Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
883/07.3TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CUMPRIMENTO
DEVERES
IMPOSTO
CONDENAÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
PRESENÇA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 04/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (VARA DE COMPETÊNCIA MISTA - 1.ª SECÇÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 56.º E 495.º, N.º 2, DO CP
Sumário: I - A obrigatoriedade de audição presencial do condenado, prevista no n.º 2 do artigo 495.º do CPP, circunscreve-se aos casos de suspensão da execução da pena acompanhada da imposição de quaisquer condições cuja observância deva ser apoiada e fiscalizada pelos serviços de reinserção social.

II - Não obstante, o tribunal pode determinar a audiência presencial quando considerar que se mostra necessária, ainda que se trate do fundamento previsto na al. b) do n.º 1 do art. 56.º do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório:

No processo acima identificado por sentença de 15 de Dezembro de 2008, transitada em julgado em 23 de Fevereiro de 2009, o arguido A... foi condenado:

- pela prática de um crime de detenção ilegal de armas p. e p. pelo art° 6°/1 da Lei 22/97, de 27-6 na pena de nove meses de prisão;

- pela prática de um crime de tráfico de armas p. e p. pelo art° 6°/2 da Lei 22/97, de 27-6 na pena de um ano de prisão;

- pela prática de um crime de detenção ilícita de armas p. e p. pelo art° 86/1-c) da Lei 5/2006 de 23-2 na pena de um ano de prisão.

- pela prática de um crime de detenção ilícita de munições p. e p. pelo art° 86/1-d) da Lei 5/200| de 23-2 na pena de sete meses de prisão;

Em cúmulo na pena única de um dois anos e três meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período de tempo (fls. 506 e ss).

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Por despacho de 15-07-2013, decidiu o tribunal revogar a suspensão da execução da pena.

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Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

1. O Despacho recorrido ao não viabilizar a realização de uma audiência presencial do arguido, a fim de apreciar, conscientemente e com conhecimento da real situação actual do Recorrente, preteriu de forma clara o direito à audiência previsto no art. 495º, nº 2 do CPP.

2. A consequência dessa preterição, susceptível de afectar gravemente os direitos de defesa do arguido e de infringir a dimensão constitucional do princípio do contraditório e do direito constitucional de assistência por defensor, plasmados no art.º 32º nº 1, 3, e 5 da CRP, significa a “ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, e integra a nulidade insanável prevista no art.º 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

3. Em conformidade com o disposto no art.º 122º nº 1 do Código de Processo Penal, esta nulidade, por preterição da audiência prévia a que se reporta o art.º495 n.º 2 do C.P.P, torna também insanavelmente nulo, o despacho recorrido.

4. Nos presentes autos a suspensão da pena de prisão aplicada ao ora Recorrente foi revogada pelo facto de o ora Recorrente ter, segundo o Despacho recorrido, praticado dois crimes dolosos no período da suspensão.

5. Porém, o Tribunal a quo parece olvidar duas coisas, a nosso ver, muito importantes:

a) Primeira: O ora Arguido nos presentes autos foi condenado a uma pena única de 2 anos e 3 meses por factos praticados em 04/01/2006, ou seja, por factos praticados há mais de 7 anos.

b) Segunda: O Douto Despacho refere que no período da suspensão o ora Recorrente praticou um crime de roubo pelo qual foi condenado numa pena de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses. Contudo, esqueceu-se de referir que o ora Recorrente cumpriu já essa pena de prisão efectiva, encontrando-se já em liberdade condicional quando o Douto Despacho recorrido foi proferido e notificado ao ora Recorrente.

6. Se o ora Recorrente cumpriu já a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada no processo cujo crime foi praticado durante o período de suspensão, que sentido faz o Tribunal, agora, revogar-lhe a suspensão de uma pena de prisão cujos factos foram praticados há mais de 7 anos atrás e já depois deste cumprir a pena de prisão pelo crime praticado no período da suspensão?!

7. O ora Recorrente já cumpriu aquela pena de prisão efectiva, encontra-se em liberdade condicional desde 1 de Julho de 2013, pelo que é possível e até expectável (segundo o Douto Despacho) que agora, após estar em cumprimento de pena, o ora Recorrente altere o seu “percurso criminoso”

8. Logo, é possível (segundo o próprio raciocínio do Tribunal a quo) fazer-se um juízo de prognose favorável de que o ora Recorrente, depois de ter a consciência do que é efectivamente estar privado da liberdade não volte a praticar crimes.

9. Note-se, ainda, que quando foi apreciada a liberdade condicional do arguido, o presente processo (como é evidente) já existia. Ora, apesar disso, tal facto não impediu que o Tribunal de Execução de Penas entendesse que o mesmo reunia todas as condições para ser restituído à liberdade.

10. Agora que o ora Recorrente encetou já a sua reintegração social e que apresenta um sentido critico face ao seu passado criminal, que se dedica exclusivamente à sua família e que se encontra a desenvolver seriamente um esforço para aumentar e desenvolver as suas capacidades pessoais e sociais assim como a sua formação profissional, o Tribunal a quo pretende colocá-lo novamente dentro de um Estabelecimento Prisional para cumprir uma pena por factos praticados há sete anos atrás.

11. O regresso do ora Recorrente à prisão, por via da revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, após vários meses do ora Recorrente estar já em liberdade condicional e depois de ter já cumprido com sucesso uma pena total de 4 anos e 2 meses, acrescido de 6 meses (por aplicação de uma outra pena), representa a frustração total e grosseira das finalidades de prevenção especial e de ressocialização!

12. A nosso ver, sendo inequívoco que o ora recorrente praticou factos graves no decurso do período de suspensão e que, por essa via, desmereceu do juízo prognóstico favorável contido nessa suspensão, existem factores que, devidamente ponderados, desaconselham, nesta fase, a revogação da suspensão, a qual só deverá ocorrer como última ratio, se estiverem frustradas, definitiva e inexoravelmente, as finalidades que por via da suspensão se visavam alcançar.

13. Assim, no caso concreto, havia que ponderar que os factos pelos quais o ora recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução ocorreram há mais de 7 anos; que o período de suspensão da execução da pena findou há mais de 2 anos; que o tribunal, sem que se perceba o porquê, levou quase 4 anos a decidir-se pela revogação ou não da suspensão (o primeiro crime praticado no período da suspensão, conforme resulta do Despacho Recorrido foi praticado nove meses depois do trânsito da sentença proferida nos presentes autos), quando, pelo menos há quase de 2 anos (tendo em vista a data do trânsito em julgado do Acórdão que condenou o ora Recorrente pela prática do crime de roubo – último crime praticado no período da suspensão - e tendo em vista a data do despacho recorrido) que estava em condições de se pronunciar, por já haver decisão transitada no processo cuja condenação veio, segundo o Despacho recorrido, a justificar a revogação agora em apreço.

14. Ora, é precisamente quando o condenado enceta um caminho de ressocialização em liberdade, no âmbito do acompanhamento a que se encontra sujeito durante o período de liberdade condicional, com adesão às intervenções no âmbito social e da saúde e prosseguindo objectivos estruturados e estruturantes, que se pretende reenviá-lo para o estabelecimento prisional, no que constituirá um retrocesso no seu percurso de socialização, sem que se alcancem quaisquer vantagens no plano das finalidades preventivas (gerais e especiais) da punição.

15. E, no caso, a decisão é excessivamente tardia, quer considerando o final do período de suspensão da pena, quer a data da prática do facto, quer a circunstância de a decisão de revogação ter sido proferida quase 2 anos depois de já haver decisão transitada no processo cuja condenação ditou essa revogação e depois do recorrente ter já cumprido a pena de prisão que lhe foi aplicada naquele mesmo processo.

16. Neste contexto, afigura-se-nos que, pese embora a gravidade dos factos cometidos no decurso do período de suspensão, face ao que ficou dito, sempre haveria que correr o risco inerente ao juízo de prognose favorável e permitir ao condenado, ora Recorrente, uma prorrogação da suspensão e não uma revogação da suspensão da execução da pena.

17. Decidir-se como decidiu o Tribunal a quo, é violar-se, claramente o disposto no art. 20º, nº 5 da CRP e art. 32º, nº 2 parte final, na medida em que o Tribunal a quo ao não ouvir presencialmente o ora Recorrente para apurar a real e actual situação do Recorrente e ao revogar a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos sem atender a tudo quanto supra se expôs (os factos pelos quais o ora recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução ocorreram há mais de 7 anos; que o período de suspensão da execução da pena findou há mais de 2 anos; que o tribunal, sem que se perceba o porquê, levou quase 4 anos a decidir-se pela revogação ou não da suspensão; quando, pelo menos há quase de 2 anos que estava em condições de se pronunciar, por já haver decisão transitada no processo cuja condenação veio, segundo o Despacho recorrido, a justificar a revogação agora em apreço) impediu o ora Recorrente de ver a sua situação nos presentes autos ser julgada no menor curto espaço de tempo (isto no que à revogação diz respeito) e, ainda, impediu que a este (recorrente) fosse assegurado a celeridade e prioridade que o seu processo exigia e que a segurança jurídica impunha.

NORMAS VIOLADAS:
1. Art. 495º, nº 2 do CPP;
2. Art. 119º, nº 1 alínea c) do CPP;
3. Art. 13º da CRP;
4. Art. 55º, 56º ambos do CP;
5. Art. 20º e 32º da CRP

Em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e em consequência, ser revogando o Despacho recorrido e prorrogando-se por um ano o período de suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente. “

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Na resposta o Ministério Público pugna pela manutenção da decisão recorrida, concluindo:

1 - A decisão que ditou a revogação da suspensão da execução da pena imposta ao arguido não enferma de qualquer vício processual, designadamente da nulidade prevista no artigo 119°, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto foi cumprido, em pleno, o direito ao contraditório, e não era legalmente exigível a prévia audição presencial do arguido, pelas razões desenvolvidas na presente resposta.

2 - Bem pelo contrário, essa decisão traduz uma cuidada apreciação dos respectivos pressupostos e ponderou a inconciliabilidade, no caso, da prática de mais dois crimes, com as finalidades daquela suspensão.

3 - Com o seu comportamento, no decurso da suspensão da execução da pena e em manifesta violação dos fundamentos que a determinaram, o recorrente voltou a deter, pela quarta vez, uma arma que utilizou na pratica de um crime de roubo, pelo qual veio a ser condenado, evidenciando a desvalorização que atribui a essa conduta típica e penalmente ilícita, sendo condenado em pena de prisão em efectividade, por se haver concluído quer pela insuficiência da simples (e nova) censura do facto e da ameaça da pena, quer pela não verificação dos pressupostos viabilizadores da substituição da pena de prisão.

4 - A estas intensas exigências de prevenção especial, acrescem fortes necessidades cautelares de prevenção geral, pelo que a manutenção da suspensão da execução da pena, no caso, colocaria em crise as expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas.

5 - Pelo que a decisão recorrida não só não ofendeu o disposto nos artigos 56°, n.° 1, al. b), do Código Penal, como o recorrente alega, como bem andou o tribunal a quo quando a tomou, por traduzir uma correcta interpretação legal e a aplicação adequada e necessária da lei.

Nestes termos e pelo mais que, V.as Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, negando-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmando-se a decisão recorrida, far-se-á Justiça.”

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O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

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Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer, no qual se manifesta pela improcedência do recurso:

“Vistos os autos e o direito aplicável, sou de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, nos termos defendidos pela Ilustre Procuradora da República da 1a instância, que inteiramente subscrevo.

Verifica-se (fls. 683 a 700) que o arguido, notificado da promoção do MP no sentido da revogação da suspensão da execução da pena, a ela veio responder, pugnando pela manutenção da suspensão, portanto, ainda antes de ser proferido o despacho recorrido.

Resulta ainda dos autos que a suspensão da execução da pena não ficou condicionada ao cumprimento de deveres, regras de conduta ou outras obrigações, nem que a suspensão fosse acompanhada de regime de prova assente em plano de reinserção social (arts. 51° a 54° do CPenal).

Acresce que a suspensão da pena foi revogada ao abrigo do disposto no art. 56°, n° 1, al. b), do CPenal, isto é, por, durante o período de suspensão, ter cometido crime de roubo, pelo qual veio a ser condenado por acórdão transitado em julgado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva, e, perante esta condenação, ter concluído, o Tribunal a quo, que o juízo de prognose favorável que esteve na origem da suspensão, não se concretizou.

O art. 61°, n° 1, al. b), do CPPenal, confere ao arguido o direito de ser sempre ouvido pelo tribunal, quando este deva tomar qualquer decisão que o afete pessoalmente.

Por seu turno, o art. 495, n°s 1 e 2, do CPPenal, estabelece que, em caso de incumprimento, o arguido deve ser ouvido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das obrigações da suspensão.

Ora, no caso dos autos, não lhe tendo sido impostas quaisquer condições, não é aplicável o disposto neste último normativo, não sendo, por isso, obrigatório que o arguido fosse ouvido previamente pelo tribunal, tanto mais que não existia técnico de reinserção social, nem houve incumprimento de plano de reinserção, que também não existia.

Este entendimento foi o seguido recentemente, em acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 2013.10.30, proc. n° 707/08.4BAVR.C1, quando se decidiu que: “A obrigação de audição presencial do arguido, imposta pelo artigo 495°, n.° 2, do CPP, restringe-se à falta de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão, sendo, por isso, inaplicável aos casos em que o agente cometeu, no decurso da suspensão, novo crime, pelo qual foi condenado".

Quanto ao mais, acompanhando a resposta do MP na 1a instância, em particular, as conclusões 2, 3 e 4, direi, apenas, seguindo a doutrina do acórdão deste TRC, também de 2013.10.30, proc. n° 323/06.5GDCBR-A.C1, que a condenação, no decurso do prazo de suspensão, em pena de prisão efetiva pela prática de um crime doloso, com o recurso a arma proibida, “tendo, necessariamente, subjacente o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição seguida da correspondente «reclusão», não pode senão conduzir à revogação da suspensão decretada, por comprometer o juízo determinante subjacente à pena de substituição, designadamente o de prognose positiva quanto ao futuro do delinquente".

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Foi cumprido o art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não tendo havido qualquer resposta.

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Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.

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II – FUNDAMENTO DO RECURSO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a decidir pelo tribunal ad quem.

O recurso do arguido suscita as seguintes questões:

- Nulidade insanável por omissão da audição presencial do arguido - artº 56º, nº 1, alínea b., do Código Penal

- Fundamentos da revogação da suspensão da pena.

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O despacho sob recurso tem o seguinte teor (transcrição):

- Do suscitado vício da nulidade da decisão em conformidade com o disposto no artigo 119, n.° 1, alínea c) do C.P.P.

Invoca o arguido que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena foi tomada sem que lhe fosse assegurado o direito de estar presente, ocorrendo a nulidade insanável prevista no artigo. 119°, c), por violação do artigo 495°, n.° 2, ambos do Cód. Proc. Penal.

A nulidade em causa reporta-se à ausência do arguido ou do seu defensor nos casos em que a lei exija a respetiva comparência e está associada ao facto do regime legal da verificação da falta de cumprimento das condições de suspensão consagrar que: “O tribunal decide por despacho (...) ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.” - n.° 2, do citado artigo 495°.

Face à redação da norma afigura-se-nos pacífico que a imposição normativa de audição pessoal presencial, não abrange situações, como a presente, em que suspensão da execução da pena não foi condicionada ao cumprimento de qualquer dever de conduta a carecer de apoio ou fiscalização de técnico de reinserção social, nem sujeita a regime de prova.

Neste sentido de que a imposição normativa da audição pessoal e presencial do arguido no quadro da falta de cumprimento das condições da suspensão da execução da prisão não abrange situações em que não se determinou o apoio ou fiscalização do técnico de reinserção social, entre outros, acórdão de 14.07.2011, do T.R.P, proferido no processo n.° 1066/06.5 PGLRS.L1-5, acórdão do TRL, de 28-02-2012, proferido no processo 565/04.8TAOER.L1-5, acórdão de 30-05-2012, do TRP, proferido no Processo:

Relevante é que sejam cumpridos os princípios gerais que enformam o nosso processo penal, designadamente os atinentes às garantias de defesa estatuídas no artigo 32°, da Constituição da República Portuguesa (CRP), entre as quais avultam os direitos de contraditório, igualmente consagrados na lei ordinária, mais concretamente no artigo 61° n.°1, do Código de Processo Penal. Penal. O exercício do contraditório traduz-se no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos que aí sejam trazidos, abrangendo todos os actos susceptíveis de afetarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica.

Ora, no caso, foi dada ao arguido a oportunidade de se pronunciar, por duas vezes, sobre a revogação da suspensão da execução da pena e fê-lo por escrito, numa dessa vezes, expondo as razões por que, em seu entender, não se justificava a revogação pretendida pelo Ministério Público.

Foi, assim, cumprido, em pleno, o direito ao contraditório, pelo que não sendo legalmente exigível a audição presencial do arguido não faz qualquer sentido, nem tem fundamento legal, invocar a violação do preceituado no artigo. 119° n.° 1 c), do Cód. Proc.

Penal, pelo que se desatende a arguição de tal vício processual.

II - Da invocada retificação de erros materiais devido a lapso manifesto e, em consequência, da reforma do douto despacho em causa, tudo nos termos do artigo 662.°,n.° 2, do C.P.C.

A norma invocada não tem aplicação ao caso em análise, por inexistir qualquer lacuna a suprir mediante recurso ao disposto no Código de Processo Civil.

A matéria aludida está devidamente prevista e regulada nos artigos 374.° e seguintes do Código de Processo Penal, expressamente aplicáveis às decisões finais, pelo que terá de ser este diploma legal o atendível no caso.

Alega o arguido que se consignou no despacho preferido a fls. 756 a 759 “que o arguido e sua defensora foram ouvidos e nada disseram”, quando, na verdade, após a primeira notificação efetuada para esse efeito, o arguido veio manifestar-se contra a promovida, pelo Ministério Público, revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta, por entender que a condenação pelo crime, que se apurara que tinha cometido, ocorreu poucos dias antes do terminus do período da suspensão, o que permitiria, ainda assim, formular um juízo no sentido de que era possível “alcançar as finalidades da punição”.

Efetivamente da decisão proferida não consta a menção a essa primeira notificação e ao que na sequência dela o arguido veio argumentar.

Assim, em conformidade com o disposto nos n°s 1, alínea c) e 2, do artigo 379°, do C.P.P.) deverá ser reformada a decisão fazendo agora expressamente referência à argumentação aduzida pelo arguido na sequência da primeira notificação que lhe foi efetuada e também à condenação verificada no processo Sumário n.° 125/09.7PTCBR,do 4.° Juízo Criminal de Coimbra.

III - Neste processo 883/07.3TACBR, por sentença de 15 de Dezembro de 2008, transitada em julgado em 23 de fevereiro de 2009, o arguido A... foi condenado:

- pela prática de um crime de detenção ilegal de armas p. e p. pelo art° 6°/1 da Lei 22/97, de 27-6 na pena de nove meses de prisão;

- pela prática de um crime de tráfico de armas p. e p. pelo art° 6°/2 da Lei 22/97, de 27-6 na pena de um ano de prisão;

- pela prática de um crime de detenção ilícita de armas p. e p. pelo art° 86/1-c) da Lei 5/2006 de 23-2 na pena de um ano de prisão.

- pela prática de um crime de detenção ilícita de munições p. e p. pelo art° 86/1-d) da Lei 5/200| de 23-2 na pena de sete meses de prisão;

- Em cúmulo na pena única de um dois anos e três meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período de tempo (fls. 506 e ss).

Resulta da certidão de fls. 671 e ss. que o arguido foi condenado no processo n.° 48/11.0JACBR deste Tribunal, por sentença de 10 de novembro de 2011 transitada em julgado em 2 de dezembro de 2011, na pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art° 210°/1 do CP, por factos praticados em 4 de fevereiro de 2011.

E da certidão de fls. 729 e ss. resulta que o arguido foi condenado no processo n.° 125/09.7PTCBR do 4o Juízo Criminal de Coimbra, por sentença de 4 de novembro de 2009 transitada em julgado em 5 de abril de 2010, na pena de sete meses de prisão substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade pela prática de um crime de condução ilegal p. e p. pelo art° 3°/2 do DL 2/98, de 3-1, por factos praticados em 27 de novembro de 2009.

O Ministério Público pronuncia-se no sentido de ser revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido nos presentes autos.

Notificado para o efeito de se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena, o arguido pronunciou-se conforme consta de fls. 699/700 concluindo pela manutenção da suspensão da execução da pena e pela sua prorrogação por mais um ano.

Conforme supra referido, a imposição normativa da audição pessoal e presencial do arguido no quadro da falta de cumprimento das condições da suspensão da execução da prisão não abrange situações em que não se determinou o apoio ou fiscalização do técnico de reinserção social (acórdão de 14.07.2011, do T.R.P, proferido no processo n.° 1066/06.5 PGLRS.L1-5, acórdão do TRL, de 28-02-2012, proferido no processo 565/04.8TAOER.L1-5, acórdão de 30-05-2012, do TRP, proferido no Processo: 135/04.0IDAVR-B.C1.P1, acórdão de 20-06-2012, do TRC, proferido no Processo: 56/05.0GCPBL.C1 (disponíveis em www.dgsi.pt).

Face aos elementos que já resultam dos autos, afigura-se que é desnecessária a realização de quaisquer outras diligências.

Decidindo.

O art.° 56.° n.° 1 al. b) do Cód. Penal dispõe que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado...cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Da citada disposição legal decorre que, contrariamente à solução tradicional plasmada no Cód. Penal de 1886 e na versão originária do Cód. Penal, a condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão deixou de provocar automaticamente a revogação da suspensão.

Ora, no caso dos autos, o arguido praticou dois crimes dolosos na vigência da suspensão da execução da pena aplicada neste processo. O primeiro desses crimes foi praticado quando haviam decorrido pouco mais de nove meses e o segundo, quase no termo do período da suspensão, quando já haviam decorrido praticamente dois anos sobre o trânsito em julgado da condenação sofrida nestes autos.

Conforme resulta do seu certificado de registo criminal, o arguido sofreu ainda as seguintes condenações:

Aa) Por sentença transitada em julgado em 19/1/2004 proferida em 16/12/2003, pelo 3.° Juízo Criminal de Coimbra, no processo comum singular n.° 1559/01, pela prática de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.°/1 do CP na pena de nove meses de prisão então suspensa por dois anos, por factos de 26/6/2001;

4d) Por sentença transitada em julgado em 26/5/2005 proferida em 10/5/2005, pelo 3.° Juízo Criminal de Coimbra, no processo comum singular n.° 339/03, pela prática de crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.° 6.°/1 da Lei 22/97 na pena de 90 dias de multa a €6 diários, por factos de 4/8/2004;

Por sentença transitada em julgado em 09/02/2006 proferida em 25/1/2006, pelo 4.° Juízo Criminal de Coimbra, no processo comum singular n.° 261/04, pela prática de crime de condução ilegal p. e p. pelo art° 3/2 do DL 2/98, na pena de 6 meses de prisão substituída por 160 horas de trabalho a favor da comunidade e depois suspensa na sua execução, por factos de 23/5/2004;

a) Por sentença transitada em julgado em 12/01/2009 proferida em 8/11/2008, pelo 3o Juízo Criminal de Coimbra, no processo sumário n.° 49/08, pela prática de crime de condução ilegal p. e p. pelo art° 3/2 do DL 2/98, na pena de 10 meses de prisão suspensa por um ano, por factos de 8/11/2008;

e) Por sentença transitada em julgado em 15/9/2010 proferida em 30/6/2010, pelo 1o Juízo do TJ da Figueira da Foz, no processo comum coletivo n.° 224/06, pela prática de crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.° 6.° da Lei 22/97 na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução assente em regime de prova, por factos de 7/3/2006.

Neste processo já se ponderou desfavoravelmente na sentença que já antes tinha sido julgado e condenado pela prática de um crime de detenção ilícita de arma. A suspensão fundou-se na circunstância de ter ficado a convicção de estar convicto de que tem de por fim a este tipo de actividades delituosas.

Mas se disso convenceu o tribunal nessa altura parece agora evidente que tal juízo de prognose favorável não poderá manter-se pois a prática de dois crimes no período da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada é bem reveladora de que o arguido não tem (e não tinha já nessa altura) qualquer intenção de por fim ao seu percurso criminoso. Bem pelo contrário, no decurso do período da suspensão praticou o mais grave dos crimes pelos quais veio a ser condenado em pena de prisão efetiva.

Fundamentando um juízo de prognose desfavorável lê-se na sentença que “o arguido não demonstrou uma postura crítica perante os factos que foram dados como provados. Não se mostra socialmente inserido. Por outro lado, a personalidade que o arguido evidencia, distante do Direito e com notório desrespeito pela ordem jurídica instituída, leva-nos aconcluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada as finalidades da punição”.

Evidentemente que a condenação em pena de prisão, ainda que suspensa, deveria bastar por si só para constituir suficiente advertência no sentido de o arguido não praticar outros crimes. E se os crimes são de diferente natureza não deixa de haver alguma relação entre a detenção de arma ilegal e o crime de roubo perpetrado apertando o pescoço da ofendida, com pistola empunhada e exigindo a entrega de dinheiro. O arguido não soube pois aproveitar a derradeira oportunidade que lhe foi dada.

O arguido alega que ocorreu uma inflexão no seu comportamento mas já não convence como antes. A prática dos referidos crimes no período da suspensão da execução da pena é bem reveladora de que o seu comportamento não se alterou, sendo que a haver alguma alteração será por força da aplicação da pena de prisão efetiva que atualmente cumpre, mas tal é também, evidentemente, o que não pode deixar de se esperar.

Conclui-se, assim, que o arguido evidencia personalidade criminógena e flagrante desrespeito pela condenação sofrida, o que revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art.° 56.°, n.° 1, al. b) do Cód Penal, decido revogar a suspensão e determino o cumprimento da pena de dois anos e três meses de prisão fixada na sentença.

Notifique.

Após trânsito, informe o TEP e o processo à ordem do qual o arguido se encontra preso, com cópia deste despacho, que interessa a prisão à ordem destes autos.

Boletins ao registo criminal.”

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O despacho recorrido foi proferido sem que o tribunal tivesse convocado o arguido para prestar declarações no incidente da revogação da suspensão da execução da pena em que fora condenado.

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Da nulidade por preterição do direito à audiência presencial previsto no art. 495º, nº 2 do CPP.

Saber se é obrigatória a audição prévia do condenado para que se proceda à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nas situações em que a revogação decorra da condenação pela prática de crime cometido no decurso da suspensão, é questão que não tem obtido resposta unânime da jurisprudência.
Estipula o artº 56º, nº 1 do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Prevê esta norma duas situações que podem ser fundamento da revogação da suspensão da execução da pena de prisão:
- incumprimento dos «deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos;
- nova condenação «pela prática de qualquer crime cometido durante o período de suspensão».
Considerando a inserção sistemática, havia quem entendesse que o n.º 2 do artigo 495.º do C.P.P., na redacção anterior à revisão de 2007 – segundo o qual «o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado» - não se aplicava à hipótese da revogação da suspensão fundada na condenação por crime cometido no período da suspensão.
Entendia-se que no caso de condenação por crime praticado no decurso da suspensão, o tribunal decidiria somente com base no teor da sentença condenatória, apenas se impondo a audição prévia do arguido quando estivesse em causa o fundamento da alínea a) do n.º 1, do artigo 56.º do C.P. e não também quando o fundamento fosse o da alínea b) (neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 8.02.2006, Proc. n.º 0516093, www.dgsi.pt).
Outro era o entendimento dos que defendiam que era obrigatória a audição prévia do condenado, referida no n.º2 do artigo 495.º do C.P.P., mesmo nos casos em que a revogação tivesse fundamento na alínea b) do n.º1 do artigo 56.º, do Código Penal (Acórdãos: da Relação de Coimbra, de 30.04.2003, C.J., Ano, XXVIII, II, p. 50; da Relação de Coimbra, de 7.05.2003, Proc. n.º 612/03; da Relação de Évora, de 6.07.2004, Proc. n.º 1270/04-1; da Relação do Porto, de 31.05.2006, Proc. n.º 0640033; da Relação de Lisboa, de 1.03.2005, C.J., Ano XXX, II, p. 123 - e www.dgsi.pt).
A questão mantém-se pertinente, após a revisão do C.P.P. de 2007, sendo que a jurisprudência vinha considerando que a prévia audição do condenado é obrigatória – mesmo que o fundamento da revogação seja o da alínea b) do artigo 56.º - e que a sua falta constitui uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, al. c), do C.P.P. (veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 10 de Janeiro de 2008, relator Des. Jorge Gonçalves, no processo 21/03.1 GTGRD-A.C1, em que se aborda com detalhe a questão da audição prévia do condenado).
O que mantém controvérsia é saber se essa audição tem de ser pessoal e presencial, sendo contudo maioritária a jurisprudência que decide a obrigatoriedade da prévia audição presencial apenas nos casos em que a suspensão é acompanhada da imposição de quaisquer condições cuja observância é apoiada e acompanhada pelos serviços de reinserção social.

Com efeito, o artigo 495.º, n.º2, do C.P.P., na sua redacção actual, estabelece:

«2 – O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão

No caso em apreço, a suspensão da execução da pena imposta ao arguido não foi acompanhada da imposição de quaisquer condições cuja observância devesse ser apoiada e fiscalizada pelos serviços de reinserção social.

É manifesto que a audição «na presença do técnico», referida no artigo 495.º, n.º2, impõe-se, apenas, nos casos de suspensão acompanhada de regime de prova.

É claro que o tribunal pode determinar a audiência presencial quando considerar que se mostra necessária, ainda que se trate do fundamento previsto na al. b) do art 56º.
Em qualquer caso, exige-se o respeito pelo princípio do contraditório, que como é sabido, tem tutela constitucional expressa no art. 32º, nº5, da Constituição da República Portuguesa.

De notar ainda que o artigo 61º do Código de Processo Penal, distingue nas suas als. a) e b), respectivamente, o direito de presença – “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito” – e o direito de audiência – ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

Reportando-nos ao caso presente, a suspensão da execução da pena foi revogada com fundamento no facto de o arguido haver cometido um novo crime durante o período de suspensão e não por haver infringido os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, rectius, por haver infringido condições da suspensão que eram fiscalizadas por técnico. Assim, tendo o recorrente sido notificado para a promoção do Ministério Público em que era requerida a revogação da suspensão em virtude de haver cometido novo crime e tendo exposto no requerimento resposta - cfrfls 699 e 670 - as razões que no seu entender contrariavam o entendimento apresentado, não violou o tribunal qualquer disposição legal ao proferir a decisão sem que o tenha ouvido presencialmente.

Não é obrigatória uma audição directa e presencial do arguido, embora se possa ponderar, caso a caso, essa necessidade, como supra se assinalou.

Improcede pois este segmento do recurso.

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Dos pressupostos da revogação da suspensão.

Assente nos trabalhos de revisão do Código Penal, que conduziram à revisão de 1995, na consagração de uma solução de não automatismo da revogação e na necessidade de a nova condenação ser reveladora da impossibilidade de a suspensão cumprir as suas finalidades, dispõe o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), que a suspensão da execução da pena de prisão será revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Deste modo, qualquer que seja a razão que importe ponderar, ao abrigo das alíneas do n.º 1 do artigo 56.º, a revogação da suspensão pressupõe que se conclua que as finalidades que estavam na base da suspensão já não podem, por meio desta, ser alcançadas, infirmando-se o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.

Exige-se então na referida alínea b), o afastamento do juízo de prognose favorável em correlação com o cometimento de um novo crime.

Consequentemente, a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, ou seja, quando por via da nova condenação se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão.

Para tanto haverá que ponderar-se a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, bem como a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir -, em ordem à decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena.

No caso, o ora recorrente foi condenado nos presentes autos a uma pena única de 2 anos e 3 meses por factos praticados em 4/01/2006, ou seja, por factos praticados há mais de 7 anos.

O recorrente praticou no período de suspensão - quase no seu final - um crime de roubo pelo qual foi condenado numa pena de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses, de que cumpriu 2/3, encontrando-se já em liberdade condicional quando o despacho recorrido foi proferido e notificado.

Tal como salienta o recorrente até o despacho recorrido refere “ (…) sendo que a haver alguma alteração (do comportamento do Arguido) será por força da aplicação da pena de prisão efectiva que actualmente cumpre, mas tal é também, evidentemente o que não pode deixar de se esperar.”

O Tribunal de Execução de Penas entendeu que o arguido reunia todas as condições para ser restituído à liberdade:

“ Releva a favor do recluso, o facto de ter começado a verbalizar algum sentido crítico face ao seu passado criminal, manifestando o propósito de se dedicar à família, para o que poderá ter contribuído o facto de padecer de problemas de saúde e de ter netos para criar. (…)

Em meio prisional, revelou-se capaz de manter comportamento adequado, sem registo de sanção disciplinar. Beneficia de apoio da família, revelando-se motivado para se dedicar aos netos e retomar a venda ambulante. A medida de flexibilização da pena de que beneficiou decorreu sem incidentes.

Além disso, tendo o condenado atingido ontem os 2/3 da pena, ponderadas as exigências de liberdade condicional, perdendo relevância as exigências de prevenção geral nesta fase de cumprimento da pena, a finalidade última da punição parece-nos, face ao acima descrito, poder ser alcançada em liberdade.

Assim sendo, afigura-se-nos existirem factores de prevenção especial, seja negativa (ou de prevenção da reincidência), de que o condenado, querendo, não voltará a cometer novos crimes, seja positiva (prevenção especial de socialização) de reinserção social, face ao apoio familiar de que poderá beneficiar e por o recluso manifestar querer mudar de vida, parecendo reunir condições sociais para consolidar uma inflexão no seu percurso de vida, mormente face às limitações a nível de saúde, considerando-se que, deste modo, estão reunidos os pressupostos necessários para a concessão da liberdade condicional.”

Acresce que acórdão proferido no processo nº48/11.0 JACBR transitou em julgado em 2 de Dezembro de 2011, a decisão de revogação foi proferida em 15 de Julho de 2013 e o período de suspensão terminou em 23/05/2011.

Havendo que admitir que o tribunal aguardou pelo trânsito em julgado da decisão condenatória do processo 48/11.0 JACBR, afigura-se-nos exagerado levar um ano e meio para apreciar uma simples necessidade de prorrogação ou revogação da suspensão da pena, independentemente de se saber das razões que estiveram na sua base.

A consequência deste retardamento é óbvia: o recorrente, entretanto, foi colocado em liberdade condicional em 1 de Julho de 2013, no processo n.º 48/11.0 JACBR, encetando a sua reintegração social.

O seu regresso à prisão, por via da revogação da suspensão da execução da pena, após vários meses em liberdade, representa a frustração das finalidades de prevenção especial de socialização associadas à aplicação das penas - neste sentido Ac. Rel. Lisboa, 23 de Abril de 2013.
A decisão recorrida é absolutamente omissa quanto às circunstâncias da vida do recorrente e ao percurso desenvolvido desde que foi colocado em liberdade condicional.

É inequívoco que o recorrente praticou factos graves no decurso do período de suspensão e que, por essa via, desmereceu do juízo prognóstico favorável contido nessa suspensão.

Porém existem factores que, devidamente ponderados, desaconselham, nesta fase, a revogação da suspensão, a qual só deverá ocorrer como ultima ratio, se estiverem frustradas, definitiva e inexoravelmente, as finalidades que por via da suspensão se visavam alcançar.

Assim, no caso concreto, havia que ponderar que os factos pelos quais o recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução ocorreram há mais de 7 anos; que o período de suspensão da execução da pena findou há cerca de 3 anos; que o tribunal demorou adecidir-se pela revogação ou não da suspensão, quando, pelo menos há 2 anos estava em condições de se pronunciar, por já haver decisão transitada no processo cuja condenação veio a justificar a revogação agora em apreço.

Não se justifica que neste momento - quando o arguido já desenvolveu um processo de ressocialização em liberdade, no âmbito do acompanhamento a que se encontra sujeito durante o período de liberdade condicional, com adesão às intervenções no âmbito social e da saúde e prosseguindo objectivos estruturantes, - se pretender enviá-lo para o estabelecimento prisional, no que constituirá um retrocesso no seu percurso de socialização, sem que se alcancem quaisquer vantagens no plano das finalidades preventivas (gerais e especiais) da punição.

Recordando Figueiredo Dias “se a decisão for inadmissivelmente tardia, isso pode constituir motivo suficiente para que a revogação ou a prorrogação não sejam decretadas” (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do Crime, p. 358).

E, no caso, a decisão é excessivamente tardia, quer considerando o final do período de suspensão da pena, quer a data da prática do facto - 4/01/2006, - quer a circunstância de a decisão de revogação ter sido proferida mais de 2 anos depois de já haver decisão transitada no processo cuja condenação ditou essa revogação.

Neste contexto, afigura-se-nos que, pese embora a gravidade dos factos cometidos no decurso do período de suspensão, sempre haveria que correr o risco inerente ao juízo de prognose favorável e permitir ao condenado uma prorrogação da suspensão e não uma revogação da suspensão da execução da pena.

A questão que agora se coloca é a da possibilidade de prorrogar o período de suspensão quando, é certo, o período inicialmente fixado há muito terminou.

A resposta positiva parece um absurdo porque o que termina não se prorroga.

Porém, o Prof Figueiredo Dias, sustenta a prorrogação.

Estabelece o artigo 57.º, n.º2, do Código Penal, que findo o período de suspensão, encontrando-se pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, «a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão» ( sublinhado nosso).

O que significa que a revogação ou a prorrogação podem vir a ter lugar num momento posterior ao fim do período de suspensão.

Como afirma o referido autor (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do Crime, p. 358):

«Trata-se de um inconveniente inevitável e que tem de ser suportado; a menos que existisse uma norma segundo a qual a revogação ou a prorrogação estivessem legalmente adstritas a um prazo que não pudesse ultrapassar o da suspensão. Mas a inevitável morosidade da justiça conduziria então, as mais das vezes, a que ficasse sem efeito sobre a suspensão a prática de um novo crime, gravíssimo que fosse, ou a violação mais grosseira e culposa das condições da suspensão; o que provavelmente acabaria por reflectir-se, de forma negativa, nas intenções político-criminais que presidem à suspensão, diminuindo de modo sensível o seu âmbito efectivo de aplicação.»

E, noutro passo ((ob. cit., p. 347): «De todo o modo, deve ter-se em conta que a prorrogação do período de suspensão pode ter lugar mesmo depois daquele período se ter já esgotado, desde que no momento em que termina, se encontre pendente incidente que possa conduzir à prorrogação (…).»

Conclui-se, assim, que nas concretas circunstâncias em apreço, continuando a ter justificação que o condenado sofra a consequência de ter cometido novo crime no decurso do período de suspensão da execução da pena, tendo em vista a plena consecução das finalidades da punição, tal consequência deve ser não a da revogação da suspensão, mas antes a da prorrogação por um ano do período de suspensão, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, prorrogação a que, nos termos sobreditos, não obsta a circunstância de há muito ter findado o período de suspensão fixado no acórdão condenatório.

III- Dispositivo

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e prorrogando-se por um ano o período de suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente.

Sem tributação.

Coimbra, 02-04-2014

 (Isabel Valongo - Realtora)

 (Fernanda Ventura)