Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
136/14.0GCACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 03/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP
Sumário: I - A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

II - Sem deixar de se ter conta a natureza e finalidades próprias da pena acessória de modo a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo artigo 40.º do Código Penal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. No âmbito do processo especial abreviado n.º 136/14.0GCACB, do extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, foi proferida sentença que decidiu condenar o arguido A..., com os demais sinais dos autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), bem como na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) meses e 20 (vinte) dias([1]).

2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, questionando a medida da pena acessória que entende dever ser fixada por período nunca inferior a 8 meses.

3. O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento porque as circunstâncias fácticas referidas nos autos justificam a pena proposta ou um valor perto desta.

5. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                          *

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte matéria de facto que, por não ter sido impugnada, nem padecer de qualquer vício que este Tribunal deva oficiosamente conhecer, há-de ter-se por imodificável e definitivamente assente([2]):

«1) No dia 21 de Março de 2014, pelas 19:15 horas, o tripulava o ciclomotor de matrícula (...)GR, pela Rua da Serradinha, Benedita, quando foi interveniente num acidente de viação que consistiu em despiste;

2) Em tais circunstâncias foi o arguido submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue no INML e acusou uma TAS de 2,37g/l;

3) O arguido sabia que tinha ingerido álcool antes de iniciar a condução e, mesmo assim, não se absteve de o fazer, admitindo como possível a verificação daquela taxa de alcoolemia e, conformando-se com tal possibilidade, ainda assim quis conduzir;

4) O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida por lei;

5) O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas;

6) No momento o arguido encontra-se desempregado;

7) Está inscrito no Centro de Emprego e aufere, a título de subsídio de desemprego, cerca de 350 € mensais;

8) Vive com a mulher e a filha de 23 anos de idade;

9) A mulher encontra-se a trabalhar num armazém de frutas;

10) Recebe cerca de 50 € por semana fruto do seu trabalho;

11) A filha encontra-se estudar em Lisboa no ensino universitário no Curso de Gestão;

12) O arguido vive em casa própria;

13) Não frequentou a escola e não sabe ler, nem escrever;

14) O arguido não tem antecedentes criminais.»

*

2. Apreciando

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal([3])que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([4]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([5]).

Assim, a questão a apreciar e decidir consiste apenas em apreciar a bondade da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada pelo tribunal a quo.

Sabido que o arguido se constituiu autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que incontroversamente decorre do factualismo apurado em julgamento, importa, pois, apreciar se a pena acessória que lhe foi concretamente aplicada se mostra, ou não, ajustada quanto à sua medida.

A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

No entanto, apesar da identidade de critérios, tratando-se de realidades complementares e distintas, não pode deixar de se ter conta a natureza e finalidades próprias da pena acessória de modo a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo artigo 40.º do Código Penal.

Sendo certo que a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação([6]).

 Daí que a determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no artigo 71º do Código Penal com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral([7]).

Ainda na vigência da versão originária do Código Penal, ensinava o Prof. Figueiredo Dias, no plano de lege ferenda, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material «a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável», circunstância essa que «vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa» pelo que deve esperar-se desta pena acessória «que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano», desempenhando, assim, uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação([8]).

E porque existe uma manifesta conexão entre o facto ilícito gerador da responsabilidade criminal – condução de veículo em estado de embriaguez – e a proibição de conduzir veículos motorizados, compreende-se a aplicação daquela pena acessória em crimes da natureza do perpetrado pelo arguido, bastando a prova da prática do facto ilícito e da específica culpa do arguido que suporte (e exija) a aplicação daquela pena acessória, sem necessidade de fazer a demonstração de factos adicionais([9]).

Ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez corresponde a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor entre três meses e três anos – artigo 69.º, n.º 1, a) do Código Penal.

Assim, sabendo-se a moldura penal abstracta aplicável, a determinação da medida da pena acessória será feita de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), tendo por base todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente – n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, a moldura de prevenção é definida entre o limiar mínimo abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias, e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas.

Considerando os apontados critérios há que considerar, desde logo, a circunstância de a conduta do arguido ter atentado contra um bem que, em face dos elevados índices de sinistralidade que marcam as nossas estradas, se revela cada vez mais importante do ponto de vista social (segurança rodoviária), o que eleva a medida de pena imposta pelas exigências de prevenção geral, ditadas pela necessidade de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.

Outrossim haverá que considerar o elevado grau de culpa do arguido na forma de dolo eventual, assim como o elevado grau de ilicitude emergente do facto na medida em que o arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia de 2,37 g/l, o que corresponde a 1,17 g/l acima do valor que confere significado criminal à conduta praticada, a que acrescem as exigências de prevenção especial que, no caso concreto, não se afiguram particularmente significativas já que o arguido não tem antecedentes criminais.

Por outro lado, em favor do arguido, militam as suas condições pessoais e económicas, apesar do seu diminuto valor, bem como a ausência de antecedentes criminais e a confissão dos factos, embora sem grande relevo para a descoberta da verdade na medida em que o arguido foi detido em flagrante delito e sempre os factos provados teriam resultado demonstrados em face dos elementos de prova constantes dos autos, designadamente o relatório do exame pericial de fls. 9.

Assim, tudo ponderado, tendo em conta outros casos paralelos, considera-se adequado fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor no período de 7 (sete) meses.

Procede, portanto, parcialmente o recurso interposto.

                                          *

III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada ao arguido no período de 7 (sete) meses.

                                          *

Sem tributação.

                                          *

(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

                                          *

Coimbra, 18 de Março de 2015

(Fernando Chaves - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)


[1] - A este respeito refira-se que existe um manifesto lapso no dispositivo da sentença que consta da acta de fls. 36 a 39, ao referir-se que o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias.
[2] - A factualidade dada como provada tem por base o que consta da acta de fls. 36 a 39 e audição da leitura da sentença que consta do suporte digital junto aos autos, audição por nós efectuada donde procedemos à respectiva transcrição.
[3] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[4]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ªedição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[5] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[6] - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232.
[7] - Cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 7/11/1996, 18/12/1996 e de 17/1/2001, publicados na Colectânea de Jurisprudência, Anos XXI, tomo V, págs. 47 e 62 e XXVI, Tomo I, pág. 51, respectivamente; Acórdãos da Relação de Coimbra de 3/12/008 e de 25/3/2009, disponíveis em www.dgsi.pt/trc.
[8]- Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 205 e 232.
[9] - Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/95, de 15/3/1995, in www.tribunalconstitucional.pt.