Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
858/17.4TXLSB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: ANTECIPAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO
CUMPRIMENTO DE UM TERÇO DA PENA
REQUISITOS
PREVENÇÃO GERAL POSITIVA
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 188.º-A E 188.º-B DO CEPMPL
Sumário: I – Da análise conjugada dos artigos 188.º - A e 188.º - B do CEPMPL decorre, por um lado, que o regime da liberdade condicional cede perante o regime de execução da pena acessória de expulsão e, por outro, que o legislador, ao reconhecer, no n.º 2 do primeiro dos dois preceitos legais acima indicados a possibilidade de antecipação da execução da execução da dita pena, define um regime especial em relação ao consagrado no n.º 1 do mesmo artigo.

II – Contudo, como inequivocamente transparece do n.º 3 do artigo 188.º-B, tal regime faz depender a antecipação da execução da referida pena acessória de um juízo prévio de compatibilidade entre a expulsão e as exigências de prevenção geral e especial, ou seja, terá a mesma de se apresentar compatível “com a defesa da ordem e paz social”, não dispensando ainda um prognóstico positivo no sentido de ser expectável que o condenado conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

III – Estando em causa uma condenação em pena, de 4 anos e 9 meses de prisão, decorrente da prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01, consubstanciado no transporte, via aérea, do Brasil para Portugal, de 1,961 g de cocaína e 260 g de canábis resina, reclamam as exigências de prevenção geral positiva a rejeição da antecipação da execução da pena acessória de expulsão antes de o condenado ter cumprido o meio daquela sanção penal.

Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 858/17.4TXLSB-B do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, por decisão de 12.03.2019 foi indeferida a antecipação da execução da pena acessória de expulsão requerida pelo condenado A..

2. Inconformado com a decisão recorreu o condenado, extraindo as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem como objeto a decisão que não concedeu a antecipação da execução da pena acessória de expulsão ao Condenado existindo Falta/insuficiência de fundamentação da decisão e Violação de lei por verificação dos pressupostos substantivos para a antecipação da execução da pena acessória de expulsão.

2. Para além da verificação dos pressupostos formais, exige-se ainda para a antecipação da execução da pena acessória de expulsão a verificação dos pressupostos materiais.

3. Isto é, exige-se que seja de esperar que o Condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes revelando bom prognóstico de recuperação e ainda a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social, associada à ideia de prevenção geral, traduzida na proteção dos bens jurídicos e na expetativa que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal.

4. Consta da Douta Decisão recorrida que a antecipação da pena acessória de expulsão e consequente libertação do Condenado antes de cumprido o meio da pena comprometeria as finalidades de prevenção geral e mostrar-se-ia insuscetível de adequadamente as defender.

5. Concordamos com a Douta Decisão de que se recorre quando refere que o crime pelo qual foi condenado, tráfico de estupefacientes, assume elevada gravidade tratando-se de ilícito gerador de grande preocupação junto da comunidade.

6. Todavia, estamos perante alguém que não organiza nem gere o aspeto financeiro da transação da substância ilícita, tendo sido recrutado num momento de instabilidade e vulnerabilidade, tendo sido coagido e ameaçado, tendo recebido uma recompensa pouco significativa quando comparada aos lucros obtidos por pessoas com outros papéis no mundo do tráfico de estupefacientes.

7. Além da relevância relativamente diminuta do tráfico sustentado em correios de droga, quando visto o narcotráfico na sua globalidade, o Condenado é uma pessoa jovem, sem antecedentes criminais de igualou outra natureza.

8. O que diminui consideravelmente a fasquia da prevenção geral tornando concebível que se pondere uma libertação após um período mais curto de cumprimento de pena.

9. De entre as exigências de prevenção geral suscitadas pelo crime de tráfico, encontramo-nos, portanto, no limiar mais baixo.

10. Atendendo que temporalmente nos encontramos a menos de seis meses da data em que se dará a obrigatória expulsão, perfilhamos do entendimento que o deferimento do requerido não choca designadamente a sociedade em que nos inserimos.

11. Urge ainda questionar se será nestes seis meses que medeiam até Setembro, data em que obrigatoriamente o Condenado será expulso que serão cumpridas todas as necessidades de prevenção geral referidas na Douta Decisão recorrida.

12. Pelo que parece-nos concebível que sair ao fim de um ano e dez meses tenha a mesma ressonância que sair ao fim de um ano e dezasseis meses.

13. Acresce ainda que, in casu, o indeferimento da antecipação da pena acessória de expulsão baseou-se apenas e tão só em razões de defesa da ordem e da paz social e não no juízo de prognose sobre o comportamento futuro do Condenado em liberdade.

14. Na prevenção especial, importa considerar as circunstâncias do caso, a personalidade do Condenado e a sua evolução durante a execução da pena de prisão, para a partir daí se fazer uma avaliação positiva do comportamento futuro do Condenado.

15. A este propósito os autos revelam que a personalidade do Condenado apresenta especificidades, que conduzem a um prognóstico favorável no sentido de vir a adotar um comportamento distinto do empreendido e descrito nos autos onde foi condenado.

16. Resultando, inclusive das suas declarações, que se terá tratado de um facto isolado de que se arrepende, demonstrando a interiorização e consciencialização da gravidade da sua conduta o que constitui um forte indicador de que estará munido de um mecanismo interno que o afastará da prática de novos crimes.

17. O condenado é primário, sendo a reclusão in casu especialmente penalizadora porquanto executada em país distante daquele em que o condenado reside, no Brasil, implicando um afastamento prolongado da família, o que incrementa o efetivo efeito dissuasor da pena.

18. A mãe do Condenado é uma pessoa doente, física e psiquicamente, sendo que o afastamento do filho consubstancia um facto exponencialmente potenciador de agravar o seu estado clínico.

19. O Condenado manteve sempre bom e exemplar comportamento no estabelecimento prisional, aderindo a programas de conteúdo ressocializador, mantendo uma postura ativa em reclusão, o que demonstra que o Condenado está motivado para a mudança e, por outro, que será capaz de, em meio livre, manter uma conduta normativa

20. Ademais, nesta ponderação do comportamento do Condenado foi emitido parecer favorável do Exmo. Diretor do estabelecimento prisional.

21. O Condenado dispõe ainda de enquadramento familiar e laboral.

22. A douta decisão recorrida, não teve em conta a juventude do Condenado e o efeito potencialmente devastador que períodos mais longos de reclusão poderão ocasionar.

23. Dispõe o art.º 40.º do Código Penal que a finalidade das penas, quer na sua determinação como na sua execução, visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

24. O art.º 42.º, n.º 1, do Código Penal refere que: "A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes."

25. Nos termos do n.º 1 do art.º 2.º do CEPMPL, "A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade."

26. Ou seja, a pena de prisão tem na sua base razões de prevenção geral associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial na vertente da ressocialização do condenado.

27. Foi este sentido "ressocializador" das penas que esteve na base da alteração legislativa, em 2013, com a introdução do artigo 188.º -A à Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, perseguindo uma politica legislativa criminal mais orientada para a reinserção social dos reclusos com residência permanente no estrangeiro, sem qualquer ligação ao território nacional, onde não mantém laços familiares e de amizade que lhe permitam a sua reintegração e ressocialização, elementos inequivocamente preventivos da reincidência criminal.

28. A decisão recorrida, recusando a antecipação da pena acessória de expulsão ao Condenado, fez incorreta e infundada apreciação dos pressupostos desse instituto, considerando não verificados os seus requisitos materiais.

29. A decisão recorrida, salvo o sempre mui devido e merecido respeito, não se mostra fundamentada de direito e insuficientemente justificada de facto.

30. Existindo contradição entre os factos considerados pela Meritíssima Juiz como mais relevantes, a documentação que serviu de base à sua convicção e a decisão de negar a antecipação da medida de expulsão requerida pelo Condenado, aqui recorrente.

31. Não cumprem o dever de fundamentação, seus requisitos, os atos decisórios que se revelem insuficientemente motivados, não permitindo perceber o raciocínio seguido e se este tem ligação com o que vem a ser decidido.

32. Impunha-se assim uma decisão diversa, atentos os factos considerados mais relevantes e a documentação que serviu de base à convicção.

33. Não se mostrando suficientemente fundamentada a decisão de não antecipação da pena acessória de expulsão ao condenado, encontrando-se violado o dever de fundamentação dos atos decisórios previstos nos artigos 97.º, n.º 5 do CP e no artigo 146.º do CEPMPL.

34. O que implica a revogação da decisão e a sua substituição por outra que conceda a antecipação da pena acessória de expulsão ao Condenado, ora recorrente.

Termos em que requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores da Relação de Coimbra, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que conceda a antecipação da pena acessória de expulsão ao condenado, aqui Recorrente.

Assim decidindo farão V. Exas. a melhor justiça!

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Em resposta ao recurso a digna Procuradora da República pronunciou-se no sentido de não merecer o mesmo provimento, posição igualmente defendida pelo Exmo. Procurador na Relação.

5. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP o recorrente não reagiu.

6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, importa decidir se (i) a decisão não se mostra fundamentada; (ii) se encontram reunidos os pressupostos necessários para a antecipação da execução da pena acessória de expulsão.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da decisão em crise [transcrição parcial]:

No proc. 188117.lJELSB foi aplicada ao recluso A., nascido a 25/1111992, a pena de 4 anos e 9 meses de prisão e a pena acessória de expulsão de território nacional por 5 anos, visando o presente incidente a apreciação da eventual antecipação da dita expulsão.

A Digna Procuradora da República pronunciou-se no sentido do indeferimento da antecipação da pena acessória de expulsão.

A ilustre Defensora pronunciou-se no sentido do deferimento da antecipação da pena acessória de expulsão.

O Exmo. Diretor do EP, como resulta de fls. 42 emitiu parecer nos seguintes termos: "o meu parecer é favorável".

[…]


*

Fundamentação de facto

Com base teor da sentença condenatória, liquidação de pena efetuada nos autos, informação de fls. 42, CRC, bem como nas declarações do recluso e nos documentos pelo mesmo exibidos na sua audição, quer foram lidos pela Ilustre Defensora e que irão ser juntos aos autos, consideram-se os seguintes factos:

 1) detido desde 6/5/2017, o recluso cumpre uma pena de 4 anos e 9 meses de prisão, imposta no proc. l88/17.l JELSB, pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21° n° 1 do DL 15/93, de 22/1 (transporte de 1.961 gramas de cocaína e 260 gramas de canábis resina por via aérea desde o Brasil para território nacional), tendo-lhe ainda sido determinada a pena acessória de expulsão de território nacional por 5 anos;

 2) o meio dessa pena será atingido no dia 21/912019, prevendo-se os 2/3 da mesma para o dia 6/7/2020 e o seu termo terá lugar a 6/212022;

3) o recluso tem nacionalidade brasileira e não possui qualquer ligação familiar ou profissional em Portugal, mas mantém contactos telefónicos e por correspondência com a família e recebeu visita de uma prima residente em Vila Nova de Gaia;

4) o condenado assume o cometimento do crime, referindo tê-lo cometido por ter sido coagido e ameaçado bem como a sua família, e para poder pagar uma dívida de 15.000 reais da sua família, sendo que à data se tinha ficado desempregado (o que ocorreu em 2016), por causa da crise financeira no Brasil;

5) em reclusão, mantém comportamento adequado, sem qualquer sanção disciplinar;

6) participa nas atividades sócio-culturais, no projeto "Oficina de Teatro", na iniciativa "Guarda Cidade Natal" e nas sessões semanais de expressão dramática, dinamizadas por alunos do curso de animação sociocultural do IPG;

7) frequentou a formação "Educador de Pares", em cujas sessões participa;

 8) uma vez em liberdade, pretende regressar ao Brasil e residir com a mãe, diagnosticada com doença orto-articular, fibromialgia e depressão, e com os dois irmãos com quem residia antes de ser preso;

9) a reclusão mostra-se penosa para o condenado, dado o afastamento da família;

10) ao condenado não são conhecidas outras condenações criminais;

[…].

3. Apreciação

§1. Da falta de fundamentação da decisão recorrida

Insurge-se o recorrente contra a falta/insuficiente fundamentação do despacho que lhe negou a antecipação da pena acessória de expulsão.

Contudo, sem razão!

Com efeito, depois de consignar os factos pertinentes à decisão, indicando a prova documental e, bem assim, as declarações do condenado - elementos que surgem a sustentá-la - cuidou o tribunal a quo de se ocupar das normas aplicáveis, dando deste modo cumprimento ao dever de fundamentação – (cf. artigos 97.º, n.º 5 do CPP e 146.º do CEPMPL), resultando, pois, suficientemente esclarecido, quer de facto, quer de direito a razão de ser do decidido, ou seja o motivo pelo qual foi indeferida a pretensão do ora recorrente.

§2. Da verificação dos pressupostos para antecipação da pena acessória de expulsão

Em causa está o despacho de indeferimento da pretensão do recluso no sentido de ver antecipada a execução da pena acessória de expulsão, que lhe foi imposta no processo n.º 188/17.1JELSB, no âmbito do qual sofreu condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, tendo-lhe sido aplicada a pena de 4 anos e 9 meses de prisão, cujo meio, 2/3 e termo está previsto, respetivamente, para 21.09.2019, 06.07.2020 e 06.02.2022.

Vejamos.

De acordo com o artigo 188.º - A do CEPMPL:

“1 – Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;

b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

2 - O juiz pode, sob proposta e parecer fundamentado do diretor do estabelecimento prisional, e obtida a concordância do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que:

a) - Cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprido um terço das penas;

b) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas.

3 – Independentemente de iniciativa do diretor do estabelecimento prisional, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, solicita o parecer fundamentado ao diretor do estabelecimento.”

Dispõe, por seu turno, o artigo 188.º - B do mesmo compêndio normativo:

“1 – Recebida a proposta ou parecer do diretor do estabelecimento prisional, o juiz designa data para audição do condenado, em que devem estar presentes o defensor e o Ministério Público.

2 – O juiz questiona o condenado sobre todos os aspetos relevantes para a decisão da causa, incluindo o consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para, querendo, requererem ao juiz a formulação de perguntas ou oferecerem as provas que julgarem convenientes (…).

3 – Não havendo provas a produzir, ou finda a sua produção, o juiz dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para se pronunciarem sobre a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, após o que profere decisão verbal, decidindo a expulsão quando esta se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. [destaque nosso]

[…].”

Da análise das normas transcritas resulta, por um lado, que o regime da liberdade condicional cede perante o regime de execução da pena acessória de expulsão (n.º 1 do artigo 188.º - A), e, por outro lado, que o legislador, ao reconhecer, no n.º 2 do artigo 188.º - A, a possibilidade de antecipação da execução da dita pena acessória, define um regime especial em relação ao consagrado no n.º 1.

Contudo, tal regime de exceção, como inequivocamente decorre do n.º 3 do artigo 188.º - B, faz depender a antecipação da execução da referida pena acessória de um juízo prévio de compatibilidade entre a expulsão e as exigências de prevenção geral e especial, ou seja terá a mesma de se apresentar compatível “com a defesa da ordem e paz social”, não dispensando, ainda, um prognóstico positivo no sentido de ser expectável que o condenado conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. No fundo, semelhante regime de exceção, como bem realça o despacho recorrido, exige a verificação de requisitos substantivos idênticos aos reclamados pelo instituto da liberdade condicional – cf. artigo 61.º do C. Penal.

No caso concreto a decisão não questiona a verificação dos pressupostos ditos formais da antecipação da execução da pena acessória de expulsão (tempo de reclusão já cumprido – completado que se mostra 1/3 da pena - e o consentimento do condenado); pelo contrário, considera-os – e bem – verificados.

Já no que concerne aos requisitos de natureza material ou substantiva a apreciação foi diferente. Não em função das exigências de prevenção especial, mas antes de prevenção geral positiva, como decorre das seguintes considerações:

“Ora, dada a natureza e gravidade do crime praticado crime de tráfico de estupefacientes - transporte de 1.961 gramas de cocaína e 260 gramas de canábis resina por via aérea desde o Brasil para território nacional - entendemos que as exigências de prevenção geral sairiam totalmente defraudadas caso fosse concedida a antecipação da pena acessória de expulsão.

Note-se que, no presente momento, da pena de 4 anos e 9 meses de prisão, o condenado cumpriu pouco mais do que 1 ano e 10 meses de prisão.

O crime de tráfico de estupefacientes é reconhecidamente um ilícito gerador de fortes sentimentos de repulsa na sociedade, dados os conhecidos efeitos devastadores que a disponibilidade do estupefaciente gera na comunidade, sendo de assinalar ainda que se trata, no caso, do transporte internacional de considerável quantidade de estupefaciente, que usualmente se classifica entre as denominadas "drogas duras" (a que no caso se soma ainda o transporte de canábis resina), no âmbito da atividade dos usualmente denominados "correios de droga". As exigências preventivas associadas a tal tipo de crime reclamam, do ponto de vista da reafirmação da validade e vigência da norma violada, acrescidas expectativas ao nível do cumprimento efetivo da punição e mesmo do seu cumprimento "intra-muros", não sendo de esperar que o "sinal" transmitido à comunidade com execução da pena acessória de expulsão e consequente libertação do condenado, cumprida que fosse pouco mais do que 1 ano e 10 meses de prisão, salvaguardasse o sentimento geral de vigência da norma penal violada com a prática do crime e não defraudasse a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal. Isto porque se é verdade que no caso estamos perante a atividade dos denominados «correios de droga», não se pode esquecer o elevado contributo deste tipo de atividade para a propagação das redes de abastecimento do mercado da droga que, como é comummente sabido, operam internacionalmente a partir de vários países da América do Sul com vista à entrada do estupefaciente na Europa. Além do que transmitiria a ideia, segundo a qual, a punição de comportamentos desta natureza é especialmente tolerada pela nossa ordem jurídica nacional, não se afirmando, de forma eficaz, o carácter dissuasor de comportamentos da mesma natureza.

Note-se, aliás, que essas mesmas exigências de prevenção geral estão particularmente assinaladas como "fortíssimas" no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em sede de recurso.

Neste momento, cuidando-se da compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e paz social - art.º 61.º n° 2, al. b) do CP - que se traduzem na adequação da proteção jurídica conferida ao bem jurídico violado e no cumprimento das expectativas que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal -, haverá que concluir que a antecipação da pena acessória de expulsão e consequente libertação antes de cumprido o meio da pena comprometeria tais finalidades, e mostrar-se-ia insuscetível de adequadamente as defender.

Sem prejuízo, não se deixa de sublinhar o positivo percurso institucional do condenado, que regista um comportamento normativo em reclusão, e que vem aderindo a programas de conteúdo ressocializador, mantendo uma postura ativa em reclusão. E que além disso, assume o cometimento do crime pelo qual cumpre pena, afirmando ser seu projeto de vida regressar ao Brasil.”

Resulta, pois, claro que na base do indeferimento da requerida antecipação da execução da pena acessória de expulsão estiveram razões de prevenção geral de defesa da ordem jurídica e da paz social. E na verdade, debruçando-nos sobre os factos que integram a fundamentação, não se vendo nestes a alegada (mas nunca concretizada) contradição a que o recorrente alude no ponto 30 das conclusões, não nos distanciamos do sentido da decisão.

Com efeito, o condenado cumpre uma pena de 4 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22.01, consubstanciado no transporte, via aérea, do Brasil para Portugal, de uma quantidade expressiva de estupefaciente (1.961 gramas de cocaína e 260 gramas de canábis resina), integrando a cocaína as denominadas drogas duras de elevado poder destrutivo, circunstância que potencia, aumentando, as exigências de prevenção geral, as quais não resultam atenuadas pelo facto de o ora recorrente ter agido como “correio de droga”. Efetivamente, como assinala o acórdão condenatório “… um correio de droga não é elemento despiciendo ou menor na máquina que permite manter em funcionamento o mercado de tais produtos, uma vez que a cocaína é produzida fora de Portugal (especialmente na América do Sul) e a atividade prosseguida pelo arguido é um dos meios para a tornar disponível quer no nosso país, quer em outros países europeus”.

Já constitui lugar-comum, mas nem por isso devemos deixar de o enfatizar, dizer que o crime em questão integra o lote daqueles que mais nefastas consequências traz para a paz social, já enquanto destrói o indivíduo; já enquanto delapida a família em que se insere, destruturando-a, comprometendo, significativamente, por lhe falhar a capacidade, o seu contributo para o bem comum; já enquanto potencia o cometimento de um considerável leque de outro tipo de crimes (criminalidade associada); já enquanto acarreta graves problemas de saúde pública, problemas estes que se projetam sobre toda a sociedade.

Por conseguinte, não podíamos estar mais de acordo com o que se mostra consignado no acórdão do TRC de 19.12.2018 (proc. n.º 1417/7TXLSB-C.C1) quando, num caso idêntico (antecipação da execução da pena acessória de expulsão), a propósito das exigências preventivas sentidas neste tipo de crime conclui por reclamarem as mesmas “do ponto de vista da reafirmação da validade e vigência da norma violada, acrescidas expetativas ao nível do cumprimento efetivo da punição, não sendo de esperar que o “sinal” transmitido à comunidade com execução antecipada da pena acessória de expulsão e consequente libertação do condenado, cumprido um terço da pena salvaguarde de forma eficaz o sentimento geral de vigência da norma penal violada com a prática deste tipo de crime. Defraudaria mesmo a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal pois transmitiria a ideia de que a punição de comportamentos desta natureza é especialmente tolerada pela ordem jurídica nacional, não se afirmando, de forma eficaz, o caráter dissuasor de comportamentos da mesma natureza”.

Em suma, tal como a decisão recorrida, que se apresenta conforme ao direito, não violando nenhum dos preceitos normativos convocados, entende-se que, no caso concreto, a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, antes de cumprido o meio da pena, não satisfaria (comprometia) adequadamente as finalidades de prevenção geral positiva.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC`s, a cargo do recorrente (artigos 513.º/514.º do CPP; 8.º do RCP (tabela III).

Coimbra, 22 de Maio de 2019

[Texto processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)