Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
136/06.4TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 410; 236.º; 238.º; 334.º; 442.º; 718.º; 772.ºDO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. À luz do disposto no nº 1 do art.º 410.º do Código Civil, o contrato promessa caracteriza-se como a convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas se obrigam a celebrar determinado contrato, obrigação que pode ser cumprida perante um terceiro beneficiário.

2. De harmonia com o nº 2 do mesmo artigo, a promessa de celebração de contrato para o qual a lei exija documento autêntico ou particular só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincule.

3. Se o documento subscrito não contém expressa a obrigação das partes celebrarem um negócio futuro, o contrato promessa não chega a realizar-se, mesmo que o tenham expressado verbalmente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... propôs no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda uma acção com processo comum, inicialmente sob a forma sumária depois convertida em ordinária, contra B... e marido C.... pedindo se declare a nulidade de um contrato-promessa de compra e venda de determinado imóvel celebrado entre a A. e a Ré mulher, por preterição de formalidades exigidas pela lei; ou, assim não se entendendo, se considere o mesmo validamente resolvido pela A., condenando-se os RR. a restituir-lhe a importância de € 7.500,00, que entregou à Ré para aquele fim, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo pagamento.

Para tanto, alega que entre ela e os RR. ficou acordada a celebração de um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, propriedade dos RR., pelo preço de € 82.301,00, a formalizar mediante a intervenção de um solicitador; que tendo a A. informado os RR. que teria de recorrer a um financiamento bancário, logo se dispôs a subscrever o documento de fls. 14, contendo o "projecto" da compra e venda, onde ficou a constar o recebimento pela Ré de um sinal € 7.500; que no mesmo documento ficou estipulado que o negócio seria "anulado" se a A. não obtivesse o aludido financiamento; que este não lhe foi concedido, pelo que a Ré mulher veio a propor uma redução do preço, com qual a A. concordou, mas, dadas as condições do financiamento que lhe foram impostas, e que a A. não podia cumprir, o negócio não se concretizou; não obstante, os RR. insistem fazer sua a quantia  que lhes foi entregue, invocando recusa de cumprimento por banda da A...

Contestando, os RR. aduzem que o documento subscrito pelas partes e junto aos autos a fls. 14 consubstancia um válido contrato promessa de compra e venda, nunca tendo as partes acordado recorrer aos serviços de um solicitador para a respectiva elaboração; que com a redução do preço aceite pelos RR. a A. viu o financiamento que desejava aprovado em termos perfeitamente normais; que, apesar disso, a A. desistiu da compra, incumprindo definitivamente o contrato promessa. Reconvindo, baseando-se no incumprimento da A., pedem que esta seja condenada a pagar-lhes € 2.500,00, com que tiveram de remunerar uma imobiliária pela venda apressada do imóvel; € 1.374, 69, que a A. se tinha comprometido a suportar; a despesa com medicamentos que a Ré mulher teve de adquirir para o tratamento da depressão que lhe sobreveio, no montante de € 130,00/mês; e ainda a indemnização de € 10.000, por todos os danos não patrimoniais causados aos reconvintes. Terminam com a improcedência total da acção e a procedência da reconvenção.

A A. respondeu, mantendo o pedido e causa de pedir iniciais.

A final foi a reconvenção julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a A. dos pedidos correspondentes; e a acção procedente por provada, declarando-se a nulidade por falta de forma do contrato promessa verbal celebrado entre as partes, e condenando-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 7.500, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.          

Irresignados, deste veredicto interpuseram os RR. recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância, sem qualquer espécie de impugnação:

A) A Autora e a primeira Ré assinaram o documento de fls. 14 dos autos (alínea A) dos Factos Assentes), nos termos do qual consta que esta recebera da Autora, a título de sinal, a quantia de € 7 500,00 (aliena B) dos Factos Assentes).

B) Que o negócio ficaria anulado se o empréstimo bancário não fosse concedido à aqui Autora, havendo em consequência a devolução de tudo o prestado a título de sinal (alínea C) dos Factos Assentes).

C) Em comunicação datada de 4 de Dezembro de 2003, a instituição de crédito... veio informar a Autora que a proposta de crédito da habitação por si formulada, no montante de € 74 800,00 tinha sido considerado inviável (alínea D) dos factos assentes).

D) Porquanto o montante peticionado era superior ao valor da avaliação da fracção (alínea E) dos factos assentes).

E) Autora e Réus resolveram comprar e vender, respectivamente, e pelo preço total de € 82.301,00, a fracção B do prédio sito na ..., correspondente à cave-esquerda descrito na competente Conservatória do Registo Predial da ..., freguesia da ... sob o nº ... (resposta ao facto 1º da base instrutória).

F) Para pagamento de tal quantia, a Autora desde logo informou que teria de recorrer ao crédito à habitação, valendo-se, para o efeito, de uma instituição bancária (resposta ao facto 2º da base instrutória).

G) Para que o contrato-promessa de compra e venda fosse formalizado e reduzido a escrito, Autora e Ré acordaram que se recorresse aos serviços de um solicitador (resposta ao facto 3º da base instrutória).

H) A Autora informou a Ré mulher do referido em D) e E) (resposta ao facto 5º da base instrutória).

I) A Ré mulher persistiu no projecto da venda (resposta ao facto 6º da base instrutória).

J) A Autora e a Ré mulher, com a anuência do Réu marido, acordaram na redução do valor total da venda da fracção de € 82 301,00 para € 75 000,00, tendo na sequência de tal acordo a Autora procurado novamente o banco para que lhe fosse concedido o empréstimo agora perante os novos valores (resposta aos factos 7º, 8º e 17º).

L) Face a tal alteração de valores o Banco veio a pronunciar-se num sentido diverso, agora favorável à concessão do empréstimo para habitação (resposta ao facto 9º da base instrutória).

M) Condicionado a uma taxa variável indexada à Euribor a 6 meses, acrescida de 1,5 %, (resposta ao facto 10º da base instrutória).

N) A um penhor autónomo de depósito a prazo (resposta ao facto 11º da base instrutória).

O) A Autora acabou por não contrair o empréstimo bancário (resposta ao facto 12º da base instrutória).

P) A Autora comunicou aos Réus que já não tinha interesse no contrato (resposta ao facto 18º da base instrutória).

Q) E que pretendia desistir do negócio e a devolução do sinal (resposta ao facto 19º da base instrutória).

R) Os Réus mantiveram o propósito de fazer a escritura (resposta ao facto 20º da base instrutória).

S) A fracção identificada em 1) tem licença de utilização com o nº34-C emitida pela Câmara Municipal da ... de 14/02/1995 (resposta ao facto 22º da base instrutória).

T) Os Réus celebraram com a .... ... Lda., pessoa colectiva 503 539 376, representada por ....., um contrato - promessa de compra e venda do 2º andar direito com alvará de construção nº 335 (resposta ao facto 24º da base instrutória), situado na ..., desta cidade, pelo preço de € 85 000,00 com a seguinte forma de pagamento:

a) € 10 000,00 na altura da celebração do contrato-promessa de compra e venda (30/12/2003);

b) € 15.000,00’ até ao dia 20 de Fevereiro de 2004;

c) € 60.000,00 no acto da escritura a celebrar no 2º trimestre de 2004 (resposta ao facto 25º quinto da base instrutória);

U) Os Réus acabaram por encarregar a Sociedade ... Lda., Sociedade ...Lda., de vender a fracção referida em 1º, tendo-lhe pago a quantia de € 2 500,00 (resposta ao facto 26º da base instrutória).

V) A Autora declarou assumir o compromisso do pagamento do condomínio da fracção no montante de € 1374,69 (resposta ao facto 27º da base instrutória).

X) A Ré mulher teve problemas do foro neurológico, com sintomatologia de síndrome depressiva, tendo consultado um médico especialista em neurologia e frequentou diversas consulta no Hospital da ... (resposta ao facto 29º da base instrutória).

Z) A Autora despende em medicamentos a importância mensal aproximado de € 130,00 mensais (resposta ao facto 30º da base instrutória).

AA) A Ré mulher, ainda hoje continua com manifestações depressivas (resposta ao facto 31º da base instrutória).

AB) O que lhe causa sofrimento, incómodos, tristeza e mágoa (resposta ao facto 32º da base instrutória).

                                                                             *

A apelação.

Os apelantes culminam a respectiva alegação circunscrevendo o objecto do recurso – ex vi dos art.ºs 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC, na redacção aplicável – com a enunciação das seguintes conclusões:

I – O documento de fls. 14 é um contrato válido de promessa de compra e venda do imóvel em causa, obedecendo com suficiência à sua forma escrita.

II – A razão ultima ou finalidade das formalidades previstas no n°. 3 do Art°. 410° do Código Civil são evitar danos e riscos para o promitente comprador.

III – Estes riscos neste contrato ficaram e sempre estiveram acautelados.

IV – A não realização do negócio foi causada pela promitente compradora pelo que está vedada à Autora a invocação da omissão destas formalidades.

V – Assiste aos R.R. direito de não devolverem o sinal.

VI – Em reconvenção deve a A. pagar aos R.R. a quantia de € 3.874,69 por prejuízos materiais que ficaram provados. 

VII – A Sentença violou ou interpretou erradamente o disposto nos Art°s. 410°, n°s. l, 2 e 3, 236°, 238°, 334°, 442°, n° 2 , 718° e 772° do Código Civil, devendo tais disposições legais serem interpretadas no sentido exposto.

A Autora contra-alegou, terçando armas pela confirmação integral da sentença.

                                                                              *

As questões levantadas no recurso podem esquematizar-se do modo que se segue:

1º - Se as partes celebraram validamente um contrato promessa de compra e venda do imóvel identificado nos autos;

2º - Nesse pressuposto, se a A. não pode prevalecer-se da nulidade prevista no nº 3 do art.º 410, em face da não observância no contrato de qualquer das formalidades aí referidas;

3º - Ainda no pressuposto da validade do contrato, se houve incumprimento da A. que dê lugar à perda do sinal prestado;

4º - E se A. deve ser condenada no pedido reconvencional.

Sobre a celebração entre A. e ré mulher de um válido contrato promessa de compra e venda.

A este propósito, tendo por alvo imediato o documento de fls. 14, que foi subscrito por A. e Ré mulher nos termos consignados no facto provado em A), a sentença discorre desta forma:

"Ora, reportando-nos ao caso dos autos, não subsistem quaisquer dúvidas de que o documento em causa foi subscrito por ambas as partes, não constando a qualidade em que o subscreveram (designadamente identificando-se como promitente compradora e promitente vendedora), ou qualquer qualificação daquele acordo contratual do qual se pudesse também extrair uma qualquer correspondência com os termos do próprio documento.

Todavia, da sua letra, o que se extrai, por um lado, é que uma das subscritoras recebeu um "sinal'. (...)

Não se poderá, em nosso entender, considerar que este escrito é um contrato-promessa, dado que, como já referimos, o contrato-promessa de venda de um imóvel para habitação, como seria o caso, exige um forma para a sua celebração. Necessitando, como já referimos, de ter, nestes casos, uma correspondência com a letra do documento, o que não acontece.

Para que estivéssemos perante um contrato-promessa seria necessário que decorresse da letra do documento a obrigação de celebração do contrato prometido, ou contrato de compra e venda".

Adversam os apelantes que, apesar de tudo, aquele documento de fls. 14 reuniu os requisitos mínimos essenciais para se poder afirmar que nele está representado um verdadeiro contrato promessa de compra e venda, outorgado por escrito, vinculante para a A. como promitente compradora do imóvel dos RR..

Cremos, todavia, que lhes não assiste razão.

Se não, vejamos.

Convirá atentar, desde já, no teor literal do documento de fls. 14:

"..., 12 Novembro de 2003

Eu B.... com o B.l n.° ... recebi de sinal da venda do meu apartamento, fracção B referente à 1a Cave/esquerda a Quantia de 7.500 Euros de sinal, da A... com o B.I. n.º.... Ficando de receber o restante 74.801 o dia da escritura. Caso o empréstimo não seja concebido pelo banco o negocio fica anulado, devolvendo eu B... o sinal.

Caso seja necessário eu B... tenho 6 meses para permanecer na casa".

 

O saber se estamos perante uma declaração de vontade com um determinado sentido negocial é, antes de tudo, um problema interpretativo.

A indagação do sentido das declarações negociais desenvolve-se com a sequência de três possíveis critérios: em primeiro lugar, o da vontade real do declarante, se conhecida do declaratário – art.º 236, nº 2 do CC; em segundo lugar, o da impressão objectiva causada pelo comportamento do declarante sobre um declaratário normal, ficcionado no local do real declaratário - art.º 236, nº 1 do CC; por fim, na dúvida sobre os resultados com estes critérios, tratando-se de negócio oneroso, o critério fornecido por aquela solução que melhor se harmonize com o equilíbrio das prestações – art.º 237 do CC.

Por conseguinte, na ausência de qualquer indicador sobre a real vontade das partes se deve impor a impressão que o comportamento do declarante provocaria a um declaratário normal, em função das várias circunstâncias atendíveis.

Ou seja, só na falta de apuramento da vontade real do declarante, é que poderão intervir, como directrizes a considerar, entre outras, as que defluem dos próprios termos globais do negócio, dos interesses em jogo e do seu mais adequado tratamento, dos usos da praça, etc.

O Código Civil de 1966 acolheu, portanto, a doutrina objectivista da impressão do destinatário (art.º 236, nº 1), segundo a qual "declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição ao real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante", apenas se requerendo que o declarante possa razoavelmente contar com esse sentido, sob pena de ele não valer definitivamente (acarretando a nulidade do negócio).

Mas também nele foi introduzida a ressalva subjectivista de que valerá a vontade real do declarante – mesmo que diversa ou até antagónica da vontade dedutível para o declaratário normal – sempre que ela seja conhecida do declaratário concreto (nº 2 do art.º 236).      

Além disso, tratando-se de negócio formal, há que ter presente o texto do documento, no qual deve estar mínimamente retratado o sentido da declaração – art.º 238, nº 1 do CC.

Estas regras, válidas para a interpretação da declaração negocial, são também as que o intérprete deverá utilizar na tarefa de averiguar se, antes de mais, um dado comportamento pode ou não ser subsumido ao conceito ou natureza de declaração negocial.

É justamente essa a tarefa que no caso vertente se nos depara.

À luz do disposto no nº 1 do art.º 410 do CC, o contrato promessa caracteriza-se como a convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas se obrigam a celebrar determinado contrato, obrigação que pode ser cumprida perante um terceiro beneficiário.

Todavia, de harmonia com o nº 2 do mesmo artigo, a promessa de celebração de contrato para o qual a lei exija documento autêntico ou particular só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincule (...).

Citando Abel Pereira Delgado[1] sobre a natureza do contrato-promessa: " (...) podemos assentar, antes de mais, em que o contrato-promessa é um contrato, motivo por que não pode, de maneira alguma, prescindir do acordo bilateral (mútuo consenso) dos contraentes.

Depois, dir-se-á que a sua função consiste em vincular as partes a uma prestação futura, isto é, em as obrigar à conclusão de um contrato futuro, que por agora se não quer ou não pode realizar, sendo certo ainda que o seu objecto próprio não é o objecto do contrato a concluir, mas a conclusão dele, isto é, um «facere» que consiste em assentir e prestar-se a tudo o mais necessário para dar vida ao contrato tido em vista".

 

Sucede que, da análise o documento de fls 14, cujo teor foi acima integralmente transcrito, não se divisa a assunção de qualquer tipo de obrigação por qualquer das partes subscritoras.

Nomeadamente, dele não transparece - ainda que imperfeitamente - que a Autora se tenha objectivamente vinculado perante a Ré mulher, prometendo-lhe celebrar qualquer contrato, que poderia ser a escritura do suposto contrato de compra e venda do imóvel pelo indicado preço de € 82.301 (€ 7.500 de sinal + € 74.801,00).

Diversamente, o que nele surge retratado é um simples recibo de sinal por parte da Ré mulher. Mas quando alguém declara perante outrem que recebeu certa quantia que qualifica de sinal isso não implica para o declarante – e muito menos para o destinatário dessa declaração – a obrigação de fazer o que quer que seja.

A declaração de uma parte de que, por conta da venda de certo bem, recebeu certa importância que qualifica de sinal, ainda que subscrita pela parte que fez a entrega, não é idónea para suprir a declaração da promessa de comprar esse bem. 

É certo que naquele escrito se contem a expressão "Ficando de receber o restante 74.801 no dia da escritura". No entanto, daqui não se retira qualquer declaração de vontade, e muito menos, que tenha sido a pessoa da A. a vincular-se ao pagamento de uma tal verba.

De toda a maneira, dissipando qualquer vestígio de declaração com efeitos negociais através do documento em apreço, temos a matéria consignada no facto provado em G):

"Para que o contrato-promessa de compra e venda fosse formalizado e reduzido a escrito, autora e ré acordaram que se recorresse aos serviços de um solicitador (resposta ao facto 3° da base instrutória)".

Este facto tem de ser compaginado com a circunstância de A. e Ré mulher terem condicionado a intenção de concretizar o negócio[2] à obtenção pela primeira de um financiamento bancário, sem especificação do modo como essa obtenção se processaria – cfr. o facto provado em F) e o teor do doc. de fls. 14.

É perfeitamente compreensível que a A. e apelada, sem querer assumir uma obrigação, mas apenas exprimir à outra parte a seriedade das suas intenções, tenha assentido em adiantar à futura e provável vendedora um sinal (ou parte dele), que naturalmente seria tomado em conta na concretização do contrato promessa, dependendo da concessão do financiamento bancário.

Daqui se infere inequivocamente que o documento de fls. 14 foi um mero acto preparatório do contrato-promessa de compra e venda. Foi essa, de resto, a vontade real do declarante (conhecida e aceite do declaratário) nos termos no nº 2 do art.º 236 do CC.

 

Entendeu também a sentença que esse escrito de fls. 14, corporizando uma declaração-recibo, reflecte um acordo verbal sobre os moldes do contrato-promessa que as partes iriam reduzir a escrito com a intervenção do solicitador.

Não repugna aceitar que, mais do que um entendimento pré-contratual entre A. e Ré mulher, tivesse havido entre ambas (e, porventura, ainda entre o R. marido) um contrato meramente verbal, por virtude do qual esta declarou que recebera daquela € 7.500 como sinal. Aliás, só um acordo (verbal) de natureza contratual poderia servir de suporte à entrega e ao recebimento do dito sinal. Mas, seguramente, que, subjazendo à declaração-recibo do sinal, nada mais se pode representar do que um simples acordo verbal. Isto é, nada demonstra que as partes subscritoras do escrito de fls. 14 tenham querido, desde logo, e exclusivamente através dele, firmar obrigações para qualquer das partes.

É verdade que, conforme o facto provado em E), está demonstrado que A. e R. resolveram comprar e vender a fracção. Mas, só por si, isso significaria que as partes tinham uma intenção: de comprar e vender a fracção. O que se quedaria assaz distante da configuração emprestada pela sentença, quanto à existência de um contrato verbal.

Só conjugando essa intenção com o escrito de fls. 14 é que devemos concluir pela presença de um contrato promessa verbal.

Em função desta qualificação, haveria que determinar a sanção aplicável à ausência da forma legal para o contrato.

 

O documento titulante do contrato promessa, bilateral ou unilateral, é uma formalidade ad substantiam, pelo que, sem ele, tudo se passa como se o contrato não existisse. Sem a forma exigida o negócio não chega a nascer perante a ordem jurídica. Como esclarece Inocêncio Galvão Telles[3], "Antes de o documento ser lavrado e nele se vazar o conteúdo do negócio este poderá existir como negócio de facto, não porém como negócio validamente constituído, ou seja, formado segundo as prescrições legais".

Face ao disposto no art.º 220 do CC, cabe o vício da nulidade ao negócio que desrespeite a forma legal, "quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei".

Não havendo previsão especial na lei, deve ser sufragada a posição do veredicto ora impugnado de que o negócio outorgado entre A. e Ré está efectivamente ferido de nulidade, por violação da forma escrita a que estava adstrito diante da prescrição do nº 2 do art.º 410 do CC.

Em suma, não sendo a decisão recorrida merecedora de crítica neste particular segmento, tem de improceder, como é óbvio, a questão suscitada.

Sobre a inexistência de nulidade no contrato promessa pela inobservância das formalidades do nº 3 do art.º 410 do CC e a perda do sinal.

Como é evidente, a abordagem de ambas estas questões estaria dependente do êxito do recurso no tocante ao problema da validade do contrato promessa.

Visto que se considerou o contrato nulo passa a não fazer qualquer sentido debater questões que subentendem a respectiva validade formal.

Sobre o fundamento para o reconhecimento dos pedidos reconvencionais.

Estão aqui apenas em jogo os pedidos dos RR. de condenação da A. a indemnizá-los valor despendido com a mediadora que viabilizou a posterior venda da fracção (€ 2.500,00) e do valor de € 1374,69, relativo ao condomínio da fracção dos RR..

No que concerne à despesa com a mediação da venda da fracção a responsabilidade pela mesma teria que provir, além do mais, do incumprimento culposo da A. do contrato promessa (necessariamente válido). Afastada a validade do contrato, fica logo prejudicada a responsabilidade da A. pelos danos eventualmente provocados com a recusa em cumprir tal contrato. Ademais, mesmo que incumprimento da A. houvesse, nos termos do art.º 563 do CC, faltaria o nexo de causalidade entre o invocado pagamento e a conduta da apelada.

No que se atem à declaração da A. de que assumia as despesas de condomínio da fracção no montante de € 1374,69, a objecção da sentença de que a mesma se ligava à validade da promessa é inteiramente cabida. Essa declaração, com a mesma data do doc. de fls. 14, coaduna-se com a perspectiva da A. vir a tomar o lugar de promitente compradora do imóvel, pelo que constituiu uma cláusula acessória contemporânea que, como tal, não pode deixar de ser afectada pela nulidade do negócio a que ficou subordinada.

Donde que, e também quanto a este segmento da decisão, nada haja a alterar.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença.

Custas pelos apelantes.


[1] Do Contrato-Promessa, Editora do Jornal do Fundão, p. 15.
[2] O negócio aludido no escrito de fls. 14 pode ser tomado como a própria compra e venda, e não já o contrato promessa que as partes queriam formalizar.
[3] Contrato-Promessa de Compra e Venda, CJ, Ano IX, Tomo 4, p. 7.