Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/12.9TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FALTA
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
DECLARAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
EFEITOS
ASSENTO
CONDENAÇÃO
RESTITUIÇÃO
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 1070.º/1 E 294.º DO C. CIVIL E 5.º/1 E 8 DO DL 160/2006, DE 8 DE AGOSTO
Sumário: 1 - É nulo o contrato de arrendamento cujo local arrendado (para fins não habitacionais) não disponha de licença de utilização (cfr. art. 1070.º/1 e 294.º do C. Civil e 5.º/1 e 8 do DL 160/2006, de 8 de Agosto).

2 - Nulidade que é típica, determinando o seu conhecimento oficioso pelo tribunal.

3 - Na aplicação do Assento n.º 4/95 deve ser-se exigente sobre o requisito (do assento) de “terem na acção sido fixados os necessários factos materiais”; requisito que só deve ser dado por preenchido se a discussão fáctica havida compreender/responder/esgotar (em termos fácticos) o enfoque jurídico que preside aos efeitos restitutórios decorrentes da declaração de nulidade, para além de tal condenação oficiosa (em efeitos restitutórias) ter que ser englobável no apertado espectro do pedido que foi efectivamente formulado.

4 - Assim, ocorrendo toda a discussão fáctica havida na perspectiva da validade do contrato e dos concernentes pedidos formulados pelas partes, deve considerar-se que os factos fixados são insuficientes para condenar oficiosamente (a título de efeitos restitutórios) o “inquilino” no valor do “locado”, desde que este o deixou de explorar, e para condenar o “senhorio” nas despesas feitas pelo “inquilino” para melhorar o “locado”.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., S.A., com sede na (...) , Torres Vedras, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário (hoje, comum), contra B... , casado, residente na (...) , Castelo Branco, pedindo a final que este seja condenado a:

a) Reconhecer a eficácia e validade da declaração de resolução (manifestada por carta de 10/10/2011, recepcionada a 12/10/2011), com efeitos a partir da data de 12/10/2011;

b) Restituir e entregar o locado à Autora em bom estado de conservação, livre e devoluto de pessoas e bens:

c) Pagar à A.:

c.1) a quantia de € 8.109,65, a título de rendas vencidas e não pagas, consumos de água e electricidade;

c.2) a quantia de € 2.700,00 a título de compensação pela não restituição do locado desde a resolução do contrato, correspondente à soma das quantias unitárias de € 450,00 reportadas aos meses de Setembro de 2011 a Fevereiro de 2012 vencidas respectivamente a partir de Agosto de 2011;

c.3) as quantias unitárias mensais no valor de € 450,00, cada uma, que se vencerem desde a data da propositura da presente acção a título de indemnização pela não restituição do locado;

c.4) os juros de mora que se vencerem desde a data da propositura da presente acção até efectivo e integral pagamento, sobre as quantias correspondentes a rendas e compensações mensais vencidas e não pagas, bem como sobre as indemnizações mensais que se vencerem até à restituição do Locado.

Alegou para tal que, em 23 de Setembro de 2009, no âmbito do seu objecto social, celebrou com o R. um contrato, denominado de “contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais”, de parte de um prédio urbano (armazém) em construção, parte essa que seria destinada ao exercício da actividade comercial do R., consistente na restauração, pastelaria e cafetaria; que, conforme o acordado, o R. tomou posse do “locado” na data da assinatura de tal contrato, iniciando-se nessa altura, conforme o também acordado, a obrigação do pagamento da contraprestação devida pela ocupação e gozo do espaço objecto do contrato; e que, encontrando-se a obra/armazém ainda em fase de acabamentos, não dispunha da respectiva licença de utilização, tendo, por isso, acordado que a A. seria responsável por todas as contra-ordenações, coimas e multas que resultassem dessa aludida falta de licença.

Mais alegou que, “em meados de Agosto de 2010[1], o locado foi objecto de fiscalização por parte da ASAE e instaurado um processo de contra-ordenação desconhecendo a A. o seu teor concreto”, após o que, a partir de Agosto de 2010, o R. “deixou de cumprir com as obrigações pecuniárias a que se encontrava obrigado e que decorrem do contrato em causa, designadamente o pagamento dos valores devidos a título de compensação pela ocupação do locado e os consumos de água e electricidade”, motivo por que procedeu à interpelação do R. (por carta datada de 30/06/11, recepcionada a 8/07/11), dando-lhe conta dos montantes em dívida e de que devia proceder ao seu pagamento no prazo de 10 dias a contar daquela comunicação, sob pena de se entender o referido contrato resolvido por incumprimento imputável ao R., devendo ainda, findo o aludido prazo, proceder à entrega do locado devoluto de pessoas e bens; não tendo o R. feito nada disto, isto é, não pagou nem entregou o “locado” à A., deixando o mesmo ao abandono.

O R. contestou.

Invocou, em síntese, que foi/é a A. que não cumpriu o contratado, não tendo construído sanitários exclusivos para o restaurante, o que “é motivo para que a licença de utilização do restaurante nunca possa ser emitida”; que o restaurante está integrado no edifício e complexo comercial da A. ( C... ), que encerra às 20 horas, aos feriados e domingos, o que impede o restaurante do R. de servir jantares, situação de que o R. reclamou (a abertura do portão exterior até às 24 horas) junto da A., sem sucesso.

Invocou ainda que a A. nunca conseguiu obter a licença de utilização do seu edifício para comércio de bebidas, café e indústria de restauração, o que constitui motivo impeditivo – do que alertou a A. – para que pudesse obter o licenciamento para o seu estabelecimento comercial de café e restauração; motivo por que, “em Agosto de 2010[2], as instalações do restaurante foram alvo de uma visita inspectiva da ASAE, a qual instaurou procedimento contra-ordenacional e encerrou o estabelecimento por falta de condições legais, designadamente por falta de licença de exploração do estabelecimento comercial”, tendo o R. de imediato comunicado “à A. que não podia continuar a explorar o estabelecimento (…), pelo que deixaria de pagar a renda enquanto não fosse obtida a licença de utilização para o fim arrendado”, não tendo a A., desde aí, “solucionado o problema”[3].

E a título reconvencional – além de pedir que se declare que a resolução do contrato promessa efectuada pela A. foi sem motivos e que a A. incumpriu o “contrato promessa de arrendamento” – pede que o A. seja condenado a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 39.445,89, sendo € 34.445,89 (respeitantes ao que gastou na aquisição de bens e materiais para proceder à instalação do restaurante) de danos patrimoniais e € 5.000,00 de danos não patrimoniais (por a sua imagem ter ficado “turbada”, por ter sido veiculado que o restaurante fechou por intervenção da ASAE por más condições de saúde, por existir comida estragada e também por ter sido despejado pela A.).

A A. replicou.

Manteve o alegado na PI, invocando o clausulado do contrato celebrado, de que resulta que o R. “sempre teve conhecimento de que não existia licença de utilização e que, sem prejuízo da posterior obtenção desta, sempre necessitaria de obter licença especial para o desenvolvimento da sua actividade, sendo esta última da sua responsabilidade”. Negou qualquer incumprimento contratual; que se tenha comprometido a construir sanitários exclusivos para o restaurante e as limitações horárias invocadas; invocou o abuso de direito; e impugnou a factualidade e o fundamento jurídico para o pedido reconvencional.

Admitido o pedido reconvencional[4], foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento – já à luz do NCPC – após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo:

“ (…) decido considerar a presente acção parcialmente procedente por provada e a reconvenção totalmente improcedente, e em consequência,:

a) considerar nulo e sem nenhum efeito o contrato celebrado entre as partes melhor descrito em 4) dos factos provados;

b) condenar o réu a restituir o imóvel objecto do contrato considerado nulo em a), livre e devoluto de pessoas e bens;

c) condenar o réu a pagar à Autora a quantia de € 3.509,65, quantia essa a que acrescerão juros desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

d) condenar o réu a pagar à Autora a quantia de € 350,00, quantia essa a que acrescerão juros desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

e) condenar o réu a pagar à Autora a quantia que vier a ser apurada em sede de incidente de liquidação de sentença pela fruição que o mesmo fez do imóvel melhor descrito em 4) dos factos provados, desde Setembro de 2010 até à data em que ocorrer a efectiva entrega do mesmo à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, com o montante máximo mensal fixado em € 350,00 por tal fruição como depósito de bens móveis;

f) absolver o réu do demais contra si peticionado;

g) Absolver a Autora do contra si peticionado pelo réu;

 (…)”

Inconformado com tal decisão, interpôs o R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção essencialmente improcedente e procedente o pedido reconvencional.

Terminou a sua alegação com uma segunda alegação a que chamou “conclusões”[5] e que aqui, em face da sua redundância e extensão, não transcrevemos.

A A. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou, a decisão de facto e a sentença recorrida, quaisquer normas adjectivas ou substantivas, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II - Fundamentação de Facto

A) Factos Provados[6]:

1) A A. é uma sociedade comercial que tem como exclusivo objecto social a Gestão e exploração de empreendimentos industriais, comerciais, turísticos e de lazer e imóveis neles integrados; b) administração de condomínios e de propriedades próprias e alheias; c) prestação de serviços de consultoria de gestão imobiliária económica; d) investimentos, promoção, gestão imobiliária e financeira aplicada ao investimento imobiliário; e) compra e venda de imóveis, a revenda dos adquiridos para esse fim e o arrendamento; f) o exercício, exploração e gestão de actividades turísticas, de estabelecimentos de restauração, hoteleiros ou similares; [7]

3) No lote de terreno 32, sito na Zona Industrial, Freguesia e Concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o n.º 7781 da dita Freguesia, e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de (...) , sob o artigo 13.330, a A. promoveu a construção de um prédio urbano destinado a armazém, ao abrigo da licença de construção n.º 25/200/8;

4) Por documento particular de 23 de Setembro de 2009, a A. celebrou com o R., um contrato denominada de “contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais”, reportado a parte do futuro prédio, com uma área de aproximadamente 100m2 (cfr. planta anexa ao contrato de arrendamento - livre de ónus ou encargos, para o exercício da sua actividade comercial da R, não lhe podendo ser dado qualquer outro fim, durante a vigência do contrato prometido ou de qualquer uma das suas renovações, sem a autorização expressa, dada por escrito, pela Promitente Senhoria, aqui A.);

5) Pelo referido contrato, a aqui A. declarou prometeu dar de arrendamento à R., que reciprocamente declarou prometer tomar de arrendamento, parte do referido prédio urbano, o qual seria destinado à exploração da actividade comercial do R., consistente na restauração, pastelaria e cafetaria;

6) O R. tomou posse do locado na data de assinatura do referido “contrato de promessa de arrendamento”;

7) Nos termos do sobredito “contrato de promessa”, acordaram as partes que a partir da mesma data começavam a ser devidas rendas, a título de compensação pela ocupação, nos valores, datas de vencimento e forma de pagamento constantes da Cláusula Terceira do “contrato de promessa de arrendamento”;

8) Resultou ainda contratualmente convencionado que, durante a ocupação por parte do R. e até a assinatura do Contrato definitivo de Arrendamento, a A. seria responsável por todas as contra-ordenações, coimas e multas em consequência da falta de licença de utilização do espaço, ainda que directamente reclamadas ao R., cumprindo à A. o reembolso de todas e quaisquer quantias pagas a esse título, no prazo de 10 dias a contar da interpelação feita para o efeito;

9) Na data da formalização do denominado “contrato de promessa de arrendamento”, ainda não se encontravam integralmente concluídas as obras de construção.

10) O prédio ainda não dispunha da competente licença de utilização;

11) No contrato as partes fazem referência expressa, por um lado, à falta de licença de utilização, e, por outro, ao alvará de licença de construção n.º 25/200/8;

12) Conforme acordado, o contrato de arrendamento prometido deveria ser celebrado no prazo de 15 dias a contar da emissão, por parte da Câmara Municipal de (...) , do Alvará de Licença de Utilização;

13) Para o efeito, cumpria à A., através de notificação ao R., por qualquer, meio, e com a antecedência mínima de 5 dias, proceder à marcação da data para celebração do contrato definitivo;

14) As partes acordaram ainda que durante a vigência do denominado “contrato de promessa”, seria aplicável às partes o previsto nas cláusulas do contrato definitivo transcritas no mesmo, com excepção daquelas que, pela sua natureza, estivessem afastadas.

15) Assim sendo, as partes desde logo pretenderam atribuir ao Contrato um prazo vinculativo de 5 (cinco) anos, renovável, automática e sucessivamente, por períodos adicionais de 1 (um) ano, declarando o R. que era do perfeito conhecimento que a A. não celebraria o referido contrato, caso aquele não cumprisse integralmente este período de duração efectiva de 5 anos;

16) Nos precisos termos do acordado, cabia à A. proceder ao pagamento do valor mensal de € 350,00, os quais deveriam ser pagos por transferência bancária para a conta bancária indicada pela A., devendo ser paga sempre adiantadamente, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior aquele a que disser respeito.

17) Estipularam ainda o regime de aumento gradual e actualização do valor das rendas, da seguinte modo:

- No segundo ano de vigência do contrato, a renda mensal passaria a ser de € 450,00, a pagar nos termos acordados;

- No terceiro ano de contrato, a renda mensal passaria para € 550,00, a pagar nos termos acordados;

- No quarto ano de contrato, a renda mensal passaria para € 650,00, a pagar nos termos acordados;

- No quinto ano, a renda mensal seria de € 750,00, a pagar nos termos acordados;

18) Do referido contrato de promessa, resultou ainda que, seria da exclusiva responsabilidade do R. a obtenção de todos os licenciamentos, alvarás e autorizações administrativas necessárias ao exercício da actividade indicada e à abertura de loja ao público, obrigando-se a cumprir todas as normas e condições que em geral e em particular lhe fossem impostas, designadamente o regime jurídico da instalação e funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas, não podendo ser assacável à Senhoria, seja de que forma for, qualquer responsabilidade pela falta dos mencionados licenciamentos, alvarás ou autorizações;

19) Consta da Cláusula Sexta do denominado “contrato de promessa de arrendamento” que ao R. era conferida a autorização para efectuar todas as obras de adaptação necessárias à finalidade do arrendamento, desde que as mesmas não alterassem ou interferissem com elementos estruturais do locado, e desde que sejam obtidas as necessárias autorizações camarárias, administrativas ou outras;

20) Convencionaram ainda as partes que tais obras eram da exclusiva responsabilidade do aqui R. bem como os respectivos custos, obtenção de licenças e pagamento de autorizações e demais despesas necessárias para a realização das obras que o Arrendatário pretenda vir a efectuar no locado, cumprindo apenas à A. enquanto Senhoria, a atribuição de poderes ao Arrendatário para a obtenção de tais autorizações.

21) Com excepção das obras que sejam amovíveis, todas as obras e benfeitorias que fossem feitas, ficariam a pertencer ao locado, sem que haja qualquer direito de retenção qualquer que seja o fundamento invocado;

22) Assim, a renda mensal e contratualmente estipulada pelas partes era inicialmente de € 350,00, tendo estas acordando que, excepcionalmente, até ao terminus dos primeiros 5 anos de vigência do contrato, o R. suportaria um aumento gradual anual da renda, nos moldes e termos constantes da Cláusula Terceira do Contrato de Promessa de Arrendamento.

23) Nos termos da Cláusula Terceira, no ponto 10 do Contrato Promessa cumpria ainda ao R. o pagamento de todas as despesas respeitantes ao locado, entre as quais, água, electricidade, telefone, acesso à internet e condomínio de demais serviços ou fornecimentos que viessem a ser contratados.

24) As partes fizeram constar do contrato de Promessa em apreço que, o prédio prometido arrendar não dispunha de licença de utilização.

25) Em meados de Abril de 2010 o imóvel foi objecto de fiscalização por parte da ASAE e consequentemente instaurado um processo de contra-ordenação;

26) A A. enviou ao réu uma missiva datada de 1 de Setembro de 2010, da qual resulta que a A. aceitaria única e exclusivamente a obrigação e consequente imputação de pagamento de coimas ou multas decorrentes da falta de licença de utilização, não aceitando liquidar quaisquer outros valores que o R. tivesse que despender, pois este bem sabia nem tinha como ignorar a total ausência de licença de utilização do locado;

27) A partir de Agosto de 2010, o R. deixou de pagar os valores devidos a título de compensação pela ocupação do locado e os consumos de água e electricidade, tendo deixado de explorar o espaço arrendado;

28) A Autora enviou ao Réu uma carta de 30 de Junho de 2011, recepcionada pelo R. em 08/07/2011, reiterando o incumprimento em que este laborava desde Agosto de 2010, ao não proceder ao pagamento das quantias vencidas e devidas;

29) Ainda pela sobredita missiva, a A. informou o R., que segundo informações colhidas o locado se encontrava encerrado, completamente abandonado, constatando-se visitas frequentes de alguns fornecedores ali se deslocavam para retirar bens e equipamento para pagamento dos seus créditos;

30) A A. instou o R. a proceder ao pagamento da quantia de € 7.105,97, no prazo máximo de 10 dias a contar daquela comunicação, sob pena de se entender o referido contrato por validamente resolvido, por incumprimento imputável ao R., com as legais consequências;

31) Mais solicitou a A. que findo esse prazo admonitório, sem o pagamento dos montantes devidos e em face da resolução do contrato em apreço, o R. deveria proceder à remoção dos bens ainda existentes no locado;

32) Não obstante as interpelações da A., o R. não pagou qualquer valor por conta das quantias por ela reclamadas;

33) Razão pela qual, por carta datada de 10 de Outubro de 2011 e recepcionada a 12 do mesmo mês, a A. notificou o R. da resolução do Contrato de Promessa de Arrendamento, com efeitos a partir da data de recepção daquela comunicação, fundada em incumprimento definitivo imputável ao R.;

34) Na data da propositura da acção permanecem por liquidar os valores correspondentes aos consumos de água e electricidade do locado no valor de € 3.509,65;

35) A. e R. acordaram que este deveria iniciar a exploração do estabelecimento de restaurante e café de imediato logo após a outorga do contrato promessa, sendo que tal unidade se traduzia numa melhoria e aumento de oferta no complexo comercial da A., local onde se situa a " C... ".

36) A A. não construiu sanitários exclusivos para o restaurante do R., tendo os clientes de sair do restaurante percorrer o edifício onde se situa o complexo comercial da A. e entrar nas instalações da C... para se servirem dos sanitários desta.

37) O restaurante do R. está integrado no edifício e complexo comercial da A. onde está instalada a C... , existindo uma entrada exterior (portão) comum no logradouro do edifício, pela qual se pode aceder ao restaurante e à C... (loja de produtos agrícolas).

38) A A. encerra tal entrada de acesso ao logradouro e consequentemente ao restaurante e C... nos feriados nacionais, municipais e aos Domingos;

39) Nos demais dias da semana a A. encerra tal entrada às 20h.

40) O horário de funcionamento do restaurante do R. é desde a 09h até às 24h, todos os dias, incluindo feriados.

41) O edifício destinado ao R. não está licenciado para estabelecimento de bebidas e restauração.

42) Até à presente data, a A. não conseguiu obter uma licença de utilização do seu edifício para comércio de bebidas, café e indústria da restauração.

43) O que é motivo impeditivo para que o R. consiga obter o licenciamento do seu estabelecimento comercial de café e restaurante.

44) O edifício da A. tem, apenas, licença de construção para armazém de vendas de produtos agrícolas, pelo que em consequência a licença de utilização será também para armazém de vendas de produtos agrícolas.

45) A Autora não diligenciou pela obtenção da licença de utilização da parte do prédio prometida arrendar para ali funcionar um estabelecimento de café e restaurante.

46) Acontece, que em Abril de 2010, as instalações do restaurante do R. foram visitadas pela ASAE, a qual instaurou procedimento contraordenacional por falta de alvará de licença sanitária e do Certificado Periódico de Inspecção das instalações do gás;

47) Sem a licença de utilização do edifício para restauração e café, consequentemente o R. não pode licenciar o estabelecimento.

48) Em meados de 2011, foram retiradas das instalações do R. a máquina de café e a arca de gelados, bens que foram entregues aos fornecedores respectivos pela A., por intermédio do responsáveis da C... .

49) Durante o ano de 2011, o R. retirou algumas mesas e cadeiras do restaurante, pois necessitou delas nos outros restaurantes que explora, a saber: Restaurante E (...) , Churrasqueira M (...) ; restaurante da piscina praia, serviços de catering E (...) , entre outros, as quais repôs mais tarde.

50) No entanto, permaneceram, pelo menos até à data da réplica apresentada nestes autos, nas instalações todas as obras efectuadas e TVs; expositores; painéis publicitários; programas, máquina de café prateleiras de vidro; mesas e cadeiras, placas de aço inox, rodapés, torneiras, vitrines frigoríficas, bancadas de cafetaria, lavadouros, máquina de lavar loiça, balde de inox, lava mãos, fogão junex, fritadeiras, bancada frigorificas, campânulas inox, expositor de pão, cubas de inox, tampas, grelhador, arrião de tabuleiros, computador, monitor, gaveta de dinheiro, visor, scanner, impressoras, ups, programas informáticos, etc.

51) A Autora não quis aceitar o pagamento de coimas ou multas decorrentes da falta de licença de exploração do estabelecimento enquanto restaurante e/ou café.

52) Aquando da celebração do contrato era do conhecimento do R. que o prédio que a A. estava a construir era apenas destinado a armazém, ao abrigo da licença de construção n.º 25/200/8.

53) Assim como sabia da inexistência de licença para fins de restauração;

54) E ainda assim manifestou interesse no arrendamento, tendo declarado, por escrito, que queria tomar de arrendamento parte do futuro prédio urbano descrito, com aproximadamente 100 m2, conforme planta anexa aquele como Anexo I.

55) A A., pelo seu lado, responsabilizou-se expressamente pelo pagamento de todas as contra ordenações, coimas e multas que viessem a ser devidas ou aplicadas em consequência da falta de licença de utilização supra referida;

56) Nos termos do Contrato em questão, o espaço destinado ao exercício da actividade do R. encontrava-se identificado no Anexo I do Contrato;

57) Resulta do Anexo I ao Contrato de Promessa, a inexistência de instalações sanitárias dentro do café/restaurante, mas antes e ao invés, a sua existência do lado de fora daquele espaço.

58) Nos termos do n.º 2 da Cláusula 4.ª do mencionado Contrato, era da responsabilidade exclusiva do R., o cumprimento de todas as normas e condições que em geral e em particular lhe fossem impostas, designadamente o regime jurídico da instalação e funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas;

59) Ficou a cargo do R., a obtenção de todos os licenciamentos e autorizações administrativas necessárias ao exercício da actividade indicada no n.º 2 da Cláusula 4;

60) Competia ao R. promover e custear as obras de adaptação bem como, promover e diligenciar pela obtenção dos licenciamentos, autorizações com vista ao exercício da sua actividade;

61) Uma vez que o locado não possuía licença de utilização as partes acordaram em conferir ao Contrato a natureza de promessa de arrendamento;

62) À data referida em 4) dos factos provados o espaço apenas possuía licença de construção;

63) As partes ficaram acordadas de que cabia ao Réu a obtenção de licença especial ou especifica da actividade que iria desenvolver no espaço prometido arrendar;

64) Na carta que enviou ao Réu em 30 de Junho de 2011, recepcionada pelo R. em 8/07/2011, a A. instou o R. a proceder à efectiva restituição do locado;

65) O R. em finais de Setembro de 2009 iniciou as obras e a aquisição de todos os bens necessários à instalação de um restaurante e café;

66) Para o efeito teve de construir e comprar: balcões de atendimento, canalizações, electricidade, mesas, cadeiras,' TVs; expositores; painéis publicitários; programas, máquina de café,' prateleiras de vidro; placas de aço inox, rodapés, torneiras, vitrines frigorificas, bancadas de cafetaria, lavadouros, máquina de lavar loiça, balde de inox, lava mãos, fogão junex, fritadeiras, bancada frigoríficas, campânulas inox, expositor de pão, cubas de inox, tampas, grelhador, arrião de tabuleiros, computador, monitor, gaveta de dinheiro, visor, scanner, impressoras, programas informáticos;

67) Os bens descritos em 66) possuem um valor de € 34.445,89 (trinta e quatro mil quatrocentos e quarenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos);

68) Porque o Réu acordou com a Autora a instalação e exploração imediata do café e restaurante no espaço cuja posse lhe foi transmitida no âmbito do contrato promessa de arrendamento, a A. obrigou-se perante a Ré a pagar todas as coimas, multas, contra-ordenações, em consequência da falta de licença de utilização e/ou advenientes da utilização do espaço como restaurante e café;

69) Incumbiu ao Réu, a expensas suas, realizar as obras de adaptação necessárias ao exercício da actividade de restauração;

70) A Autora apenas se obrigou a construir as instalações sanitárias que decorrem dos respectivos projectos de licenciamento e que resultam aprovadas pela Câmara Municipal de (...) ;

71) O Réu com a celebração do contrato promessa assumiu o pagamento de uma quantia mensal devida pela entrega do locado bem como de todas as despesas decorrentes dos consumos de água e luz, sem nunca se ter oposto ou recusado o pagamento das quantias devidas ou mesmo realçado qualquer inconveniente ao facto de não possuir um contador próprio;


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B) Factos Não Provados

Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:

a) A autora desconhece em concreto o teor da notificação feita pela ASAE ao Réu em meados de Abril de 2010, quando o imóvel foi objecto de fiscalização por parte da ASAE, e consequentemente instaurado um processo de contra-ordenação, mas tão-somente sabe o que lhe foi transmitido pelo R;

b) Foi pela razão a que se alude em 65) dos factos provados pela qual o dito prédio ainda não dispunha da competente licença de utilização;

c) Tivesse ficado acordado entre Autora e Réu que aquela deveria proceder à construção de sanitários exclusivos para o restaurante da Ré que iria funcionar no espaço prometido arrendar;

d) O réu tivesse ficado impedido de servir jantares no restaurante em razão do horário de funcionamento;

e) A Autora não tivesse acedido ao pedido efectuado pelo réu para o restaurante se manter aberto até às 24 horas, vedando-lhe o acesso pela não abertura do portão do complexo num horário mais alargado;

f) O réu tivesse exigido várias vezes à A. desde Janeiro de 2010 o licenciamento edifício para o fim a que se destina conforme o contrato promessa de arrendamento;

g) O réu tivesse alertado a A. que sem tal licença do edifício não poderia efectuar o licenciamento do seu estabelecimento comercial;

h) Depois da fiscalização feita pela ASAE em Abril de 2010 às instalações do restaurante do Réu, este comunicou à A. que não podia continuar a explorar o estabelecimento de restaurante e café pelos aludidos motivos, pelo que deixaria de pagar a renda enquanto não fosse obtida a licença de utilização do edifício para o fim arrendado, já que não o podia usar em condições;

i) O Réu comunicou ao Autor que não pagaria mais renda enquanto não pudesse abrir o restaurante ao público legalmente;

j) A A. no mês de Fevereiro de 2012 começou a publicitar por meio de imobiliária o arrendamento do espaço (o locado) com todo o recheio que pertence ao Réu;

k) Todo o investimento efectuado no restaurante arrendado à A. não pode ser utilizado pelo Réu, uma vez que os estabelecimentos comerciais que explora estão todos apetrechados com iguais materiais e máquinas;

l) A imagem do Réu ficou turbada, pois o nome do restaurante E (...) viu-se manchado pelo encerramento ocorrido, tendo sido veiculado pela opinião pública que o restaurante fechou por intervenção da ASAE por más condições de saúde, designadamente, por existir comida estragada;

m) E também por ter sido despejado pela Autora;

n) O réu nunca solicitou à Autora a construção das instalações sanitárias para o restaurante;

o) As obras reclamadas como tendo sido realizadas no espaço cedido pelo Réu/reconvinte não podem ser retiradas daquele local, sob pena de o mesmo ficar danificado, em virtude de estarem incorporadas nas paredes solo e tecto com cimento e fixações metálicas;


*

III – Fundamentação de Direito

A disponibilidade das relações jurídico privadas repercute-se naturalmente no instrumento processual que regula a discussão judicial de tais relações jurídico privadas; daí que o processo civil obedeça ao princípio do dispositivo, que significa, entre outras coisas, que são as partes a definir/delimitar os contornos fácticos do litígio.

Outro tanto, porém, não se passa com os contornos jurídicos do litígio, em que vigora o princípio segundo o qual jura novit curia, isto é, o princípio da liberdade de julgamento quanto ao direito, com expressão constante do art. 5.º/3 do CPC (segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”).

Princípio este – segundo o qual jura novit curia – que uma completa e exacta delimitação dá “pano para mangas”, uma vez que não pode significar, a nosso ver, que o tribunal, a partir e com base nos factos constantes do processo, efectue todo e qualquer enquadramento jurídico, que conheça/aprecie todos os efeitos jurídicos dos factos que tem sob subsunção; uma vez que, claro está, tal regra/princípio tem, naturalmente, que mover-se e respeitar o princípio do pedido, segundo o qual, sem que seja formulado um concreto e exacto pedido/direito, o tribunal não pode (sob pena de nulidade – cfr. 615.º/1/e) do NCPC) apreciá-lo e decidi-lo, ou seja, numa síntese breve, a regra do art. 5.º/3 do CPC não pode significar que o tribunal possa/deva extrair todos e quaisquer virtualidades/ilações jurídicas dos factos que haja reunido, mas apenas que pode/deve extrair as virtualidades/ilações jurídicas compreendidas no espectro do pedido[8].

Vem isto a propósito da aparente “transformação” da lide no enquadramento jurídico da sentença recorrida; lide em que, discutindo as partes, na acção e na reconvenção, as consequências negociais dum contrato (imputando uma à outra incumprimentos contratuais na fase executiva do mesmo), que ambas reputavam como válido, foi apreciada/conhecida/declarada a invalidade/nulidade de tal contrato, assim como foi proferida uma consequente condenação em efeitos restitutórios decorrentes de tal nulidade.

Temos como seguro e indiscutível – embora a completa e exacta delimitação do princípio jura novit curia seja, como já aludimos, bem mais complexa e controversa do que aquilo que parece – que, discutindo as partes incumprimentos dum concreto contrato[9], pode/deve este ser declarado nulo, se esta for a solução jurídica que resultar da aplicação das normas jurídicas aos factos julgados provados; até por poder/dever dizer-se que o juiz/tribunal, no seu percurso/raciocínio jurídico, não pode/deve passar à apreciação de incumprimentos contratuais sem previamente estabelecer a validade e eficácia do regulamento contratual em causa, razão pela qual a questão da validade/nulidade do contrato está sempre latente e implícita.

Ademais, estando em jogo, na nulidade, interesses de ordem pública, é a própria lei a estabelecer que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cfr. art. 286.º do C. Civil), o que em certa medida significa uma derrogação do referido princípio do pedido (segundo o qual, sem que seja formulado um concreto e exacto pedido/direito, o tribunal não pode apreciá-lo e decidi-lo); embora, sendo a nulidade um vício “originário”, o negócio nulo não chegue sequer a alcançar eficácia jurídica, pelo que o tribunal não destrói quaisquer consequências negociais (que nunca foram produzidas), limitando-se tão só a declarar/enunciar a sua ineficácia originária.

E é justamente por isto que o segundo segmento decisório da sentença recorrida – respeitante à condenação nos efeitos restitutórios decorrentes da nulidade antes declarada – que não se fica por uma declaração (de ineficácia negocial, que existe para além da declaração do tribunal e mesmo que este a não declare), nos suscita (suscitará sempre, a nosso ver, seja qual for a solução) dúvidas e hesitações; ou seja – é a questão – será que se pode/deve, de imediato e sem mais, passar a condenar em todos e quaisquer efeitos restitutórios decorrentes duma nulidade oficiosamente declarada?

Não ignoramos ou pretendemos desrespeitar a jurisprudência[10] do Assento n.º 4/95 (in DR 114/95 Série I-A, de 1995-05-17) – segundo o qual, “quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil” – que não dá sequer à questão uma solução inequívoca, na medida em que remete para o preenchimento do requisito de “terem na acção sido fixados os necessários factos materiais”, ou seja, o busílis/critério passa a estar, segundo o assento, em saber se devem ou não considerar-se como fixados os factos necessários.

A diversidade das situações concretas (e dos contornos fácticos alegados e reunidos em cada lide) e dos contratos que podem ser oficiosamente declarados nulos legitima a casuística a que tal critério necessariamente conduz.

Aliás, as situações concretas sobre que se debruçaram o acórdão fundamento e o acórdão recorrido – cuja oposição justificou que fosse tirado o Assento n.º 4/95 – são reveladoras, com todo o respeito, da inextricável indecisão que a aplicação da formulação do assento necessariamente gera.

No acórdão recorrido, estava-se perante um contrato de mútuo ferido de falta de forma, colocando-se a questão de saber se, conhecida oficiosamente a nulidade do negócio, se podia/devia condenar na restituição da quantia recebida, não com fundamento em enriquecimento sem causa, mas por força do artigo 289.º do Código Civil, sustentando-se que tal podia ser feito “por ser da incumbência do tribunal a qualificação jurídica da situação concreta e julgar com base em fundamento jurídico diferente do enunciado pela respectiva parte”.

No acórdão fundamento, estava-se perante um contrato de concessão de exploração de estabelecimento comercial não devidamente formalizado, colocando-se a questão de saber se, conhecida oficiosamente a nulidade de tal negócio jurídico, se podia/devia condenar nas restituições decorrentes do tempo em que tal “facto jurídico” esteve em execução, sustentando-se aqui, contra a condenação oficiosa, que entendimento diferente “importar[ia] a violação do artigo 661.º do Código de Processo Civil, que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa do pedido, como também dos artigos 193.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 498.º, n.º 4, desse Código, que exigem uma dada relação entre a causa de pedir e o pedido.”

Entretanto, observou-se no Assento:

 “(…) seguindo o entendimento do Prof. Doutor Vaz Serra, exposto na RLJ, n.º 109, pp. 308 e seguintes (em anotação ao acórdão fundamento), somos de parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293.º do Código Civil, pelo menos em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.

Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.

Como adianta o dito professor no comentário e artigo citado, o contrato nulo (ao contrário do expendido no acórdão fundamento) não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós), já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293.º do Código Civil. (…)

Nem se pode dizer (como adianta o acórdão fundamento) que solução diferente da que adoptou (ele acórdão fundamento) contraria o disposto no artigo 661.º do Código de Processo Civil, que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida, já que, no caso de ambos os acórdãos confrontados, o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que havia sido prestado.

Ou seja – é onde se pretende chegar – enquanto é/será fácil (via de regra) considerar que estão fixados os factos necessários à condenação na restituição da quantia emprestada num mútuo declarado oficiosamente nulo (por vício de forma) ou enquanto é/será fácil (via de regra) considerar que estão fixados os factos necessários à condenação nos efeitos restitutórios da nulidade em contratos de execução instantânea (como a compra e venda, em que há que restituir a coisa e o preço), outro tanto não é/será fácil em contratos de execução permanente (como a locação), principalmente quando, embora nulos, hajam perdurado ao longo do tempo.

Em síntese, entendemos, “interpretando” o Assento n.º 4/95, que há que ser exigente no preenchimento do requisito (do assento) de “terem na acção sido fixados os necessários factos materiais”; requisito que só deve ser dado por preenchido se a discussão fáctica havida compreender/responder/esgotar (em termos fácticos) o enfoque jurídico que preside aos efeitos restitutórios decorrentes da declaração de nulidade, para além de, claro está, tal condenação oficiosa (em efeitos restitutórias) ter que ser englobável no apertado espectro do pedido que foi efectivamente formulado.

Aqui chegados, debrucemo-nos sobre o caso dos autos/recurso.

Ambas as partes, como já referimos, invocaram o clausulado (ex abundandi descrito nos factos) dum contrato por elas celebrado, em 23/09/2009, que denominaram de “contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais”; imputando uma à outra incumprimentos contratuais (na fase executiva de tal contrato), a eficácia duma sua resolução extra-judicial, a condenação em montantes pecuniários decorrentes de tal “relação de liquidação” e a condenação em indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Na base e como pressuposto, lógico e jurídico, de tudo o que alegaram e pediram estava a validade e eficácia do contrato invocado.

Sucede, como se decidiu na sentença recorrida, que o contrato invocado é nulo.

E porquê?

Em 1.º lugar, por as declarações negociais constantes do documento formalizador do contrato não estarem de acordo com o nomen iuris que as partes lhe deram; e por, por interpretação (art. 236.º/1 do C. Civil), termos que considerar que o que celebraram foi um contrato de arrendamento comercial e não um “contrato-promessa de arrendamento para fins não habitacionais” (como consta da denominação que lhe deram)[11].

Em 2.º lugar (e sendo esta a exacta qualificação jurídica do contrato celebrado), por o local arrendado (pela A. ao R.) não dispor de licença de utilização, quando, segundo o art. 1070.º/1 do C. Civil, o arrendamento urbano só poder recair sobre locais cuja aptidão seja atestada pelas entidades competentes, designadamente, através de licença de utilização, quando exigível”, e quando, segundo o art. 5.º/1 do DL 160/2006, de 8 de Agosto, “só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestado pela licença de utilização”.

Correspondendo a tal falta de licença de utilização (falta que no momento actual ainda se mantém), a invalidade/nulidade do negócio celebrado (arrendamento comercial), quer por força do art. 294.º do C. Civil, quer por argumento de maioria de razão extraível do art. 5.º/8 do DL 160/2006, de 8 de Agosto, em que se diz que “o arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo (…) [12].

É certo que o art. 5.º do DL 160/2006, de 8 de Agosto, se encontra redigido de modo algo confuso[13], designadamente ao prever, no seu n.º 7 (que reproduz parte do art. 9.º/6 do RAU), que “na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais”, o que faz pensar – para o arrendatário (ainda) poder resolver o contrato – que o contrato não será nulo.

Mas não parece, a nosso ver, que tal inferência possa estar certa[14].

Efectivamente, estando em jogo interesses de ordem pública – a exigência da licença de utilização baseia-se na necessidade de obrigar ao cumprimento de todas as normas legais, relativas à construção à segurança, salubridade ou estética – e não meros interesses interprivados, está-se perante um vício que a ordem jurídica não tolera e a que faz/fez corresponder, como sanção, a nulidade.

E uma nulidade típica, isto é, que permite a sua arguição por qualquer interessado, sem limite de tempo e que determina o seu conhecimento oficioso pelo tribunal[15].

Efectivamente, não estamos perante uma situação em que a lei se limita a proteger uma das partes, tida como tipicamente mais fraca e mais carecida de protecção, em detrimento da outra, ou seja, não estamos perante uma invalidade atípica (como é o caso do art. 410.º/3 do C. Civil), em que apenas o inquilino poderá arguir a nulidade, estando ao tribunal vedado o seu conhecimento oficioso[16].

Isto dito – confirmada a oficiosa declaração de nulidade negocial efectuada na sentença recorrida – somos chegados ao ponto nevrálgico do recurso, isto é, à questão da condenação nos efeitos de tal declaração (cfr. 289.º do C. Civil).

E vale a pena começar por referir que o negócio nulo não é propriamente um nullum/nada, sendo antes um evento existente a que a ordem jurídica recusa as consequências negociais desejadas pelas partes, embora lhe reconheça alguma eficácia jurídica, embora não negocial. Como refere Pais de Vasconcelos, Teoria Geral, pág. 631, “o negócio jurídico inválido não alcança criar direito, não gera direito interprivado, não põe em vigor uma regulação negocial. Pelo contrário, é tido como simples facto jurídico, de cujas consequências jurídicas constitui mero suporte inerte. As consequências jurídicas do negócio inválido não são já aquelas que os seus autores lhe quiseram atribuir, mas antes as que a lei determina”.

E, como já se referiu, a recusa tais consequências negociais é desde o momento inicial do negócio, que é ineficaz desde o original momento em que foi celebrado (ex tunc); motivo por que se diz que, em sentido próprio, só há retroactividade na anulação, uma vez que, na declaração de nulidade, a eficácia jurídica não chega a verificar-se e, por isso, não será correcto, em termos puramente técnico-jurídicos, falar de retroactividade.

De todo o modo (pondo de lado a pureza técnico-jurídica), o que releva é que, não raras vezes, o negócio nulo, antes da declaração de nulidade, produz efeitos fácticos, tornando-se assim necessário repor a situação fáctica de acordo com a situação jurídica (ineficácia originária do negócio).

Assim e de acordo com os art. 289.º e 290.º do C. Civil:

Deve, em primeiro lugar, ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

Se ainda possível, a restituição deve ser feita em espécie; se já não for possível, deve ser restituído o valor correspondente.

Se sobre a coisa tiver sido constituída “posse”, aplicam-se as respectivas regras (1269.º e ss do C. Civil), seja directamente seja por analogia.

Se da nulidade resultarem obrigações de restituição que sejam recíprocas, devem ser cumpridas simultaneamente, podendo cada uma das partes sustar a restituição que lhe incumbe, enquanto a outra não cumprir.

É pois por estas regras que se rege a relação de repristinação/liquidação actualmente existente entre as partes e resultante da declaração de nulidade negocial.

Concretizando:

Como restituição em espécie, temos clara e indiscutivelmente a restituição (do R. à A.) do imóvel objecto do contrato.

Ainda como restituição em espécie, a A. (senhoria) deve restituir as rendas recebidas, porém, não podendo o R. (inquilino) restituir em espécie o uso que fez da coisa, mas apenas o valor do uso da mesma, temos – correspondendo este valor do uso ao valor das rendas – que as recíprocas obrigações de restituição são de igual valor e se compensam, não havendo a final nada a restituir, a tal propósito, por qualquer das partes, ou seja, a A. não tem que restituir as rendas recebidas e o R. (inquilino) não tem que restituir o valor correspondente ao uso que fez da coisa.

A partir daqui, tudo se torna um pouco menos claro.

Em todo o caso, em face da discussão fáctica havida, dos factos provados e do “especto” do pedido (da A.), quer-nos parecer que também os € 3.509,65 (do segmento c) do dipositivo) e os € 350,00 (do segmento d) do dipositivo) devem ser (de imediato e aqui) “restituídos” à A., embora com uma argumentação jurídica algo diversa da constante da sentença recorrida.

Observou-se a tal propósito na sentença recorrida, que “(…) terá o réu que liquidar os montantes relativos à água e luz que usufruiu no montante de € 3.509,65, conforme resultou demonstrado em 34) dos factos provados, já que tal constituiria enriquecimento sem causa se o não fizesse pois beneficiou/enriqueceu na justa medida em que consumiu para o seu estabelecimento esses bens, tendo sido a Autora, à data, a suportar o seu custo. No mais, entendemos que será devido o correspondente ao valor da renda relativa ao mês de Agosto de 2010 já que o réu fruiu das instalações conforme o tinha feito até à data, explorando a actividade de restauração (…)”.

Ora – é um primeiro ponto de divergência com a sentença recorrida – a obrigação de restituir decorrente dos efeitos da nulidade não se efectue de acordo e nos termos do enriquecimento sem causa (uma vez que na redacção final do art. 289º do CC não foi acolhida a solução proposta pelo Prof. Vaz Serra), nem convoca o tipo de argumentação utilizada (de ter havido um benefício/enriquecimento do R.).

As duas referidas quantias devem ser restituídas apenas e só como efeito da declaração de nulidade, mais exactamente, como restituição do valor correspondente; ou seja, não podendo o R. (inquilino) restituir em espécie o uso que fez da coisa em Agosto de 2010, deve restituir o valor do uso de tal mês (€ 350,00); e não podendo o R. (inquilino) restituir em espécie a água e luz que usufruiu, deve restituir o valor correspondente (€ 3.509,65).

Além destas duas quantias, em face da discussão fáctica havida, dos factos provados e do “especto” dos pedidos formulados, entendemos não dever/poder efectuar mais “condenações oficiosas” em efeitos restitutórios; quer a favor da A. quer a favor da R..

É verdade, por um lado, que está provado que o R., a partir de Agosto de 2010, deixou de explorar o espaço arrendado (facto 27), continuando, porém, a guardar bens no “locado”, o que terá impedido a A. de retirar do mesmo todas as utilidades; assim como é verdade, por outro lado, que o R. fez no “locado” despesas para o melhorar[17].

Estamos pois perante situações de facto que, em tese/abstracto, podem dar lugar à restituição do valor correspondente: à restituição do valor do uso a partir de Agosto; e à restituição do valor das benfeitorias que não possam ser levantadas[18].

Só que, a nosso ver, a discussão fáctica havida (toda ela na perspectiva da validade do contrato e dos concernentes pedidos formulados) e os factos fixados são claramente insuficientes para, desde já, apreciar tais efeitos restitutórios e oficiosamente condenar, a tal propósito, nos correspondentes efeitos restitutórios.

A propósito da condenação na restituição do valor das benfeitorias que não possam ser levantadas, é muito evidente que tal questão não foi suficientemente colocada e discutida de facto; repare-se que o que tínhamos, na reconvenção, era um pedido indemnizatório, cujo substracto factual não é suposto que preenche as exigências, contornos e detalhes factuais impostos pelo art. 1273.º do C. Civil.

A propósito da condenação da restituição do valor do uso a partir de Agosto, é também evidente que tal valor nunca foi colocado e discutido (senão na perspectiva da acção[19] e dos valores locatícios acordados no clausulado no contrato).

Ademais – e com todo o respeito por opinião diversa - entendemos que, no caso, nem se pode condenar no que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação.

Expliquemo-nos[20]:

Diz-se no art. 358.º/2 do NCPC = art. 378.º/2 do CPC que o incidente de liquidação “pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609.º” (art. 661.º/2 do CPC), mas a expressão “condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609.º”, não aprova e autoriza, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, toda e qualquer condenação vaga, indeterminado, indefinida, incerta e imprecisa ou, dito doutra forma, não admite uma e qualquer condenação que não seja certa, líquida e específica.

A questão não é nova e o DL 38/2003, de 08-03, dando embora nova redacção aos preceitos que a disciplinavam (nova redacção que passou incólume para o NCPC), não introduziu “inovações” relevantes em “substância” na sua análise.

A inovação, para o caso irrelevante, esteve apenas no facto de, antes do DL 38/2003, a liquidação ser formulada no próprio requerimento inicial da acção executiva, como claramente resultava do então vigente art. 806.º, e de, após o DL 38/2003, dever operar-se no processo declarativo, depois de proferida a sentença – cuja instância se renova – e antes da instauração da acção executiva; aliás, observa-se e acrescenta-se, foi esta inovação, introduzida em termos de tramitação processual, que arrastou as demais alterações (meramente “linguísticas”) introduzida pelo DL 38/2003, designadamente, a do art. 661.º/2 do CPC = art. 609.º/2 do NCPC, uma vez que a liquidação se passou a efectuar no processo declarativo, depois de proferida a sentença, suprimiu-se no preceito a expressão “em execução de sentença[21].

Insistimos pois, a questão não sofreu, em 2003, uma qualquer “inovação” quanto aos seus requisitos e pressupostos de funcionamento, circunscrevendo-se a novidade ao momento processual da liquidação, como incidente após a sentença e não como “preliminar” da execução.

Antes e agora (quer após o DL 38/2003 quer após o NCPC), uma condenação a proferir nos termos do art. 661.º/2 do CPC = 609.º/2 do NCPC estava e está conexionada com o que se prescreve quer no artigo 47.º/5 do CPC=704.º/6 do NCPC, quer, especialmente, no art. 471.º do CPC= art. 556.º do NCPC; preceitos de que resulta que a condenação “no que vier a ser liquidado” (de que fala o art. 661.º/2 do CPC = 609.º/2 do NCPC) se articula com o conceito/expressão “pedido genérico” contida no art. 471.º do CPC= art. 556.º do NCPC.

Expressão esta – pedido genérico – que está utilizada no sentido de pretensão respeitante a um direito de crédito pecuniário de quantitativo não apurado ou a um direito real ou de crédito a uma universalidade de facto ou de direito.

Efectivamente – indo aos “princípios” do processo – o autor, na petição, deve expressar a sua vontade e formular o pedido por forma a que a sentença a proferir defina os concretos e precisos contornos do seu direito; razão por que é inepta a petição que contenha um pedido vago e abstracto.

Todavia, sendo esta a regra, autoriza a lei processual, em certos casos e circunstâncias, a formulação de pedidos genéricos.

E esses casos e circunstâncias são os já referidas no art. 471.º do CPC= art. 556.º do NCPC, em que se dispõe:

1 - É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:

a) Quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito;

b) Quando não seja ainda possível determinar de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.ºdo Código Civil;

c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu.

2 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 378.ºdo CPC/358.º do NCPC, salvo, no caso da alínea a), quando para o efeito caiba o processo de inventário ou o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 7 do artigo 716.º (=n.º 6 do artigo 805.ºdo CPC).

Em consequência, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, é neste casos – e apenas nestes taxativos casos – que o tribunal pode/deve fazer uso do art. 609.º/2 do NCPC = 661.º/2 do CPC e proferir uma sentença que, ao contrário da “boa regra”, não condena de modo certo, concreto e determinado.

Sem prejuízo, evidentemente, de ser hoje pacífico o entendimento do art. 609.º/2 do NCPC = 661.º/2 do CPC ser aplicável quer no caso de, logo na PI, haver sido formulado um tal pedido genérico quer no de, por insuficiência da prova, por falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade, se não lograr demonstrar o quantum da condenação[22] – desde que, é este o ponto, se esteja perante uma situação enquadrável nas hipóteses em que é processualmente admissível, de acordo com o art. 471.º do CPC=art. 556.º do NCPC, a formulação dum pedido genérico.

Ora – é aqui que pretendemos chegar – não é este o caso da condenação em incidente de liquidação proferida pela sentença recorrida.

As condenações ilíquidas, para poderem ser integráveis no conceito/expressão “pedido genérico” (do art. 471.º do CPC=art. 556.º do NCPC), têm que dizer respeito, repete-se, a universalidades de facto ou de direito – designadamente um rebanho, uma biblioteca ou uma herança – e às consequências de facto ilícito e/ou ao montante indemnizatório.

A condenação em incidente de liquidação proferida pela sentença recorrida, dizendo respeito a uma obrigação de restituir do art. 289.º (e não a uma indemnização, como, certamente por lapso, se escreveu), cai fora das duas referidas hipóteses, não preenchendo assim o conceito de pedido genérico do art. 471.º do CPC=art. 556.º do NCPC e de condenação genérica do art. 378.º/2 do CPC=358.º/2 do NCPC.

Razão pela qual – fechando o nosso raciocínio – se deve considerar não verificada, no caso, a previsão dos art. 378.º/2 e 661.º/2 do CPC=358.º/2 e 609.º/2 do NCPC, o que também conduz à inviabilidade da condenação em incidente de liquidação proferida.


*

Enfim, tudo razões que levam à exposta procedência parcial do que o R/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva – razões que prejudicam o conhecimento das restantes questões suscitadas[23] – o que determina a confirmação parcial do sentenciado na 1ª instância.

*

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o segmento constante da alínea e) do dispositivo da sentença recorrida, absolvendo-se o R. (por não estarem fixados os necessários factos materiais) da condenação ali imposta, e confirma-se em tudo o mais a sentença recorrida.

Custas: na 1.ª Instância, da acção, em partes iguais; e, da reconvenção, a cargo do R.; nesta instância, pela A./apelada e pelo R/apelante na proporção de 1/10 e 9/10, respectivamente.


*

Coimbra, 03/05/2016

(Barateiro Martins)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)



[1] Foi isto que a A. alegou, embora ao longo do processo se haja apurado que tal ocorreu em 09/04/2010.
[2] Também o R. alegou tal data; o que é algo “estranho”, em face do documento que juntou a fls. 298/9.
[3] Concluiu esta vertente da defesa, dizendo no art. 30.º: “A A. está a incumprir o acordado e não disponibiliza o arrendado por forma a que o R. o possa utilizar como restaurante e cafetaria, nem lhe permite a colocação dum contador de água e electricidade, (…) para controlar a despesa com tal factor de produção e utilizar tais despesas como custos de actividade”.
[4] Ou melhor, prosseguiram os autos como se tal despacho de admissibilidade tivesse sido proferido, o que nunca foi feito (em resultado, por certo, das vicissitudes que o processo conheceu em tal fase).

[5] Ao arrepio do disposto no art. 639.º/1 do NCPC em que se diz que o recorrente “ (…) concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Deficiência que, é verdade, dá lugar a convite a aperfeiçoamento (cfr. art. 639.º/3 do NCPC), mas que não conduzindo, em boa verdade, a uma imediata e efectiva sanção processual – razão pela qual já “desistimos” do convite ao aperfeiçoamento – leva a que, hoje em dia, rara seja a alegação cujas conclusões não se apresentem como uma espécie de exercício de desprezo pela referida “forma sintética” imposta pela lei.

[6] Reproduz-se o dado como provado na sentença recorrida, com rectificações, ditadas pelo “exame crítico” imposto pelo art. 607.º/4 (ex vi art. 663.º/2); rectificações indispensáveis por se haver utilizado (na fixação dos factos provados) o “método” de reproduzir o alegado na PI, sem atentar nas repetições e nas inferências de direito (sobre o quod erat demonstrandum) contidas em algumas artigos reproduzidos.

[7] No ponto 2 dos factos provados da sentença consta: “Em 21 de Julho de 2010, a A. adquiriu, para integrar o seu património, o lote de terreno para construção, sito na Zona Industrial, lote 32, Freguesia e Concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o n.º 7781 da dita Freguesia, e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de (...) , sob o artigo 13.330”; tal facto vem da alegação constante do art. 2.º da PI, que, por sua vez, remete para o doc. 1, que, porém, não prova nada do que se deu como provado, uma vez que diz respeito (tal doc. 1 – escritura de compra e venda) ao lote 31, descrito no n.º 7780 e inscrito sob o art. 13.329 (como a data de tal escritura, posterior à data do contrato celebrado entre as partes, logo o faria suspeitar). Daí que se haja suprimido tal ponto 2 dos factos provados.
[8] Por outras palavras, o tribunal, em princípio, apenas está autorizado a enveredar por uma diferente construção jurídica para conceder o pedido/direito formulado e não a conceder todos os direitos que tenham suporte jurídico nos factos.
[9] E estando no processo, como é o caso, todos os outorgantes/interessados em tal contrato.

[10] A Jurisprudência Uniformizada não é vinculativa – permitindo tão só que haja e seja sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência (629.º/2/ c), do CPC) – mas impõe-se, naturalmente, respeitá-la e acolhê-la.

[11] Aspecto este que não é sequer, neste momento, controvertido nos autos/recurso (é uma questão que não faz parte do objecto do recurso); na medida em que o recorrente aceita tal qualificação da sentença recorrida. Daí que nos tenhamos limitado a afirmá-lo, conclusivamente.
[12] Já antes o art. 9.º/7 do RAU estabelecia idêntica nulidade, porém, apenas para o caso do arrendamento não habitacional de local licenciado apenas para habitação; alargando-se agora a nulidade à hipótese inversa (arrendamento habitacional de local licenciado para fim diverso).
[13] Reproduz a confusão que já constava do art. 9.º/6 do RAU.

[14] O legislador, com todo o respeito, ter-se-á equivocado e terá esquecido que na nulidade (sendo originária) o negócio não chega a alcançar eficácia jurídica; e que tal significa que o negócio não chega verdadeiramente a vigorar, que é ineficaz desde o momento em que foi celebrado (ex tunc).

[15] Sem prejuízo de – não consentindo a nossa lei processual a prolação de decisões surpresa – ter que ser dado prévio (antes de tal conhecimento oficioso) cumprimento ao art. 3.º/3 do CPC; o que não vislumbramos que haja acontecido nos autos, sucedendo, porém, que tal questão/nulidade que é suscitada.

[16] Quando muito, admitimo-lo, se alguma “atipicidade” pode haver é apenas na questão da sanação; inadmissível na nulidade típica, mas que será (em termos de ratio legis) aceitável no caso, isto é, se, entretanto, o locado passasse a ter licença de utilização, não se vislumbraria razão para o vício não ser considerado sanado (mas não é este o caso dos autos, continuando o locado, no momento actual, sem licença de utilização).
[17] Que, chama-se a atenção, em face da nulidade negocial, não ficam juridicamente sujeitas ao clausulado do contrato sobre o assunto.

[18] Valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – cfr. 1273.º/2 (e não se diga que estamos a dizer que se aplica um instituto que acabámos de dizer não ser convocável, uma vez que a sua chamada resulta da remissão dos art. 289.º/3 e 1273.º/2, ambos do C. Civil); podendo/devendo, claro está, o R. levantar as benfeitorias que o possa fazer sem detrimento da coisa (cfr. 1273.º/1 do C. Civil).
[19] Na perspectiva do locado ter, para o R., o valor de uso dum restaurante, quando, está provado, não tem a indispensável licença de utilização e de exploração comercial.
[20] Segundo de perto o que já expendemos noutras apelações.

[21] Onde, no art. 661.º/2 do CPC, se dizia, que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja liquidada”, passou a dizer-se, após redacção saída do DL 38/2003, que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja liquidada”. Diz-se pois exacta e rigorosamente o mesmo, com excepção da referida expressão – “em execução de sentença” – cuja supressão a unidade e harmonia legislativas impunham.

[22] A existência dum tal entendimento é já um sinal da condenação genérica estar limitada às situações enquadráveis nas hipóteses do art. 471.º do CPC=art. 556.º do NCPC; doutro modo, se o tribunal pudesse condenar “genericamente”, mais ou menos “ad libitum”, tal entendimento seria uma evidência.

[23] Designada e principalmente as questões de facto (a impugnação da decisão de facto e a inclusão de novos factos), cujas soluções, estabelecida a nulidade negocial, seriam juridicamente irrelevantes para o desfecho da lide; o mesmo se dizendo quanto à insistência do R. no pedido reconvencional e incumprimentos contratuais imputados à A., assentes numa validade contratual que não se verifica.