Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
130/13.9TAIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CRIME SEMI-PÚBLICO
PRAZO
EXERCÍCIO DE DIREITO
DIREITO DE QUEIXA
INDÍCIOS
IN DUBIO PRO REO
INJÚRIA
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.115.º E 18.º, DO CP; ART. 283.º DO CPP
Sumário: I - A lei que concede a iniciativa da punição do crime de natureza semi-pública ou particular, impõe também, como condição, o agir dentro de um prazo.
II - O cômputo do prazo começa com a data em que o titular do direito de queixa teve conhecimento naturalístico dos factos (do facto e dos seus autores), ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.

III - Quanto à contagem do termo do prazo para o exercício de queixa, existe um entendimento abrangente de que o critério legal da sua computação deve procurar-se no art.279.º do Código Civil, não lhe sendo aplicáveis as regras de contagem dos prazos processuais, designadamente as dos artigos 138.º e 139.º do atual C.P.C..

IV - Na resolução da dúvida sobre se a agressão física teve lugar no período que consta da acusação deduzida pelo Ministério Público, ou num outro período em que a assistente declarou que também pode ter ocorrido, não pode deixar-se de ter em conta um dos princípios constitucionais e processuais penais fundamentais a nível de valoração da prova: o princípio in dubio pro reo .

V - Para a pronúncia, não obstante não ser necessária a certeza da existência da infração, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes por forma que, logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de razoável probabilidade de condenação no que respeita aos factos que lhe são imputados.

VI - A suficiência dos indícios de futura condenação do arguido, aferida por um juízo de alta probabilidade, em face das regras da experiência comum e livre apreciação da prova, tem de ser compatibilizada com os princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência.

VII - O trabalho do Tribunal da Relação na sindicância do apuramento dos factos dados como suficientemente indiciados no despacho de pronúncia traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do Juiz de Instrução e concluir, atento o disposto no art.127.º do Código de Processo Penal, da razoabilidade ou não da existência daqueles indícios.

VIII - No circunstancialismo, existem indícios suficientes de que o arguido ao escarrar, de forma ostensiva e ruidosa, em direção da assistente, num lugar público, de uma pequena localidade, e quando a assistente se encontra na companhia de uma pessoa, quis deliberada, livre e conscientemente, ofender a honra e consideração da assistente.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra .

     Relatório

            Por decisão instrutória, proferida a 24 de Junho de 2014, a Ex.ma Juíza de Instrução Criminal, do Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova (actual Comarca de Castelo Branco - Instância Local de Idanha-a-Nova,), decidiu julgar extinto o direito de queixa da assistente A..., bem como o procedimento criminal, no que respeita ao crime de ofensa à integridade física e, consequentemente, não pronunciar o arguido B... pela prática, em  autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal e, pronunciar o arguido B..., para julgamento em processo comum, perante Tribunal Singular, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 e 182.º do Código Penal.

            Inconformada com a douta decisão instrutória dela interpôs recurso a assistente A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

l.ª A douta decisão instrutória proferida pelo Tribunal a quo, de que se recorre, fez uma errada aplicação do Direito Penal e Processual Penal quanto ao direito de queixa e à tempestividade e momento de apresentação da mesma, por ter declarado extinto o direito de queixa da assistente quanto ao crime de ofensa à integridade física simples.

2.ª Alicerçou tal decisão no facto de não ser possível fixar temporalmente a prática do ilícito típico sub iudice, fazendo recair a consequência de tal incognoscibilidade sobre a queixosa na forma de extinção do procedimento.

3.ª Este entendimento contraria a fundamentação da douta decisão, pois nela se acolhe que o facto típico - a agressão, concretizada na pancada infligida pelo arguido no peito da assistente - está temporalmente determinado.

4.ª Nesta medida, o tribunal a quo considerou provado que os “factos terão sido praticados em data não concretamente apurada mas próxima de meados ou finais do mês de Junho de 2013”, corroborando parcialmente os factos contidos na queixa e acusação pública.

5.ª O prazo como limite do exercício do direito de queixa é absolutamente essencial, como pressuposto positivo de punição, nos crimes semipúblicos e particulares, iniciando-se com o conhecimento do facto ilícito e dos seus autores pelo ofendido.

6.ª In casu, a ofendida e assistente tomou conhecimento imediato dos factos, da agressão perpetrada na sua pessoa. Todavia, motivado pelo quadro de depressão que desenvolveu logo após e por causa da agressão perpetrada pelo arguido, não lhe foi entretanto possível determinar com exactidão a data dos factos.

7.ª Tal lapso encontra-se devidamente justificado e documentado nos autos num relatório médico elaborado pela médica psiquiátrica, Dr.ª C..., que acompanhou a assistente, como também pelo depoimento prestado pela mesma médica em sede de instrução, ao qual o meritíssimo juiz se reporta na douta decisão e lhe atribui credibilidade.

8.ª Não obstante, ficou assente que a prática dos factos ocorreu entre meados e finais de Junho de 2013.

9.ª Deste facto retira-se uma consequência juridicamente valorável: considerar o momento da prática dos factos até 30 de Junho de 2013.

10.ª Nos termos do art. 115, n.º 2 do CPP, é de seis meses o prazo conferido ao assistente para o exercício da queixa, devendo a sua contagem ser feita a partir daquele momento, i.e., 30 de Junho de 2013.

11.ª O prazo da apresentação de queixa assume natureza substantiva e não adjectiva, aplicando-se, pois, o critério inscrito no art. 279.°, al. c) do Código Civil, nos termos do qual “o prazo fixado em meses, contado a partir de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda dentro do último mês e se no último dia do mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”, (cfr. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, de 18.04.2012, in www.dgsi.pt)

12.ª Destarte, o prazo para a apresentação da queixa pela ofendida terminaria em 31 de Dezembro de 2013.

13.ª A queixa foi apresentada no dia 18 de Dezembro de 2013, pelo que, salvo melhor entendimento, foi exercido tempestivamente o respectivo direito, falindo, por isso, a argumentação tecida pelo tribunal a quo.

14.ª A aplicação correcta das normas citadas imporia uma decisão diversa da aplicada pelo Tribunal, determinando a pronuncia do arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.°, n.° 1 do Código Penal.

15.ª Isto porque no seu entendimento, das diligências levadas a cabo em sede de inquérito e instrução resultaram indiciária e suficientemente provados os factos constantes da douta acusação pública que vinham imputados ao arguido.

16.ª A decisão recorrida parece-nos, salvo melhor entendimento merecedora de crítica e correcção, por violar o disposto nos arts. 115.°, 2 do CPP e 279.°, al. c) do Código Civil, devendo ser substituída por outra que pronuncie o arguido nos termos acima expostos.

Nestes termos,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, alterada a decisão instrutória nos termos supra expostos, assim se fazendo JUSTIÇA.

            Também o arguido B... não se conformou com a douta decisão instrutória, sendo do seguinte teor as conclusões que retira da motivação do seu recurso:

A. O presente recurso tem por objecto a decisão instrutória proferida pela Secção Única do Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova em 24 de Junho de 2014, a qual pronunciou o ora Recorrente pela prática de um crime de injúria, p. p. pelo artigo 181.°, n.° 1, e 182.° do Código Penal (CP).

B. Em causa está a imputação ao ARGUIDO de um crime de injúria, por este ter, alegadamente, cuspido para o chão, na direcção da ASSISTENTE, sem intenção de a atingir.

C. Para fundamentar a sua convicção, entende o Tribunal a quo que os indícios apurados na fase de inquérito não foram infirmados e, como tal, consideram-se suficientes.

D. O que é, desde já contraditório com a decisão de pronunciar o ARGUIDO, porquanto o Ministério Público não acompanhou a acusação particular, precisamente “por entender que não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime de natureza particular, conforme a posição já assumida nos autos” (destacado nosso) - cf. despacho de arquivamento.

E. Os indícios considerados suficientes pelo Tribunal a quo para pronunciar o ARGUIDO pelo crime de injúria são (i) as declarações da Assistente em sede de instrução, (ii) o depoimento da testemunha D...em sede de inquérito, e (iii) o relatório e depoimento da médica psiquiatra, Dra. C....

Quanto às declarações da Assistente

F. Começou a Assistente por referir, no artigo 11.° da acusação particular (em consonância com o que sustentara na queixa), o seguinte: “no dia 16 de Setembro de 2013, por volta das 12 horas, no Largo da Casa do Povo, sito em Monsanto, encontrava-se a queixosa na companhia de uma pessoa amiga, Mana D..., quando o denunciado passou por elas e, de forma ostensiva e ruidosa, escarrou na direcção da denunciada” (destacado nosso).

G. Apesar de reconhecer, à data da apresentação da queixa e da acusação particular, que não se recordava exactamente das datas das alegadas ofensas à integridade física, soube localizar com a referida precisão o imputado crime de injúria.

H. Confrontado com esta versão dos factos, o Arguido juntou prova documental apta a provar, inequivocamente, que no dia e às horas inicialmente indicados na acusação particular encontrava-se a uma hora de distância, em Castelo Branco, onde permaneceu, pelo menos, entre as 10h30m e as 14h50m - cf. artigos 59.° a 80.° do RAI e documentação a ele anexa.

I. Em consequência, após tomar conhecimento da defesa do Arguido, veio a Assistente alterar a sua versão dos factos, afirmando que, afinal, os factos poderiam ter ocorrido entre Agosto e Setembro, a qualquer hora do dia.

J. Em consequência, entendeu o Tribunal a quo proceder à alteração não substancial dos factos referidos na acusação particular, por forma a que, em vez da data e hora supra referidos, constasse do ponto 1 da matéria de facto que os factos teriam ocorrido “[e]m dia não concretamente apurado, do mês de Agosto ou Setembro de 2013”. 

K. Apenas para, por fim, concluir que «a defesa apresentada pelo Arguido não foi suficiente para infirmar os aludidos indícios».

L. Ora, ou o alegado facto, tal como a assistente refere na acusação particular e novamente quando instada no final do seu depoimento, se passou no dia 16 de Setembro pelas 12h00 e o aqui arguido não se encontrava em Monsanto, impondo-se a conclusão pela insuficiência de indícios quanto ao facto agora indicado em 1. da matéria de facto,

M. Ou existe dúvida quanto à possibilidade física de ocorrência do facto, o que tem de resultar na insuficiência deste depoimento para fundar a pronúncia do ARGUIDO.

N. Por outro lado, viola o princípio in dubio pro reo, a valorização, em desfavor do ARGUIDO, da dúvida, expressa pela ASSISTENTE, quanto à ocorrência dos factos na circunstância temporal por si afirmada e reiterada na acusação particular, após a prova apresentada pelo ARGUIDO da impossibilidade física da sua ocorrência, traduzindo-se essa valorização na imposição, ao ARGUIDO, do ónus da prova de não ter praticado os factos, em momento algum, durante 61 dias.

O. A impossibilidade física de ocorrência dos factos à data e hora indicadas, com certeza, pela ASSISTENTE na sua queixa e acusação particular, deve beneficiar o ARGUIDO e implica que seja dado como não provado o ponto 1. da matéria de facto.

Por outro lado,

P. É ilógico, contrário às regras da experiência e desprovido de credibilidade o depoimento da ASSISTENTE quando sustenta, simultaneamente, que tinha “efectivamente medo do denunciado, receando que possa repetir as agressões quer contra a sua pessoa, quer contra algum dos seus filhos e marido”, e a alegação de que se encontrava, à data dos factos, a confraternizar a l,5m / 2,00m do veículo deste, consciente de que o ARGUIDO se poderia dirigir ao seu veículo a qualquer momento.

Quanto ao depoimento de D...

Q. Quanto ao facto referido em 1. da matéria de facto da pronúncia, a testemunha D...disse, tão-somente, em sede de inquérito, “[q]eu não sabe as datas exatas, mas lembra-se que um dia a declarante acompanhava a queixosa e apareceu no caminho o denunciado B... e o mesmo ao cruzar-se com elas cuspiu em direção da queixosa”.

R. Entendeu o Tribunal a quo que tanto bastava para concluir que “se mantêm os indícios suficientes da prática dos factos nos termos constantes da acusação”, apesar de, como se referiu, nesta matéria, ter havido um arquivamento, por não se verificarem os referidos indícios.

S. Acontece que a ASSISTENTE, na sua nova versão, refere que se encontrava “encostada num balcão situado num largo”, juntamente com a testemunha D..., quando o ARGUIDO alegadamente se aproximou de si e cuspiu para o chão (declarações da ASSISTENTE, entre os 00h49m47s e as 00h50m59s).

I. Portanto, enquanto na versão da ASSISTENTE (considerada credível pelo Tribunal a quo), se encontrariam ambas encostadas a um balcão situado num largo, já na versão da testemunha D...(igualmente considerada credível pelo Tribunal a quo), encontrar-se-iam ambas em movimento (o que decorre da utilização dos termos “acompanhar” e cruzar-se “no caminho”).

U. Pelo que, na ausência de uniformidade entre ambas as versões, deveria o Tribunal ter (i) valorado a dúvida em benefício do ARGUIDO e concluído pela sua não pronúncia, ou, no mínimo, (ii) notificado a testemunha D...para depor em sede de instrução sobre os factos, o que não fez.

V. Até porque não seria a única testemunha da Assistente cujo depoimento era contrário à versão dos factos apresentados por esta. Veja-se o que sucedeu com o depoimento de J... “a qual relatou uma versão completamente diversa daquela prestada pela Assistente, no que respeita à factualidade ocorrida em Junho, pelo que ficámos com sérias dúvidas que a mesma tenha presenciado os episódios referidos” (destacado nosso) - cf. fls. 12 da decisão instrutória.

W. Sendo o depoimento da testemunha D...(prestado e desvalorizado em sede de inquérito) contrário à versão relatada pela ASSISTENTE, deve concluir-se que o mesmo não merece credibilidade, e, como tal, não pode ser valorado como indício da prática de qualquer acto pelo Arguido, impondo-se, também por aqui, a não pronúncia do ARGUIDO.

Quanto à testemunha C...

X. No que toca, por fim, às declarações e ao relatório médico da médica psiquiatra, C..., cabe referir, desde logo, que a mesma não sabe sequer quem poderá ter causado os danos psiquiátricos imputados.

Y. Ao que acresce que o suposto transtorno da Assistente respeita a factos alegadamente ocorridos no início e nos finais de Junho - data das consultas mencionadas no relatório - e não, em qualquer uma das versões da ASSISTENTE ou de D..., em Agosto ou Setembro.

Z. Pelo que este depoimento é, por demais, inútil para o objecto do processo e, consequentemente, não constitui qualquer indício da prática dos factos.

Quanto a irrelevância jurídico-penal da conduta imputada ao Arguido

AA. Independentemente das qualificações que se utilizem para adornar a questão em apreço, o que está em causa nos presentes autos, é, tão-somente, o acto de cuspir para o chão na direcção de alguém, sem a atingir e sem ter sequer intenção de o fazer.

BB. Ora, ainda que nada mais procedesse, o que não se concede, a verdade é que, para o preenchimento do tipo penal da injúria não basta, como pretende o Tribunal a quo, que o acto expresse “inequivocamente um desvalor”, que o agente “queira rebaixar e desvalorizar a pessoa a quem se dirige”, ou mesmo que o acto seja “susceptível de ofender a honra da visada” quando a mesma tenha uma sensibilidade significativamente superior à da gravidade da conduta.

CC. É necessário que o acto tenha, acima de tudo, dignidade penal, e, portanto, que respeite os princípios da, ofensividade, da subsidiariedade e da ultima ratio do Direito Penal, o que manifestamente não sucede.

DD. Do âmbito da tutela penal do crime de injúria, previsto no artigo 181.° do CP, ficam, desde logo, excluídas as atitudes grosseiras, as faltas de educação, as infracções a normas de convivência social e todas as outras condutas que, apesar de socialmente repulsivas, não merecem a aplicação de uma sanção penal - o que, aliás, vem sendo abundantemente sustentado por esse Venerando Tribunal,

EE. Ponto é que a conduta atinja “o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana”, o que, manifestamente, não ocorre com o acto de cuspir para o chão na direcção de alguém, sem intenção de a atingir - Cf. Acórdão da Relação do Porto, de 19/12/2007, proc. n.º 0745811.

FF. Também no plano do sujeito passivo, não basta que o acto seja apto a ofender a honra da visada, quando esta tenha uma sensibilidade exagerada e quando o acto objectivamente não tenha dignidade penal.

GG. Nesta matéria, pese embora não se deva descurar a subjectividade do indivíduo e o circunstancialismo do caso concreto, a subsunção dos factos ao Direito deve sempre orientar-se por padrões objectivos, sob pena de arbitrariedade na aplicação da sanção e de utilização de critérios de subjectividade, do lado da vítima, para aferição da tipicidade da conduta.

HH. Assim, a aplicação de uma sanção de cariz penal por esse imputado acto, para alem de violar os princípios da ofensividade, da subsidiariedade e da ultima ratio do Direito Penal, é, por demais, desproporcional e, acima de tudo, perigoso no precedente que estabelece.

II. Por tudo quanto se referiu, resta concluir que a conduta imputada ao ARGUIDO, ainda que se tivesse verificado - o que não se concede -, não tem dignidade penal, não preenche o ilícito em apreço (ou qualquer outro), e, consequentemente, não pode pelo que deverá ser revogado o despacho recorrido na parte em que pronuncia o arguido pela prática do ilícito p. e p. pelos artigos 181.° e 182.° do CP, e substituído por outro de sentido inverso.

Quanto à violação do princípio da presunção da inocência

JJ. Entendeu o Tribunal a quo que deveria atribuir credibilidade à nova versão da Assistente “pese embora a imprecisão da sua localização temporal, o que se imputa ao hiato temporal decorrido” - cf. fls. 12 da decisão recorrida.

KK. Em consequência, e apesar de ter decorrido o mesmo hiato temporal em relação ao Arguido, impõe-lhe o dever de provar que em momento algum durante 61 dias não agrediu alguém que mora a metros da sua residência e local de trabalho.

LL. Assim, o Tribunal supriu as deficiências na acusação particular com fundamento num depoimento prestado e desvalorizado em sede de inquérito e que narra uma versão diferente da relatada pela Assistente, e, em consequência, impôs ao Arguido o ónus de provar a sua inocência em todos os minutos da sua vida durante 61 dias.

MM. Uma prova impossível para qualquer pessoa, especialmente quando assente num depoimento testemunhal que não corresponde à verdade e que é contraditório com a versão dos factos narrada pela ASSISTENTE.

NN. Uma pronúncia desta natureza é, para além de grosseiramente violadora das mais elementares garantias de defesa do Arguido e de vários princípios do processo penal, com destaque para o da presunção da inocência, consagrado constitucionalmente no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma sentença condenatória antecipada.

Quanto ao despacho de não pronúncia

OO. De acordo com o disposto no artigo 308.º, n.º 3, do CPP, «o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer»,

PP, Assim, na eventualidade de verificação de uma questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa, deverá a decisão de não pronúncia ater-se à decisão sobre tal questão.

QQ. No caso dos autos, a apreciação do mérito da causa deveria ter ficado prejudicada pelo facto de se ter extinguido o direito de queixa.

RR. Todavia, apesar da extinção do direito de queixa, entendeu o Tribunal a quo formular um juízo de culpa sobre o ARGUIDO, o que fez, designadamente, referindo que “[a]tenta a factualidade julgada provada é de considerar que o Arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito concretizado de lesar a Assistente no seu corpo e saúde, o que representou [...] não se abstendo de concretizar os referidos actos, com consciência da censurabilidade penal das suas condutas”.

SS. Ora, a referência à convicção do julgador relativamente à prática daquele ilícito típico é inadmissível num Estado de direito democrático, porquanto permite que paire sobre o Arguido um juízo de culpa formulado por via judicial pela alegada prática de um facto criminoso pelo qual este não foi sequer julgado, quanto mais condenado.

TT. O que, para além de gravemente lesivo da sua honra e dignidade pessoal, consubstancia uma grosseira violação do princípio da presunção de inocência.

Assim, independentemente da decisão que venha a incidir sobre o presente recurso, deve o despacho recorrido ser expurgado de todas as referências à culpabilidade do ARGUIDO pelo crime de ofensa à integridade física pelo qual não foi pronunciado, por violação do disposto no artigo 308.°, n.º 3, e do princípio da presunção de inocência, de acordo com o artigo 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e do artigo 6 °, n.° 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Nestes termos e nos demais de direito que direito, deve o presente recurso ser declarado procedente, e, em consequência,

i) deve ser revogado o despacho de pronúncia recorrido e substituído por outro que não pronuncie o arguido pelo crime de injúria por que vem pronunciado;

ii) deve ser determinada a supressão de todas as considerações sobre a culpabilidade do arguido a propósito dos factos atinentes ao crime de ofensa à integridade física, pelos quais o arguido não foi pronunciado.

            O Ministério Público na Comarca de Castelo Branco, Instância Local de Idanha-a-Nova, respondeu aos recursos interpostos pela assistente e pelo arguido, pugnando pela manutenção integral da decisão recorrida.   

            O arguido B... respondeu ao recurso interposto pela assistente, pugnando pela improcedência do mesmo na totalidade, assim se mantendo a decisão instrutória na parte em que conclui pela não pronúncia do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física simples.

            O Ex.mo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que os recursos não merecem provimento.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido, na resposta ao douto parecer, reafirmado a sua posição de que não deveria ter sido pronunciado pelo crime de injúria, e que não deve ser pronunciado pelo crime de que não vem pronunciado e que é objecto de recurso da assistente.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            Da decisão instrutória consta, designadamente e com interesse para a decisão dos recursos, o seguinte:

« I. RELATÓRIO

1.1. Findo o inquérito, a assistente A... deduziu acusação particular, a fls. 81 e ss., imputando ao arguido B..., a prática, em autoria material, de 1 (um) crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, do Código Penal.

1.2. O Ministério Público não acompanhou a acusação particular, deduzindo acusação pública contra o Arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.

1.3. Inconformado veio o Arguido requerer a abertura de instrução, pugnando inicialmente pela nulidade da acusação particular, por referência ao artigo 283.º, n.º 2, al. c) e g) do Código de Processo Penal, no que respeita à primeira alínea, por omissão da referência ao artigo 182.º, do Código Penal, consagrando-se no preceito aludido na acusação apenas a punição da ofensa verbal, o que não tem correspondência na factualidade constante do libelo acusatório, bem como, no que se refere à segunda alínea, por omissão da data em que terá sido concluída a aludida acusação particular.

No mais, o Arguido pugna pela sua inocência, alegando, em suma, que não praticou os factos de que vem acusado.

1.4. Declarou-se aberta a fase de instrução.

1.5. Em sede de diligências instrutórias procedeu-se à audição da Assistente, de E..., de F..., de G..., C..., de H..., I..., J... e, a final, do Arguido.

1.6. Realizou-se o debate instrutório, nos termos dos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.

(….)

2.1. DAS FINALIDADES DA INSTRUÇÃO

Nos termos dos artigos 286º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito), em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Pretende-se nesta fase processual a realização de uma apreciação rigorosa sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Quando se conclua pela suficiência dos indícios recolhidos será proferido despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

O despacho de não pronúncia poderá assentar na insuficiência de indícios, mas também na circunstância de não serem criminalmente puníveis os factos indiciados, podendo ainda resultar de motivos de ordem processual (v.g. a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual).

Por sua vez, o despacho de pronúncia terá como fundamento a ausência de vícios processuais que se mostrem capazes de abalar a estrutura probatória recolhida, bem como a suficiência dos indícios (causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação) coligidos no processo.

De acordo com o disposto no artigo 283.º, n.º 2 aplicável ex vi artigo 308.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, entendem-se por suficientes os indícios recolhidos sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.   

Assim, “indiciação suficiente” é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, gerem a convicção de que, com a discussão ampla em audiência de julgamento, se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.1992.

Conforme refere FIGUEIREDO DIAS, os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição – Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora, 133.

Do mesmo modo, salienta GERMANO MARQUES DA SILVA para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido – Curso de Processo Penal, Verbo, Volume III, pág.183.

Destarte, o juiz deverá pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não cometimento.

Exige-se, por isso, um juízo objectivo de prognóse no sentido de que, a serem provados os factos indiciados, resultará para o arguido, em consequência da sua conduta, uma reacção criminal – no mesmo sentido, cfr., por todos, JORGE NORONHA E SILVEIRA, «O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português», Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coordenação Científica de MARIA FERNANDA PALMA, Almedina, p. 171

Importa, assim, proceder à análise da prova carreada para os autos.

2.2. DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS

Na fase de inquérito foram produzidos, em síntese, os seguintes elementos probatórios:

Os autos iniciaram-se com a queixa apresentada pela Assistente, subscrita por mandatária, na qual se verte, no essencial, o conteúdo daquela que posteriormente veio a ser a acusação deduzida.

No âmbito das diligências de inquérito, A... confirmou o teor da queixa, limitando-se a remeter para o seu conteúdo.

Foi ouvida J... a qual afirmou que em dia que não consegue precisar, viu B... utilizar os sacos para agredir A... no peito, desconhecendo o que continham os aludidos sacos. Mais refere que, quando vai passar algum tempo com A..., no estabelecimento desta, já viu B... ao passar com o seu veículo, parar em frente à loja e efectuar e deitar a língua de fora com ar de gozo, rindo-se, seguindo depois a sua marcha.

Foi igualmente inquirida R..., a qual afirmou não ter conhecimento dos factos descritos, mas referiu que, no dia em questão, A..., com ar transtornado e aflito entrou no seu café, sendo que por si questionada respondeu que tinha sido agredida com uns sacos no peito pelo denunciado B..., desconhecendo a razão da agressão.

A final foi ainda ouvida D..., a qual afirmou ter tido conhecimento dos episódios de agressão apenas por força do relato da Assistente. Mais refere que a partir dessa data que encontra a Assistente diferente, sendo que esta lhe pede para passar algum tempo com ela no estabelecimento por se sentir insegura. Com conhecimento directo, afirmou que, em data que é incapaz de precisar, quando acompanhava a queixosa, cruzou-se com o arguido B... o qual cuspiu na direcção da queixosa. Mais refere que nas referidas vezes em que acompanha a queixosa, no seu estabelecimento, se apercebeu que o Arguido para em frente à loja daquela e se ri com o intuito de a provocar.

O Arguido, inquirido, negou a prática dos factos, alegando tratar-se de factos falsamente imputados pelo facto de se ter manifestado publicamente contra a instalação de uma antena na zona classificada como Monumento Nacional, em Monsanto, construção essa apoiada por L... marido da Assistente.

O relato supra elencado resume os elementos probatórios de relevo produzidos nos autos, na fase de inquérito

Aqui chegados é de entender que as acusações foram deduzidas com substrato factual suficiente, encontrando-se a queixa da Assistente ancorada em depoimentos de terceiros, parcialmente corroborantes, que se reputam como credíveis.

Importaria pois, que em sede de instrução, fosse produzida prova de sentido contrário, excludente da responsabilidade indiciária do Arguido,

Em instrução foram ouvidos a Assistente, E..., F..., G..., C..., de H..., I..., J... e o Arguido.

A Assistente, ouvida em primeiro lugar, confirmou no essencial as declarações prestadas. Com efeito, afirmou que o Arguido se cruzou consigo, na rua, sendo que a declarante se desviou para a valeta, para que o Arguido pudesse passar “à vontade”, sendo que este a atingiu com um saco, quando passou por si, no peito.

A declarante afirma que não se encontrava qualquer outra pessoa presente, embora posteriormente afirma que J... lhe tenha dito que presenciou os acontecimentos.

Contextualizando, afirma que o Arguido a quis atingir por causa de posições divergentes acerca da instalação de antenas no castelo de Monsanto, sendo o Arguido contra a referida instalação e o seu marido a favor.

Mais refere que o Arguido parava frequentemente à sua porta e provocava-a, colocando a língua de fora. Refere que a Sr. J... tem conhecimento deste facto.

Afirmou ainda que, em data que é incapaz de precisar, mas em Agosto ou Setembro de 2013, no largo da casa do povo, à tarde, quando o Assistente se encontrava com D..., o Arguido escarrou na sua direcção “com toda a força”, para o chão, referindo que aquele não tinha intenção da atingir, mas não tendo dúvidas que o acto era a si dirigido.

A testemunha afirma ainda que necessitou de apoio psiquiátrico, tendo para o efeito, frequentando consultas de psiquiatria.

De seguida foram ouvidas as testemunhas oferecidas pelo Arguido.

E..., F... e G..., amigos do Arguido, apresentaram uma versão unívoca. Com efeito, todos afirmaram que o Arguido estava habitualmente ao balcão do seu estabelecimento comercial, à data da prática dos factos que lhe são imputados. Referem que é o único trabalhador do estabelecimento, sendo que quando vai às compras o mesmo fica fechado, não deixando os clientes a tomar conta do espaço nem por pequenos momentos, embora os dois primeiros afirmassem que não estavam sempre com o Arguido, nem podiam afirmar que aquele se quedou sempre no seu estabelecimento.

Pelas três testemunhas foi igualmente relatado o clima de perseguição sentido, e movido por L..., marido da Assistente, aos “opositores da antena”, nos quais se inclui o Arguido e as testemunhas, o que se traduz em denúncias, calúnias e injúrias proferidas através da Rádio Clube de Monsanto, bem como através do respectivo site, e ainda denúncias criminais que reputam de caluniosas.

Foi ouvido ainda H..., o qual afirmou que o Arguido o foi visitar a Zambujeira dos Carros, perto do Bombarral, em Junho, sendo que esteve consigo dois ou três dias de 23 a 27 do referido mês. Instado, precisou durante esse período o Arguido esteve na sua própria casa do Bombarral, sendo que se encontraram durante dois ou três dias, normalmente à noite, durante o referido período.

Foi igualmente inquirida I..., companheira do Arguido, a qual confirmou as declarações supra prestadas pelas testemunhas arroladas pelo Arguido.

Com efeito, precisou que é o seu marido que explora o referido estabelecimento, nunca o abandonando, excepto quando vai às compras a Castelo Branco, saindo de manhã e regressando ao fim da tarde. Afirma igualmente que apenas serve ao balcão em Agosto, quando há maior clientela, período em que a sua própria mãe a auxilia a tratar do seu filho.

Afirmou igualmente que, de 23 a 27 de Junho de 2013 esteve no Bombarral, em casa dos seus pais, com o Arguido, tendo visitado várias vezes H....

Afirmou que o seu marido foi alvo de outro processo de natureza criminal, o qual teve origem numa denúncia de L....

Foi ainda ouvida C..., médica psiquiatra, a qual começou a assistir a Assistente em início de Junho de 2013, sendo que teve nova consulta com esta a 28 de Junho, afirmando que se desenvolveu, neste período, o estado depressivo da Assistente. Refere que a Assistente, na primeira consulta, tinha medo que “fizessem mal”, a si e ao seu marido, apresentando-se bastante ansiosa.

Na consulta de dia 28, no relato da testemunha, a Assistente já fazia referência a uma agressão, praticada por uma das pessoas de Monsanto.

Refere que a Assistente não tinha vontade de sair de casa, de se arranjar, sorria menos, não dormia bem, chorava facilmente, apresentando um quadro compatível com um estado depressivo.

Afirma que a depressão não a impede de ter participado no programa “verão total”, tocando adufe, nem em outro convívio do género, referindo que é aconselhável as pessoas no seu estado saírem e conviverem com amigos.

Foi a final reinquirida J..., amiga da Assistente, a qual afirmou que presenciou a agressão do Arguido a A.... Neste ponto, declarou que o Arguido e a Assistente iam a subir a Rua do Castelo, na direcção, quando o Arguido passou pela Assistente, que seguia ao seu lado direito, e a atingiu com o saco no peito, não se recordando da hora nem do dia. Mais refere que o Arguido frequentemente para em frente ao estabelecimento da Assistente e se ri com ar trocista para esta.

O Arguido, ouvido, confirmou as declarações prestadas no inquérito, negando a prática dos factos, alegando tratar-se de factos falsamente imputados pelo facto de se ter manifestado publicamente contra a instalação de uma antena na zona classificada como Monumento Nacional. Mais referiu que no final de Junho se deslocou ao Bombarral, sendo que no dia 28 e 29 se encontrava na Taverna Lusitana, onde se encontra sempre.

Foi ainda levado em consideração todos os elementos documentais constantes dos autos e carreados para os autos na fase instrutória.

Aqui chegados, importa concluir que os indícios suficientes apurados na fase de inquérito não foram infirmados.

Com efeito, a defesa apresentada pelo Arguido não foi suficiente para infirmar os aludidos indícios. Diga-se, em abono da verdade, que se tratava de uma prova praticamente impossível. De facto, não se afigura possível a tentativa de provar a inocência do Arguido, preenchendo as 24 horas de cada dia do Arguido.

Por um lado, reconhece-se que a flutuação das datas, sendo a Assistente ou as testemunhas incapazes de confirmar as datas constantes da acusação, tornou ainda mais difícil, a já diabolica probatio.

Todavia, sendo o Arguido “patrão de si próprio”, nada impede que, em caso de necessidade, desde as mais básicas necessidades humanas, ainda mais quando o Arguido tem um filho de tenra idade, feche o aludido estabelecimento, momentaneamente, e se desloque a determinado sítio.

Não é crível que o Arguido se encontre durante todo o horário de abertura do estabelecimento ao público ao balcão, como pretende o Arguido fazer crer, não sendo tal permitido sequer pela natureza humana.

A prova documental apresentada não tem igualmente a virtualidade de afastar a imputação indiciada.

Considerando que os factos foram praticados em Monsanto, qualquer período de 5/10 minutos seria suficiente para a prática de qualquer dos referidos factos.

De igual modo, o clima de ofensas, calúnias, queixas recíprocas não permite, por si só descredibilizar a factualidade em investigação, sendo ademais o argumento reversível, constituindo um motivo para a prática dos referidos factos.

Não se considera suficiente para afastar os indícios o facto de a Assistente ter participado em festa e programas de televisão onde tocou adufe, não sendo tal facto incompatível com a factualidade indiciada.

Destarte, reputando-se como credíveis as declarações prestadas nos autos pela Assistente, as quais se consideraram sinceras e verdadeiras, corroboradas de forma indirecta pela sua psiquiatra (cfr. igualmente relatório médico de fls. 87 e 88), a qual, como profissional que é, exercendo funções fora de Monsanto, não tem qualquer interesse no presente processo, e ainda por D..., nos termos constantes do inquérito, entende-se que, no essencial, se mantêm os indícios suficientes da prática dos factos, nos termos constantes da acusação.

Não se atribui contudo credibilidade ao depoimento de J..., a qual relatou uma versão completamente diversa daquela prestada pela Assistente, no que respeita à factualidade ocorrida em Junho, pelo que ficámos com sérias dúvidas que a mesma tenha presenciado os episódios referidos.

Neste ponto, devem ainda efectuar-se duas ressalvas. Não se provou a data de finais de Junho de 2013, referida no ponto 1. da acusação pública. A mesma constava dos autos por indicação da Assistente, nos termos constantes da queixa deduzida. Todavia, inquirida, aquela acabou por afirmar que o episódio poderia ter ocorrido em meados de Junho, por volta de dia 13, 14 ou 15. Assim, é de considerar que os referidos factos terão sido praticados em data não concretamente apurada, mas próxima de meados ou finais do mês de Junho de 2013.

De igual modo, no que respeita ao facto 11. da acusação particular a Assistente não confirmou a data ou hora constante da acusação, referindo que terá ocorrido da parte da tarde, em Agosto ou Setembro, ao que se atribui credibilidade, pese embora a imprecisão da sua localização temporal, o que se imputar ao hiato temporal decorrido.

Face à prova dos elementos objectivos, é igualmente de considerar provados os elementos subjectivos. Com efeito, a prova dos factos do foro íntimo ou das intenções, no qual se compreende o dolo, é necessariamente uma prova mediata, uma vez que, como refere MICHELE TARUFFO, embora a propósito de outro ramo do direito, mas perfeitamente transponível para o caso, salvo no caso das declarações provenientes do próprio “autor” do facto psíquico a única forma de determinar factos deste tipo consiste em utilizar técnicas de reconstrução directa. Esses factos, prossegue o mesmo autor, não podem ser conhecidos com os habituais meios de prova; o que se pode conhecer com esses meios de prova são os factos materiais a partir de cuja existência e modalidades pode arguir-se que um determinado sujeito tem uma determinada vontade, o conhecimento de algum facto, uma determinada atitude valorativa – Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil, in Revista do CEJ, 2005, n.º 3, p. 139, em sentido semelhante, e no específico âmbito criminal cfr. o Acórdão da Relação de Évora de 08 de Maio de 2012, relatado por ANTÓNIO JOÃO LATAS, proc. 139/09.7GAABF.E1, disponível in dgsi.pt.

Atenta a factualidade julgada provada é de considerar que o Arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito concretizado de lesar a Assistente no seu corpo e saúde, o que representou, bem como com o propósito de cuspir na direcção da Assistente, com consciência que o acto de escarrar na direcção da ofendida seria susceptível de a ofender na sua honra e consideração, o que quis e logrou atingir, não se abstendo de concretizar os referidos actos, com consciência da censurabilidade penal das suas condutas.

Assim, da conjugação de todos os elementos probatórios é de considerar que subsiste parcialmente a acusação, nos termos expostos.

2.3. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Tendo em consideração as finalidades da instrução e delimitado o seu objecto em face da matéria vertida no requerimeno de abertura de instrução, importa determinar se a factualidade suficientemente indiciada como sendo praticada pelo arguido B... é susceptível de consubstanciar a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal e de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 do Código Penal.


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2.3.1. Do crime de ofensa à integridade física simples

Estabelece o artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal que, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

No presente caso, encontramo-nos perante um crime de natureza semi-pública, nos termos do artigo 143.º, n.º 2 do Código Penal.

O procedimento criminal nos crimes semi-público depende da existência de queixa – artigo 49.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal.

A queixa surge, assim, como pressuposto positivo de punição – neste sentido cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, 2ª Reimp., p. 662 e ss.

No que tange ao direito de queixa, este deve ser exercido no prazo de seis meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores – artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal.

No presente caso, A..., titular do direito de queixa, foi ofendida directamente pelo Arguido, tomando desde logo conhecimento de todos os elementos necessários para exercer o direito de queixa, nomeadamente, da realidade típica e do agente do facto.

Todavia, a impossibilidade de fixar temporalmente o referido ilícito-típico, não permite comprovar o exercício tempestivo do direito de queixa, devendo, a consequência de tal incognoscibilidade ser suportada pelo titular do direito de queixa e não pelo arguido – no sentido do texto vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.01.2010, relatado por JORGE DIAS, proc. 361/07.0GCPBL.C1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.05.2004, relatado por CARLOS ALMEIDA, proc. 1630/2004-3, ambos disponíveis in dgsi.pt

Com efeito, o prazo de queixa é um prazo substantivo e de caducidade, que deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, competindo a quem apresenta a queixa demonstrar que a mesma é atempada. Admitir-se solução contrária seria tornar letra morta o prazo para o exercício do direito de queixa, impossibilitando qualquer controlo sobre o decurso do mesmo, bastando ao ofendido para fazer prosseguir o procedimento criminal não precisar o momento em que o facto ilícito se verificou, onerando, de um modo absolutamente incompatível com a matriz do nosso sistema processual penal, o próprio arguido com a prova da realização do facto ilícito, numa concreta data.

Neste conspecto, deve considerar-se extinto o direito de queixa e, consequentemente, o procedimento criminal, nesta parte.


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2.3.2. Do crime de injúria

Estatui o artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, que, quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.

De igual modo, estabelece o artigo 182.º que, à difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos imagens ou qualquer outro meio de expressão.

                O bem jurídico protegido pelo tipo legal em exegese é a honra e a consideração, o qual goza de protecção constitucional no artigo 26.º da nossa lei fundamental, onde são tutelados o bom nome e a reputação, manifestações de um valor constitucional mais abrangente, consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, a dignidade da pessoa humana.

                Segundo BELEZA DOS SANTOS entende-se por honra «aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral» e por consideração «aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo» - Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167/168, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2009, relatado por SOUTO DE MOURA, proc. 08P3056, disponível in dgsi.pt.

                Podemos dizer, nas palavras de FARIA COSTA que a honra é assim vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. Na sintética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege «é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora (Tragër) de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência (Geltung) deles decorrentes, a sua boa reputação no seio da comunidade. Fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal (Personenwürde) que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a Lei Fundamental reconhece no artigo 1.º (...). Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizadas ou mesmo totalmente desrespeitadas (...)“ — in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, p. 607.

                No entanto, como já referia BELEZA DOS SANTOS, nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (...). Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. Neste juízo individual ou do público, acerca do que pode ser considerado ofensivo da honra e da consideração é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom nome – op. e loc. cits..

                Como prossegue BELEZA DOS SANTOS, para além daquele mínimo de dignidade existe, porém, uma certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo – op. e loc. cits.

                O crime de injúria é um crime de perigo quanto a grau de lesão do bem jurídico, porquanto não exige a lesão efectiva de tal bem, mas apenas o perigo de lesão – no sentido do texto vide OLIVEIRA MENDES, Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Almedina, Coimbra, 1996, p. 54 e BELEZA DOS SANTOS, op e loc. cits., p. 164, apud OLIVEIRA MENDES, op. cit. p. 50, e, em sentido contrário, AUGUSTO DA SILVA DIAS, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúria, in Materiais para o estudo da parte especial do Direito Penal - Estudos Monográficos : 3, Revista da A.A.F.D.L., 1989 apud OLIVEIRA MENDES, op. cit. p. 54, nota 86 e também neste último sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2008, p. 500.

                A conduta tem, no entanto, de ser apta a desencadear o perigo proibido, isto é, tem de ser idónea, num juízo ex ante a produzir o perigo, não sendo necessário que o mesmo se verifique, pelo que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto-concreto ou de aptidão – neste sentido vide OLIVEIRA MENDES, op. cit. p. 56, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.04.2006, relatado por MIGUEZ GARCIA, proc. 358/06-2, disponível in dgsi.pt.

                Ainda por referência à conduta, trata-se de um crime de mera actividade, sendo suficiente, para o preenchimento do tipo, a execução de um determinado comportamento

                O elemento material do crime de injúria é a realização de um acto dirigido a uma pessoa concreta, susceptível de ofender a sua honra e consideração.

                Já o elemento subjectivo consiste na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas são idóneas a ofender a honra e consideração alheias e que tal acto é proibido por lei.

                O ilícito típico apenas pode ser praticado a título doloso em qualquer das modalidades, não sendo contudo exigido qualquer dolo específico, consistente na intenção específica de ofender ou animus diffamandi vel injuriandi.

Principiando a análise factual pelo ponto 5.º da acusação particular, é de considerar que a conduta não assume dignidade penal. Com efeito, o acto de sorrir, de forma provocatória, por mais arreliante que seja para a pessoa visada, atento o historial de litígios que permitam contextualizar a conduta, não tem a virtualidade de ofender o bem jurídico protegido, entendido este como a honra e a consideração do visado, nos termos de resto, implicitamente assumidos pela própria Assistente – e em consonância com a posição assumida pelos restantes sujeitos processuais – ao imputar apenas a prática de um crime de injúria ao Arguido.

Importa, assim, apenas aquilatar se o acto de “escarrar” na direcção da Assistente é subsumível à prática de um crime de injúria.

Deve neste ponto, salientar-se que não se trata de cuspir na Assistente, exemplo clássico de injúria, nos termos e para os efeitos do artigo 182.º, ou sequer de tentar cuspir naquela, mas tão só de cuspir para o chão, na direcção da Assistente.

Como exemplos do crime de injúria, praticado por gestos ou qualquer outro meio são exemplos comuns: cuspir no outro, lançar imundices (ex. balde de água suja), puxão de orelhas ou bofetada que se dá, não para magoar fisicamente, mas para rebaixar o adversário, colocar chifres à porta do vizinho, simbolizar os chifres com os dedos, fazer troça de alguém, mesmo em jeito de brincadeira, se for expressão de um desvalor: por exemplo, tratar por “tu” de forma impertinente – exemplos adiantados por M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, Código Penal Anotado - Parte geral e especial - Com Notas e Comentários, Almedina, 2014, p. 764.

De igual modo, não cumprimentar alguém, deixando a contraparte de mão estendida, numa cerimónia protocolar, ou passar a mãe pela cara de outrem, parecendo até querer formular uma carícia, pode constituir uma ofensa à honra – JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2012, p. 941.

Em termos jurisprudenciais, embora não tratados de forma autónoma, é ainda possível recolher dois exemplos incomuns.

Poderá constituir o crime de injúria expelir ventosidades anais em postura ofensiva e com desprezo pelo visado – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de Outubro de 1989, relatado por JORGE GUERRA PIRES, disponível para consulta in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, 1989, Tomo IV, pp. 275 a 278.

De igual modo, apalpar as nádegas de outrem, que se encontra num café “entretido a jogar matraquilhos” poderá ser um acto subsumível ao crime de injúria, quando praticado com o propósito de ofender a honra e consideração – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1999, relatado por FLORES RIBEIRO, proc. 1003/98, disponível para consulta in BMJ, n.º 483 – Fevereiro – 1999, pp. 57 a 64.

Como referem M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, deve acentuar-se, por vezes, que a solução deve buscar-se especialmente, no lado subjectivo, devendo o comportamento exprimir a intenção de desvalorizar a pessoa a quem se dirige – op. e loc. cits.

Com o contexto proporcionado pelos referidos exemplos, é de concluir que o acto de cuspir ou, mais expressivamente, “escarrar” para o chão, propositadamente na direcção de determinada pessoa, é um acto que expressa inequivocamente um desvalor, querendo rebaixar e desvalorizar a pessoa a quem se dirige, sendo inequivocamente uma expressão de desdém e desprezo, susceptível de ofender a honra da visada.

                Destarte, encontra-se preenchido o tipo objectivo de ilícito, por referência ao artigo 182.º do Código Penal, e não apenas 181.º, n.º 1, nos termos constantes da acusação.

                De igual modo, resultou provado que o Arguido agiu com intenção de ofender a A... na sua honra e consideração, isto é, excedeu no elemento subjectivo a intensidade necessária para preenchimento do tipo de ilícito, querendo a ofensa da honra e consideração da Assistente, o que conseguiu.

                Com efeito, a intenção de ofender a honra e consideração, é um plus em relação à mera consciência da susceptibilidade de tal ofensa.

                Pelo exposto, praticou o Arguido 1 (um) crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 e 182.º do Código Penal.

2.4. Responsabilidade Tributária

Nos termos do artigo 515.º, n.º 1, al. a), do Código Processo Penal, é devida taxa de justiça pelo assistente o arguido for não pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, suportando igualmente os encargos do processo a que a sua actividade tiver dado lugar, nos termos do disposto no artigo 518.º do Código de Processo Penal.

No caso vertente, a acusação deduzida pelo Assistente soçobrou parcialmente, pelo que deve a Assistente ser condenada no pagamento das custas processuais.

Todavia, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 1 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, deve o apuramento da responsabilidade tributária ser feito afinal, tendo em conta o desfecho do processo, a concreta actividade processual da Assistente e a complexidade da causa.

III. DECISÃO

Em face do exposto, julgo parcialmente procedente o requerimento de abertura de instrução e, consequentemente, decido:

a) Julgar extinto o direito de queixa, bem como o procedimento criminal, no que respeita ao crime de ofensa à integridade física e, consequentemente, não pronunciar o arguido B... pela prática, como autor material, de 1 (um) de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal;

b) Pronunciar para julgamento, em processo comum, perante Tribunal Singular:

B..., solteiro, nascido a 2 de Agosto de 1972, filho de (...)e de (...), natural de (...), concelho de Lisboa, residente na Rua (...), Idanha-a-Nova,

Pela prática dos seguintes factos:

1. Em dia não concretamente apurado, do mês de Agosto ou Setembro de 2013, no período da tarde, no Largo da Casa do Povo, sito em Monsanto, o arguido B..., de forma ostensiva e ruidosa, escarrou na direcção de A....

2. O Arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de ofender a honra e consideração pessoal de A....

3. O Arguido sabia que ao escarrar na direcção de A..., na presença de outras pessoas e num espaço público, conseguiria, como efectivamente logrou, ofendê-la.

4. Sabia o Arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Pelo exposto e de acordo com a factualidade supra descrita, cometeu o Arguido, como autor material, 1 (um) crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 e 182.º do Código Penal.

Prova:

Declarações da Assistente:

- A..., melhor id. a fls. 43;

Prova testemunhal:

- D..., melhor id. a fls. 51.

Relatório Médico de fls. 87 e 88.».

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da assistente A... a questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 115.°, 2 do CPP e 279.°, al. c) do Código Civil, ao declarar extinto o direito de queixa da assistente quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.°, n.º 1 do Código Penal, pelo que deve a decisão recorrida ser substituída nesta parte por uma outra que pronuncie o arguido pela prática deste crime.

            As conclusões que o arguido B... extraiu, por sua vez, da motivação do seu recurso, são as seguintes:

- deve ser revogado o despacho de pronúncia recorrido e substituído por outro que, por insuficiência de suporte probatório dos indícios que ali lhe são imputados e, ainda, por falta de dignidade penal dos mesmos factos, não pronuncie o arguido pelo crime de injúria; e

- no despacho de não pronúncia, deve ser determinada a supressão de todas as considerações sobre a culpabilidade do arguido a propósito dos factos atinentes ao crime de ofensa à integridade física, pelos quais o recorrente não foi pronunciado.  

           

O recurso a conhecer em primeiro lugar, de acordo com a ordem da sua interposição, é o da assistente A....



            Recurso da assistente A...

A assistente A... defende que o Tribunal a quo fez um errada interpretação do disposto nos arts. 115.°, 2 do CPP e 279.°, al. c) do Código Civil, ao declarar extinto o direito de queixa por si apresentada quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.°, n.º 1 do Código Penal e que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que pronuncie o arguido B... pela prática deste crime, alegando para o efeito e em síntese, o seguinte:

- O prazo do exercício do direito de queixa é de 6 meses (art.115.º, n.º1 do C.P.P), sendo absolutamente essencial, como pressuposto positivo de punição, nos crimes semipúblicos e particulares;

- O prazo da apresentação de queixa assume natureza substantiva e não adjectiva, aplicando-se, pois, o critério inscrito no art.279.°, al. c) do Código Civil, nos termos do qual “o prazo fixado em meses, contado a partir de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda dentro do último mês e se no último dia do mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”, (cfr. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, de 18.04.2012, inwww.dgsi.pt);

- Nos termos do art.115.º, n.º 2, do Código Penal ( por lapso manifesto a recorrente menciona, quer nas conclusões, quer na motivação do recurso, o “CPP”) a contagem do prazo inicia-se com o conhecimento do facto ilícito e dos seus autores pelo ofendido, pelo que num quadro circunstancial normal, a contagem é feita a partir daquele momento;

- In casu, a assistente tomou conhecimento imediato da agressão perpetrada na sua pessoa. Todavia, motivado pelo quadro de depressão que desenvolveu logo após e por causa da agressão perpetrada pelo arguido, não lhe foi entretanto possível determinar com exactidão a data dos factos;

- O Tribunal admite, no despacho recorrido, que os “factos terão sido praticados em data não concretamente apurada mas próxima de meados ou finais do mês de Junho de 2013”, corroborando parcialmente os factos contidos na queixa e acusação pública;

- Sendo de 6 meses o prazo que a lei confere para o exercício do direito de queixa, a contagem do prazo deverá ser feita a partir de 30 de Junho de 2013;

- A queixa foi apresentada pela ofendida no dia 18 de Dezembro de 2013 e uma vez que o prazo para a apresentação da queixa pela ofendida terminaria em 31 de Dezembro de 2013, o direito de queixa foi exercido tempestivamente;

- Sucumbe, assim, a argumentação tecida pelo Tribunal a quo, alicerçada no facto de não ser possível fixar temporalmente a prática do ilícito típico sub iudice, fazendo recair sobre a queixosa a consequência de tal incognoscibilidade, na forma de extinção do procedimento.

Antes de nos debruçarmos sobre a tempestividade ou não do exercício do direito de queixa por parte da assistente, importa fazer uma breve análise dos traços fundamentais do regime do direito de queixa.

Limitar-nos-emos, porém, aos aspectos cuja clarificação se revele decisiva para o caso em apreciação, tendo em conta os argumentos avançados pela assistente no recurso por si interposto.

O princípio da oficialidade, que domina o nosso processo penal, faz do Ministério Público  o detentor da acção penal, assumindo a queixa, ou a constituição de assistente e a dedução de acusação particular, a natureza de condições de procedibilidade, nos casos em que são exigidas para que haja procedimento criminal.

Do estatuído nos artigos 48.º e 49.º do Código de Processo Penal, pode extrair-se a regra de que a legitimidade do Ministério Público para a promoção da acção penal só depende de queixa do ofendido, ou de outra pessoa a quem a lei reconheça o direito de a apresentar, nos casos em que exista uma disposição legal expressa que exija o preenchimento de tal requisito. Nos demais casos, e abstraindo das situações em que é exigida acusação particular, a promoção do procedimento criminal tem carácter estritamente público.

O princípio da oficialidade do Ministério Público condiciona a sua legitimidade de actuação à apresentação prévia de queixa nos denominados crimes semipúblicos e nos crimes particulares.

Na definição do Prof. Figueiredo Dias, « Queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respectivo direito (em regra o ofendido), exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada.».

Quanto à função da queixa e da acusação particular, observa o mesmo professor que ela é tripla:

«1.º  Por um lado, pode o significado criminal relativamente pequeno do crime (bagatelas penais e pequena criminalidade) tornar aconselhável, de um ponto de vista político-criminal, que o procedimento penal respectivo só tenha lugar se e quando tal corresponder ao interesse e vontade do titular do direito de queixa, ou mesmo, que o procedimento só possa prosseguir, após o inquérito, se tiver lugar a acusação particular. O que sucederá com frequência nas hipóteses em que aquele pequeno significado se liga a uma alta medida de disponibilidade do bem jurídico respectivo. (…). 2.º Por outro lado, a existência de crimes semipúblicos e estritamente particulares serve a função de evitar que o processo penal, prosseguido sem ou contra a vontade do ofendido, possa, em certas hipóteses, representar uma inconveniente (ou mesmo inadmissível) intromissão na esfera das relações pessoais estabelecidas entre ele e os outros participantes processuais. (…) 3.º Finalmente, a exigência de queixa ou (e) de acusação particular pode servir a função de específica protecção da vítima do crime, nomeadamente no caso dos crimes que afectam de maneira profunda a esfera da intimidade daquela. Reconhece -se que a vítima deve poder decidir se ao mal do crime lhe convém juntar o que pode ser o mal da revelação processual da sua intimidade (quando o processo possa significar uma afronta ainda maior para a intimidade do ofendido do que o próprio crime), sob pena de, de outra forma, poderem frustrar-se as intenções político -criminais que, nesses casos, se pretenderam alcançar com a criminalização.». [4]

O acesso ao Tribunal, tendo em vista a punição do crime, depende, pois, do preenchimento de certos pressupostos e de certos requisitos processuais.

A generalidade dos pressupostos processuais esgota-se no espaço próprio do direito processual penal, encontrando no respectivo Código de Processo Penal a sua total regulamentação. Porém, assim não acontece quando os pressupostos processuais contendem com o próprio direito substantivo, na medida em que sua teleologia e as intenções político -criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efectivação da punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser.

È o que acontece com a queixa, pressuposto processual positivo, cujo regime é, no essencial, regulado no Código Penal.

A lei que concede a iniciativa da punição do crime de natureza semi-publica ou particular, impõe também, como condição, o agir dentro de um prazo.

O art.115.º, n.º1, do Código Penal, estabelece o lapso de tempo para a extinção do direito de queixa e disciplina o seu cômputo, nos seguintes termos: 

« 1 - O direito de queixa extingue -se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.».

O direito de queixa extingue-se por caducidade, pelo mero decurso do prazo de 6 meses, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade tendente a obter esse resultado. O prazo de 6 meses é, ainda, de natureza substantiva.

A determinação do concreto dia em que o exercício do direito de queixa se considera extinto, contende com a apreciação da tempestividade do exercício do mesmo direito.

Do exposto resulta medianamente claro que o computo do prazo começa com a data em que o titular do direito de queixa teve conhecimento naturalístico dos factos ( do facto e dos seus autores), ou a partir da morte do ofendido , ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.

Quanto à contagem do termo do prazo para o exercício de queixa, existe um entendimento abrangente de que o critério legal da sua computação deve procurar-se no art.279.º do Código Civil, não lhe sendo aplicáveis as regras de contagem dos prazos processuais, designadamente as dos artigos 138.º e 139.º do actual C.P.C..

O art.279.º, do Código Civil, dispõe, nomeadamente, o seguinte:

«À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

    a) (…)

    b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

    c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;».

Perante divergências sobre como deve determinar-se o último dia do prazo, vistas à luz das alíneas b) e c) do art.279.º do C.P.P., de forma a ficar garantido que a queixa foi apresentada dentro do prazo legalmente concedido, veio o STJ, por acórdão de 18 de Abril de 2012, fixar a seguinte jurisprudência:

«O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no 6.º mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês.».[5]

Com este pano de fundo, importa recordar a sequência que deu causa à decisão recorrida tomada pela primeira instância.

Como se menciona na douta decisão recorrida, os autos iniciaram-se com a queixa apresentada pela assistente e subscrita pela sua Ex.ma Advogada, no dia 18 de Dezembro de 2013, na qual se menciona, nomeadamente e com interesse para a decisão desta questão, que “Em data que concretamente não pode precisar, mas certamente em finais do mês de Junho de 2013, por volta das 11 horas, a queixosa subia a Rua da Senhora do Castelo, em Monsanto, para ir comprar pão”, quando ao cruzar-se com o arguido B..., este lhe bateu com um saco que trazia na mão, contendo objectos sólidos e pesados, que lhe deixou o peito dorido, com fortes dores.

Inquirida a queixosa em 16-1-2014, na fase de inquérito, limitou-se a declarar que confirmava na íntegra o conteúdo da queixa apresentada.

A testemunha J..., inquirida no inquérito sobre esta factualidade, declarou, em síntese, que presenciou a agressão denunciada pela ora assistente, mas não sobre precisar qualquer data em que os mesmos terão ocorrido.

Por sua vez, a testemunha R... declarou, também no inquérito, não ter presenciado os acontecimentos, mas que “ no referido dia” a queixosa entrou no seu Café , com ar transtornado e disse que tinha sido agredida pelo arguido com uns sacos no peito.   

Por fim, a testemunha D... declarou, no essencial, e ainda no inquérito, que   não presenciou qualquer agressão, mas a queixosa contou-lhe os factos e verificou que “ a partir dessa data tem encontrado a queixosa diferente.”.

Se a alegada testemunha presencial é clara no sentido de não saber presenciar a data da dita agressão, as testemunhas R... e D... não são minimamente precisas no tempo, ou seja, no mês, dia e hora em que a assistente lhes terá narrado a agressão de que esta diz ter sido alvo, uma vez que não especificam, respectivamente, qual é o “referido dia” em que ela entrou no Café, nem qual a “data” a partir da qual tem encontrado a queixosa diferente.

O arguido negou a agressão física denunciada contra si pela ora assistente.

Notificada a assistente A... para deduzir acusação particular pelos factos que consubstanciam crime particular, veio a mesma não só deduzir acusação pelo crime particular de injúria, p. e p. pelo art.181.º, n.º1 do Código Penal, mas ainda pelo “crime de ofensa à integridade física pelo qual se espera acusação pública”, reproduzindo o circunstancialismo de tempo que expusera na queixa e nas declarações que prestou no inquérito relativamente à agressão perpetrada pelo arguido.

O Ministério Público, na acusação que deduziu contra o arguido, reproduziu, com ligeiras alterações de forma, a factualidade mencionada no inquérito pela assistente, consignando naquela peça processual, no que respeita ao circunstancialismo de tempo em que ocorreu a agressão física, o seguinte: 

   “Em dia não concretamente apurado mas situado nos últimos dias do mês de Junho de 2013, pelas 11 horas, (…).”.

Aberta a instrução, requerida pelo arguido, entre outras diligências efectuadas, procedeu-se à reinquirição da testemunha J... e foram ouvidos novamente a assistente e o arguido.

O Tribunal a quo considerou, no despacho recorrido, que a testemunha J... não lhe mereceu credibilidade, pelas razões que aí enumera - conclusão que não é objecto de impugnação e crítica por parte da recorrente.

O arguido continuou a negar a prática dos factos.

Já quanto à posição da assistente, na instrução, relativamente ao circunstancialismo de tempo em que teria sido agredida, de acordo com o consignado na decisão recorrida, aquela “…acabou por afirmar que o episódio poderia ter ocorrido em meados de Junho, por volta de dia 13, 14 ou 15. Assim, é de considerar que os referidos factos terão sido praticados em data não concretamente apurada, mas próxima de meados ou finais do mês de Junho de 2013.”.

Consequentemente entendeu o Ex.mo JIC que “ não se provou a data de finais de Junho de 2013, referida no ponto n.º 1. da acusação pública.”.

A recorrente não questiona que no dia em que diz ter sido agredida com um saco, contendo objectos sólidos e pesados, tomou conhecimento imediato do autor da agressão e que o mesmo era o arguido B....

Nem do relatório elaborado pela médica psiquiatra C..., junto a folhas 79 e 80, nem do seu depoimento, resulta que em Junho de 2013, designadamente após a alegada agressão, a assistente ficou incapaz de governar a sua vida, nomeadamente de entender o alcance dos seus actos e, em especial, de apresentar queixa contra o arguido nos seis meses seguintes ao episódio que relatou nos autos.

O quadro depressivo, moderado a grave, que de acordo com o depoimento da médica psiquiátrica da assistente ocorre desde o início de Junho de 2013, não impediu a assistente de levar vida social nos meses seguintes, como a própria assume nas suas declarações prestadas na fase de instrução.

Não pode, pois, considerar-se a assistente como pessoa incapaz, nos termos e para os efeitos do disposto na última parte do n.º1 do art.115.º do Código Penal, quando a mesma, por ter  deixado decorrer vários meses sem apresentar queixa, não consegue indicar, quando finalmente apresenta a queixa, qual o concreto dia do mês de Junho de 2013, em que a agressão terá ocorrido.

Quanto maior o tempo decorrido desde a prática do facto, mais provável é a dificuldade da pessoa recuperar a informação que ficou armazenada na sua memória, designadamente as concretas circunstâncias de tempo. A assunção desse risco é evidente por parte da assistente, quando situando os factos em Junho vai apresentar os factos em 18 de Dezembro de 2013 – mesmo que fosse por ter procurado dar conhecimento ao seu marido, para evitar mais problemas e preocupações, como pode ter ocorrido em face das declarações prestadas pela assistente na instrução.

Deste modo, na ausência de outras provas, entendemos que é a partir da data em que a assistente refere que foi agredida pelo arguido, isto é, a partir da data em que tomou conhecimento do facto e do seu autor, que se iniciou o prazo para o exercício do direito de queixa.

A assistente A... defende, no seu recurso, que o Tribunal a quo ao situar a prática dos factos pelo arguido entre meados e finais de Junho de 2013, admite que os mesmos tenham ocorrido até 30 de Junho de 2013. Considerando o critério do art.279.º, al. c) do CC, conclui a assistente que o prazo de exercício da queixa só terminaria a 31 de Dezembro de 2013. Tendo sido apresentada a queixa no dia 18 de Dezembro de 2013, foi o direito exercido tempestivamente.

Cremos que assim não é.  

Desde logo, não é correcta a afirmação da recorrente de que ficou assente na decisão recorrida que os factos relativos à agressão teriam ocorrido “ entre meados e finais de Junho de 2013.”

Da decisão recorrida consta, sim, que em face das declarações da assistente, a agressão física ocorreu “em meados de Junho, por volta de dia 13, 14 ou 15”, isto é, em data não concretamente apurada, mas próxima de meados do mês de Junho de 2013, ou em finais do mês de Junho de 2013.”.

O Tribunal a quo, indica pois, em face das próprias declarações da assistente e na ausência de outra prova, dois períodos de tempo, em alternativa, em que os factos terão ocorrido.

A recorrente ao defender que na dúvida sobre a concreta data em que ocorreram os factos, se deve optar, naquela alternativa, por considerar que os factos tiveram lugar em “finais do mês de Junho de 2013.” e, assim, que o inicio do prazo para o exercício do direito de queixa se deve contar  a partir de 30 de Junho de 2013, não pode desconhecer que faz uma escolha desfavorável ao arguido, por em tal circunstância não ter caducado o prazo de 6 meses quando exerceu o direito de queixa.

Esta opção da recorrente não nos parece sustentável em face dos princípios processuais penais.

Concretizando a ideia, realçamos que da acusação pelo Ministério Público devem constar narrados, sempre que possível, o lugar e o tempo da prática dos factos ( art.283.º, n.º 2, al. b), do C.P.P.).

Na resolução da dúvida sobre se a agressão física teve lugar no período que consta da acusação deduzida pelo Ministério Público, ou num outro período em que a assistente declarou que também pode ter ocorrido, não pode deixar-se de ter em conta um dos princípios constitucionais e processuais penais fundamentais a nível de valoração da prova: o princípio in dubio pro reo .

O princípio in dubio pro reo , que decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido; ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O princípio in dubio pro reo vigora, em nosso entender, em todas as fases do processo penal.[6]

Esta é também a posição seguida pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 439/02, que após considerar que o princípio in dubio pro reo não deve ser excluído da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia, decidiu « julgar inconstitucionais os artigos 286.º, n.º 1, 298.º, e 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 2, da Constituição, interpretados no sentido de que a valoração da prova indiciária que subjaz ao despacho de pronúncia se bastar com a formulação de um juízo segundo o qual não deve haver pronúncia se da submissão do arguido a julgamento resultar um acto manifestamente inútil.».[7]

Tendo a assistente admitido que os factos ocorreram “em meados de Junho, por volta de dia 13, 14 ou 15” de 2013, ou em “finais do mês de Junho” do mesmo ano, a opção, na dúvida,  por aquela data , em detrimento desta, como sendo a da prática dos factos suficientemente indiciados, favorece o arguido B... na decisão instrutória.

É que tendo a assistente apresentado queixa contra o arguido, pela prática de ofensas à integridade simples, em 18 de Dezembro de 2013, já havia caducado o prazo para exercício da respectiva queixa quando a formulou.

A opção por uma destas duas alternativas, em face do princípio in dubio pro reo, permite não só fixar “em meados de Junho, por volta de dia 13, 14 ou 15” de 2013 o início do prazo para a assistente exercer o direito de queixa, como comprovar que a assistente não exerceu o direito no período de 6 meses que a lei lhe concedia.

Não foi bem esta a perspectiva seguida no despacho recorrido, porquanto não se apoiando naquele princípio processual, concluiu que perante os dois diferentes períodos avançados pela assistente como data dos factos, é impossível fixar temporalmente o ilícito-tipico e daí, conclui, que essa falta de conhecimento do período temporal “deve ser suportada pelo titular do direito de queixa”.

Navegando nas águas do despacho recorrido, embora a situação concreta seja algo diversa, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.01.2010, relatado pelo Ex.mo Desembargador Jorge Dias, quando nele se escreve:

« …verifica-se dos autos que a assistente apresentou a denúncia em Dezembro de 2007, e dos factos provados resulta que o relacionamento entre o casal se deteriorou de forma mais séria por volta do ano de 2006 (ponto 5 dos provados) e, em data posterior, não apurada é que aconteceram os factos consubstanciadores de eventual crime de injurias (pontos 6 e 8 dos provados).

Donde resulta a impossibilidade de demonstrar que a queixa foi apresentada em tempo, já que o direito de queixa se extingue no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto – art. 115 do CP, sendo certo que face aos factos a assistente teve conhecimento na data em que foram proferidas as expressões.

O prazo da queixa é um prazo substantivo e de caducidade, competindo a quem apresenta a queixa demonstrar que a mesma é atempada, o que se manifesta impossível face aos factos provados em 5, 6 e 8 e a data da apresentação da denuncia.

Assim que por esta via não se pode conhecer ou retirar quaisquer consequências daqueles factos, já que se deve julgar extinto o direito de queixa, por terem decorrido mais de 6 meses entre a prática dos factos e conhecimento da assistente, e a data em que apresentou a denuncia.

Julga-se pois, extinto o direito de queixa.».

Já com menção expressa ao princípio in dubio pro reo , o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05.05.2004, relatado pelo Ex.mo Desembargador Carlos Almeida, e citado no douto despacho recorrido - cujo sumário se mostra acessível em www.pgdlisboa.pt - decidiu:

« I - O MP não tem legitimidade para promover a acção penal pelo crime de injúrias na forma continuada, quando não se provou a conduta injuriosa na data indicada na Acusação do MP, proferida nos termos do artigo 50.º, n.º 2 do CPP. II - Mesmo que assim não fosse, sempre haveria que considerar que, dada a falta de localização temporal dos actos injuriosos, o direito de queixa tinha sido exercido intempestivamente; III- Um crime continuado consubstancia uma pluralidade de actos parcelares que, pela verificação dos pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 30.º do CP, são unificados juridicamente como um único crime; IV- Tal unificação não faz desaparecer a individualidade de cada um dos actos parcelares; V- O prazo para o exercício do direito de queixa conta-se a partir de cada um desses actos parcelares; VI - Não tendo ficado determinada qualquer data da prática dos actos concretos, por força do princípio in dubio pro reo, há que considerar que o último deles ocorreu há mais de seis meses antes de ser apresentada a queixa, o que implica a sua intempestividade e a ilegitimidade do MP.».

Quer se considere – como entendemos – que o início do prazo para a assistente exercer o direito de queixa se deve fixar “ por volta do dia 13, 14 ou 15” de 2013, atento o  princípio in dubio pro reo, quer se considere – como no despacho recorrido – que foi impossível fixar uma qualquer data da prática dos factos que permita servir de início do prazo do exercício do direito de queixa, impondo-se ao queixoso  a demonstração de que a queixa é atempada, o que este não conseguiu, sempre a solução será a declaração de extinção do direito de queixa pelo seu não exercício atempado em 18 de Dezembro de 2013.

Mostrando-se já caducado o direito de queixa na data em que a assistente o exerceu, pelo decurso do prazo de 6 meses, entendemos que a decisão recorrida não merece censura quando declarou extinto o procedimento criminal contra o arguido pelo seu não exercício atempado por parte da assistente A....

Não tendo sido violada qualquer norma processual ou penal, designadamente o disposto nos artigos 115.º, n.º2 do Código de Processo Penal e 279.º, al. c), do Código Penal, ao declarar extinto o procedimento criminal, improcede esta questão e, consequentemente, o recurso interposto pela assistente A....

            Recurso do arguido B...

O recorrente B... sustenta que não deveria ter sido pronunciado pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelos artigos 181.°, n.º 1 e 182.º, do Código Penal, desde logo, por insuficiência de suporte probatório dos indícios que lhe são imputados no despacho de pronúncia, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:

- Para fundamentar a sua convicção, entendeu o Tribunal a quo que os indícios apurados na fase de inquérito não foram infirmados e, como tal, consideram-se suficientes, o que é contraditório com a decisão de pronunciar o arguido, porquanto o Ministério Público não acompanhou a acusação particular, precisamente “por entender que não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime de natureza particular, conforme a posição já assumida nos autos”;

 - Os indícios considerados suficientes pelo Tribunal a quo para pronunciar o arguido são:  as declarações da assistente em sede de instrução, o depoimento da testemunha D...em sede de inquérito, e o relatório e depoimento da médica psiquiatra, Dra. C...;

- A assistente por referir, no artigo 11.° da acusação particular (em consonância com o que sustentara na queixa), que “no dia 16 de Setembro de 2013, por volta das 12 horas, no Largo da Casa do Povo, sito em Monsanto, encontrava-se a queixosa na companhia de uma pessoa amiga, Mana D..., quando o denunciado passou por elas e, de forma ostensiva e ruidosa, escarrou na direcção da denunciada”, apesar de à data da apresentação da queixa e da acusação particular referir que não se recordava exactamente das datas das ofensas à integridade física que também imputava ao arguido;

- Confrontado com esta versão dos factos, o arguido juntou prova documental apta a provar que no dia e às horas inicialmente indicados na acusação particular encontrava-se a uma hora de distância, em Castelo Branco, onde permaneceu, pelo menos, entre as 10h30m e as 14h50m, o que levou a assistente a alterar a sua versão dos factos, afirmando que, afinal, os factos poderiam ter ocorrido entre Agosto e Setembro, a qualquer hora do dia;

- Ou o alegado facto se passou no dia 16 de Setembro, pelas 12h00, em que arguido não se encontrava em Monsanto, impondo-se a conclusão da insuficiência de indícios quanto ao facto descrito no ponto n.º1 da matéria de facto da pronúncia, ou existe dúvida quanto à possibilidade física de ocorrência do facto, o que tem de resultar na insuficiência deste depoimento para fundar a pronúncia do arguido;

- O Tribunal a quo ao proceder à alteração não substancial dos factos referidos na acusação particular, por forma a que, em vez da data e hora supra referidos, constasse do ponto 1 da matéria de facto que os factos teriam ocorrido “[e]m dia não concretamente apurado, do mês de Agosto ou Setembro de 2013”, para concluir que «a defesa apresentada pelo Arguido não foi suficiente para infirmar os aludidos indícios», violou ainda o princípio in dubio pro reo, por valorização, em desfavor do arguido, a dúvida, expressa pela assistente, quanto à ocorrência dos factos na circunstância temporal primeiramente referida, impondo ao arguido o ónus da prova de não ter praticado os factos, em momento algum, durante 61 dias;

- É ilógico, contrário às regras da experiência e desprovido de credibilidade, o depoimento da assistente quando sustenta que tinha “efectivamente medo do denunciado, receando que possa repetir as agressões quer contra a sua pessoa, quer contra algum dos seus filhos e marido”, e a alegação de que se encontrava, à data dos factos, a confraternizar a l,5m/2,00m do veículo deste, consciente de que o arguido se poderia dirigir ao seu veículo a qualquer momento.

- Quanto ao facto referido no ponto n.º 1 da matéria de facto da pronúncia, a testemunha D...disse em sede de inquérito, “[q]eu não sabe as datas exatas, mas lembra-se que um dia a declarante acompanhava a queixosa e apareceu no caminho o denunciado B... e o mesmo ao cruzar-se com elas cuspiu em direção da queixosa”, mas a assistente, na sua nova versão, refere que se encontrava “encostada num balcão situado num largo”, juntamente com a testemunha D..., quando o arguido se aproximou de si e cuspiu para o chão (declarações da assistente, entre os 00h49m47s e as 00h50m59s).

- Uma vez que, na versão da assistente se encontrariam ambas encostadas a um balcão situado num largo, e na versão da testemunha D...se encontrariam em movimento (o que decorre da utilização dos termos “acompanhar” e cruzar-se “no caminho”), o Tribunal a quo deveria ter valorado a dúvida em benefício do arguido, uma vez não existe uniformidade entre estas versões, consideradas ambas credíveis pelo Tribunal a quo;

- No mínimo, deveria o Tribunal a quo ter notificado a testemunha D...para depor em sede de instrução sobre os factos, o que não fez;

- Quanto às declarações e ao relatório médico da psiquiatra C..., é de referir que o seu depoimento é inútil pois não sabe quem poderá ter causado os danos psiquiátricos à assistente e o suposto transtorno da assistente respeita a factos alegadamente ocorridos no início e nos finais de Junho - data das consultas mencionadas no relatório - e não em Agosto ou Setembro; e

- Uma pronúncia desta natureza é, para além de violadora das garantias de defesa do arguido e de vários princípios do processo penal, com destaque para o da presunção da inocência, consagrado constitucionalmente no artigo 32.°, n.ºs 2, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma sentença condenatória antecipada.

Vejamos.

A resposta à parte presente da questão objecto de recurso em apreciação impõe, antes do mais, uma referência, mesmo que breve, às circunstâncias em que deve ser proferido um despacho de pronúncia, bem como às normas que o recorrente entende terem sido violadas na decisão recorrida.

Nos termos do art. 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

Dentro da fase da instrução, é obrigatório o debate instrutório, que visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento ( art.298.º do C.P.P.).

Nos termos do art.308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Por expressa remissão do n.º2 do art.308.º - « É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.ºs 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º1 do artigo anterior.». -, para o n.º 2 do art.283.º, este respeitante ao despacho de acusação, ambos do Código de Processo Penal, “Consideram‑se suficientes os indícios   sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.”.

Esta definição legal do que são indícios suficientes integra-se na orientação perfilhada pela doutrina e jurisprudência que era seguida no domínio de vigência do Código de Processo Penal de 1929, onde se realça, entre outras fórmulas, a de Luís Osório que referia: “devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”.[8]

Os indícios são as provas recolhidas no processo até ser proferida a acusação ou a decisão instrutória. Não parece haver aqui qualquer problema de interpretação.

Já o qualificativo de suficientes, relacionados com uma possibilidade razoável de condenação  exige um esclarecimento do grau de probabilidade da condenação.

O Dr. Jorge Noronha e Silveira observa que na resposta à questão do que seja a possibilidade razoável de condenação podem distinguir-se, na doutrina e jurisprudência, três correntes fundamentais:

 - uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento;

- numa segunda resposta possível, é necessário uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição;

- e uma terceira via defende ser necessária uma possibilidade particularmente forte de futura condenação.

Depois de esclarecer que certos autores advogam esta terceira interpretação da suficiência de  indícios como forte possibilidade de condenação sem verdadeiramente a autonomizar da segunda interpretação referida, adopta a terceira posição, mas com o sentido de que para a acusação, como para a pronúncia, se exige a mesma exigência de prova e de convicção probatória requerida pelo julgamento final, atendendo, designadamente, ao facto de naquelas primeiras fases processuais já se encontrarem recolhidas todas as provas da acusação e de o princípio da presunção da inocência vigorar para todo o processo penal. [9]

O Tribunal da Relação entende que a tese que afirma a suficiência de indícios nos casos em que a possibilidade de condenação é diminuta, ou dito de outro modo, que os indícios só não seriam suficientes se a acusação fosse manifestamente infundada, não pode ser proceder, porquanto não tem o mínimo de consagração na letra da lei e seria desproporcionada e injusta, violando desde logo a presunção de inocência do arguido.  

Mas também a posição que exige nas fases da acusação e da pronúncia a mesma exigência de prova e de convicção probatória requerida pelo julgamento final, não respeita, no nosso entender, a letra e o espírito da lei.

Mais concretamente e no que respeita à fase da instrução, nesta não se pretende alcançar a demonstração da realidade dos factos; pretende-se, tão só, recolher indícios, sinais, de que um crime foi, ou não, cometido pelo arguido.

As provas recolhidas nas fases preliminares do processo penal não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas, tão só, da decisão processual no que respeita à prossecução do processo até à fase de julgamento.

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva, nesta fase processual a lei « … não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.» Ou seja, « Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação.».[10]

O juízo de probabilidade razoável de condenação enunciado no n.º2 do art.283.º do C.P.P., aplicável à pronúncia ou não pronúncia, não equivale ao juízo de certeza exigido ao Juiz na condenação.

Seguindo a lição do Prof. Figueiredo Dias, proferida ainda na vigência do Código de Processo Penal de 1929, consideramos que continua a ser aceitável, na interpretação do conceito normativo indícios suficientes, considerar que «… os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.».[11]    

Por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação como uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Para a pronúncia, não obstante não ser necessária a certeza da existência da infracção, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes por forma que, logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de razoável probabilidade de condenação no que respeita aos factos que lhe são imputados.

A suficiência dos indícios de futura condenação do arguido, aferida por um juízo de alta probabilidade, em face das regras da experiência comum e livre apreciação da prova, tem de ser compatibilizada com os princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência.

Este princípio da presunção da inocência constitucionalmente consagrado no art.32.º, n.º2 da C.R.P., encontra-se também inscrito no art.6.°, n.°2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde se estabelece que « Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.».

Em suma e na perspectiva que seguimos, afigura-se-nos que o Juiz de Instrução, na fase de instrução, aquando da prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, deve ter presente na valoração da prova os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo e, por outro lado, o tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desses princípios se da decisão recorrida resultar que o mesmo Juiz - e não os sujeitos processuais ou algum deles – ao valorar a prova chegou a um estado de dúvida insanável sobre a suficiência dos indícios para o arguido vir a ser condenado e, face a tal estado, escolheu a tese desfavorável ao mesmo, pronunciando-o e submetendo-o a julgamento.

O trabalho que cabe ao Tribunal da Relação na sindicância do apuramento dos factos dados como suficientemente indiciados no despacho de pronúncia traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do Juiz de Instrução e concluir, atento o disposto no art.127.º do Código de Processo Penal, da razoabilidade ou não da existência daqueles indícios.

Passando ao conhecimento do caso concreto, diremos, antes do mais, que os segmentos das declarações da assistente, transcritos na motivação do recurso, correspondem ao que por ela foi dito na instrução e que o Tribunal da Relação procurará responder aos argumentos apresentados pelo recorrente, pese embora não esteja sujeito à obrigação de a eles responder, mas sim às questões objecto de recurso.

Posto isto, começamos por anotar que não vislumbramos qualquer contradição no facto do Tribunal a quo ter mencionado na decisão instrutória, por um lado, que os indícios apurados na fase de inquérito não foram infirmados na instrução, pronunciando seguidamente o arguido por considerar existirem indícios suficientes da prática de um crime de injúria e, por outro lado, não ter o Ministério Público acompanhado a acusação particular, “por entender que não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime de natureza particular, conforme a posição já assumida nos autos”.

O ilícito-típico de injúria é um crime particular, pelo que a submissão a julgamento depende do assistente deduzir acusação; se o assistente não a deduzir, o processo não prossegue ( art.285.º, n.º1 do C.P.P.).

Enquanto nos crimes semi-públicos e particulares é o assistente que pode deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles ( art.284, n.º1 do C.P.P.), nos crimes particulares é a acusação do Ministério Público, facultativa, que está limitada pelos factos constantes da acusação do assistente ( art. 285.º, n.º1 do C.P.P.).

Resulta mencionado na decisão recorrida, após análise da prova produzida em inquérito, que “…as acusações foram deduzidas com substracto factual suficiente…(…) pelo que importaria “ que em sede de instrução , fosse produzida prova em sentido contrário, excludente da responsabilidade indiciária do Arguido.”.

As acusações a que o Ex.mo JIC se refere nessa parte da decisão recorrida só podem ser as acusações do Ministério Público, a que a assistente aderiu, pela prática do crime de ofensas à integridade física, e a da assistente pela prática do crime de injúria, que o Ministério Público não acompanhou.

Quando o Tribunal a quo consigna, após análise da prova produzida durante a fase de instrução, que “ Aqui chegados, importa concluir que os indícios suficientes apurados na fase de inquérito não foram infirmados”, está, evidentemente, a reporta-se aos indícios que sustentam as acusações que foram deduzidas e que estão em comprovação na instrução – e não à posição do Ministério Público que não acompanhara a acusação particular “por entender que não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime de natureza particular, conforme a posição já assumida nos autos”.

O argumento seguinte apontado pelo arguido, no sentido da inexistência de indícios suficientes da prática do crime de injúria, respeita às declarações prestadas pela assistente na fase de instrução, na parte em altera a data e hora dos factos que constam da “queixa” por esta apresentada e da acusação particular que deduziu: 16 de Setembro de 2013, por volta das 12 horas, no Largo da Casa do Povo, sito em Monsanto.

No entender do recorrente, o arguido juntou aos autos prova documental inequívoca de que no dia e hora indicados na queixa e na acusação particular se encontrava a uma hora de distância, em Castelo Branco, onde permaneceu, pelo menos, entre as 10h30m e as 14h50m. Esta circunstância levou a assistente a alterar a sua versão dos factos, afirmando que os factos poderiam ter ocorrido entre Agosto e Setembro, a qualquer hora do dia.

Assim, ou o alegado facto se passou no dia 16 de Setembro, pelas 12h00, em que arguido não se encontrava em Monsanto, impondo-se a conclusão da insuficiência de indícios quanto ao facto descrito no ponto n.º1 da matéria de facto da pronúncia, ou existe dúvida quanto à possibilidade física de ocorrência do facto, o que tem de resultar na insuficiência deste depoimento para fundar a pronúncia do arguido. O Tribunal a quo ao proceder à alteração não substancial dos factos referidos na acusação particular, por forma a que, em vez da data e hora supra referidos, constasse do ponto 1 da matéria de facto que os factos teriam ocorrido “em dia não concretamente apurado, do mês de Agosto ou Setembro de 2013”, para concluir que «a defesa apresentada pelo Arguido não foi suficiente para infirmar os aludidos indícios», violou ainda o princípio in dubio pro reo, por valorizar em desfavor do arguido a dúvida, expressa pela assistente quanto à ocorrência dos factos na circunstância temporal primeiramente referida, impondo ao arguido o ónus da prova de não ter praticado os factos, em momento algum, durante 61 dias.

Vejamos.

O recorrente B... apresenta como premissa desta sua argumentação e crítica ao despacho de pronúncia, a junção aos autos de documentos que, no seu entender, provam inequivocamente que no dia e hora indicados na acusação particular não se encontrava em Monsanto, mas em Castelo Branco.

Ora, consta expressamente da decisão recorrida que foi levada “..em consideração todos os elementos documentais constantes dos autos e carreados para a instrução” e que pese embora a flutuação das datas , por a assistente e as testemunhas serem incapazes de confirmar as datas constantes da acusação, a prova documental apresentada pelo arguido  “não tem a virtualidade de afastar a imputação indiciada.”.  

Os documentos em causa, juntos aos autos pelo arguido como anexo ao requerimento de abertura da instrução, respeitam a facturas e notas de crédito emitidas a favor da sociedade “Refúgio Lusitano Unipessoal, Lda”, em 16 de Setembro de 2013, e algumas delas por volta das 12 horas, designadamente em Castelo Branco.

Admitindo que o arguido é gerente, ou mesmo o único gerente da sociedade “Refúgio Lusitano Unipessoal, Lda”, como afirma, não resulta desta prova documental que foi o arguido que, naquela data e àquelas horas, solicitou a emissão daqueles documentos nos respectivos locais.

Qualquer pessoa autorizada pela sociedade pode ter realizado estas operações em nome da empresa.

Por outro lado, o argumento avançado pelo recorrente de que a assistente passou a dizer que os factos em causa terão ocorrido lá para Agosto/Setembro de 2013 apenas porque concluiu que dos documentos juntos pelo arguido resultava  provado que no dia e às horas inicialmente indicados na acusação particular este se encontrava a uma hora de distância, em Castelo Branco, também está longe de comprovado.

È que o Tribunal a quo considerou que as declarações prestadas pela assistente na fase de instrução, relativamente à matéria da alegada injúria, foram credíveis “apesar da sua imprecisão temporal”, e explicou que tal poderá ocorrer perante o “hiato temporal decorrido” desde que os factos terão ocorrido.

A imprecisão temporal dos factos que se retira das declarações da assistente prestadas na instrução, também não surgem com um só sentido - o de prejudicar o arguido -, como parece resultar da argumentação do arguido.

O Tribunal a quo deixa medianamente claro, na fundamentação da decisão instrutória, que existem indícios suficientes da prática dos factos objecto da acusação do crime de ofensa
à integridade física simples e da consequente verificação de todos os elementos constitutivos deste ilícito típico pelo qual o Ministério Público deduzira acusação. No entanto, fixada aquela matéria, e dela resultando que a assistente não confirmou a data da agressão física que consta da queixa que apresentou contra o arguido, e pela qual o Ministério Público deduziu acusação, o Ex.mo JIC decidiu julgar extinto o procedimento criminal.

Ou seja, a não confirmação por parte da assistente, na instrução, da data da queixa relativamente às ofensas corporais, por considerar que a situação fáctica tanto poderia ter ocorrido nos finais de Junho de 2013, como em meados de Junho, favoreceu o arguido, que viu extinto o procedimento criminal por exercício intempestivo do direito de queixa. 

Se ao lapso de tempo referido na decisão recorrida, acrescentarmos o facto de que resulta do relatório médico de folhas 87 e 88 que a assistente, à data das declarações prestadas na fase instrutória , se encontra a ser seguida em psiquiatria, o que ocorre desde pelo Junho de 2013, não é de todo irrazoável , nem viola as regras da experiência comum, que o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha reputado as declarações prestadas pela assistente como credíveis, pese embora a imprecisão nas datas, quer no que respeita à factualidade relativa às ofensas à integridade física, quer no que respeita à factualidade relativa à injúria.

Nestas circunstâncias e declarando a assistente que não é capaz de confirmar que a factualidade relativa à injúria ocorreu na data que mencionou na queixa, mas que terá sido em Agosto/Setembro de 2013, não vislumbramos qualquer erro processual por parte do Tribunal a quo pelo facto de ter comunicado ao arguido uma alteração não substancial dos factos,  referidos na acusação particular, traduzida em se indiciar da instrução que os factos alegadamente injuriosos teriam ocorrido “em dia não concretamente apurado, do mês de Agosto ou Setembro de 2013”, e não no concreto dia 16 de Setembro de 2013, por volta das 12 horas.

O Tribunal a quo não deu relevância à prova documental já aludida e apresentada pelo arguido, respeitante ao dia 16 de Setembro de 2013, pelo que se a assistente tivesse mantido esta data como a dos factos descritos na acusação particular, ainda assim pronunciaria o arguido.

Conjugando o despacho recorrido com o ora exposto, não vislumbramos que o Tribunal a quo tenha violado o princípio in dubio pro reo nesta matéria, pois não valoriza a imprecisão temporal expressa pela assistente como dúvida em desfavor do arguido.

O que resulta do despacho recorrido é que, no entender do mesmo Tribunal, não é possível datar concretamente a factualidade em causa nos termos que constava da acusação particular por a assistente não os sabe precisar temporalmente para além da sua ocorrência em Agosto/Setembro de 2013.

Mas o Tribunal a quo não mostra dúvidas, na decisão recorrida, em afirmar que a factualidade constante da acusação particular teve lugar, indiciariamente, em data não concretamente apurada do mês de Agosto/Setembro 2013. 

O Tribunal a quo, com a alteração não substancial dos factos, também não impõe ao arguido o ónus da prova de não ter praticado os factos, em momento algum, durante 61 dias.

Não fez essa imposição, nem o poderia fazer, uma vez que sobre o arguido não recai o ónus de provar que não praticou os factos objecto da pronúncia, seja na instrução, seja em qualquer outra fase processual.

Em conformidade com o determinado pela Lei nº 43/86, de 26-09  (autorização legislativa), o Código de Processo Penal de 1987 consagrou um processo de estrutura acusatória, integrada por um princípio de investigação. É sobre o Juiz que recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto objecto do processo.         

Ainda na desconstrução da sua pronúncia pelo crime de injúria, considera o recorrente que é  ilógico, contrário às regras da experiência e desprovido de credibilidade, o depoimento da assistente quando sustenta que tinha “efectivamente medo do denunciado, receando que possa repetir as agressões quer contra a sua pessoa, quer contra algum dos seus filhos e marido” ( art.8.º da acusação particular), e as declarações prestadas na instrução ao referir que se encontrava, à data dos factos, a confraternizar a l,5m/2,00m do veículo do arguido, consciente de que este se poderia dirigir ao seu veículo a qualquer momento.

O segmento transcrito pelo arguido/recorrente do art.8.º da “acusação particular”, surge na sequência da descrição da denunciada agressão física do arguido à assistente, com um saco. Refere a mesma no art.7.º dessa acusação, que “ Depois desse facto, por diversas vezes, o denunciado parou o seu veículo automóvel  à porta do estabelecimento da queixosa e ria-se em voz alta, em toma sarcástico e provocatório, com o único propósito de lhe provocar receio e de a atormentar psicologicamente.”.

Nas declarações prestadas na instrução a assistente confirmou que não só tinha medo como “ pavor” do arguido, e que no dia em causa se encontrava com a testemunha D..., estando a assistente encostada a um balcão de uma casa fechada, num largo, quando o arguido se dirigiu ao carro dele que estava ali perto ( segundo a pergunta do Ex.mo Defensor do arguido estaria a um metro e meio ou dois metros). Tendo sido perguntado à assistente, pelo Ex.mo Defensor do arguido, se apesar desse medo a mesma estava àquela distância do veículo do arguido, respondeu: “ Então se eu estava na rua acompanhada e ele veio, o que é que eu fazia?” e que quando ali estava encostada o arguido não estava dentro do carro.

Salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação não vislumbra que da invocação do medo do arguido por parte da assistente com a narração destes factos acessórios realçados pelo arguido, deva resultar a falta de credibilidade da assistente, e que consequentemente, fiquem afastados os indícios de , designadamente, em dia não apurado, do mês de Setembro ou Outubro de 2013, no Largo do Povo, em Monsanto, o arguido escarrou na direcção da assistente A.... 

A contradição das versões da assistente e da testemunha D... sobre como tiveram lugar os factos, apresentado seguidamente pelo recorrente, também não é um argumento sólido adequado a descredibilizar as declarações da assistente e daquela testemunha.

Como bem refere o recorrente, a propósito da matéria de facto constante do 1.º paragrafo da  pronúncia, a testemunha D... declarou em sede de inquérito, perante a GNR, “Que não sabe as datas exatas, mas lembra-se que um dia a declarante acompanhava a queixosa e apareceu no caminho o denunciado B... e o mesmo ao cruzar-se com elas cuspiu em direção da queixosa”.

Já a assistente mencionou na “queixa” apresentada contra o arguido, designadamente, que « …no Largo da Casa do Povo, sito em Monsanto, encontrava-se a queixosa na companhia de uma pessoa amiga, D..., quando o denunciado passou por elas e, de forma  ostensiva e ruidosa, escarrou na direcção da denunciada [querendo referir-se nesta última parte, evidentemente, à denunciante].” .

Nas declarações que prestou na instrução, a assistente declarou, também em síntese, que quando estava num largo de Monsanto, na companhia da testemunha D... viu o arguido dirigir-se para o carro dele, que estava ao lado do balcão de uma casa fechada onde a assistente estava encostada, e quando “veio dirigir-se ao carro” escarrou na direcção desta.

Do exposto resulta que a assistente não declarou que ela e a testemunha “se encontrariam ambas encostadas a um balcão situado num largo”, como refere o recorrente. Quando o Ex.mo Defensor do arguido pergunta à assistente se estavam as duas encostadas ao balcão aquela respondeu “ Eu é que estava ao balcão.”. 

Declarar-se que acompanhava a queixosa não é substancialmente diferente de dizer-se que “estava com a D. D...” ou “acompanhada” por esta; nem vislumbramos como daquelas palavras constantes das declarações da testemunha D... se deve concluir que disse que ambas estavam a caminhar.

Também não vislumbramos diferença, a não ser de pormenor irrelevante, entre as versões da assistente e da testemunha D..., quando esta diz que apareceu no caminho o denunciado B... e o mesmo ao cruzar-se com elas cuspiu em direcção da queixosa e o dizer-se , como faz a assistente, que o arguido surgiu no largo e quando se dirigia para o carro dele, que estava perto do balcão onde a assistente se encontrava, escarrou na direcção desta.

Em ambas as versões, quem está inequivocamente em movimento é o arguido e este ao cruzar-se com elas ou ao dirigir-se para o carro dele, cuspiu/escarrou na direcção desta.

O estar a assistente, e a testemunha D..., a caminharem, quando o arguido se cruza com aquelas, não passa de um pormenor que não se mostra esclarecido nas parcas declarações da testemunha.

O Tribunal a quo, claramente, não lhe deu relevância na decisão recorrida. Mas se o arguido entendia que o pormenor que realça no recurso era relevante, a merecer esclarecimentos por parte da testemunha D..., deveria ter requerido a sua audição  em instrução; o que não fez.

Por fim, quanto às declarações e ao relatório médico da psiquiatra C..., é evidente que a relevância desta prova é relativa, pois não presenciou os factos; ainda assim esclareceu o que a assistente lhe vem narrando desde que a começou a assistir no início de Junho de 2013.

De todo o modo, não é inútil o seu depoimento enquanto compatibiliza o quadro depressivo que observa na assistente e o que ela lhe vem narrando, nos termos que se mostram consignados na motivação da decisão recorrida que deu lugar ao despacho de pronúncia.

Em suma, apreciadas criticamente, de um modo objectivo , as provas recolhidas no processo e que fundamentam a prolação do despacho de pronúncia, em especial as declarações da assistente, conjugadas com o depoimento da testemunha D..., consideramos que o Ex.mo JIC não violou as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova ao considerar suficientemente indiciados os factos que integram o despacho de pronúncia.

Não se mostrando violadas as garantias de defesa do arguido, nomeadamente princípios do processo penal, como os da presunção da inocência, consagrados no artigos 32.°, n.° 2, da C.R.P. e 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mais não resta do que considerar suficientemente indiciada a matéria fáctica que consta do despacho de pronúncia.

Respondida a primeira parte da questão, importa agora decidir da relevância ou irrelevância jurídico-penal da conduta imputada ao arguido e do consequente preenchimento indiciário do ilícito p. e p. pelos artigos 181.° e 182.° do Código Penal

No entender do recorrente B..., para o preenchimento do tipo penal da injúria é necessário que o acto tenha, acima de tudo, dignidade penal, e, portanto, que respeite os princípios da ofensividade, da subsidiariedade e da ultima ratio do Direito Penal. Do âmbito da tutela penal do crime de injúria, previsto no art.181.° do CP, ficam excluídas as atitudes grosseiras, as faltas de educação, as infracções a normas de convivência social e todas as outras condutas que, apesar de socialmente repulsivas, não merecem a aplicação de uma sanção penal. Ponto é que a conduta atinja “o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana”.

O acto imputado ao arguido na pronúncia, de cuspir para o chão na direcção de alguém, sem intenção de a atingir, não tem dignidade penal, não atinge aquele núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana.

Também no plano do sujeito passivo, não basta que o acto seja apto a ofender a honra da visada, quando esta tenha uma sensibilidade exagerada e quando o acto objectivamente não tenha dignidade penal. A aplicação de uma sanção de cariz penal pelo imputado acto ao arguido, para alem de violar os princípios da ofensividade, da subsidiariedade e da ultima ratio do Direito Penal, é desproporcional e perigoso no precedente que estabelece.

Vejamos.
O arguido foi pronunciado pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelos artigos 181º e 182.º do Código Penal.
O art.181.º do Código Penal estabelece no seu nº1, que « Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.».

O art.182.º, do Código Penal, acrescenta, em seguida, que « À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.».

Como afloramento do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.2.º da C.R.P., a última parte do n.º 2 do art.18.º da Lei Fundamental, estabelece pressupostos materiais para a restrição, legítima, de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade.

Doutrinariamente, este princípio vem sendo desdobrado em três sub-princípios: princípio da necessidade ou da exigibilidade ( as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).[12].

Em matéria de criminalização é reconhecida ao legislador uma margem de discricionariedade legislativa na delimitação de fronteiras entre o ilícito penal e os demais direitos sancionatórios públicos.

Importante para a inclusão de um ilícito no domínio do direito penal ou prevê-lo apenas noutro domínio do direito, é não perder de vista que, como sublinha o Prof. Figueiredo Dias , « num Estado de Direito material, de raiz social e democrática, o direito penal só pode e deve intervir onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade de cada homem».[13]

Consequentemente, não devem constituir crimes as condutas que, «…violando embora um bem jurídico, possam ser suficientemente contrariadas ou controladas por meios não criminais de política social; com o que a necessidade social se torna em critério decisivo de intervenção do direito penal: este, para além de se limitar à tutela de bens jurídicos, só deve intervir como última ratio da política social».[14]

Se os artigos 181.º, n.º1 e 182.º do Código Penal conjugados entre si dizem claramente que injuriar mais não é que imputar a outra pessoa factos, escritos, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão, ofensivos da sua honra e consideração, também se vem entendendo que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão daqueles tipos penais.

A conduta pode ser reprovável em termos éticos, profissionais ou outros, mas não o ser em termos penais. Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que  compreende não só a liberdade de pensamento , como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos .

Em matéria de direitos fundamentais deve procurar obter-se a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua optimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.

Acompanhando o acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 1998, diremos que « Há um sentir comum em que se reconhece  que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros . (...) . Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte ( regras ) que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral , cívico e social  , mínimo esse de respeito que não se confunde , porém , com educação ou cortesia , pelo que os comportamentos indelicados , e mesmo boçais , não fazem parte daquele mínimo de respeito , consabido que o direito penal , neste particular , não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências.».[15]

Tal interpretação está de acordo com o princípio do mínimo de intervenção do aparelho sancionatório do Estado, que subjazer ao direito penal.

Para a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos.
Escreve Cuello Calon que para apreciar se os factos, palavras e escritos são injuriosos será de ter em conta os antecedentes do facto, o lugar, ocasião, qualidade, cultura e relações entre ofendido e agente, de modo que factos, palavras e escritos que em determinados casos ou circunstâncias se reputam gravemente injuriosos, podem noutros não se considerar ofensivos ou tão somente constitutivos de injúria leve.[16]

Também o Prof. José Faria Costa alerta para que « o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização . Reside , pois , aqui , um dos elementos mais importantes para , repete-se , a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.».[17]

O que deixou ora referido corresponde, sensivelmente ao consignado pelo Tribunal a quo no “enquadramento jurídico” do despacho recorrido e, em termos abstractos, ao que defende o recorrente.

A divergência entre a decisão recorrida e o que consta das conclusões da motivação do recorrente encontra-se, não nos termos abstractos, mas na subsunção dos factos indiciariamente apurados ao direito, mais concretamente às normas supra mencionadas.

Recorrendo ao horizonte de contextualização em que indiciariamente o arguido, de forma ostensiva e ruidosa, escarrou na direcção da assistente A..., diremos que o Tribunal a quo não se chegou a pronunciar sobre o mérito da causa relativamente à alegada agressão física do arguido que teria indiciariamente ocorrido em Junho de 2013, portanto antes dos factos em apreciação, porquanto, como vimos, declarou extinto o procedimento criminal por caducidade do direito de queixa.

Ainda assim, resulta designadamente da decisão recorrida  que na altura dos factos agora em apreciação existia já forte tensão entre o arguido e a assistente, desde logo por haver divergências entre o marido desta, L..., e o arguido, que terão começado a propósito da instalação de uma antena em Monsanto e que se terão agravado com o passar do tempo.

No circunstancialismo, consideramos que existem indícios suficientes de que o arguido ao escarrar, de forma ostensiva e ruidosa, em direcção da assistente, num lugar público, de uma pequena localidade, e quando a assistente se encontra na companhia de uma pessoa, quis deliberada, livre e conscientemente, ofender a honra e consideração da assistente. 

Se é correcto afirmar que escarrar na direcção da assistente, de forma ostensiva e ruidosa, no circunstancialismo descrito, constituiu um gesto grosseiro e de má educação, também cremos que não deixa de ser correcto afirmar, que aquele gesto não ofendeu apenas normas de convivência social.    

O gesto indiciariamente descrito na acusação da assistente e no ponto n.º 1 da matéria de facto do despacho de pronúncia, traduz um acto de rebaixamento e de profundo desdém e desprezo para com a personalidade da assistente, o qual é objectiva e subjectivamente ofensivo da honra e consideração da assistente - como bem se anota na douta decisão recorrida.

A conduta indiciariamente descrita na pronúncia, como tendo sido praticada pelo arguido B..., com consciência da ilicitude penal da sua conduta, não é, assim, atípica; tem dignidade penal, encontrando nas sanções específicas do direito penal o meio adequado e proporcional à ofensividade da conduta ilícita-típica.

Em face de todo o exposto improcede a pretensão do recorrente de revogação do douto despacho de pronúncia recorrido , mantendo-se a decisão que pronunciou o arguido/recorrente pelo crime de injúria.


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            A segunda questão objecto de recurso é se deve ser determinada a supressão de todas as considerações sobre a culpabilidade do arguido a propósito dos factos atinentes ao crime de ofensa à integridade física, pelos quais o arguido não foi pronunciado

A este propósito alega o recorrente que de acordo com o disposto no artigo 308.°, n.° 3, do CPP, «o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer». Assim, na eventualidade de verificação de uma questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa, deverá a decisão de não pronúncia ater-se à decisão sobre tal questão.

No caso dos autos, a apreciação do mérito da causa deveria ter ficado prejudicada pelo facto de se ter extinguido o direito de queixa.

Todavia, apesar da extinção do direito de queixa, entendeu o Tribunal a quo formular um juízo de culpa sobre o arguido, referindo designadamente que “[a]tenta a factualidade julgada provada é de considerar que o Arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito concretizado de lesar a Assistente no seu corpo e saúde, o que representou [...] não se abstendo de concretizar os referidos actos, com consciência da censurabilidade penal das suas condutas”.

Ora, a referência à convicção do julgador relativamente à prática daquele ilícito típico é inadmissível num Estado de direito democrático, porquanto permite que paire sobre o arguido um juízo de culpa formulado por via judicial pela alegada prática de um facto criminoso pelo qual este não foi sequer julgado, quanto mais condenado.

O que, para além de gravemente lesivo da sua honra e dignidade pessoal, consubstancia uma grosseira violação do princípio da presunção de inocência.

Assim, independentemente da decisão que venha a incidir sobre o presente recurso, deve o despacho recorrido ser expurgado de todas as referências à culpabilidade do arguido pelo crime de ofensa à integridade física pelo qual não foi pronunciado, por violação do disposto no artigo 308.°, n.º 3, e do princípio da presunção de inocência, de acordo com o artigo 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e do artigo 6 °, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Vejamos.

O art.308.°, n.º 3, do CPP, estabelece que « No despacho referido no n.º 1.º  o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer».

Deste preceito resulta que quer no despacho de pronúncia, quer no despacho de não pronúncia, quando tenham sido arguidas nulidades ou questões prévias ou incidentais de que o Tribunal possa conhecer de imediato, este deve começar por decidir delas.

Quando não arguidas nulidades ou questões prévias ou incidentais, nem elas surjam evidentes da acusação deduzida, o Tribunal não pode decidir delas de imediato.

No caso em apreciação, não foi arguida, designadamente, pelo ora recorrente, a extinção do direito de queixa da assistente, nem ela se verificava notória em face da acusação do Ministério Público, que a assistente acompanhara.

A decisão instrutória, depois de descrever num “relatório” o que estava em causa na instrução requerida pelo arguido e as “finalidades da instrução” passou a, num capitulo intitulado “Dos elementos probatórios”, especificar e examinar criticamente as provas produzidas, quer no inquérito, quer na fase instrutória, estabelecendo a factualidade que considera suficientemente indiciada.

Fixada a factualidade que considera suficientemente indiciada, quer relativamente à acusação do Ministério Público, quer da assistente - designadamente os relativos à liberdade de acção e ao dolo - é que o Tribunal a quo, ao proceder ao “enquadramento jurídico”, conhece como questão prévia, face à não comprovação  da data dos factos que constava da acusação do Ministério Público, da eventual extinção do direito de queixa relativamente ao crime de ofensas à integridade física simples, decidindo então , pelas razões que aponta, que se já caducara o direito de queixa quando ele foi exercido pela assistente.

Só após estabelecer quais eram os factos que estavam suficientemente indiciados, cuja comprovação o arguido requerera através do pedido de abertura da instrução, é que poderia o Tribunal decidir essa questão prévia, por então ficar em condições de verificar que faltava um pressuposto positivo que obstava ao prosseguimento da acção penal.

Verificada a falta desse pressuposto, ficou prejudicado o conhecimento do mérito da causa, não tendo o Tribunal a quo imputado ao arguido, no despacho de não pronúncia ou no despacho de pronúncia, a prática do crime de ofensas à integridade física de que vinha acusado.

Tendo o Tribunal a quo decidido declarar extinto o procedimento criminal, por caducidade do direito de queixa, relativamente ao crime de ofensas à integridade física simples, não foi conhecido o mérito da causa, mas proferida uma decisão adjectiva.

Não tendo sido produzida qualquer decisão de mérito pelo Tribunal a quo, não foi violado qualquer princípio processual penal, nomeadamente o da presunção de inocência, ao apreciar a acusação do Ministério Público e, em face da não comprovação de parte da factualidade daquela constante, ter decidido não levar o arguido a julgamento por caducidade do direito de queixa e consequente ilegitimidade do Ministério Público para prosseguir com a acusação.

Assim, não se reconhecendo a violação das normas supra referidas, indicadas pelo arguido B... nas conclusões da motivação, improcede esta questão e o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento aos recursos interpostos pela assistente A... e pelo arguido B..., e manter o douto despacho recorrido.

             Custas pelo recorrentes, fixando em 4 UCs a taxa de justiça a cargo da assistente e 5 Ucs a taxa de justiça a cargo do arguido (artigos 513º, nºs 1 e 3 e 515.º, n.º 1, al. b), do C.P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

Coimbra, 25 de Fevereiro de 2015

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] In “Direito Penal Português - As consequências Juridicas do crime” ed. Noticias editorial, págs. 665 a 668.
[5] Acórdão do STJ n.º 4/2012, Diário da República, 1.ª série,  de 21 de maio de 2012,
[6] No sentido de que o mesmo não tem aplicação na fase de pronúncia decidiu o acórdão da Relação de Évora, de 15 de Outubro de 1991, in BMJ n.º 410, pág. 903.
[7] In, www.tribunalconstitucional.pt.  

[8] Cfr. “Comentário ao Código de Processo Penal Português,” vol. IV, pág. 441.
[9] In Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág. 161.

[10] Cfr. “Curso de Processo Penal” , Editorial Verbo, 1994, vol. III , páginas 179 a 182 . 
[11] Cfr. “Direito Processual Penal”, 1.º Vol. Coimbra Editora, 1974, pág. 133. 
[12] Crf. Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira , in “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 392, e Profs. Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I , Coimbra Editora, 2005, pág. 162.  
[13]  Cfr. «O sistema sancionatório do Direito Penal Português no contexto dos modelos da política criminal», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pp. 806/807). 

[14]  Cfr. O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, Centro de Estudos Judiciários, 1983, pág. 323.
[15] C.J. ano XXIII,  2º , pág. 64 e seguintes.
[16] Cfr. “Derecho Penal , Parte Especial” , pág. 651.

[17] “Comentário Conimbricence ao Código Penal” , Tomo I , pág. 612. No mesmo sentido cfr., entre outros, o  acórdão da  Rel. de Coimbra , de 5-6-2002 , proc. n.º 1480/02 , in WWW.dgsi.pt..