Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/11.4JAAVR-K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
CONDIÇÃO REBUS SIC STANTIBUS
Data do Acordão: 06/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE BAIXO VOUGA – OLIVEIRA DO BAIRRO – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 191°, 193°, 194°, 202°, N.º 1, AL. A) E 213°, N.º 1, AL. A) CPP
Sumário: A alteração de uma medida de coação para outra menos gravosa apenas pode ocorrer quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artº 212º, nº 3 do Código de Processo Penal), o que quer dizer que as medidas de coação estão sujeitas à condição rebus sic stantibus, ou seja, o tribunal que aplicou a medida em caso algum pode substituí-la ou revogá-la sem que tenha havido alteração dos pressupostos de facto ou de direito.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Em 28 de fevereiro de 2013, procedendo ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva a que se encontra sujeito o recorrente A..., o tribunal proferiu o despacho determinando que o mesmo continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

Inconformada com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“1.ª O douto despacho recorrido não cumpre os deveres de fundamentação expressos no art.º 97, n.º 5, do CPP, e exigidos pela Constituição da República (art.º 205, n." 1) pois não pode decretar-se a manutenção da prisão preventiva sem se indicar concretamente a existência concreta de qualquer dos pressupostos contidos no art.º 204 do CPP;

2.ª Dizer-se que os pressupostos que estão na base da aplicação da prisão preventiva se mantêm, uma vez que é a única medida proporcional à gravidade do crime por que o arguido foi condenado, sem trânsito, e adequada a evitar os pericula libertatis, não cumpre de forma alguma a exigência daqueles preceitos;

3.ª Tal interpretação assim efectuada do art.° 97, n.º 5, do CPP, por referência ao art.º 204 do CPP, toma aquele preceito afectado do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade estatuído no art." 205, n.º 1, da CRP;

4.ª O princípio constitucional da presunção da inocência (art.° 32, n.º 2, da CRP) impede aliás que se fundamente qualquer um dos pressupostos do art.º 204 do CPP - que o despacho nem sequer invoca - no teor de decisão não transitada em julgado;

5.ª As exigências cautelares do caso encontram-se garantidas com a aplicação da medida prevista no art.° 201 do CPP, que o despacho se encontrava obrigado a aplicar por força do disposto no art.º 193, n.º 1 a 3, do CPP;

6.ª A invocação do Acórdão condenatório não transitado para fundamentar a manutenção da prisão preventiva, medida sempre directamente afastada por força do princípio da subsidiariedade (art.° 193, n.º 2 e 3, do CPP e art.° 28 da CRP), viola também o princípio constitucional da presunção de inocência consagrado no art.º 32, n." 2, daquele nosso Diploma Fundamental;

7.ª A gravidade do crime e o grau de ilicitude, para além de não poderem constituir fundamento para aplicação da prisão preventiva, em virtude de o Acórdão não ter transitado em julgado, encontram-se atenuados através dos próprios factos dados como assentes pelo Acórdão, ao retirar expressamente, por infundamentadas, as duas qualificativas invocadas na acusação e na pronúncia (alíneas e) e j) do n.º 2 do art.º 2 do art.º 131 do CP);

8.ª E também ao ter dado como provadas as várias injúrias e agressões praticados pela vítima à pessoa do arguido e a familiares queridos deste, que lhe provocaram "de modo crescente e contínuo, humilhação, sofrimento e mágoa ", tendo reagido à agressão efectuada pela vítima à sua tia, que lhe "causou dor e revolta ", dentro do referido quadro de compreensível emoção violenta (art.° 133 do CP);

9.ª Não existe pois concretamente, nos termos dos próprios factos dados como provados pelo Acórdão, a gravidade da situação invocada abstractamente pelo despacho recorrido para fundamentar a aplicação e manutenção da prisão preventiva;

10.ª E, no que se refere à personalidade do arguido, o Acórdão é claro e inequívoco em qualifica-la como extraordinariamente positiva e relevante, manifestada em todos os sítios por onde passou, desde os círculos da vida militar, social e profissional, reconhecendo que ele tem "uma vida familiar, profissional e sociável estável e equilibrada ";

11.ª Não é verdade pois que os fundamentos invocados pelo despacho atrás referidos sejam verdadeiros ou tenham a mínima sustentação objetiva na própria matéria dada como provada no Acórdão;

12.ª Violou assim o despacho recorrido, por errada interpretação, o disposto nos preceitos que invoca (art.º 191,193,194,202, n." 1, alínea a), 204, alínea a) e 213, n. ° 1, alínea a), todos do CPP) e ainda os que se indicam nas conclusões da presente motivação;

Termos em que se requer seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogado o despacho recorrido, com o arguido restituído à situação de obrigação de permanência na habitação.”

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido apresentou resposta opondo-se ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questão a decidir: manutenção da prisão preventiva

Vejamos:

Por acórdão de 7 de Dezembro de 2012 foi o arguido A... condenado como autor de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artºs. 131° e 132°, n.º 1, ambos do CPenal, e art. 86°, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 20 (vinte) anos de prisão (decisão confirmada por acórdão desta Relação datado de 8 de Maio de 2013 — ainda não transitado).

Naquela mesma data decidiu o tribunal que o arguido passasse a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva, decisão essa que foi confirmada por acórdão desta Relação de Coimbra, datado de 21 de Março de 2013.

Em 28 de Fevereiro de 2013, procedendo ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva a que se encontra sujeito o recorrente, o tribunal proferiu o despacho que se transcreve na parte relevante:

(...)

As medidas de coação devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas - artigo 193°, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Se estivermos perante a aplicação da prisão preventiva acresce que esta só pode ser aplicada subsidiariamente (artigo 193°, n.º 2 do Código de Processo Pena!), ou seja, quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.

No caso concreto, entende-se que os pressupostos que estiveram na base da aplicação da prisão preventiva ao arguido se mantêm, uma vez que é a única medida que sendo proporcional à gravidade do crime de que se encontra condenado, se bem que por Acórdão ainda não transitado em julgado, é adequada para evitar os "pericula libertatis" (artigo 202° do Código de Processo Penai).

Assim, e nos termos conjugados dos artigos 191°, 193°, 194°, 202°, n.º 1, al. a) e 213°, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido A... aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

Na sequência, o arguido interpôs o presente recurso.

Vejamos:

Diz o recorrente que o despacho em causa “não cumpre os deveres de fundamentação expressos no art.º 97, n.º 5, do CPP, e exigidos pela Constituição da República (art.º 205, n.º 1)”.

Não tem razão: o despacho está devidamente fundamentado e ainda que o não estivesse, sempre estaríamos perante uma irregularidade com o regime previsto no art.º 123º[[2]], ou seja, estava sanada por falta de arguição atempada.

No entanto, sempre diremos o seguinte:

A posição do recorrente assenta claramente num erro: o despacho sob recurso não determinou a prisão preventiva, mas sim a sua manutenção, o que faz toda a diferença em termos de fundamentação, como é evidente!

Com efeito, ao contrário do despacho que inicialmente determina a aplicação da prisão preventiva (ou da obrigação de permanência na habitação), o despacho proferido ao abrigo do disposto no art.º 213º destina-se exclusivamente a proceder à reavaliação dos pressupostos que sustentam a manutenção da prisão preventiva anteriormente aplicada (ou da obrigação de permanência na habitação), pelo que a sua fundamentação se reporta exclusivamente a circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos que fundamentaram essa anterior decisão.

É preciso não esquecer que a alteração de uma medida de coacção para outra menos gravosa apenas pode ocorrer quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artº 212º, nº 3 do Código de Processo Penal), o que quer dizer que as medidas de coacção[Lince1] estão sujeitas à condição rebus sic stantibus, ou seja, o tribunal que aplicou a medida em caso algum pode substituí-la ou revogá-la sem que tenha havido alteração dos pressupostos de facto ou de direito[[3]]

Por isso, a fundamentação de um despacho proferido ao abrigo do disposto no art.º 213º pode limitar-se à mera declaração da constatação de que posteriormente ao despacho que determinou ou manteve a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação não ocorreram circunstâncias atenuativas das exigências cautelares que ditaram a decisão.

Assim, não tendo havido qualquer atenuação das exigências cautelares — como o próprio recorrente admite ao não apontar qualquer circunstância atenuativa entretanto ocorrida —, temos que considerar suficiente a fundamentação do despacho recorrido, o que equivale a dizer que o mesmo está devidamente fundamentado e não padece da nulidade ou da inconstitucionalidade invocadas.

De qualquer modo sempre diremos que também nós não vislumbramos a existência de qualquer enfraquecimento nas exigências cautelares, sendo certo que a integral confirmação por esta Relação das decisões da 1ª instância entretanto proferidas — acórdão condenatório e despacho que impôs a medida de coacção de prisão preventiva — em nada fortalecem a pretensão do recorrente: pelo contrário, a confirmação de ambas as decisões aponta claramente no sentido de que não há enfraquecimento, antes reforço, das exigências cautelares.

*

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso

*

Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

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Luis Ramos (Relator)

Vasques Osório

[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)

[2] Neste sentido, entre muitos outros, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Julho de 2012 (“A falta de fundamentação do despacho que procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva constitui mera irregularidade – a arguir pelo interessado no próprio ato ou, se a este não tiver assistido, no prazo de três dias a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.”)

[3] É o que resulta claramente da lei e é jurisprudência pacífica — v.g., Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Outubro de 2009, Acórdão da Relação de Lisboa de 31 de Janeiro de 2007, Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Fevereiro de 2006, Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Dezembro de 2009, Acórdão da relação de Coimbra de 18 de Novembro de 2009, Acórdão da relação de Coimbra de 16 de Dezembro de 2009, Acórdão da relação de Coimbra de 14 de Abril de 1999, Acórdão da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2005, Acórdão da Relação do Porto de 21 de Setembro de 2005, Acórdão da Relação do Porto de 30 de Março de 2005, Acórdão da Relação de Guimarães de 24 de Novembro de 2008, Acórdão da Relação de Guimarães de 8 de Maio de 2006, Acórdão da Relação de Guimarães de 19 de Setembro de 2005, Acórdão da Relação de Évora de 17 de Setembro de 2009 e Acórdão da Relação de Évora de 27 de Novembro de 2007.

[Lince1]coacção convertido para coação