Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1465/12.3TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ CONTRATUAL
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.227 CC, DL Nº 211/2004 DE 20/8
Sumário: 1.Os casos padrão da culpa in contrahendo correspondem ao seguinte: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros.

2. Não integra a figura da culpa in contrahendo, respeitante à A. e aos 2ºs RR, a situação em que aquela actuou como mediadora imobiliária, e estes últimos como interessados na compra e venda de um imóvel alegadamente propriedade da 1ª R., cliente da A./mediadora, se os interessados 2ºs RR vêm a desistir de celebrar contrato de compra e venda do mesmo imóvel com a 1ª R., por entre A./mediadora e os 2ºs RR não se ter realizado, não se pretender realizar, nem se ter negociado entre ambas a efectivação de qualquer contrato.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. E (…) Ldª, com sede em Coimbra, intentou contra M (…)Ldª, com sede em Coimbra, e P (…) e S (…), residentes em Coimbra, acção declarativa, pedindo que a 1ª R. seja condenada a pagar-lhe quantia de 33.250 €, mais juros de mora, e os 2ºs RR condenados a pagar-lhe a quantia de 4.000 €, a título indemnizatório, pela violação dos princípios da boa fé e confiança, e da frustração das expectativas negocialmente criadas. Caso assim se não entenda, subsidiariamente, ser a 1ª R. condenada a pagar-lhe 5.000 € de remuneração relativa ao contrato celebrado e 5.000 € de indemnização, pela violação do princípio da boa fé e enriquecimento sem causa, e os 2ºs RR 4.000 €, com o mesmo fundamento, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação. 

Para tanto, alegou, em suma, ter celebrado com a 1ª R. um contrato de mediação imobiliária, visando a venda de um imóvel, contra a remuneração, para si, de 5% do preço da venda, no mínimo de 5.000 €, recaindo sobre o imóvel o encargo de locação financeira, por via do qual era locador um Banco e locatária a 1ª R. Tendo os 2ºs RR contactado a A. com vista à aquisição do imóvel, visitaram-no por seu intermédio, manifestando interesse em adquiri-lo, assinando um acordo de reserva, ficando acordado entre as partes efectuar-se a promessa de venda 8 dias depois, devendo os 2ºs RR entregar à 1ª R. a quantia de 100.000 €, aquando da realização do mesmo. Todavia, os RR deixaram de contactar a A. que veio a ter conhecimento que os 2ºs RR, afinal, adquiriram o imóvel directamente ao Banco locador, não tendo a 1ª R. pago honorários à A. 

Em contestação, disseram os 2ºs RR não terem outorgado na promessa proposta pela A. porque vieram a ter conhecimento, por terceiros, pertencer o imóvel a uma instituição bancária e não à 1ª R., nunca lhes tendo sido transmitido, pela A., qual a situação real do imóvel, que sempre lhes disse que o vendedor era o Sr. M (…). Assim, desistiram do negócio. Todavia, posteriormente, e porque mantinham intenção de adquirir um imóvel, foi-lhe novamente proposto o imóvel aqui em causa, por intermédio de outra imobiliária que, ao contrária da A., mediou o negócio entre eles e o referido Banco. 

Em contestação, afirmou a 1ª R. ter informado a A. não ser proprietária do imóvel, sendo ainda certo que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado em regime de não exclusividade. A A. nunca conseguiu interessado para a aquisição pelo preço de 750.000 €, sabendo a R. que a A. não informou os 2ºs co-RR ser o imóvel propriedade de um Banco e não dela R. 

Em réplica, afirmou a A. que aos RR foi dado conhecimento da locação financeira e do acordo com o Banco no sentido de resolver a mesma, tendo a 1ª R. resolvido o contrato de locação financeira com o Banco no dia da compra do imóvel e recebido uma determinada quantia a título de compensação. 

A 1ª R. veio posteriormente a ser declarada insolvente.

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A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo-se os RR do pedido.

*

2. A A. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
(…)

*

Já na Relação foi declarada extinta a instância relativamente à 1ª R. M (…) Ldª.

*

 

II - Factos Provados 

 

1- A fls. 14 e ss. encontra-se um doc. emitido pelo Instituto da Construção e do Mobiliário, dirigido À aqui, com o seguinte conteúdo: Mediação Imobiliária, Licença nº (...) – AMI, Atribuída para o exercício da actividade de mediação mobiliária, nos termos do regime previsto no Decreto-Lei nº 211/2044, de 20 de Agosto. Validade Início 02-06-2004, Termo 02-06-2013. 

2- A fls. 16 e 17 encontra-se o doc. intitulado Contrato de Mediação Imobiliária, datado de 25.8.2011, subscrito por M (…) e B (…), no qual se lê, entre o mais: 

ENTRE 

E (…), Ldª (…), detentora da licença AMI nº (...) 8…), adiante designada como Mediadora, 

M (…), Ldª, com sede na (...) , em Eiras – Coimbra (…), adiante designando como Segundo Contratante na qualidade de proprietário,

Cláusula 1ª 

(Identificação do Imóvel) 

O segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma/prédio (rústico/urbano)/estabelecimento comercial destinado a Habitação (…) sito na R, (...) nº 40, (freguesia) (...) (concelho) Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob a ficha nº 635 (…) e inscrito na Matriz Predial de Coimbra com o artigo nº 1069 da Freguesia de Sé Nova (…). 

Cláusula 2ª 

(Identificação do Negócio) 

1.– A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra, pelo preço de Euros: 750.000, 00 (setecentos e cinquenta mil), desenvolvendo para o efeito acção de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis. 

2.Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e ser escrito à mediadora. 

Cláusula 3ª 

(Ónus e Encargos) 

O Segundo Contratante declara que sobre o imóvel descrito no número anterior recaem os seguintes ónus e encargos (hipotecas e penhoras) Loc. Financeira (…).

Cláusula 4ª 

(Regime de Contratação) 

1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de: 

Não exclusividade. 

(…) 

Cláusula 5ª 

(Remuneração) 

1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 18º do DL 211/2004 de 20/8. 

2- O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, sendo o seu valor mínimo a quantia de 5.000, 00€ euros. 

(…) 

4 – Ao valor de remuneração acresce IVA à taxa legal em vigor. 

(…) 

A fls. 18 encontra-se o doc., datado de 17.9.2011, intitulado Adenda ao contrato de mediação (Alteração de preço) cujo teor aqui se dá por reproduzido. 

3- Na matriz predial urbana de Coimbra, sob o artº 1069 (descrito na C.R.P. de Coimbra sob o registo nº 00635), acha-se inscrito o prédio sito na (...) , Coimbra, com a seguinte descrição: Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc de Utiliz. Independente, com rés-dochão com 4 divisões, 1º andar com 4 divisões e sótão (doc. de fls. 20). 

4- A fls. 23 acha-se um doc. intitulado Ficha de Reserva, com data de 17.9.20111, no qual se lê, entre o mais, o seguinte: 

E (…), vem, para os devidos efeitos, declarar que, como fiel depositário, recebeu de P (…) e S (…)o valor de 2.500, 00€ (…) como reserva e princípio de pagamento do preço do imóvel, sito na (...) , nº 40, freguesia de (...) , concelho de Coimbra que é proprietário M (…). 

O valor da compra é de 750.000€ (…). 

1ª Este cheque serve de pré-sinal e princípio de pagamento do preço de compra do imóvel acima identificado, só sendo descontado após a assinatura do Contrato Promessa de compra e venda. 

2ª O CPCV, de acordo com ambas as partes, será celebrado no prazo máximo de 8 dias a contar da presente data, com entrega de um sinal no valor de 100.000€ (Cem Mil Euros) mediante a emissão de um cheque traçado, em nome do proprietário do imóvel supra referido. 

3ª A presente reserva fica dependente da aceitação por parte do proprietário na venda pelo valor supra mencionado. 

4ª O potencial Promitente Comprador, após a entrega do valor supra referido a título de reserva e princípio de pagamento do preço do imóvel, não poderá desistir da celebração do negócio sem motivo justificativo e válido à luz das regras da boa fé. 

(…) 

7ª A assinatura do CPCV será efectuada nas instalações da empresa mediadora e os potenciais Promitentes Vendedores mandatam, pelo presente, a empresa mediadora para proceder à marcação e notificação de ambos, com 3 dias úteis de antecedência, do dia e hora da assinatura do CPCV. 

(…) 

5- A 28.11.2011 foi celebrado o contrato de fls. 24 e ss. entre o Banco B... , SA, como parte vendedora, e o R. P (…), por meio do qual o primeiro declarou vender ao segundo, pelo preço de € 665.000, 00, o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, primeiro andar e sótão, área coberta de 140 m2, dependência de 24 m2, quintal na retaguarda, com 70 m2 e uma faixa de terreno na frente com 250 m2, sito na (...) , nº40, freguesia de Coimbra (Sé Nova), com a inscrição matricial 1069 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 635 da freguesia de (...) com registo a favor da parte vendedora e registo de locação financeira A. 29, de 2007/04/10, que vai ser agora cancelado por contrato de resolução por acordo de contrato de locação financeira. 

Lê-se ali, ainda e entre o mais, As partes declaram que no negócio interveio a sociedade de mediação imobiliária com a firma P (...)(…). 

6– A A. procedeu à promoção do imóvel referido em 6, tendo realizado ação no sentido da divulgação do negócio pretendido pela sociedade Ré. 

7- Nomeadamente através da colocação de placards de venda em local visível do imóvel. 

8- E ainda no seu sita www. (...).pt. 

9– A A. entrou em contacto com o Banco B... , tendo-lhe sido referido que a instituição concordaria com a venda do imóvel (não com a promessa de venda) desde que da venda resultasse valor que permitisse o pagamento da quantia em dívida ao Banco pela sociedade locadora. 

10- No dia 27.8.2011, a A., por intermédio de um seu comercial, realizou uma visita ao imóvel referido em 3 com os segundos RR. 

11– O gerente da sociedade Ré encontrava-se presente aquando da visita referida em 10. 

12- Tendo a sociedade Ré tido conhecimento das partes envolvidas nessa visita. 

13- Os segundos RR. manifestaram de imediato interesse no imóvel. 

14– Os RR. assinaram o doc. de fls. 23, intitulado ficha de reserva. 

15- A primeira Ré aceitou o conteúdo do doc. referido em 4. 

16- A primeira Ré, os segundos RR. e a A. assinaram o doc. referido em 4. 

17– A A. contactou por diversas vezes os RR. e seus pais com o intuito de celebrar o contrato de promessa de compra e venda. 

18– O negócio referido em 5 não foi dado a conhecer à A. 

19- A A. interpelou a primeira Ré para que procedesse ao pagamento do montante referido na cláusula 5ª do contrato referido em 2. 

20– Os segundos RR. tiveram conhecimento do imóvel, num primeiro momento, através da ação de publicidade e mediação da A., tendo-lhes o mesmo, depois, sido mostrado pela Prabitar. 

21- Aquando da reserva do imóvel, os pais dos segundos RR. quiseram informar-se sobre a situação legal do prédio. 

22- Os segundo RR. sempre foram informados que não havia nenhum problema com o prédio. 

23– Os RR., por intermédio de pessoa conhecida, verificaram, nomeadamente na Consv. do Reg. Predial, que sobre o prédio recaía locação financeira, sendo locador o B... . 

24– Tal pessoa, notária aposentada, aconselhou os RR. os RR. a verificarem a situação, explicando-lhes que o contrato de venda não poderia ser efetuado em autorização do B... . 

25- O 2º R. comunicou à A. que não estava interessado no imóvel porquanto mesmo pertencia ao B... , nunca lhes tendo sido transmitido qual a situação real. 

26- Sempre foi dito aos 2ºs RR. que o vendedor era M (…)

27- Os RR. sempre pediram que os informassem sobre a situação jurídica do imóvel pois não queriam adquirir uma casa com problemas. 

28- A situação jurídica do imóvel foi-lhes omitida. 

29- De seguida, os segundos RR., porque pretendiam adquirir casa para sua habitação, contactaram a imobiliária P (…)– Sociedade de Mediação Imobiliária, a fim de procurar casa. 

30- Foi-lhes então mostrado o imóvel referido em 3. 

31- Pelos segundos RR. foi dito que não estavam interessados nesse imóvel por saberem que o mesmo tinha como locador do B... . 

32- Pela imobiliária foi marcada uma reunião com o legal representante do B... para ver qual a possibilidade de aquisição do imóvel. 

33- Bem como foram apresentados os docs. da Conservatória a fim de serem esclarecidos sobre a legalidade da compra e venda do imóvel. 

34- Os segundos RR. foram esclarecidos de que a escritura poderia ser realizada se chegassem a acordo com o Banco. 

35- Representante da P (...)e pais do segundo R. diligenciaram junto do B... no sentido de chegarem a acordo na compra e venda. 

36– Os segundos RR. não chegaram a entregar qualquer sinal ou cheque de reserva conforme consta do doc. referido em 4. 

37– Aquando do negócio referido em 2, foi deixado claro à A. que o prédio pertencia ao B... que seria quem poderia vender, sendo a 1ª Ré locatária do imóvel. 

38– Aquando do negócio referido em 4, a A. não detinha poderes para efetuar qualquer negócio com os RR. que visasse o imóvel em apreço. 

39– Aquando do negócio referido em 5, foi acordado entre o locador e a locatária liquidar o valor da locação e pôr termo ao contrato de locação financeira, a fim de ser efetuada a venda referida em 5. 

III - Do Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade civil dos 2ºs RR perante a A.

2. A A./recorrente pretende que os factos provados 17., 23., 25. 26., 28. e 38. passem a não provados, pelas razões que aponta na impugnação da matéria de facto que apresentou.

Não vale a pena analisar a impugnação da matéria de facto, porquanto mesmo que tais factos viessem a ser dados como não provados, a solução de direito e o mérito do recurso será sempre o mesmo em relação aos 2ºs RR/recorridos. No sentido da não procedência do recurso, pelas razões jurídicas que abaixo no ponto 3. Vão ser expostas.

3.1. A maneira como a A. formulou, na p.i., o pedido de condenação dos ora recorridos no pagamento de 4.000 € (pedido transcrito no relatório supra) e as palavras que utilizou “violação dos princípios da boa fé e confiança, e da frustração das expectativas negocialmente criadas” inculcavam logo que a mesma pretendia responsabilizar tais apelados a título de responsabilidade pré-contratual. E essa inicial dedução é confirmada pela alegação produzida na referida p.i., nos arts. 40º, 45º a 48º, onde referem que: os recorridos violaram as regras da boa fé tanto nos preliminares como na formação dos contratos; que violaram o princípio da confiança; que a recorrente cumpriu todos os deveres de informação, de esclarecimento e de lealdade, que fazem parte da boa fé; que a apelante criou expectativas com vista à celebração de futuro contrato, não tendo tais recorridos actuado com lealdade e probidade; acabando mesmo a citar um acórdão atinente a responsabilidade pré-contratual.

Ora esta construção jurídica mostra-se incorrecta.

Na verdade, a A. nunca esteve ligada aos 2ºs RR por qualquer vínculo contratual, nem pretendeu realizar algum contrato com a A., pelo que não pode afirmar-se que estes pudessem incorrer em responsabilidade pré-contratual. Na sentença recorrida, embora sumariamente, isso já lhes foi dito. Voltam à carga no recurso, de modo genérico, pretendendo que tais RR sejam condenados a pagar-lhe tal quantia. Mas sem qualquer razão. Vejamos.

Preceitua o art. 227º do Código Civil que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

A doutrina e, no seu seguimento a jurisprudência, tem elaborado o funcionamento e aplicabilidade do instituto da responsabilidade in contrahendo no seguinte quadro: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia - em que, por ex., o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, tomando-se por hipótese um dever pré-contratual de informar ser violado, por acção ou por omissão, quando uma das partes induz a outra em erro susceptível de ser invocado como fundamento de anulação do contrato.....Verificada alguma destas situações em que o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, a responsabilidade civil pré-contratual é compatível com qualquer uma das duas pretensões colocadas ao dispor do errante, enquanto titular do direito potestativo de anulação: ou cumular o pedido de indemnização com a anulação do contrato ou limitar-se à indemnização, mantendo o contrato em vigor (cfr. C. Ferreira de Almeida, Contratos – Conceito, Fontes, Formação, 5ª Ed., 2014, págs. 201/202); d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros (vide Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Edição, nota 1. ao apontado artigo, pág. 215, Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura de Negociações, Rev. Leg. e Jurisp., Ano 116º, págs. 101 e segs. e D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 248, Menezes Cordeiro, Tratado de D. Civil, Parte Geral, Vol. II, 4ª Ed., 2014, págs. 220/223, C. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 197/207, e o Acórdão do STJ de 6.11.2012, Proc.4068/06.8TBCSC, em www.dgsi.pt).

No nosso caso nenhuma das hipóteses se põe. As 1ª a 4ª são óbvias.

Efectivamente a A. e os 2ºs RR não celebraram nenhum contrato (quem celebrou contrato foram a A. e a 1ª R – um contrato de mediação imobiliária). E a A. e os mesmos 2ºs RR também não encetaram negociações para celebrar um contrato entre si. A final a ser eventualmente celebrado contrato de compra e venda seria entre tais 2ºs RR e a 1ª R.

Como resulta do DL 211/2004, de 20.8, que à data dos factos regulava o regime jurídico da mediação imobiliária, a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise, designadamente, a constituição ou aquisição de direitos reais sobre imóveis (art. 2º, nº 1). Sendo o cliente a pessoa que celebra o contrato de mediação imobiliária com a empresa, enquanto é interessado o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação (mesmo artigo, nº 4).

No caso a 1ª R. era a cliente e os 2ºs RR os interessados, estranhos, pois, à realização de qualquer contrato com a A.

A 5ª hipótese também não se põe, apesar da utilização da expressão “responsabilidade por actos de terceiros”. O que doutrinalmente se quer significar com isso é a eventual responsabilidade pré-contratual dos representantes do futuro contratante (no caso da A. e da 1ª R. antes da celebração do contrato de mediação) tais como gerentes, auxiliares técnicos, consultores, advogados, etc (vide os autores e obras citadas, respectivamente Menezes Cordeiro, págs. 222/223, e C. Ferreira de Almeida, págs. 210/211).

Portanto a construção jurídica da A., baseada na responsabilidade pré-contratual, para demandar os 2ºs RR, acaba por assentar num equívoco.

A A./recorrente ainda aventa com outro argumento para responsabilizar tais recorridos, a título de responsabilidade pré-contratual, o de que os 2ºs RR assinaram a ficha de reserva (vide a sua conclusão 15.).

Efectivamente assinaram (factos provados 4., 14. e 16.). Mas mais uma vez a A. labora em erro, não tendo tal documento o valor que a A. lhe quer dar. Tal reserva, como consta expressamente do doc., corporizaria a entrega de uma determinada quantia, pelos interessados na compra do imóvel, para ser entregue ao vendedor, não à A. que ficaria como mera depositária de tal quantia. O que nada tem de estranho, correspondendo ao mesmo tempo a uma possibilidade legal (adiantamento de quantia pelo interessado) e a uma imposição legal (a mediadora é fiel depositária de tal quantia), como decorre do art. 17º do citado DL 211/2004. Diga-se, ademais que tal reserva de 2.500 € nem sequer ocorreu (facto provado 36.), e que mesmo que tivesse ocorrido e os 2ºs RR tivessem desistido injustificadamente de celebrar contrato promessa de compra e venda com a 1ª R. apenas se sujeitariam a perder tal quantia para a mesma 1ª R. (cfr. o referido doc. de fls. 23, sua cláusula 5ª).

Dito tudo isto, impõe-se concluir que o recurso está votado ao insucesso, com base na invocada responsabilidade pré-contratual.

3.2. Embora de maneira muito sintética a A., também, diz que os 1ªR. e os 2ºs RR, em conluio, não lograram apresentar uma justificação válida para não realizar o negócio por intermédio da A. (sua conclusão 16.). Já na p.i., igualmente, alegara o mesmo, que a 1ª R. e os ora recorridos, em conluio, violaram tanto nos preliminares como na formação do contrato as regras e ditames da boa fé (vide art. 40º). O que confirma que se estava a mover racional e juridicamente no campo da responsabilidade pré-contratual. Que como vimos não existe por parte dos ora recorridos.

Mas a utilização da palavra “conluio”, secamente e sem qualquer outro desenvolvimento de direito, como agora, também, faz em recurso, levantou dúvidas na julgadora, tendo a mesma na sentença recorrida hipotizado que a A. poderia estar a querer convocar a figura jurídica da eficácia externa das obrigações. Nessa eventual situação a sentença recorrida deixou escrito que:

“Ainda que se admita a chamada eficácia externa das obrigações em moldes tais que o terceiro que colabora com o devedor na violação do contrato se torna responsável perante o credor (no caso, na violação do contrato de mediação imobiliária), a verdade é que avulta aqui, por um lado, o caráter não exclusivo do negócio que ligava a A. à sociedade e, por outro lado, a atuação ilícita da primeira na condução das diligências de mediação. 

Ora, no dizer de V. Serra (em RLJ, 103, p. 461 e ss.), “se um terceiro prejudica o credor de outrem e o seu procedimento reveste o caráter de abuso de direito, constitui-se no dever de indemnizar esse credo”, sendo abusivo o comportamento, nomeadamente, quando “chocar escandalosamente a consciência jurídica” ou “quando se usam meios ilícitos para provocar a violação do contrato ou quando o abuso resulta da finalidade e das circunstâncias”. 

Também para F. Correia (Da responsabilidade do terceiro que coopera com o devedor na violação de um pacto de preferência, em Estudos Jurídicos, Direito Civil e Comercial, Coimbra, 1969, p. 49), a responsabilidade de terceiro “deverá reconhecer-se pelo facto de o terceiro ter contratado conhecendo a obrigação”, mas desde que haja abuso de direito, isto é, quando ele procede “com o exclusivo intuito de prejudicar o credor, isto é, com intenção malévola ou meramente emulativa, caso em que “a cumplicidade na prática de um ato emulativo constitui, ela própria, um caso nítido de abuso de direito”1Do mesmo modo, A. Varela, Das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., p.158 e ss., rejeitando a tese da eficácia eterna das obrigações, apenas admite a obrigação de indemnizar a cargo do terceiro com base no abuso de direito. 

(…)

Quer isto dizer que nenhum conluio ocorreu entre a locatária e os RR. no sentido de, com prejuízo da A., ser celebrado o negócio referido em 5.”. 

No presente recurso a utilização da palavra “conluio” continua a suscitar dúvida sobre o que a recorrente pretende, pois usa a palavra de modo seco, sem quaisquer explicitação ou desenvolvimento a nível jurídico, doutrinário ou jurisprudencial, já que, no corpo das alegações, nem sequer aborda expressa ou implicitamente, a problemática da chamada eficácia externa das obrigações. De qualquer maneira, a ser essa a intenção da recorrente, diremos, muito sumariamente, que, por um lado, não há censura a fazer ao discurso jurídico exposto na sentença, e que, por outro lado, os factos provados (e ainda que amputados daqueles que a recorrente entende não estarem provados) não demonstram qualquer conluio entre os ora recorridos e a 1ª R. para prejudicar o eventual crédito da A. perante a 1ª R.   

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Os casos padrão da culpa in contrahendo correspondem ao seguinte: a) ruptura, infundamentada, das negociações preparatórias; b) não conclusão, injustificada, de um contrato cujas negociações se iniciaram; c) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; d) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar, designadamente contratos “indesejados”, isto é, contrato não correspondente às legítimas expectativas, devido, por ex., ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento; e) a responsabilidade por actos de terceiros;

ii) Não integra a figura da culpa in contrahendo, respeitante à A. e aos 2ºs RR, a situação em que aquela actuou como mediadora imobiliária, e estes últimos como interessados na compra e venda de um imóvel alegadamente propriedade da 1ª R., cliente da A./mediadora, se os interessados 2ºs RR vêm a desistir de celebrar contrato de compra e venda do mesmo imóvel com a 1ª R., por entre A./mediadora e os 2ºs RR não se ter realizado, não se pretender realizar, nem se ter negociado entre ambas a efectivação de qualquer contrato.

IV - Decisão

 

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. 

*

Custas pela A.

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                                                                    Coimbra, 27.5.2015

                                                                    Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                    Fonte Ramos

                                                                    Maria João Areias