Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
737/21.0T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
TÍTULO EXECUTIVO
HIPOTECA TENDO POR OBJECTO QUANTIAS QUE POSSAM VIR A SER DEVIDAS POR CONTRATO DE FINANCIAMENTO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.º; 64.º E 150.º A 152.º DO CÓDIGO DO NOTARIADO
ARTIGOS 363.º, 3; 369.º E 371.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 10.º, 5; 703.º, B), C) E D); 707.º E 788.º, 1, 2 E 7, DO CPC
Sumário:
I- No âmbito da ação de verificação e graduação de créditos, o título executivo é um pressuposto de carácter formal (art.º 788.º, n.º 2, do CPC), cuja falta ou insuficiência determina a improcedência da reclamação de créditos.
II- A escritura pública donde apenas consta declarações dos outorgantes no sentido de constituírem uma hipoteca para garantia do pagamento de quantias que possam vir a ser devidas por força de um “contrato de financiamento” não são título executivo em ação executiva destinada a obter o pagamento de quantia certa, nos termos do art.º 701.º n.º 1 al. b) do CPC, porque essa escritura não importa na constituição ou reconhecimento duma obrigação pecuniária.
III- O contrato de abertura de crédito porque admite prestações futuras, não certifica, por si só, uma dívida, necessário se mostrando a existência da apresentação de prova complementar, que está vedada no âmbito do documento particular, enquanto título executivo.
IV- De acordo com o artigo 64º nº 2 do Código do Notariado, as cláusulas contratuais dos atos em que sejam interessadas as instituições de crédito ou em que a extensão do clausulado o justifique podem ser lavrados em documento separado, observando-se o disposto nos números 1, 3 e 4 do artigo 40°.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

O Novo Banco, S.A. veio, veio, por apenso à execução instaurada pelo Banco Comercial Português, S.A.  contra A..., Lda., reclamar o crédito do valor global de €295.211,06, à data indicada na p.i., relativos a “contrato de financiamento” e garantidos por hipoteca sobre o imóvel penhorado.

Cumprido o disposto no n.º 1 do art.º 789.º do Código de Processo Civil, foi deduzida impugnação pela executada/reclamada, invocando, em síntese, que não existiu interpelação por parte do credor “Novo Banco.

Foi proferida sentença que julgou inadmissível a reclamação de créditos apresentadas pelo reclamante Novo Banco e rejeitou-se a mesma.

Inconformado, o reclamante Novo Banco, S.A. interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal “a quo” decidiu, “a quo” decidiu por sentença que não era admissível a Reclamação de Créditos do Recorrente por inexistência de título Executivo;

2. O Recorrente, inconformado com esta decisão, dela vem interpor recurso tendo por objeto a reapreciação da matéria de facto e da solução de direito apresentada;

3. Considerou o Tribunal “a quo” que improcedia a Reclamação apresentada pela ora Recorrente, dado que a ação executiva carece de título executivo;

4. Contudo, tal posição não merece qualquer colhimento legal;

5. A Recorrente apresentou a sua Reclamação de Créditos onde descrevem as operações bancárias que originaram os montantes em dívida e que os mesmos estavam garantidos por hipoteca;

6. Alegou, nomeadamente, que no exercício da sua actividade bancária, em 19/05/2015, celebrou com a sociedade executada um Contrato de Financiamento no montante máximo global de € 300.000,00 (trezentos mil euros) – cfr., doc. n.º 1 junto com a reclamação de créditos e clausulou-se no citado contrato que sobre o capital mutuado se venciam vencem juros, a pagar mensalmente, à taxa de juro corresponde à EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3.50000 ponto(s) percentuais, correspondente a uma taxa anual efectiva de 3.54620%, conforme Cláusula 2 do Contrato junto como doc. n.º 1 com a reclamação de créditos.

7. A Recorrente foi bem clara no que concerne às alterações ocorridas com o referido contrato. Descreveu-as como tendo ocorrido nas datas de 09/11/2016, 24/04/2018, 25/01/2019 e para prova das referidas alterações junto ou com a sua reclamação os docs cfr., docs. nºs 2 a 5, dando por integralmente reproduzido para todos os devidos e efeitos legais o respetivo conteúdo;

8. Ora, a primeira alteração ocorreu na data 09/11/2016, tendo sido assinado um regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44;

9. A segunda ocorreu na data de 24/04/2018, tendo sido assinado um acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”;

10. E a terceira foi assinada na data de 25/01/2019, mediante acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”;

11. Refira-se que todos estes documentos foram juntos com o documento Citius com a referência 8161553, sob os n.ºs 3, 4 e 5;

12. Destarte, foi igualmente alegado que existiu um incumprimento, na medida em que a última prestação paga pela Recorrida foi a vencida em 25/06/2021;

13. E perante o referido incumprimento, o Recorrente intentou, em 09/07/2021, contra a Recorrida e outros ação executiva para pagamento de quantia certa, que corre os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Execução ..., sob o n.º de processo 1447/21...., juntando para prova deste facto doc. n.º 6 dando por reproduzido o respetivo conteúdo, para todos os devidos e efeitos legais

14. Explicitou ainda a Recorrente o sando que detinha sobre a Recorrida emergente da indicada responsabilidade, calculado até 06/11/2021, data que se utilizou para o respetivo apuramento, e que se cifrava em € 295.211,06 (duzentos e noventa e cinco mil, duzentos e onze euros e seis cêntimos), sendo o Capital em dívida € 288.419,60; Juros contabilizados à taxa contratual de 4,000%, desde 25/06/2021 a 06/11/2021, acrescido do imposto de selo devido sobre os mesmos no montante de € 4.533,58; comissões de € 1.689,08 e despesas de € 568,80. Mais referiu que sobre o indicado capital, devia continuar a ser contados juros à taxa contratual supra referida, acrescidos da sobretaxa de mora de 3%, até efetivo e integral pagamento;

15. Para garantia da responsabilidade emergente do contrato, a Recorrida constituiu, a favor do Recorrido uma hipoteca sobre o seguinte imóvel: “Prédio urbano, composto por casa de cave para adega, rés-do-chão e primeiro andar destinado a habitação e logradouro, casa de rés-do-chão destinada a armazém e arrumos, sótão para arrumos e pátio, sito na Rua ..., ... com entrada pela Estrada Nacional ...61, n.º 43 e Beco ..., ..., sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...85, da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...20”, conforme escritura de hipoteca celebrada a 19/05/2015, que foi junta como doc n.º 7 na reclamação de créditos

16. A referida hipoteca garantia (e garante) o bom cumprimento da responsabilidade assumida pela Recorrida, juros e despesas até ao montante máximo assegurado de €420.000,00 (quatrocentos e vinte mil euros), encontrando-se registada, pela Ap. ...98 de 2015/05/19;

17. Pelo que o saldo credor do Recorrente sobre a Recorrida emergente da indicada responsabilidade, era de € 295.211,06 (duzentos e noventa e cinco mil, duzentos e onze euros e seis cêntimos);

18. Pelo que a dívida é líquida, certa e exigível e o contrato de financiamento juntamente com a escritura pública juntos como doc. nº1 a 5 e 7, cópias simples, constituem título executivo, nos termos do disposto na alínea b), do art.º 703.º e no art.º 707.º do Código de Processo Civil, vide, ainda, art.º 788.º do mesmo código;

19. No âmbito do atual CPC, o elenco dos títulos executivos é o que resulta do art.º 703.º, n.º 1, do CPC: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

20. Ora, o Recorrente é da firme opinião que tal escritura publica é fonte de direitos de crédito e de todo o supra alegado é possuidora de titulo executivo que lhe confere a faculdade de Reclamar créditos no processo principal.

21. Na referida escritura junta como documento n.º 7 com a sua reclamação de créditos, consta expressamente: “Que a presente hipoteca se destina a garantir todas as obrigações emergentes do contrato de financiamento n.º ...44….o qual se junta como anexo a esta escritura e dele passa a fazer parte integrante, que se arquiva e do qual os Outorgantes declaram, não prescindir da respetiva leitura”;

22. Ou seja, pela referida escritura é reconhecida a existência de uma obrigação na mesma data constituída pela Recorrida;

23. Pelo que, os documentos particulares, subjacentes à referida escritura devem ter- se como partes integrantes daquelas.

24. Estando documentos particulares subjacente a escrituras públicas de constituição de hipoteca, tais documentos passaram a fazer parte integrante do título executivo, a escritura pública;

25. Um documento anexo à escritura e que fica arquivado (in casu, o “contrato de financiamento”), é documento complementar para efeitos do art.º 64.º do CNotariado e, por essa via, sendo igualmente um documento autêntico da escritura pública (arts. 369.º e 371.º do CC) – ou quantio muito um documento autenticado

26. Tem que necessariamente ser relevada a declaração de que “fica a fazer parte integrante” da escritura.

27. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, pela alínea b), do n.º 1, do artigo 703.º, do Código de Processo Civil, a “escritura pública de hipoteca” constituem título executivo;

28. Acresce ainda que foi igualmente junta uma livrança onde constam os referidos valores discriminadas e o requerimento executivo como doc. n.º 6, dando como integralmente reproduzido o respetivo teor, ou seja, fazendo uma remissão para o mesmo;

29. No caso sub judice, a Recorrente alegou, no seu articulado de reclamação de crédito, como facto relevante a existência das garantias reais hipotecárias e um titulo executivo de livrança, ao remeter para o referido documento 6;

30. Ora, o supracitado documento nº 6 é o próprio requerimento executivo apresentado nos autos de execução, que correm termos sob n.º Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Execução ..., sob o n.º de processo 1447/21...., onde detalhou, de forma exaustiva, a proveniência, bem como a natureza hipotecária dos seus créditos, assim com a respetiva livrança e os montantes pelos quais a mesma foi preenchida e que correspondem ao montante que foi reclamado;

31. Também, desse requerimento executivo faz parte integrante toda a documentação junta de suporte dos créditos reclamados, nomeadamente os contratos de mútuo com hipotecas constituídas para garantia de todos os créditos da Recorrente, bem a tr3eferida livrança;

32. Essa remissão é suficiente, ao abrigo dos princípios da economia processual e da verdade material, para ser atendida como alegada a matéria facto exposta no requerimento executivo como constante e transcrita na reclamação de crédito apresentada;

33. Com efeito, o STJ, no seu Acórdão datado de 22/02/2007, disponível em www.dgsi.pt, analisando o recurso de uma sentença que, ela própria remetia para determinados documentos, afirma o seguinte: "a remissão feita na enumeração factual para o conteúdo de certo documento não traduz insuficiência factual, desde que elaborada de modo a entender-se o porquê da referência ao documento em tal enumeração.";

34. Nesse sentido, também, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu Acórdão datado de 12-09-2013, (disponível em www.dgsi.pt), no processo 474/11.4TBCMN, em que afirma: "se em documento junto com a petição inicial estiverem concretamente descriminados e percetíveis os factos alegados, e resultar daquele articulado a clara intenção do autor em deles se servir, de tal forma que a parte contrária o perceba e possa cabalmente exercer o contraditório, não há razão para não admitir a remissão feita para esse documento, considerando este parte integrante da petição inicial [...] considerando os documentos parte integrante do articulado, suprindo lacunas deste." "o seu entendimento está mais de acordo com a moderna filosofia processual que aponta no sentido de uma cada vez maior preocupação com a busca da verdade material (Vd. STJ de 17/6/2009, www.dgsi.pt, processo nº 08S3967, de 27/1/2010, www.dgsi.pt, processo n. 2818/07.4TBGDM.S1, RP de 15/1/91, www.dgsi.pt, processo n. 9050060, de 15/3/2007, www.dgsi.pt, processo n. 0730168, de 19/2/2004, www.dgsi.pt, processo n. 0410622, RL de 17/6/2010, www.dgsi.pt, processo n. 2091/07.4TBAMD.L1-6; ALBERTO DOS REIS (Comentário, vol.2º, pág.364 )".

35. Também, nesse sentido, Manuel de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 373-393, defende que o Princípio da Economia Processual é um dos princípios estruturantes do Processo Civil;

36. Este porquê da referência ao documento da reclamação de crédito no processo em questão está diretamente relacionado com o Princípio da Economia Processual, dado que a Recorrente já havia executado o crédito em dívida, onde o descreveu de forma detalhada; pelo que, entende ser bastante a referência à existência de garantia real proveniente e das hipotecas e livrança sem o detalhe do requerimento executivo;

37. Entende, sim, ser importante dar ênfase à decisão de sustação da execução por si intentada; pois, é este o facto constitutivo que lhe permite reclamar o seu crédito em sede de execução de terceiro;

38. Entende a Recorrente que os factos supra são relevantes para que o Tribunal lhe reconheça o direito de reclamar o seu crédito no processo em questão.

39. E, se assim não se entendesse, dir-se-ia ainda que, ao longo das últimas décadas, o princípio do dispositivo tem sofrido diversas mutações. Aliás, com a mais recente profunda alteração ao Código de Processo Civil, em 2013, deixou de haver qualquer referência no Código ao princípio dispositivo, procurando o legislador atribuir ao Juiz uma especial relevância à busca pela verdade material;

40. Se, "às partes cabe iniciar o processo e fixar o seu objeto. Ao juiz cabe decidir dentro desse objeto, tendo ampla liberdade (com cumprimento do contraditório) para aplicar regras de direito não alegadas pelas partes", como afirma Mariana França Gouveia em "O Princípio do Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil", p. 602.;

41. De acordo com Rui Moreira em Os Princípios Estruturantes do Processo Civil Português e o Projecto de uma Nova Reforma do Processo Civil, o juiz é "cada vez mais interventor, no sentido da superação dos défices da actividade processual das partes. A própria jurisprudência foi caminhando no mesmo sentido, designadamente ao nível da segunda instância, onde a solução de evitar essa responsabilização das partes - por vezes sob a boa intenção de salvar a parte de uma intervenção menos feliz do seu mandatário – redunda frequentemente na anulação de decisões da primeira instância, de forma a que venha a ser suprido, por vezes além do razoável, aquilo que uma das partes deixou por alegar, por requerer, por demonstrar.";

42. Não é, contudo, o caso presente, uma vez que a recorrente alegou na reclamação de crédito como facto a existência de diversos créditos, todos eles garantidos por hipoteca e livrança, por via da remissão ao dito documento 6, que mais não é que o requerimento executivo que deu início à execução que a Recorrente moveu para peticionar e ressarcir os seus créditos;

43. Ainda que, por mera hipótese académica, se entendesse existir uma contradição entre o facto alegado e a documentação junta para a prova do mesmo, questionamo-nos sobre qual prevaleceria para uma boa decisão da causa. Graduaria o Tribunal "a quo" em primeiro lugar um crédito reclamado como garantido e cuja documentação junta mostrasse o contrário? Estamos em crer que não;

44. O Tribunal "a quo" teria em conta a remissão para a documentação para provar o facto alegado.

Aliás, o Tribunal "a quo", para reconhecer o crédito integralmente, considerou tal documentação;

45. Donde; ao abrigo do princípio da verdade material, o Tribunal a quo deveria ter atendido a documentação junta. E, se a mesma estivesse em contradição com o alegado, deveria ter suprido a eventual deficiência da alegação através da documentação junta; consequentemente, teria dado assente a existência das garantias hipotecárias, livrança e, por conseguinte, a existência de titulo executivo.

46. Como tal, deve ser reconhecida que o Recorrente é detentor de titulo executivo, devendo ser admitida e graduada a sua Reclamação de créditos.

47. A douta sentença Recorrida violou as disposições constantes na alínea b), do art.º 703.º e no art.º 707.º do Código de Processo Civil, vide, ainda, art.º 788.º do mesmo código; art.º 64.º do CNotariado e arts. 369.º e 371.º do CC.

48. Nesta conformidade devem proceder na integra o recurso interposto, revogando-se a douta decisão recorrida, e substituindo-se por outra que determine a admissibilidade da Reclamação de créditos do Recorrente por existência de título executivo de escritura e de livrança.

Nestes termos, requer a Vossas Excelências se dignem julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo Recorrente, revogando-se a douta decisão recorrida, e substituindo-se por outra que determine a admissibilidade da Reclamação de créditos do Recorrente por existência de título executivo de escritura e de livrança.

Assim se decidindo, se fará a devida e inteira Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

OBJETO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões das alegações delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Questão a resolver:

Falta de título executivo e da sua exequibilidade.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto da seguinte forma:

“Encontra-se já provada nos autos a seguinte factualidade, excluindo outros factos que não apresentam relevo para a decisão da causa ou não servem para consubstanciar a pretensão deduzida:

a) Na execução foi objecto de penhora, registada em 13/05/2021, o prédio descrito na CRPredial ... sob o n.º ...85 da freguesia ....

b) Mostra-se registada, pela Ap. ...98 de 19/05/2015, hipoteca voluntária a favor de Novo Banco, S.A., sobre o prédio referido em a), até ao montante máximo de 420.000 €, para garantia do cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de financiamento nº ...44, a que respeitam os créditos reclamados por aquele.

c) Mediante escritura pública denominada “Hipoteca específica e mandato”, outorgada em 19/05/2015, que se encontra representada no doc. 5 anexo à ref. 8161553 (doc. 7) e aqui se dá por integralmente reproduzido, entre o mais, a ora executada/reclamada constituiu a favor do ora reclamante “Novo Banco” hipoteca voluntária sobre o imóvel referido em a), nos termos ali constantes, em especial:

d) Mediante acordo escrito denominado “Financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”, com data de 19/05/2015, o “Novo Reclamação de Créditos  Banco” concedeu à executada/reclamada um crédito até ao montante máximo global de 300.000 €, nas modalidades de abertura de crédito em conta corrente e abertura de crédito para emissão de garantias bancárias, nos termos que se encontram representados no doc. 1 anexo à ref. 8161553 e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

e) Mediante acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”, datado de 09/11/2016, que se encontra representado no doc. 1 anexo à ref. 8161553 (doc. 2) e aqui se dá por integralmente reproduzido, o ora reclamante e a ora executada/reclamada acordaram proceder à alteração do “contrato” referido em e), nos termos ali constantes.

f) Mediante acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”, datado de 24/04/2018, que se encontra representado no doc. 2 anexo à ref. 8161553 (doc. 3) e aqui se dá por integralmente reproduzido, o ora reclamante e a ora executada/reclamada acordaram proceder à alteração do “contrato” referido em e), nos termos ali constantes.

g) Mediante acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”, datado de 24/04/2018, que se encontra representado no doc. 2 anexo à ref. 8161553 (doc. 4) e aqui se dá por integralmente reproduzido, o ora reclamante e a ora executada/reclamada acordaram proceder à alteração do “contrato” referido em e), nos termos ali constantes.

h) Mediante acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”, datado de 25/01/2019, que se encontra representado no doc. 3 anexo à ref. 8161553 (doc. 5) e aqui se dá por integralmente reproduzido, a ora reclamante e a ora executada/reclamada acordaram proceder à alteração do “contrato” referido em e), nos termos ali constantes PEF ...07, tendo ocorrido pagamentos imputados às contribuições referidas em i), as quais permanecem em dívida pelo valor total de 300,17 €, à data da ref. 8647589, a que acrescem juros de mora.

i) Mediante acordo escrito denominado “Alteração ao contrato de financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”, datado de Reclamação de Créditos  25/01/2019, que se encontra representado no doc. 3 anexo à ref. 8161553 (doc. 5) e aqui se dá por integralmente reproduzido, o ora reclamante e a ora executada/reclamada acordaram proceder à alteração do “contrato” referido em e), nos termos ali constantes

j) Consta na certidão de dívida que se encontra anexa à ref. 8146258 que a executada/reclamada é devedora de contribuições de IMI no valor total de 561,25 €, inscrito para cobrança nos anos de 2019 (117,63 €), 2020 (114,27 € e 114,27 €) e 2021 (107,54 € e 107,54 €), referente ao prédio referido em a), a que acrescem juros de mora.

k) Consta na certidão de dívida que se encontra anexa à ref. 8149263 que a executada/reclamada é devedora de contribuições à Segurança Social no valor total de 19.227,88 €, decorrente de contribuições em dívida, a que acrescem juros de mora no valor total de 1.062,49 €, à data indicada.

l) A ora executada/reclamada e a AT celebraram acordos de pagamento prestacional abrangendo as contribuições referidas em i), os quais foram incumpridos, salvo no âmbito do PEF ...07, tendo ocorrido pagamentos imputados às contribuições referidas em i), as quais permanecem em dívida pelo valor total de 300,17 €, à data da ref. 8647589, a que acrescem juros de mora. 

m) A ora executada/reclamada e o ISS, IP, celebraram acordo de pagamento prestacional abrangendo as contribuições referidas em j).

n) A execução principal foi declarada extinta pelo pagamento da quantia exequenda originária (ref. 8248971 e segs. da execução), tendo sido requerida a renovação da execução pelo reclamante “Novo Banco” (ref. 8261134 da execução), secundado pelo reclamante “ISS” (ref. 8270037 da execução).

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A questão essencial a resolver neste recurso consiste em saber se o reclamante tem título executivo.

A sentença recorrida considerou que a escritura de hipoteca que foi apresentada não importa a constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária por parte da executada/reclamada (v.g. quanto ao recebimento de alguma quantia a título de empréstimo e inerente confissão de dívida) nem nela se convencionaram prestações futuras ou se prevê a constituição de obrigações futuras a respeito do contrato de financiamento (que eventualmente relevasse no âmbito do art.º 707º do CPC). Mais, o contrato de financiamento não configura um documento complementar para efeitos do art.º 64º do Código do Notariado e por essa via, não partilha da qualidade de documento autêntico da escritura pública (arts. 369º e 371º do CC), nem se trata de documento autenticado; pelo que há ausência de título exequível quanto aos créditos reclamados pelo Novo Banco, na configuração dada. 

Por força do disposto no art.º 788.º, nºs 1, 2 e 7, do CPC, só podem reclamar créditos os credores que:

(i) Gozem de garantia real sobre os bens penhorados;

(ii) Disponham de um título exequível; e

(iii) Cujos créditos sejam certos e líquidos (sendo que o credor é admitido à execução mesmo que o crédito não esteja vencido; e que, se a obrigação for incerta ou ilíquida, terá de se tornar certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente).

Face ao disposto no artigo 703º, nº 1, do atual CPC apenas constituem atualmente títulos executivos:

a) as sentenças condenatórias;

b) os documentos exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) os títulos de crédito, ainda que mero quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Com o Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de dezembro, ampliou-se significativamente o elenco dos títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinável em face do título, da obrigação de entrega de quaisquer coisas móveis ou de prestação de facto determinado, conforme constava do próprio preâmbulo do Decreto-Lei.

Para que o documento particular pudesse valer como título executivo tinham de se verificar cumulativamente os requisitos constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC.

A revisão de 1995-1996 dispensou o reconhecimento notarial da assinatura do devedor em todos os casos (salvo o do documento assinado a rogo) e conferiu, assim, exequibilidade aos documentos particulares, que antes a não tinham, desde que observados determinados pressupostos.

Posteriormente, com a Lei 41/2013, de 26-06 que entrou em vigor em 1-09-2013 (cfr. art.º 8º), foram eliminados do elenco dos títulos executivos os documentos particulares assinados pelo devedor mencionados na alínea c) do nº 1 do art.º 46 do anterior CPC.

No entanto, o Ac. do TC proferido no processo nº 408/2015[1], considerou inconstitucional por violação do princípio da confiança a negação de força executiva aos documentos particulares com data anterior à data da entrada em vigor da Lei 41/2013 e que eram considerados títulos executivos face ao disposto na alínea c) do nº 1 do art.º 46º.

Atualmente, ressalvados os títulos de crédito, ou outros documentos a que, por disposição legal, se reconheça força executiva (art.º 703.º n.º 1 al.s c) e d) do C.P.C.), os documentos particulares não podem servir de título executivo, sendo que não pode haver execução sem título a que a lei reconheça força executiva bastante (art.º 10.º n.º 5 e 703.º n.º 1 do CPC).

Ora, o Novo Código de Processo Civil já estava em vigor quando foi celebrado em 19-05-2015 o acordo escrito denominado “Financiamento em Regime Multiusos NB Express Bill 2.0 n.º ...44”.

Vejamos agora se a escritura pública de hipoteca apresentada constitui titulo executivo, integrando a previsão do art.º 703º, nº 1, al. b), do CPC, sendo certo que a mesma constitui um documento autêntico, nos termos do art.º 369º, nº 1 do C.Civil.

Afigura-se-nos que este documento não é constitutivo do direito de crédito que o reclamante pretende fazer valer nestes autos, nem é instrumento de constituição de qualquer obrigação, ainda que futura, não prova a existência de qualquer obrigação, limita-se a constituir uma hipoteca, que é um direito acessório, que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro[2].

Concorda-se assim com a sentença recorrida quando refere que “A propósito da escritura de hipoteca que foi apresentada, cabe salientar que se entende que a mesma não importa a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária por parte da executada/reclamada (v.g., quanto ao recebimento de alguma quantia a título de empréstimo e inerente confissão de dívida) nem nela se convencionam prestações futuras ou se prevê a constituição de obrigações futuras a respeito do “contrato de financiamento” (que eventualmente relevasse no âmbito do art.º 707.º do CPC), ainda que ali se refira o “contrato de financiamento” (apesar de se aludir ao “contrato de financiamento”, não consta qualquer outra declaração negocial a esse respeito, a qual apenas vem a constar no dito “contrato”)” (..) Entende-se que a escritura de constituição de hipoteca não se reporta a convenção de prestações futuras e a previsão da constituição de obrigações futuras, assim como não prevê qualquer condição de prova documental relativa a essas situações (ou seja, inexiste qualquer previsão de documentos passados em conformidade com a escritura, pelo menos relacionados com o “contrato de financiamento” – existe uma previsão específica relativa a averbamentos no registo predial no início de fls. 34 da escritura), nomeadamente no âmbito do “contrato de financiamento” que é anexo da escritura mas que não se confunde com esta nem se afigura possível qualificar como documento complementar ou que possa configurar autenticação desse “contrato” (para efeitos de configurar documento autenticado)”.

Analisemos agora os requisitos previstos no art.º 707º do CPC.

“O art.º 707.º do C.P.C. com a epígrafe “Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados” dispõe: “Os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

A este respeito, com referência ao art.º 50.º do anterior C.P.C. que tem agora equivalência no actual art.º 707.º, diz-nos com toda a propriedade Antunes Varela, in. Manual de Processo Civil, pág. 85: “No caso especial da escritura pública em que se convencionem prestações futuras, quer a escritura pública seja de uma promessa de contrato (v. g., contrato-promessa de mútuo), quer seja de contrato definitivo, tendo em vista prestações futuras (abertura de crédito, contrato de fornecimento, contrato de financiamento, contrato de venda de coisas futuras, etc.), para que a escritura «possa servir de base à execução, torna-se mister provar a realização da prestação prevista, seja por documento com força executiva, seja por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura. Enquanto se não faz a prova efectiva realização da prestação, não pode dizer-se, com rigorosa propriedade, que o documento prova a existência de uma obrigação, como exige o n.º 1 do artigo 50.º. Sendo a prova da prestação feita através de documento com força executiva autónoma ou de documento que satisfaça as exigências formais postas na escritura, já é correcto asseverar que a escritura, com o documento que rigorosamente a completa, prova a existência de uma obrigação.”

O legislador admite com esta previsão que alguns elementos da obrigação exequenda possam não constar do documento que serve de título executivo, mas de outro documento ou com força executiva própria ou emitido em conformidade com o documento autêntico ou autenticado apresentado como título executivo, considerando que tal constitui garantia de segurança suficiente para o devedor.”

No caso em apreciação, com a reclamação de créditos foi apresentado o contrato de abertura de crédito.

“O contrato de abertura de crédito pode definir-se como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte (creditado) uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de indeterminado tempo ou por tempo.

Decorre desta noção que se trata de um contrato consensual por oposição a contrato real quoad constitutionem: "fica perfeito com o acordo entre as partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, ao contrário do que clássico sucede com o mútuo.

Por outro lado, a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente –naquele caso, o beneficiário pode utilizar o crédito de uma só vez ou recorrer a utilizações parciais até atingir o limite fixado, mas sem poder repor o valor inicial; no segundo caso, as restituições das quantias utilizadas permitem repor – no todo ou em parte, de acordo com o valor restituído – a revolving disponibilidade (abertura de crédito).

De referir ainda que a abertura de crédito pode ser garantida (se o banco beneficia de garantia que assegure a restituição das quantias utilizadas) ou a descoberto”[3].

No caso sub judice, o contrato de abertura de crédito foi celebrado através de documento particular e garantido através de hipoteca sobre prédio, que se encontra penhorado nos autos de execução.

Sendo convencionadas prestações futuras, como no caso de abertura de crédito, para que o documento pudesse constituir título executivo, necessário se mostrava que fosse provado que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio, já na situação de constituição de obrigações futuras, importava que ficasse demonstrado que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, sendo tal prova realizada nos termos do art.º 707º[4]. do CPC, cuja aplicação se mostrava restrita a documentos exarados ou autenticados por notário, ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, afastada ficando assim dos documentos particulares[5].

Relativamente aos documentos complementares, dispõe o artigo 64º do Código do Notariado:

1- (…)

2- Os estatutos das associações, fundações e sociedades e as cláusulas contratuais dos atos em que sejam interessadas as instituições de crédito ou em que a extensão do clausulado o justifique podem ser lavrados em documento separado, observando-se igualmente o disposto nos nºs 1, 3 e 4 do artigo 40º.

3- Os documentos a que se referem os números anteriores devem ser lidos juntamente com o instrumento e rubricados e assinados pelos outorgantes a quem diretamente respeitem, que possam e saibam fazê-lo, e pelo notário, sem prejuízo do disposto no artigo 51º[6].

4- A leitura dos documentos a que se referem os números anteriores é dispensada se os outorgantes declararem que já os leram ou que conhecem perfeitamente o seu conteúdo, o que deve ser consignado no texto do instrumento.

5- (…).

Reza o art.º 40º do Código do Notariado:

1- – Os atos notariais são escritos com os dizeres por extenso.

2- (..)

3- É permitido o uso de algarismos e abreviaturas:

a) Nos reconhecimentos, averbamentos, extratos, registos e contas;

b) Na indicação da naturalidade e residência;

c) Na menção dos números de polícia dos prédios, respetivas inscrições matriciais e valores patrimoniais;

d) Na numeração de artigos e parágrafos de atos redigidos sob forma articulada;

e) Na numeração das folhas dos livros ou dos documentos;

f) Na referenciação de diplomas legais e de documentos arquivados ou exibidos;

g) Nas palavras usadas para designar títulos académicos ou honoríficos.

4 – Os instrumentos, certificados, certidões e outros documentos análogos e, ainda, os termos de autenticação são lavrados sem espaços em branco, que devem ser inutilizados por meio de um traço horizontal, se alguma linha do ato não for inteiramente ocupada pelo texto.

Consta da escritura “Que a presente hipoteca se destina a garantir todas as obrigações emergentes do Contrato de Financiamento número ...44, celebrado … na presente data, o qual se junta como documento anexo a esta escritura, que dela fica a fazer parte integrante, que se arquiva, e do qual os Outorgantes declararam não prescindir da respectiva leitura”.

O contrato em causa não se mostra assinado pelo Notário conforme exigido pelo disposto no artº 64º, nº 3, do CN e nada consta quanto à leitura do documento pelo Notário ou à dispensa dessa leitura-aliás, consta que os outorgantes declararam não prescindir da respetiva leitura, mas não que essa leitura tenha sido efetuada pelo Notário, conforme se impõe no documento complementar para efeitos do art.º 64º do CN.

Importa, pois, concluir que o documento anexo à escritura (“o contrato de financiamento” não configura um documento complementar.

Vejamos por fim se documento em causa pode ser qualificado como documento autenticado, recordando-se que a alínea b) do art.º 703º do CPC classifica como título executivo os documentos “autenticados”, ou seja os documentos particulares cujo teor foi confirmado pelas partes, perante notário ou similar, por termo de autenticação, conforme o art.º 363º nº 3 do CC e os artºs 150º a 152º do Código do Notariado.

               Preceitua o art.º 150º do mesmo código:

1- Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário.

2- Apresentado o documento para fins de autenticação, o notário deve reduzir esta a termo.

Acrescentando o art.º 151º:

1 – O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do no 1 do artigo 46º, deve conter ainda os seguintes elementos:

a) A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;

b) A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.

No caso concreto, o apelidado “contrato de financiamento” não se encontra autenticado[MS1] .

Alega ainda o recorrente que foi igualmente junta uma livrança onde constam os referidos valores discriminados e o requerimento executivo como doc. nº 6, dando como integralmente reproduzido o respetivo teor, ou seja, fazendo uma remissão para o mesmo.

Dispõe o art.º 788º do CPC que “Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos” (nº. 1) e que “A reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias a contar da citação do reclamante.” (nº. 2) (sublinhado e negrito nossos).

Ressalta, assim, desse normativo que a reclamação tem, desde logo, dois pressupostos (específicos), um de natureza substancial (a titularidade de um crédito com garantia real – só podendo apresentar-se a reclamar o credor que disponha de uma garantia real sobre os bens penhorados) e um de natureza formal (a existência de um título executivo – só podendo apresentar-se a reclamar um crédito quem disponha de um título executivo)[7].

Conforme se dispõe no art.º 10º, nº. 5, do CPC toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva.

O título executivo – que, como se sabe, não se confunde necessariamente com a causa de pedir -, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume, assim, uma função delimitadora (por ele se determinando o fim e os limites, objetivos e subjetivos), probatória e constitutiva. Todavia, não se confundido com a causa de pedir e nem sendo conceitos necessariamente coincidentes, costuma-se, porém, ainda afirmar que, como pressuposto processual específico da ação é executiva, o título é, grosso modo, uma condição e suficiente da mesma.

Ora, no caso presente, o reclamante invocou como título executivo o contrato de financiamento juntamente com a escritura pública, juntos como doc. nº 1 a 5 e 7[8], não podendo, agora, em sede de recurso, vir invocar outro título executivo: a livrança que no seu requerimento de reclamação de créditos não alude em qualquer artigo.

Em suma: a ausência de título exequível quanto aos créditos reclamados pelo Novo Banco, na configuração dada, implica que se conclua que a reclamação apresentada não seja admissível, conforme decidiu a sentença recorrida, que se confirma, julgando-se improcedente a apelação.

Das Custas:

As custas são da responsabilidade do apelante, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.

(…)

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 28 de fevereiro de 2023

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Teresa Albuquerque- adjunta

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) Publicado no Diário da República n.º 201/2015, Série I de 2015-10-14.

([2]) Cf. Ac. do TRP, de 28-10-2021, proc. 872/20.2T8AGD-A.P1, relator Manuel Domingos Fernandes, www.dgsi.pt.

([3]) Ac. do STJ, de 10-04-2018, proc. 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, relator Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.

([4]) Anterior art.º 50º do CPC.

([5]) Cf. Lebre de Freitas, Código Processo Civil Anotado, volume I, p. 92 e Ac. do TRL, de 10-10-2013, proc. 12869/10.6T2SNT.L1-7, relatora Ana Resende, do TRE, de 24-04-2014, proc. 982/12.0T2STC.E1, relator Mata Ribeiro, www.dgsi.pt.

([6]) “1 – Os outorgantes que não saibam ou não possam assinar devem apor, à margem do instrumento, segundo a ordem por que nele foram mencionados, a impressão digital do indicador da mão direita.

2 – Os outorgantes que não puderem apor a impressão do indicador da mão direita, por motivo de doença ou de defeito físico, devem apor a do dedo que o notário determinar, fazendo-se menção do dedo a que corresponde junto à impressão digital.

3 – Quando algum outorgante não puder apor nenhuma impressão digital, deve referir-se no instrumento a existência e a causa da impossibilidade.

4 – A aposição da impressão digital a que se referem os números anteriores pode ser substituída pela intervenção de duas testemunhas instrumentárias, exceto nos testamentos públicos, instrumentos de aprovação ou de abertura de testamentos cerrados e internacionais e nas escrituras de revogação de testamentos.”

([7]) Cf. A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª. Ed., Geste Legal, Pp. 356/363 e os Acs. do STJ, de 12-03-2019, proc. 09A345, relator Sebastião Póvoas e de 2-02-2022, proc. 15485/17.8T8LSB-C.L1.S1, relator Isaías Pádua, www.dgsi.pt.

([8]) Artigo 12º- “A dívida é líquida, certa e exigível e o contrato de financiamento juntamente com a escritura pública juntos como doc. nº1 a 5 e 7, cópias simples, constituem título executivo, nos termos do disposto na alínea b), do art.º 703.º e no art.º 707.º do Código de Processo Civil, vide, ainda, art.º 788.º do mesmo código”.

[MS1]Falar da letra e ver sumário