Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/09.3T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO
Data do Acordão: 02/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE ANADIA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 494º E 496º, NºS 1 A 4, DO C. CIVIL
Sumário: I A reparação/indemnização de danos não patrimoniais tem por objectivo dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido. Destina-se a proporcionar ao lesado os meios materiais suficientes que equilibrem ou mitiguem os sofrimentos/desgostos ocasionados pelo acidente (lesões, tratamentos, período de recuperação e sequelas de que o sinistrado ficou a padecer em consequência da lesão).

II – O montante pecuniário da compensação deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias enunciadas no artº 494º do C. Civil.

III – Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do seu responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente à gravidade do dano, o qual deve operar sob um critério objectivo.

IV – As indemnizações por dano não patrimonial devem ter em conta um conjunto de elementos que vão desde a idade do acidentado às lesões por si sofridas e respectivas sequelas, ao sofrimento que lhe provocaram e às consequências que advieram para a sua vida futura.

V – Tudo isto deve ser analisado de modo equilibrado e equitativo de modo a que não caiamos em indemnizações miserabilistas e desprestigiantes para os tribunais bem em indemnizações que por tão excessivas não tenham correspondência com a realidade e correspondam, por isso, a um enriquecimento ilegítimo.

VI – O valor de € 25.000,00 mostra justo, equitativo e capaz de reparar/mitigar o sofrimento de um jovem de 22 anos (á data do acidente) que sofreu lesões numa perna e num ombro, que sofreu dores nos três meses subsequentes ao acidente, período no qual foi operado por duas vezes e sujeito a fisioterapia, tendo ficado com sequelas que o impedem, em definitivo, de exercer a sua anterior profissão de militar contrado.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem o Tribunal da Relação de Coimbra.

1.Relatório

O autor A... veio propor a presente acção de processo ordinário a correr, primitivamente, termos sob o nº 698/2002 no 2º Juízo do extinto Tribunal Judicial de Comarca de Albergaria-a-Velha (actualmente, com o nº 1/09.3T2AND contra as rés B..., S.A. e Companhia de Seguros C..., S.A. pedindo a condenação destas no pagamento da quantia indemnizatória de €484.432,58 acrescida de juros de mora vincendos á taxa legal até efectivo e integral pagamento e no pagamento das importâncias que se vierem a liquidar ulteriormente a título de dano futuro.

Alegou, para tanto, que, no dia 26 de Março de 2001, cerca das 4h05min., na A1, no sentido Norte/Sul, ao Km 216,7, concelho de Anadia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ...EB (doravante referenciado apenas por «EB»), conduzido pelo seu proprietário D... e o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula NQ ..., propriedade de E... e conduzido por F.... Nas circunstâncias de tempo e lugar atrás enunciadas, o «NQ» e o «EB» circulavam no sentido Porto/Lisboa. A dada altura, o «EB» a fim de ultrapassar o «NQ» passou a circular na faixa de rodagem da esquerda, a velocidade superior a 120km/hora e desatento e quando se encontrava a ultrapassar o «NQ», o «EB» invade a faixa de rodagem da direita por onde circulava o «NQ», indo embater com a parte lateral direita do «EB» na parte lateral esquerda do «NQ». Na ocasião do acidente de viação, o autor seguia no banco de trás do «EB». Em consequência do acidente de viação causado ilícita e culposamente pelo «EB», resultaram graves ferimentos e dores para o autor. Em resultado dos ferimentos e lesões sofridos, o autor foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, sendo que as dores sofridas se prolongaram durante três meses. Após as intervenções cirúrgicas, o autor submeteu-se a diversas sessões de fisioterapia, durante as quais sofreu dores. Subsequentemente, em Abril de 2002, as lesões resultantes do acidente consolidaram-se, passando o autor a sofrer sequelas daí resultantes, as quais lhe demandaram uma Incapacidade Parcial Permanente de 50,5% e que são impeditivas de fazer os movimentos mais normais no seu dia a dia, nomeadamente, vestir-se, levantar-se de uma cadeira, etc., ao ponto de necessitar muitas das vezes da ajuda de uma terceira pessoa. Em consequência do acidente de viação, sofreu, ainda, cicatrizes em diversas zonas, sentindo vergonha de expor o corpo nas zonas balneares. Em virtude das sequelas resultantes do acidente de viação, o Autor sente-se frustrado, desesperado e desiludido com a vida. Na ocasião do acidente, o autor era militar contratado, auferindo o vencimento mensal base de sensivelmente €550,00. Em virtude da Incapacidade Parcial Permanente, o autor ficou impossibilitado de exercer a sua actividade de militar e de jogar futebol e outras actividades desportivas, levando a que perdesse a vontade de viver e se tornasse melancólico. Durante a baixa médica, o autor recebeu apenas a quantia mensal de €400,00, pelo que deixou de receber a quantia global de €5.800,00. Para lá disso, o vestuário trazido pelo Autor durante o acidente de viação ficou danificado. Finalmente, à data do acidente de viação e através do contrato de seguro titulado pela apólice nº..., encontrava-se transferida para a ré B..., S.A., a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos causados a terceiros, no montante máximo de €598.557,47, pelo «EB». E através do contrato de seguro titulado pela apólice nº..., encontrava-se transferida para a ré Companhia de Seguros C..., S.A. a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos causados a terceiro pelo «NQ».


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Regularmente citada, a ré Companhia de Seguros C..., S.A. deduziu contestação a fls. 24 a 30, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, arguiu a sua falta de legitimidade activa decorrente do facto do autor propor a presente acção individualmente, desacompanhado dos restantes lesados no acidente de viação, a saber, os herdeiros de um morto e os restantes três ferido, e por isso, estando contratualmente limitada a responsabilidade da seguradora ao valor máximo de seguro de €598.557,47, a presente acção deveria ter sido proposta por todos os lesados. Por impugnação, defendeu-se, essencialmente, por mera negação directa, quer quanto à dinâmica do acidente de viação em virtude do condutor do «EB» nada se recordar quanto ao mesmo, e bem assim os demais ocupantes do veículo à data do acidente se encontrarem a dormir, e como tal, não assistiram a nada, quer quanto aos invocados danos.

                Concluiu pela procedência da excepção de ilegitimidade activa com as legais consequências e caso assim se não entenda deve a acção ser julgada de acordo com a prova a produzir em audiência de julgamento.


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Regularmente citada, a ré B..., S.A. deduziu contestação a fls. 31 a 33, defendendo-se, por mera negação directa quanto aos invocados danos, e aderindo, no essencial, à versão do acidente de viação sustentada pelo autor.

Concluiu pela improcedência da acção e consequentemente ser absolvida do pedido.


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Regularmente notificado, o autor A... deduziu a réplica» a fls. 41 a 43 relativamente à invocada excepção dilatória de falta de legitimidade activa, sustentando o direito de per si, demandar a ré por se não verificar uma relação litisconsorcial necessária activa entre ele e os demais lesados.

Por mera precaução, porém, suscitou nos termos vertidos a fls. 42 e 43, o incidente de intervenção provocada dos demais lesados no acidente de viação.


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As rés seguradoras, apesar de notificadas, não se pronunciaram.

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Seguidamente, proferiu-se o despacho nos termos exarados a fls. 46 a admitir o incidente de intervenção provocada nos termos suscitados atrás de G..., H... e dos herdeiros de I....

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Regularmente citados, os terceiros aí identificados não apresentaram qualquer articulado.

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Ulteriormente, veio a ré Companhia de Seguros C..., S.A. nos termos vertidos a fls. 59 requerer a apensação a esta acção da acção de processo ordinário a correr termos sob o nº 1076/03.4TBAND no extinto Tribunal da Comarca de Anadia entre a viúva e os filhos do falecido I..., transportado à data do acidente de viação em discussão, no «EB» e as aqui rés.

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Posteriormente, proferiu-se nos termos vertidos a fls. 91 despacho a determinar a apensação da acção aí identificada à presente acção, e subsequentemente, apensaram-se as ditas acções.

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Na acção apensada nº 1076/03.4TBAND do extinto Tribunal da Comarca de Anadia, os autores J..., na qualidade individual e na qualidade de herdeira da Herança aberta por óbito do seu marido I...; L..., M...e N..., todos representados pela sua mãe, a 1ª autora instauraram a dita acção contra as rés Companhia de Seguros C..., S.A. e B..., S.A., pedindo a sua condenação no pagamento à autora da quantia indemnizatória de €349.822, 31, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação. Fundaram sucintamente o petitório no acidente de viação, em discussão, nos autos apensos, e sustentando, basicamente, que o acidente em causa se deveu à concorrência de culpas de ambos os condutores do «EB» e «NQ», sendo que o seu marido e pai seguia no «EB» como ocupante. Mais sustentaram que, em consequência do acidente de viação, advieram ao seu marido e pai, com 42 anos, lesões graves, dos quais resultou a sua morte, umas horas depois, tendo, nesse período de tempo, o seu marido e pai, denotado atroz sofrimento, dor e angústia. Por estes danos morais do finado, deverá ser arbitrada indemnização no montante de €25.000,00. À data da sua morte, o finado era uma pessoa saudável, robusta, enérgico, dedicado ao trabalho e à família, cheio de vida, dotado de simpatia pessoal, bastante querido por todos e era a pedra basilar no seu da família, e tendo à sua frente uma longa esperança de vida e um futuro promissor. Pela privação do direito à vida do finado, deverá atribuir-se uma indemnização no montante de €50.000,00. Entre os autores e o finado existia muita proximidade e envolvência afectiva, constituindo eles uma família unida por fortes laços de amor, amizade, ternura e um elevado espírito de entreajuda, sendo que o finado dedicava todo o seu tempo à família. A trágica e brutal notícia da ocorrência desabou sobre os autores com sequelas para toda a vida, deixando-os em profunda dor, angústia e choque emocional, do qual dificilmente se recomporão. Computam, assim, os autores o dano moral por si sofrido no montante de €20.000,00 a cada um. Á data do acidente de viação, o finado era Sargento-chefe do Exército Português, auferindo um vencimento mensal líquido de €1.371,21 acrescido de um suplemento de residência no montante diário de €5,20 sendo que o finado não gastava consigo mais de €50,00 mensalmente, e o restante rendimento no montante de €1.500,00 afectava-o mensalmente à economia do lar. Em consequência do óbito do marido e pai, o agregado familiar do finado viu-se privado, pelo menos, até aos 70 anos de vida do finado, desse rendimento. Actualmente, porém, e em resultado do óbito do finado, a autora J... recebe uma pensão mensal de sobrevivência de € 330,50 e os seus filhos recebem cada um uma pensão mensal de sobrevivência no montante de €110,18, o que fica aquém do montante entregue pelo seu marido e pai. Computam, assim, o prejuízo patrimonial a arbitrar aos autores, a título de dano futuro, no montante de €194.322,31. Finalmente, os autores suportaram a quantia de € 500,00 com despesas de funeral, valor esse igualmente devido a título de danos não patrimoniais.

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Regularmente citada, a ré Companhia de Seguros C..., S.A. deduziu contestação a fls. 57 e ss., defendendo-se essencialmente nos mesmos termos exarados na contestação apresentada na acção apensa supra identificada, no concernente à dinâmica do acidente e aos danos, dispensando-se, assim, maiores considerandos. Ressalve-se, apenas, que excepciona a falta de legitimidade passiva da ora ré, com base no facto da soma do valor peticionado pelos autores, na presente acção, e do valor peticionado pelo autor A... na acção apensa supra identificada ser superior ao montante máximo do seguro. Nessa medida, à luz do art. 29º, nº1, al. b) do D.L. nº 522/85 de 31/12, devia-se ter demandado, também, o responsável civil.

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Regularmente citada, a ré B..., S.A. deduziu contestação a fls. 85 e ss., defendendo-se essencialmente nos mesmos termos exarados na contestação apresentada na acção apensa supra identificada, dispensando-se, assim, maiores considerandos.

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Regularmente citado ao abrigo do art.1º do D.L. nº 59/89 de 22 de Fevereiro, a Caixa Geral de Aposentações veio a fls. 64 e ss. deduzir o pedido de reembolso contra ambas as rés no sentido de serem condenadas a pagar-lhe a quantia global de €271.003,73 necessária para suportar o pagamento da pensão atribuída à viúva e filhos do sinistrado, ou em alternativa, a sua condenação solidária no pagamento mensal do valor da pensão paga, em cada mês, aos beneficiários, pela interveniente.

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Os autores deduziram réplica a fls. 93 a 95 relativamente à invocada excepção, e por precaução, deduziram nos termos vertidos a fls. 94 e 95 a intervenção provocada passiva de D..., na sua qualidade de condutor e proprietário do «EB».

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Regularmente notificado do pedido de reembolso deduzido pelo interveniente Caixa Geral de Aposentações, veio a Ré Companhia de Seguros C... a fls. 103 e ss. responder nos termos aí vertidos, nomeadamente, invocando nos termos já assinalados atrás a excepção dilatória de falta de legitimidade passiva, e no demais, impugnado o alegado pela Interveniente por mera negação directa.

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Em resposta à invocada excepção dilatória, veio a interveniente Caixa Geral de Aposentações a fls. 109 e 119 suscitar a intervenção principal provocada passiva de D..., na sua qualidade de condutor e proprietário do «EB».

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Posteriormente, a fls. 119 a 121, veio a ré B..., S.A. responder ao pedido de reembolso deduzido pela interveniente Caixa Geral de Aposentações, defendendo-se essencialmente no sentido de os valores peticionados não serem devidos, pois as pensões de sobrevivência representam para a Caixa uma redução de custos. De facto, a vitima era beneficiário inscrito, pelo que iria auferir, aquando da sua reforma, de uma pensão de valor desconhecido até à sua morte natural. Face à sua morte resultante do acidente, porém, a Caixa deixou de ter de pagar a pensão ao beneficiário, e em sua substituição, passou a pagar uma pensão de sobrevivência aos autores de montante inferior ao que suportaria com a pensão de reforma. Pelo que a Caixa não é lesada.

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Ulteriormente, proferiu-se nos termos vertidos a fls. 126 a admitir a intervenção principal provocada passiva de D....

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Regularmente citado, veio o interveniente D...apresentar a sua contestação a fls. 134 a 142, defendendo-se por mera negação directa relativamente aos invocados danos e por negação motivada relativamente à dinâmica do acidente de viação. Sustentou, então, e sucintamente, quanto ao acidente de viação, que nas circunstâncias de tempo e modo enunciados pelos autores, conduzia o «EB», atento, a cerca de 100km/hora e na retaguarda do «NQ», o qual circulava a uma velocidade que permitia a sua ultrapassagem, ultrapassagem que se impunha porque as condições climatéricas dificultavam imenso a visibilidade do réu. Iniciada a ultrapassagem ao «NQ», este, talvez pelas mesmas razões de visibilidade que perderia ou por picardia e diversão ou outra razão que se desconhece, aumentou a velocidade de modo a não permitir a ultrapassagem, e consequentemente, entra em despiste, guinando para faixa de rodagem da esquerda por onde circulava o «EB» embatendo com a traseira esquerda do «NQ» na frente direita do «EB», pelo que o acidente em causa ocorreu unicamente por causa imputável ao condutor do «NQ».

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Regularmente notificadas, só os autores deduziram resposta a fls. 157 e 158, reiterando aí o sustentado na sua douta petição inicial.

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Finalmente, a fls. 172 proferiu-se o despacho aí vertido a determinar a remessa dos presentes autos para apensação à acção apensa supra identificada.

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                Por despacho de folhas 108 dispensou a realização da audiência preliminar.

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Apensadas as acções, proferiu-se, de seguida, despacho saneador, onde se conheceu e se decidiu pela improcedência das invocadas excepções e subsequentemente se seleccionou a matéria de facto assente e controvertida nos termos vertidos a fls. 107 e ss. dos autos principais.

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                O autor A... reclamou da base instrutória sustentando a alegação de que seguia no banco de trás o que nunca foi contestado pelo que deve ser eliminado o quesito 11º da base instrutória.

                A Companhia de Seguros C..., SA reclamou dos factos assentes pugnando pela eliminação das alíneas L), M) e N).


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                A Companhia de Seguros B..., SA nos termos constantes de folhas 205 opôs-se à reclamação avançada pelo autor pugnando pelo seu indeferimento.

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                Por despacho de folhas 213 a 215 foi tomada posição sobre a reclamação apresentada pela C..., SA que foi deferida e vertida na base instrutória os factos anteriormente dados como assentes.

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                Por despacho de folhas 249 250 indeferiu-se a reclamação apresentada pelo autor A....

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Procedeu-se, de seguida, à realização de audiência final, com observância do formalismo legal. Em sede de audiência final, anote-se, apenas, que se deferiu nos termos dos despachos aí vertidos a fls. 557 e 558 e a fls. 566 e ss., respectivamente as sucessivas ampliações de pedido aí formuladas pela Caixa Geral de Aposentações.

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                Conforme emana da acta de folhas 558/559/560 as partes aceitaram, por acordo, a factualidade vazada nos quesitos 1 a 4, 11, 32 a 34. Ainda na mesma audiência de julgamento aceitaram por acordo a factualidade controvertida constantes dos quesitos 12, 13, 15, 16, 22 e 28; a factualidade controvertida nos quesitos 14 e 17 relativamente ao quantum doloris; admitiram acordo a factualidade controvertida mencionada no quesito 18º e relativa à IPP atribuída no relatório médico-legal e acordaram que a resposta a conferir pelo Tribunal ao quesito 24 tivesse por base o relatório médico-legal; aceitaram por acordo por referência ao quesito 23 que o vencimento base do autor era de € 550,00; aceitaram por acordo o vertido nos pontos 30, 31 e 32; pretendem que o Tribunal responda aos quesitos 24, 25, 26, 27, 29 da base instrutória a partir do relatório médico-legal; admitiram por acordo a factualidade vazada no quesito 46º da base instrutória.

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                Finda a audiência de julgamento designou-se dia e hora para a leitura da decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida e sobre a qual não recaiu qualquer reclamação – folhas 570 a 574.

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                Conclusos ou autos foi proferida sentença que:

1. Julgou a acção de processo ordinário com o 698/2002 – actualmente nº 1/09.3T2AND – parcialmente procedente por provada e consequentemente:

a) Absolveu a ré B..., SA e o interveniente D... do pedido.

b) Condenou a ré Companhia de Seguros C..., SA a pagar ao autor A... a quantia global indemnizatória de € 63.868,39 acrescida de juros moratórios legais a contar da citação, segundo a taxa legal de 7% até 1 de Maio de 2003 e a contar desta data, segundo a taxa vigente de 4% até integral pagamento.

c) Custas a suportar pela seguradora e autor na proporção do decaimento.   


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2. Julgou a acção de processo ordinário, apensa com o nº 698-A/2002 – actualmente nº1/09.3T2AND – parcialmente procedente por provada e consequentemente:

d) Absolveu a ré B..., SA e o interveniente D... do pedido.

e) Condenou a ré Companhia de Seguros C..., SA a pagar aos autores J..., M..., L... e N... a quantia global indemnizatória de € 228.926,50 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% vencidos desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

f) Condenar a ré Companhia de Seguros C..., SA a pagar à interveniente Caixa Geral de Aposentações a quantia de € 149.573,50

g) Custas a suportar por autores e ré na proporção do decaimento.


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                Notificada da sentença a ré C..., SA interpôs recurso – folhas 604 – idêntico inconformismo manifestou o autor A...através da interposição de recurso da sentença – folhas 610.

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                Por despacho de folhas 621, os recursos foram admitidos como apelação com subida imediata e nos autos e com efeito devolutivo.

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                Os autores J..., M..., L... e N... notificados do despacho de folhas 621 que admitiu os recursos para o Tribunal da Relação, vieram interpor recurso subordinado nos termos do artigo 721º do CPC que é de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

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                Por despacho de folhas 629 o recurso de folhas 621 foi admitido como recurso subordinado para o Tribunal da Relação de Coimbra.

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                O apelante A...apresentou as suas doutas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:

                [………………………………………….]


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                Por despacho de folhas 637 foi julgado deserto o recurso interposto a folhas 604 pela ré Companhia de Seguros C..., SA e declarou-se caduco o recurso subordinado interposto pelos autores J... e outros.

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                A Companhia de Seguros C..., SA atravessou nos autos as suas doutas contra alegações que sintetizou nas seguintes conclusões:

                […]


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2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Ø Impugnação da matéria de facto – resposta aos quesitos 19, 20, 21, 25 e 26.

Ø Erro de julgamento – Danos não patrimoniais; Danos patrimoniais; ajuda de terceira pessoa.


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                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

                3.1 – Impugnação da matéria de facto

                        […………………………………………………..]

                 


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                3.2– Matéria de facto provada

[………………………………………………….]


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                3.3 Contradição entre factos 36 e 40

                [...................................................]


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                3.4 – Erro de julgamento

                A sentença recorrida condenou a Companhia de Seguros C..., SA a pagar ao autor a quantia global de € 63.868,39 que corresponde ao somatório de € 200,00 a título de danos patrimoniais; da quantia de 25.000,00 a título de danos não patrimoniais e a quantia de € 38.668,00 a título de danos patrimoniais consubstanciados na perda da capacidade de ganho.

                3.4.1 - Reclama em sede de alegações/conclusões a quantia de € 12.000,00 a título de ajuda de terceira pessoa, realidade factual que não ficou demonstrada e que por isso não merece a tutela jurídica pretendida pelo apelante no ponto 7 das suas doutas conclusões.

                3.4.2 – Reclama o autor/apelante a quantia de € 70.000,00 a título de danos não patrimoniais, escorando, tal pretensão, na matéria de facto provada.
                A indemnização neste tipo de danos tem por objectivo dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido (Prof. Vaz Serra, B.M.J. nº 83, págs. 102 e segs.). A indemnização destina-se, assim, a proporcionar ao lesado os meios materiais suficientes que equilibrem ou mitiguem os sofrimentos ocasionados pelo acidente. Ensinam os Srs. Prof. P. Lima e A. Varela que o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado...segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida[1]. Também o Sr. Prof. Leite de Campos entende que nos danos não patrimoniais a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade[2].

Declara o nº 1 do artigo 496º do Código Civil que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam tutela do direito”. O montante pecuniário da compensação deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias enunciadas no artigo 494º do Código Civil. Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do seu responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso nomeadamente à gravidade do dano, o qual deve operar sob um critério objectivo.

Não estando em causa a culpa na eclosão do acidente, a verdade é que o apelante seguindo na posição de passageiro em nada contribuiu para a sua verificação, o que não pode deixar de ser tido em conta em sede de arbitramento de indemnização por dano não patrimonial. As indemnizações por dano não patrimonial devem ter em conta um conjunto de elementos que vão desde a idade do acidentado, às lesões por si sofridas e respectivas sequelas, ao sofrimento que lhe provocaram e às consequências que advieram para a sua vida futura. Tudo isto deve ser analisado de modo equilibrado e equitativo de modo a que não caiamos em indemnizações miserabilistas e desprestigiantes para os Tribunais nem em indemnizações que por tão excessivas não tenham correspondência com a realidade e correspondam por isso a um enriquecimento ilegítimo.

Sabemos que o autor sofreu lesões numa perna e num ombro – facto 25 – nos três meses subsequentes ao acidente sofreu dores que a perícia médica quantificou em grau 5 numa escala de 7 de gravidade crescente, neste período foi operado por duas vezes e sujeito a fisioterapia, sendo que as dores se mantiveram no grau inicial – factos 27 a 30. À data do acidente tinha 22 anos de idade – facto 44 – e sofreu sequelas que o impediram definitivamente de exercer a sua anterior profissão de militar contratado, com repercussões ao nível familiar e social que lhe provocaram desilusão, frustração e desgosto, para além de ter ficado com um quadro de cicatrizes no corpo que o afectam psicologicamente com consequências ao nível do dano estético – grau 4 numa escala crescente de 7 – e de ter ficado «afectado de uma IPG de 18 pontos – factos 31 a 38.

O valor de 25.000,00 euros fixado ao apelante como compensação a título de dano não patrimonial, considerando os valores apontados pela Jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça e Relações para situações idênticas ou até mais gravosas, não podemos deixar de considerar tal valor como correcto e equitativo, sendo completa e totalmente desajustado pedir-se a condenação da ré seguradora num valor de € 70.000,00 por dano não patrimonial, considerando necessariamente a matéria de facto provada. 

                A indemnização por dano não patrimonial – artigos 496º, nºs 1 e 4 e 494º do CC – destina-se a compensar o lesado pelo desgosto, sofrimento físico e moral provocados pela lesões, tratamentos, período de recuperação e sequelas que ficou a padecer em consequência da lesão. No caso em análise, entendemos que a quantia de € 25.000,00 que lhe foi fixada mostra-se justa, equitativa e capaz de reparar/mitigar o sofrimento do autor desde a data do acidente e até à data da consolidação das lesões sofridas, voltando a frisar, por significativo, que se trata de um jovem de 22 anos que ficou afectado de um dano estético de grau 4, dano estético que é condicionante de um conjunto de actividades de lazer e por isso não pode nem deve ser deixado de ter relevância na atribuição da indemnização, mas cuja indemnização compensa e mitiga tal sofrimento.

3.4.3 – Reclama o autor/apelante idêntico montante a título de perda de capacidade de ganho apontando à sentença recorrida a falta de critério embora faça referência a uma tabela disponibilizada pela Verbo Jurídico.

Como sabemos da matéria de facto provada a incapacidade do autor foi fixada pelo IML por referência à Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil – Anexo II do DL nº 352/07, de 23.10 – o que nos vincula ao cálculo do Dano Biológico tendo em consideração os itens que compõem o Anexo IV da Portaria nº 679/2009 de 25.6, cruzados com o Rendimento Mínimo fixado na data da alta e o salário mensal do lesado. A desconsideração de uma IPP que nos permitisse seguir qualquer uma das fórmulas matemáticas ou mesmo laboral, adocicadas com a equidade, obriga-nos a calcular a indemnização a partir das tabelas, na medida em que 18 pontos não correspondem necessariamente a uma IPP de 18%, já que são conceitos distintos com tratamentos jurídicos diferenciados.

Está provado que o autor/apelante ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18 pontos que de acordo com o Anexo IV da Portaria nº 679/2009 de 25.7 se situa na coluna vertical –  4ª posição – e que a idade do acidentado situa-se entre os limites mínimo e máximo da coluna horizontal – 2ª posição – e que do cruzamento entre a posição vertical 4 e a posição horizontal 2 encontramos o valor por cada ponto que tem por limite mínimo 1.441,53 e máximo 1.492,83. Considerando a idade do apelante, entendemos que o valor por ponto de incapacidade deve corresponder ao valor encontrado entre o somatório do valor mínimo com o valor máximo a dividir por 2, encontrando-se assim o valor de € 1.467, 18 por ponto que multiplicado por 18 pontos atinge o total de € 26.409,29. À data da alta – 2002 – o Rendimento Mensal Mínimo Garantido era de € 356,60 – DL 320-C/2002, de 31.12 e o salário do autor era de € 550,00. Para chegarmos ao valor indemnizatório conforme a tabela usamos uma regra de três simples:

356,60 ---------26.409,29

€ 550,00-----------X

X= 356,6 x 26.409,29

__________________ = € 40.732,14

            € 550.00[3]

                A aplicação da fórmula tabelar sem a caldear com outros elementos de facto, retirava aos tribunais o julgamento de tais matérias, na medida em que o valor encontrado passava por uma operação matemática, impondo-se aos Tribunais com carácter absoluto. Seguramente não foi essa a intenção do legislador – nem podia ser à luz do previsto no artigo 202º da CRP – e daí que olhemos para a tabela como indicadora de um valor que deve ser caldeado com um conjunto de outros factos que emanam da matéria provada.

                Não é só a idade de 22 anos que deve assumir relevância na fixação do valor do dano biológico, como também o facto do apelante em nada ter contribuído para a eclosão do acidente e em consequência do mesmo ter passado a ser portador de uma IPG de 18 pontos, sendo que à data do acidente era uma pessoa robusta e saudável que trabalhava, como contratado, para o exército português, actividade para a qual foi dado como incapaz através da competente Junta Médica. A Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho assume claramente um valor indicativo que necessária e obrigatoriamente tem de ser temperado com todas as circunstâncias que advieram para o lesado em consequência do acidente, pelo que aceitamos como justo, equilibrado e equitativo, o montante de € 45.000,00 a título de indemnização por dano biológico.


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                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expressos, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente condena-se a ré Companhia de Seguros C..., SA a pagar ao autor A... a quantia de € 45.000,00 – quarenta e cinco mil euros – a título de dano biológico.


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                No mais mantém-se a sentença recorrida.

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                 Custas da acção e apelação a cargo de autor e ré na proporção do decaimento – artigo 446º do CPC.

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                Notifique.


Jacinto Meca (Relator)
Falcão de Magalhães
Regina Rosa


[1] Código Civil Anotado, 2ª edição, pág. 435.
[2] A Indemnização do Dano Morte, pág. 12
[3] Conforme exposição do Exmo. Conselheiro Sousa Dinis no Tribunal da Relação de Coimbra.