Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
570/14.6TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PERITO
MÉDICO
COMPARÊNCIA NO TRIBUNAL
JULGAMENTO
Data do Acordão: 06/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 134º DO CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO; 486º CPCIVIL.
Sumário: I – A comparência no julgamento dos peritos que intervieram na Junta Médica tem subjacente o princípio da imediação e da oralidade, ou seja, através de tal comparência os peritos podem esclarecer verbalmente as conclusões periciais que as partes e o tribunal ainda não considerem devidamente clarificadas, precisar melhor o sentido das suas respostas ou afirmações, deslindar melhor o seu raciocínio, explicar com mais pormenor o processo de aplicação dos seus conhecimentos técnicos, científicos ou profissionais e justificar com maior detalhe o parecer pericial emitido.

II – Tendo os peritos já comparecido no julgamento, não há fundamento legal para que os mesmos compareçam uma segunda vez, para reapreciarem novamente, agora verbalmente, a situação clínica do sinistrado, considerando um registo clínico junto ao processo depois da sua audição.

III – Um requerimento deduzido com esse propósito ultrapassa os limites e a finalidade da comparência dos peritos no julgamento, prevista no artº 134º do C. P. Trabalho.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Frustrada a tentativa de conciliação, realizada pelo Ministério Público, na presente ação especial emergente de acidente de trabalho, veio o sinistrado A... dar início à fase contenciosa do processo através da apresentação da petição inicial deduzida contra B...., S.A., Companhia de C..., S.A., D..., S.A., E..., S.A. e F... , pedindo que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe:

a) Indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) desde o dia 16.12.2013 até o A. ter alta com capacidade para o trabalho;

b) A quantia de 3.455,68 € (três mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros, e sessenta e oito cêntimos), relativa as despesas efetuadas pelo A. em consultas, exames, medicamentos, tratamentos e cirurgias, bem como às despesas que ainda se venham a mostrar necessárias até à sua reabilitação, de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar, e quaisquer outras necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do autor e à sua recuperação para a vida ativa, e despesas inerentes a deslocações necessárias ao seu tratamento.

Invocou, muito em síntese que sofreu um acidente de trabalho sendo as seguradoras demandadas responsáveis pela sua reparação.

As rés contestaram, não aceitando o nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pelo autor e o sinistro em apreço nos autos, alegando resumidamente que o sinistrado tem uma causa congénita agravada pelo acidente de viação sofrido em 2007 que nada tem a ver com o acidente sofrido em 8 de agosto de 2012.

Terminada a fase dos articulados, foi proferido despacho saneador tabelar. Selecionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

No apenso de fixação da incapacidade para o trabalho, considerou-se o sinistrado curado, mas portador de um coeficiente de desvalorização de 2% de IPP (incapacidade permanente parcial), desde o dia imediato ao da alta, ocorrida em 23/08/2012, e que o mesmo se encontrou em situação de ITA (incapacidade temporária absoluta), desde 09/08/2012 até 23/08/2012.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve:

«Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência:

A) - Condena-se as RR. – “ B... , S.A” (líder); “ C... , S.A”; “ D... , S.A”; “ E...s, S.A”, e “ F... ” (na proporção das respetivas responsabilidades) - a pagar ao autor e sinistrado – A... -, as seguintes importâncias: 

1) A título de despesas de transporte a quantia de 60,00 € (sessenta euros);

2) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia devida desde 24/08/2012, no montante de 153,10 € (cento e cinquenta e três euros, e dez cêntimos);

3) Juros de mora à taxa legal (4%) sobre as prestações pecuniárias em atraso – cfr. art. 135.º do Cód. Proc. de Trabalho.


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B) Custas pelas Rés seguradoras.

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Valor da causa: 2.648,31 €.»

Não se conformando com tal decisão, vieram as RR. interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

[…]

Contra-alegou o sinistrado, concluindo no final:

[…]

Admitido o recurso pela 1.ª instância, os autos subiram ao Tribunal da Relação.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.

Responderam as recorrentes, afirmando que o processo clínico do recorrido, junto aos autos, após pronúncia dos Senhores Peritos, abre caminho a um novo enquadramento médico-legal.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, a questão suscitada no recurso que importa dilucidar e resolver é a de saber se deve ser revogado o despacho que indeferiu a requerida reaudição dos peritos que compuseram a junta médica, com a consequente anulação dos atos processuais subsequentes, incluindo a sentença.


*

III. Matéria de Facto

O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

[…]


*

IV. Motivação de direito

Em sede de recurso, as apelantes manifestam o seu inconformismo com o despacho proferido em 7 de dezembro de 2016, que indeferiu a requerida reaudição dos peritos que compuseram a junta médica, sustentando a importância de tal audição por terem sido juntos ao processo, depois da comparência dos mesmos no julgamento, elementos clínicos, por solicitação do tribunal, cuja análise pelos peritos se mostra relevante para que o parecer maioritário seja ou não confirmado.

Analisemos a questão

Compulsados os autos, constata-se que os peritos que compuseram a junta médica que examinou o sinistrado foram notificados para comparecer na audiência final para aí prestarem esclarecimentos.

Na sequência, os mesmos estiveram presentes na sessão de julgamento ocorrida em 23/11/2016, tendo prestado os esclarecimentos então solicitados.

Seguiu-se a audição das testemunhas e antes de finalizar a sessão de julgamento a Meritíssima Juíza a quo, oficiosamente, determinou que se solicitasse ao Centro de Saúde de Tábua a remessa de cópia do historial clínico do autor desde janeiro de 2007, por considerar tal elemento relevante para apreciar o nexo de causalidade das lesões, uma vez que estando em causa ou não a existência de deformações prévias congénitas, tornava-se curial saber se o autor se queixava ou não de dores previamente à data do evento traumático em causa nos autos.

Satisfeito o solicitado, na sessão de julgamento seguinte, ocorrida em 07/11/2016, a Ilustre Mandatária as RR. apresentou o seguinte requerimento:

«Numa breve análise aos documentos que foram juntos no dia de ontem, provenientes do Centro de Saúde de Tábua e respeitantes ao processo clinico do autor, introduzem, na nossa opinião, questões que merecem uma reapreciação pela junta médica. É o caso que, em 27.04.2009 o autor já manifestava sintomas de síndrome vertebral com irradiação de dores conforme fls. 71 do registo clinico e o caso de o mesmo registo clinico revelar em 29.12.2014 a informação do autor que, desde o

nascimento apresenta tumefação lombar, suscetíveis, na nossa opinião, de questionar a fixação da própria IPP de 2% atribuída às lombalgias, enquanto lesões por este sofridas no acidente de trabalho de agosto de 2012.

Deste modo, requer a V.Exa que a junta médica seja novamente ouvida, após análise do registo clinico do autor ora junto aos autos, poder confirmar ou não, a IPP de 2%.»

Depois de assegurado o contraditório, foi proferido o despacho que se transcreve:

«Os Senhores peritos médicos já se pronunciaram em sede de exame por junta médica, já prestaram esclarecimentos no início da audiência de julgamento, não se nos afigurando necessário ou curial, determinar-se novamente a comparência dos mesmos para se pronunciarem sobre as sequelas/lesões do sinistrado, ponderando que, incumbirá ao Tribunal determinar em sede própria, a existência ou não do nexo de causalidade, sendo que, os registos clínicos do sinistrado foram por nós, oficiosamente determinados, enquanto meio de prova coadjuvante, a fim de aferir todo o quadro clinico do sinistrado anterior ao acidente.

Nessa medida, por forma a evitar-se outras delongas processuais, indefere-se o solicitado.»

O despacho citado não consubstancia um indeferimento de meio de prova, pois a prova pericial em causa já foi admitida. A questão suscitada constitui uma questão incidental no âmbito da prova pericial, que se pode traduzir pela seguinte interrogação: há fundamento para nova comparência dos peritos na audiência final?

Sob a epígrafe “Comparência de peritos na audiência de discussão e julgamento” preceitua o artigo 134.º, do Código de Processo do Trabalho:

«Os peritos médicos comparecem na audiência de discussão e julgamento quando o juiz o determinar, sempre que a sua audição não possa ou não deva ter lugar através dos meios técnicos processualmente previstos.»

Este normativo apresenta alguma similitude com o artigo 486.º do Código de Processo Civil, que consagra:

«Quando alguma das partes o requeira ou o juiz o ordene, os peritos comparecem na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos.»

Não obstante a lei nada refira depreende-se que a previsão das duas normas processuais tem subjacente o princípio da imediação e da oralidade, ou seja, através da sua comparência no julgamento os peritos podem esclarecer verbalmente conclusões periciais que as partes e o tribunal ainda não considerem devidamente clarificadas, precisar melhor o sentido das suas respostas ou afirmações, deslindar melhor o seu raciocínio, explicar com mais pormenor o processo de aplicação dos seus conhecimentos técnicos, científicos ou profissionais e justificar com maior detalhe o parecer pericial emitido.

A comparência dos peritos em julgamento visa, pois, o esclarecimento verbal, pelos próprios autores, do relatório pericial emitido, com base nos elementos considerados pelos peritos.

Ora, por via do requerimento que foi indeferido pelo despacho recorrido, as RR. não visavam esclarecer porque tinha sido afirmado pela maioria dos peritos, no auto de exame por junta médica, porque que o sinistrado estava afetado de uma IPP de 2% em função da lombalgia residual identificada como sequela, com fundamento nos elementos analisados.

O que se infere do requerimento apresentado é que as RR. pretendiam que os peritos reapreciassem, uma segunda vez, a situação do sinistrado, fase aos novos elementos trazidos aos autos.

Reapreciar é diferente de esclarecer.

O ato visado pelas apelantes ultrapassava os limites e a finalidade da comparência dos peritos no julgamento, prevista no artigo 134.º do Código de Processo do Trabalho.

Deste modo, tendo os peritos oportunamente comparecido no julgamento e prestado todos os esclarecimentos necessários respeitantes às conclusões periciais declaradas em sede de junta médica, afigura-se--nos que bem andou o tribunal de 1.ª instância ao considerar que não se justificava a comparência dos mesmos no julgamento para serem confrontados e apreciarem os novos registos clínicos do sinistrado juntos aos autos por determinação do tribunal.

A apreciação conjugada de todos os meios probatórios carreados para os autos, para efeitos de averiguação do nexo causal entre as lesões e o sinistro, competia ao tribunal, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova.

Sufragamos, pois, o despacho recorrido, que se mostra legal, pelo que não há fundamento para a anulação dos atos processuais posteriores à prolação do despacho recorrido, nomeadamente da sentença.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.


*

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam o despacho e a sentença recorridos.

Custas pelas recorrentes.

Notifique.

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Sumário elaborado pela relatora:
I-A comparência dos peritos que intervieram na Junta Médica no julgamento tem subjacente o princípio da imediação e da oralidade, ou seja, através de tal comparência os peritos podem esclarecer verbalmente conclusões periciais que as partes e o tribunal ainda não considerem devidamente clarificadas, precisar melhor o sentido das suas respostas ou afirmações, deslindar melhor o seu raciocínio, explicar com mais pormenor o processo de aplicação dos seus conhecimentos técnicos, científicos ou profissionais e justificar com maior detalhe o parecer pericial emitido.
II- Tendo os peritos já comparecido no julgamento, não há fundamento legal para que os mesmos compareçam uma segunda vez, para reapreciarem novamente, agora verbalmente, a situação clínica do sinistrado, considerando um registo clinico junto ao processo depois da sua audição.
III- Um requerimento deduzido com esse propósito ultrapassa os limites e a finalidade da comparência dos peritos no julgamento, prevista no artigo 134.º do Código de Processo do Trabalho.

Coimbra, 23 de junho de 2017

Relatora: Paula do Paço

1º Adjunto: Ramalho Pinto

2º Adjunto: Felizardo Paiva