de vida económicas, sociais e familiares de cada um dos interessados, que foram realizados, e sobre os quais requerente e requerido se puderam pronunciar (só a requerente se tendo pronunciado), bem como notificados para juntar as suas últimas três declarações de rendimentos, o que aconteceu, tendo sido rejeitada a audição de testemunhas.

*

Após, foi proferida decisão que julgou procedente o incidente de atribuição provisória e em exclusivo da casa de morada de família à A., e improcedente o incidente de atribuição de alimentos provisórios a cargo do requerido.

*

2. O Requerido interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…).

3. Inexistem contra-alegações.

II - Factos Provados

1. H (…) e M (…) celebraram casamento civil um com o outro no dia 14.12.1996 sem convenção antenupcial,

2.2. Na constância do seu casamento nasceram os filhos R (…), em 26.08.1998, V (…), em 02.06.2004, e M (…), em 02.07.2008.

3. A casa de morada de família é constituída por uma vivenda com três quartos, sala, cozinha, duas casas de banho, com boas condições de habitabilidade, conforto e segurança.

4. No dia 12 de Junho de 2012 a AA saiu da casa de morada de família juntamente com os seus três filhos e foram residir numa casa arrendada com quatro quartos, uma casa de banho, cozinha, sala e logradouro, na freguesia da Guia, pelo qual pagam 300,00 € por mês.

5. Os únicos rendimentos deste agregado familiar consiste na bolsa de formação da AA., no valor de 146,73 €, a prestação do RSI no valor de 38,49 € por mês e ainda a prestações de alimentos dos seus filhos no valor de 300,00 € por mês.

6. Têm despesas fixas em água, electricidade, renda, almoços escolares e explicações da menor Rita no valor mensal de cerca de 480,00 €, sem cuidar da alimentação e vestuário.

7. A AA. e os filhos estão bem conotados no meio onde residem e são havidos como educados e a AA. como pessoa dedicada aos filhos e trabalhadora.

8. O requerido não aceita a sua separação e divórcio da sua mulher;

9. Continua a residir na casa de morada de família e exerce a actividade de silvicultor por conta própria e é também gerente da sociedade com o mesmo objecto societário designada de (…) Unipessoal, Lda., constituída em 26 de Julho de 2012, e cuja cota social é detida pelo seu pai.

10. Sendo declarado à Segurança Social, IP, por esta firma, a respeito do RR., um salário mensal no valor de 500,00 € por mês.

11. O RR. é conotado no meio onde vive como pessoa intempestiva e conflituosa e com quem é difícil lidar visto que desvaloriza a opinião dos outros.

12. O casal declarou para efeitos de IRS, no ano de 2009, em conjunto, um lucro tributável no valor de 17.858,70 €, a quantia de 199,671,91 € de movimento de vendas e 834,50 € de prestação de serviços; no ano de 2010 declararam um lucro tributável de 2.932,98 €, a quantia de 270.413,07 € de movimento de vendas.

13. O património comum do casal é constituído, nesta data, indiciariamente, pelas 79 verbas do auto de arrolamento, documentado a fls.107 e ss, do respectivo apenso, com a melhor concretização decorrente do acordo obtido no passado dia 3 e melhor documentado no apenso de providência cautelar de arrolamento.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as únicas questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Nulidade da decisão.

- Conveniência da providência.

- Mérito da mesma.

2. O recorrente defende que os factos provados 5., 6., 8., 9. e 11. devem ser dados como não provados, pois os elementos recolhidos não permitem tal consideração.

Relembre-se que o tribunal proferiu despacho em que: ordenou a realização de relatórios sociais a respeito das condições de vida económicas, sociais e familiares de cada um dos interessados, que foram realizados, e sobre os quais requerente e requerido se puderam pronunciar (só a requerente se tendo pronunciado); bem como foram notificados para juntar as suas últimas três declarações de rendimentos, o que aconteceu; tendo sido rejeitada a audição de testemunhas. Nenhum dos interessados pôs, até hoje, em causa tal despacho.

Instruída a causa, o julgador de facto exarou, relativamente à matéria dada como provada, a seguinte motivação:    

“Resulta provado com interesse para a presente causa e com base nos documentos autênticos com relevo para ela e do teor dos relatórios sociais analisados à luz da dinâmica do presente litigio e daquelas que são as regras da experiência comum e das demais decisões proferidas nos autos apensos”.

Ora, analisando tal prova salta à vista o seguinte:

- Os factos 5. e 6. resultam do relatório social referente à requerente a fls. 127/131. Foi elaborado por 2 técnicas superiores da S. Social, tendo como fontes entrevista com a requerente, análise das peças processuais, consulta do sistema de informação social (SISS), articulação com a psicóloga do jardim de Infância, frequentado por um dos filhos menores do casal, e contacto com o meio vicinal. Não se descortina razão particular ou motivo ponderoso para descredibilizar tal relatório, pelo que deve o mesmo ser atendido e considerado. Inexiste, pois, fundamento para alterar tal matéria de facto, dando-a por não provada, como o recorrente pretende.

- Os factos 9. e 11. resultam do relatório social referente ao requerido a fls. 132/134. Foi elaborado pelas mesmas 2 técnicas da S. Social, tendo como base as fontes atrás de referir, mas maioritariamente fontes colaterais, visto que o requerido se recusou a colaborar com os serviços da S. Social. Bem como, em conjugação com a certidão de registo comercial junta a fls. 161/162. Voltamos a repetir que não se descortina razão particular ou motivo ponderoso para descredibilizar tal relatório, pelo que deve o mesmo ser atendido e considerado. Inexistindo, por isso, fundamento para alterar tal matéria de facto, dando-a por não provada, como o recorrente pretendia.

- O facto provado 8. emerge da afirmação expressa do recorrente – que o mesmo parece ter esquecido - feita no art. 13º, e repetido no art. 48º, do articulado de oposição ao pedido da requerente de utilização provisória da casa de morada de família (vide fls. 54/62). Também, aqui, não existe fundamento para alterar a matéria de facto.

Por conseguinte, não procede esta parte do recurso.

3.1. Diz o recorrente que a decisão apreciou e decidiu uma questão que não foi peticionada pela requerente, pelo que a sentença é nula, nos termos do art. 668º, nº 1, e), do CPC. Não tem razão.

Segundo tal artigo, número e alínea, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. A ser verdade que a decisão recorrida se pronunciou sobre pedido não formulado, então estaríamos perante uma nulidade, sim, mas não a da e), como o recorrente erradamente a qualificou, antes perante a nulidade prevista no mesmo número, mas d), 2ª parte, dispositivo que tem íntima conexão com o disposto no art. 660º, nº 2, 2ª parte, do CPC, que estatui que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes.

Mesmo assim, não existe esta nulidade, porque a decisão recorrida ocupou-se da questão posta pela recorrente. Efectivamente, a recorrida na p.i. da acção de divórcio pediu lhe fosse atribuída a título definitivo a casa de morada de família (arts. 42º a 52º) – mais pensão de alimentos (arts. 53º a 59º) – e pediu expressamente que a título provisório lhe seja autorizada a utilização da casa de morada de família, juntamente com os filhos do casal, cuja guarda lhe foi confiada (arts. 60º e 61º).

Há pedido expresso para decisão provisória. E foi isso que a sentença recorrida apreciou e decidiu.

Inexiste a apontada nulidade.

3.2. O recorrente também invoca a nulidade da decisão, nos termos do referido art. 668º, 1, d), do CPC, pois a mesma apreciou uma questão que não podia, isto porque o tribunal a quo decidiu pela atribuição provisória e em exclusivo da casa de família à A., nos termos do nº 7 do art. 1407º do CPC, pois o que podia decidir era pela utilização provisória da casa de morada de família e não pela sua atribuição. Mais uma vez, existe errada qualificação da nulidade supostamente cometida. Se fosse como o recorrente defende – o interessado pedia a atribuição da cada de morada de família, o tribunal autorizava a utilização provisória de tal casa – então estaríamos, agora sim, perante a nulidade da referida e), por o juiz estar a condenar em objecto diverso do pedido. Mas, mesmo assim, esta nulidade não se verifica.

Na sentença escreveu-se que:       

“3.1. A providência de fixação do regime provisório de utilização da casa de morada de família prevista no nº 7 do art.º 1407 do CPC distingue-se, no plano processual ou adjectivo, do incidente de atribuição da casa de morada de família regulado no art.º 1413, do mesmo diploma. Visando este último incidente a definição duradoura do regime de ocupação da morada do desmembrado casal, a vigorar subsequentemente à decisão final de divórcio, e aquele outro apenas a acautelar a protecção da habitação de um dos cônjuges durante o processo de divórcio em função do condicionalismo que a lei tem por pertinente.

A fixação do aludido regime provisório, apesar de ter um fim cautelar, não corresponde estruturalmente ao decretamento de uma providência cautelar nos moldes dos art.ºs 381 e seguintes do CPC, dado que não procura, como acontece com esta, "assegurar a efectividade do direito ameaçado".

As possibilidades do julgador avançar para o estabelecimento desse regime provisório ex officio ou de o rejeitar caso não o considere conveniente, previstas no art.º 1407, nº 7 do CPC, acrescem ao propósito do legislador de conferir ao julgador a máxima amplitude tanto na aplicação do direito (pelo apelo à equidade) como no campo da avaliação fáctica, aqui quer na livre investigação dos factos quer na sondagem das provas, afastando a intervenção da ritologia específica da jurisdição contenciosa. A concessão à capacidade inventiva e de autonomia de indagação por parte do juiz, à sua experiência e senso, que individualizam a jurisdição voluntária (art.º 1409 do CPC), não pode deixar de aqui ter pleno cabimento em função da delicadeza e particularidade das questões submetidas à apreciação do tribunal, mas não se pode afastar por completo das alegações das partes.

(…)

Os requisitos da utilização provisória da casa de morada de família não são inteiramente coincidentes com os da atribuição definitiva. É que, buscando-se não a atribuição definitiva mas tão só a providência judicial provisória (isto é, transitória) para a utilização da casa (cfr. a expressão literal do nº 7 do art.º 1407 do CPC) – isto é, durante a pendência da acção e até à respectiva decisão – nem há que estabelecer qualquer regime para a fruição da habitação pelo cônjuge contemplado pela providência, ainda que ele não seja o proprietário. A providência vale temporariamente para o período do processo e nada assegura que a atribuição definitiva vá beneficiar o mesmo cônjuge, ou que esta atribuição não lhe venha a exigir contrapartidas.

Em qualquer caso haverá que lançar mão do critério normativo de ponderação do particular circunstancialismo das necessidades de cada um dos cônjuges (em função de respectiva situação patrimonial, de saúde, profissional, etc.) conjugado com o interesse dos filhos que agora passam a integrar a economia singular de um deles e, bem assim, de outras razões atendíveis …

3.2. Ora, tomando as premissas dos facto dados como provados, é de ter por assente que nenhum dos cônjuges pretende abrir mão da casa de morada de família, restando apenas, se assim se pode dizer, apurar quem é que dela se torna mais merecedor.

Para isto, é de relevar que a requerente não trabalha e apenas aufere uma parca bolsa de formação; não tem outra residência, que não aquela que teve de arrendar, após a saída de casa de morada de família em ruptura com o seu marido, foi doméstica e os seus filhos menores residem consigo.

Enquanto isso o requerido continua a morar na casa de morada de família, bem comum do casal, e a exercer uma actividade remuneratória por conta própria e de outrem, declarando a respeito desta última auferir apenas 500,00 €.

Diga-se desde já que a recusa de cooperação com SSIP na elaboração do relatório social e a imediação que resultou da conferência de pais no apenso de regulação das responsabilidades parentais faz-nos pensar que os rendimentos do seu trabalho serão superiores aos declarados, nem que não seja da sua actividade liberal, porquanto, de outra forma, dizemos nós, não teria acordado na fixação de uma pensão de alimentos aos seus filhos no valor de quase 2/3 do seu rendimento liquido. Qual seja esse rendimento não é possível apurar.

Tem assim o RR uma maior capacidade de acção por força do seu trabalho e os proventos por si auferidos são bens comuns do casal, atento o regime para eles vigente, e não ficou com o encargo de criar os seus três filhos, abdicando do seu trabalho como, aparentemente, a sua mulher terá feito na constância do seu casamento.

Por tudo isto, o cônjuge efectivamente mais carecido é em tal quadro factual a AA. e os seus filhos menores, pese embora o desconforto decorrente para o RR. de ser obrigado a procurar uma outra habitação.

Nesta decorrência procede o pedido formulado pela AA. de atribuição provisória da casa de morada de família em seu favor”.

Lida a referida decisão, nomeadamente a parte 3.1. imediatamente ressalta que o tribunal decidiu sobre a utilização da casa de morada de família, decisão provisória, e não sobre a atribuição da casa de morada de família, decisão definitiva. Embora se tenha mencionado a palavra “atribuição” no segmento decisório, todo o discurso jurídico-decisório da sentença vai no sentido de decidir a utilização da casa de morada de família. O que é confirmado pela utilização da palavra “provisória” em tal segmento decisório.

Não temos, pois, qualquer dúvida séria que o tribunal decidiu apenas e tão-só sobre a utilização, provisória, da casa de morada de família. Razão pela qual não vislumbramos a acusada nulidade.

4. Compulsando as normas processuais adjectivas, arts. 1407º, nº 7, 1413º, nº1, e 381º, nº 1, e segs., do CPC, constata-se, por um lado, que a providência de fixação do regime provisório de utilização da casa de morada de família prevista naquele primeiro normativo se distingue da atribuição da casa de morada de família, regulado no segundo normativo, pois aquele visa acautelar apenas a protecção da habitação de um dos cônjuges durante o processo de divórcio, em função do circunstancialismo apurado, enquanto este último tem por fim a definição duradoura do regime de ocupação da morada do dissolvido casal, a vigorar subsequentemente à decisão final de divórcio.

Por outro lado, a fixação do aludido regime provisório, apesar de ter um fim cautelar, não tem a natureza comum de uma providência cautelar nos moldes dos arts. 381º e segs. do CPC, dado que não exige, como acontece com esta, a verificação do requisito periculum in mora (vide Ac. Rel. Porto, de 26.6.2000, Proc.0050619, em www.dgsi.pt).

Não é, assim, exigível, ao contrário do que o recorrente parece sustentar, que se a recorrida estivesse numa situação de premente carência, de urgência, de justo receio de não poder ter habitação para viver com os seus filhos é que podia requerer a utilização provisória da casa de morada de família (ou até a sua atribuição definitiva). Não. Se o circunstancialismo apurado impelir para que à recorrida, ou melhor, qualquer um dos cônjuges, lhe “convém” – conveniência é a expressão utilizada no citado art. 1407º, nº 7 - a utilização de tal casa, então o juiz apurados os factos pertinentes deve autorizá-la.     

5. A decisão sob recurso, que seguiu praticamente na íntegra a linha de raciocínio do Ac. desta Relação de 6.3.2007, Proc.317/05.8TBMLD-A, em www.dgsi.pt, fundou-se essencialmente no facto de a recorrida carecer mais, juntamente com os seus 3 filhos, de utilizar a casa de morada de família, do que o recorrente, atento as condições económicas daquela, a co-habitação com os 3 filhos do casal e a situação de o recorrente viver sozinho na aludida casa de família e ter maior capacidade de angariar trabalho.    

Entendemos que se decidiu bem.

Na fixação desse regime provisório, antecâmara do definitivo, deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos arts. 1793º, nº 1, do CC (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio.

A formulação é praticamente idêntica “…nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal” na 1ª hipótese, e “…necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes”, na 2ª situação.

Professa P. Coelho (D. Família, Vol. I, 4ª Ed., págs. 680/681) que o objectivo da lei não é o de castigar o culpado ou premiar o inocente, como não é o de manter na casa de morada de família, em qualquer caso o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela, que mais será atingido pelo divórcio ou separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tiverem ficado confiados.

Prosseguindo, elucida que o 1º factor a considerar – a situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges – se trata de saber quais são os rendimentos e proventos de um e outro, assim como os respectivos encargos. No que se refere aos interesses dos filhos, há que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores no processo de regulação do exercício do poder paternal, e se é do interesse dos filhos viverem na casa que foi do casal com o progenitor a quem foram confiados. Haverá que atender ainda a outros factores relevantes, como a idade e o estado de saúde dos cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e de outro, ou da escola frequentada pelos filhos, acrescentamos nós, de algum deles dispor de outra casa em que possa estabelecer a sua residência (vide págs. 681/682). Estes são os factores principais, e só quando as necessidades de ambos forem iguais ou sensivelmente iguais entrarão em jogo os factores secundários, como a culpa no divórcio (aqui inaplicável, visto não estar decretado ainda), o arrendamento ser anterior ou posterior ao casamento (aqui inaplicável, visto a casa de morada de família não ser arrendada), a casa de morada de família ser ocupada por um ou outro dos cônjuges após a separação de facto. Em sentido paralelo pode conferir-se, igualmente, A. Varela, CC Anotado, Vol. IV, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 1793º, pág. 570/571, e Vol. II, 4ª Ed., nota 4. ao artigo 84º do antigo RAU, pág. 650/651).

Descendo ao caso concreto resulta da matéria de facto apurada (factos 2. a 6., 9. e 10.) que a recorrida saiu da casa de morada de família, com os 3 filhos menores do casal, casa onde todos habitavam, para ir viver para uma casa arrendada. Sabemos, ademais, que os 3 filhos foram confiados à sua guarda, pois as responsabilidades parentais foram reguladas (como a recorrida afirma na p.i., art. 60º, se refere no relatório social a fls. 131, e o recorrente reconhece na f) das suas conclusões). A recorrida não trabalha, auferindo apenas um reduzido valor de uma bolsa de formação e um ainda mais reduzido valor de rendimento social de inserção, mais 300 € de prestação de alimentos aos filhos. Tem despesas fixas de água, electricidade, renda de 300 € mensais almoços escolares e explicações de um dos filhos, além da alimentação e vestuário. Tem, assim, de rendimentos cerca de 485 € e de encargos cerca de 480 €. A casa de morada de família tem condições suficientes para albergar a recorrida e os seus 3 filhos. Por sua vez o recorrente continua a viver sozinho na dita casa, trabalhando por conta própria, e auferindo pelo menos 500 € por mês como gerente de uma sociedade unipessoal, cuja quota social é detida pelo seu pai. Assim revelando uma maior capacidade de ganho e de auferir rendimentos.

Ponderando todos os factores referidos e circunstâncias apontadas ressalta que é mais necessária a casa de morada de família à recorrida do que ao recorrente, sendo conveniente autorizar provisoriamente a utilização da casa de morada de família pela apelada, como se decidiu acertadamente.

Para rebater esta conclusão, o recorrente objecta essencialmente que: foi a requerente que saiu da casa de família; o apelante vai ficar privado de viver na mesma casa; a recorrida aceitou no art. 61º da sua p.i. que a casa fosse utilizada provisoriamente pelo apelante; a casa é seu bem próprio.

Nenhuma das objecções pode ser acolhida.

Quanto à primeira, dir-se-á que nesta fase da providência não há que elaborar juízos de culpa na separação do casal, pois tal questão tem a sua sede natural e própria na acção de divórcio, ainda pendente, procurando a dita providência responder apenas à necessidade de solucionar o problema objectivo da habitação dos cônjuges. Como se sublinha, no indicado acórdão desta Relação, não tem que nele interferir, ainda que perfunctóriamente, qualquer indiciação sobre os fundamentos do divórcio e, nomeadamente, sobre a culpa de qualquer dos cônjuges. 

Quanto à segunda, aceitamos que é penoso que o apelante vá ficar privado do uso temporário da casa de morada de família, mas essa é uma consequência necessária, mas também temporária, da tomada de decisão a favor de um ou do outro dos cônjuges desavindos e em rotura.

No que respeita à terceira, não é exactamente assim como o apelante o afirma. Basta ler o art. 61º da dita p.i., integralmente. O que a apelada requereu foi a autorização para utilizar provisoriamente a casa de morada de família, juntamente com os filhos do casal, e a título subsidiário, para evitar maiores conflitos, não se opõe que a referida casa seja utilizada provisoriamente pelo recorrente, caso este o deseje, de forma peremptória, mas desde que o mesmo pague a renda da casa, ou parte dela, para onde a apelada foi viver com os filhos. Ou seja, a apelada aceita subsidiariamente que o apelante continue a viver na casa de morada de família, mas sujeita a uma condição que não se verificou.

Finalmente, a última objecção não é relevante. Efectivamente, esta providência provisória não decide sobre a atribuição da casa de morada de família e sobre a constituição de eventual arrendamento a favor da recorrida, ficando o recorrente com o correspondente benefício económico como senhorio. Não havendo nesta fase transitória de uso da casa de morada de família qualquer fruição monetária para o dono da casa, saber se a casa é só do apelante é irrelevante.

Não procede, pois, o recurso.           

6.Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A fixação da utilização provisória da casa de morada de família, prevista no art. 1407º, nº 7, do CPC, apesar de ter um fim cautelar, não tem a natureza comum de uma providência cautelar nos moldes do art. 381º e segs., do CPC, dado que não exige, como acontece com esta, a verificação do requisito periculum in mora;

ii) Na fixação desse regime provisório deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família, previstas nos arts. 1793º, nº 1, e 1105º, nº 2 do CC, com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio;

iii) É de autorizar a utilização da casa de morada de família ao cônjuge mulher, membro do casal entrado em rotura, se esta foi viver para uma casa arrendada, com os 3 filhos menores que lhe foram confiados, e se a mesma não trabalha, tendo como rendimentos cerca de 485 € mensais, provenientes de um curso de formação, de rendimento social de inserção e da prestação alimentar a favor dos seus filhos, e de encargos cerca de 480 € mensais, incluindo a renda, enquanto o cônjuge marido continua a viver sozinho na dita casa, casa esta com capacidade para albergar a mulher e os filhos suficientemente, trabalhando o mesmo por conta própria, e auferindo pelo menos 500 € por mês como gerente de uma sociedade unipessoal, cuja quota social é detida pelo seu pai, assim revelando uma maior capacidade de ganho e de auferir rendimentos.    

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso confirmando-se a decisão provisória recorrida.

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Custas pelo recorrente.

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Coimbra, 5.11.2013

 Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Inês Moura