Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2837/13.1TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
EXCLUSÃO JUDICIAL DE SÓCIO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - 1ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 242 SSC, 296, 298, 303 CC, 5 Nº1 E 3 CPC
Sumário: 1. Nas sociedades por quotas, o direito de exclusão judicial de sócio por comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade (art.º 242º do CSC), está sujeito ao prazo de prescrição de 90 dias - ocorrerá a prescrição do direito à exclusão do sócio se não houver deliberação dos sócios no prazo de 90 dias a contar do conhecimento (pelos sócios) do facto que serve de fundamento à exclusão e se após a deliberação a acção não for intentada no prazo de 90 dias.

2. Invocada a prescrição por aquele a quem aproveita, o seu conhecimento judicial pode basear-se em norma jurídica ou prazo prescricional diversos dos alegados, sendo que o juiz poderá/deverá qualificar e enquadrar juridicamente os factos (integradores da matéria de excepção e que decorrem dos autos e da alegação das partes) conforme lhe parecer acertado (art.ºs 303 do CC e 5º, n.ºs 1 e 3, do CPC).

Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

            I. Em 11.6.2013, L (…), Lda., intentou a presente acção ordinária contra L (…)  pedindo que seja declarada a exclusão da sócia M (…) (Ré), uma vez que, com o seu comportamento lesivo do interesse da sociedade descrito na petição inicial (p. i.) causou-lhe prejuízos relevantes, e, ainda, tendo em conta a demais actuação descrita na p. i., que seja condenada a ressarcir a A. dos danos emergentes sofridos e a liquidar em execução de sentença, bem como a compensá-la dos lucros cessantes.

            Na contestação, a Ré defendeu-se por excepção e impugnação, tendo referido, além do mais, que a pretensão excludente da A. é destituída de fundamento e intempestiva – devendo a exclusão de sócia ser deliberada “…no prazo de 90 dias contados do conhecimento…” da factualidade que a fundamenta (art.ºs 234º, n.º 2 e 241º, n.º 2, do CSC), aquando da Assembleia Geral realizada em 11.12.2012 já há muito mais de 90 dias que o P (…), sócio (e gerente) da A., tinha conhecimento da factualidade em causa (tanto assim que a fez constar da proposta que apresentou na Assembleia Geral realizada em 13.01.2011).

            Replicando, a A. aduziu, nomeadamente: a Ré esquece que a deliberação de 11.12.2012 teve a sua origem numa outra deliberação da Assembleia Geral da A., ocorrida em 13.01.2011, que teve por pontos da “ordem do dia” a destituição da gerência da sócia M (…), a propositura de acção com vista à exclusão de sócia e a proposição de acção de responsabilidade contra a mesma sócia, os quais não foram aprovados; em face do teor ilegal desta deliberação, o sócio P (…) intentou contra a A., em 14.02.2011, acção de anulação de deliberações sociais; a A. e o sócio P (…) tiveram de aguardar a prolação de decisão na referida acção de anulação, que ocorreu em 15.11.2012; só na sequência dessa decisão é que o sócio P (…) pôde convocar nova assembleia geral da A., para 11.12.2012, onde se pudesse novamente discutir a propositura da referida acção de exclusão de sócio e deliberar nesse sentido; devido a toda esta tramitação judicial, não podemos deixar de considerar que o prazo prescricional de 90 dias se encontra interrompido, pelo que deverá ser também julgada improcedente a referida excepção.

            Por despacho de 11.5.2015, o tribunal a quo ponderou e determinou:

            «Ao elaborar o despacho saneador constato que a R. veio invocar a prescrição do direito da A. a requerer a sua exclusão de sócia da sociedade A. quando alega a fls. 777 que, quando foi deliberada, em assembleia geral de 11.12.12, a exclusão de sócia, o P (…) já tinha conhecimento da factualidade que a fundamenta há mais de 90 dias, na medida em que a fez constar da proposta que apresentou na Assembleia Geral realizada em 13.01.11.

            Porém, afigura-se-me que ocorre a prescrição do direito de acção no que concerne a esse pedido de exclusão de sócia não com o fundamento invocado pela R., mas pelo facto de a acção ter sido proposta muito depois do decurso do prazo de 90 dias (a acção foi proposta em 11.6.2013) após o conhecimento pelo sócio da A. do facto imputado à Ré ainda que se considere que o decurso do prazo se iniciava com a deliberação datada de 11.12.12 e o direito de exclusão judicial de sócio por comportamento desleal, previsto no art.º 242º n.º 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais está sujeito ao prazo de prescrição de 90 dias, a contar do conhecimento, pelos sócios do facto que serve de fundamento à exclusão por aplicação analógica do disposto no art.º 254º, n.º 6, do diploma citado, bem assim, que invocada a prescrição por aquele a quem aproveita, o seu conhecimento judicial pode basear-se numa norma jurídica ou prazo prescricional diverso do alegado (neste sentido Vaz Serra, in BMJ n.º 105, pág. 148), antes de mais, notifique as partes para, em dez dias, querendo, se pronunciarem (art.º 3º, n.º 3 do CPC)».       

            A A. pronunciou-se, argumentando, nomeadamente, que a prescrição invocada pela Ré se fundamenta em factos totalmente distintos dos invocados pela Mm.ª Juíza no despacho de 11.5.2015, pelo que, não sendo a prescrição uma excepção de conhecimento oficioso, tendo de ser invocada por aquele a quem aproveita, não pode o tribunal conhecer de uma prescrição fundada em factos não invocados pela Ré, sob pena de violar o disposto no art.º 303º do Código Civil (CC); não havendo prazo específico fixado na lei para a propositura da acção de exclusão judicial de sócio, é de aplicar in casu, o prazo ordinário de prescrição, que é de vinte anos – art.º 309º do CC; a ser de aplicar alguma norma do Código das Sociedades Comerciais (CSC), por analogia, seria o art.º 75º do CSC, que regula uma situação muito semelhante à dirimida nos presentes autos, isto é, a propositura de uma acção judicial dependente de uma prévia deliberação social e que determina que a acção de responsabilidade, proposta pela sociedade, depende de deliberação dos sócios tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses (sendo este um prazo de caducidade nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 298º do CC) a contar da referida deliberação, pelo que, aplicando-se analogicamente este dispositivo legal, tendo a acção de exclusão de sócio sido proposta pela A. em 11.6.2013, e tendo a deliberação social ocorrido em 11.12.2012, não é a mesma extemporânea.[1]

            No despacho saneador, proferido a 28.9.2015, decidiu-se: “julgar procedente a invocada excepção peremptória, declarando-se prescrito o direito da A. a requerer a exclusão da R. de sócia, pelo que se absolve a Ré desse pedido”.

            Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Da análise do CSC não pode deixar de se concluir que não foi fixado qualquer prazo específico para a propositura da acção de exclusão judicial de sócio - decorre apenas do seu n.º 2 do art.º 242º que, previamente à interposição da acção judicial de exclusão de sócio, tem de existir obrigatoriamente uma deliberação social que determine essa proposição.

            2ª - No que concerne a este prazo específico de interposição da acção judicial de exclusão de sócio estão envolvidos dois tipos diferentes de prazos: (i) o primeiro deles vai do momento em que a conduta do sócio chega ao conhecimento da sociedade até o momento da deliberação social; (ii) já o segundo prazo, inicia-se na data da deliberação e vai até ao momento da propositura da acção.

            3ª - A Ré/Recorrida na sua contestação invocou a prescrição daquele primeiro prazo: de acordo com o seu entendimento a propositura de acção judicial de exclusão de sócio deve ser deliberada no prazo de 90 dias contados do conhecimento da factualidade que a fundamente, por aplicação analógica do art.º 234º, n.º 2, do CSC, uma vez que, segundo a Recorrida, aquando da Assembleia Geral realizada em 11.12.2012, já há muito mais de 90 dias que o sócio P (…) tinha conhecimento da factualidade em causa (tanto assim que a fez constar da proposta que apresentou na Assembleia Geral realizada em 13.01.2011).

            4ª - Já o tribunal recorrido considerou que ocorreu a prescrição, não por violação deste 1º prazo, dando razão ao alegado pela A., quer na sua réplica, quer no requerimento apresentado em 26.5.2015, mas por violação daquele 2º prazo, isto é, do prazo para a propositura da acção judicial de exclusão de sócio, após ter ocorrido a deliberação social que fornece legitimidade activa à sociedade para interpor a dita acção judicial, que a Mm.ª Juíza do tribunal a quo considerou ser também de 90 dias, desta feita por aplicação analógica do art.º 254º n.º 6 do CSC.

            5ª - Na sua réplica a A. apenas se pronunciou sobre a excepção de prescrição tal como foi invocada pela Ré/Recorrida na sua contestação, a qual defendeu a prescrição daquele primeiro prazo, ou seja, o prazo de 90 dias para deliberar a propositura da acção a contar do momento que sociedade teve conhecimento dos factos que a fundamentam, defendendo, tal como o tribunal a quo, que o referido prazo se contabiliza a partir do momento em que a sociedade podia deliberar sobre essa questão, ou seja, a partir da data em que foi proferida decisão na acção de anulação de deliberações sociais n.º 901/11.0TBLRA (15.11.2012) e que tendo a deliberação que fundamentou a propositura da acção ocorrido em 11.12.2012 o prazo foi cumprido.

            6ª - Na sua réplica a A. não se pronunciou sobre o segundo prazo supra referenciado, ou seja, o prazo para intentar a acção judicial após a sua propositura ter sido deliberada em assembleia geral da A., pois essa questão só foi suscitada, pela primeira vez, pela Mm.ª Juíza, e não pela Ré, muito tempo depois da apresentação da contestação e da réplica, no seu despacho de 11.5.2015, a que a A. respondeu com o seu requerimento de 26.5.2015, onde defendeu que esse segundo prazo é 20 anos.

            7ª - Verificamos, assim, que a prescrição invocada pela Ré/Recorrida se fundamenta em FACTOS TOTALMENTE DISTINTOS dos invocados pela Mm.ª Juíza para fundamentar a prescrição que considera existir.

            8ª - Para além de factos distintos estamos também na presença de prazos de prescrição diversos e da invocação de aplicação analógica de normas jurídicas igualmente díspares: enquanto a Ré/Recorrida invoca a aplicação analógica dos art.ºs 234º, n.º 2 e 241º, n.º 2, do CSC, a Mm.ª Juíza do tribunal a quo invoca a aplicação analógica do art.º 254º, n.º 6, do CSC para fundamentar a sua decisão.

            9ª - Não sendo a prescrição uma excepção de conhecimento oficioso, tendo de ser invocada por aquele a quem aproveita, não pode o tribunal a quo conhecer de uma prescrição fundada em factos não invocados pela Ré, na violação de prazos não invocados pela Ré e na aplicação de normas não esgrimidas pela Ré, pelo que o tribunal ´a quo`, ao julgar procedente a excepção peremptória de prescrição, violou o disposto no art.º 303º do CC.

            10ª - Mesmo tendo em consideração o disposto no n.º 2 do art.º 242º do CSC, conjugado com o disposto na al.ª g) do n.º 1 do art.º 246º do CSC, devido à interposição da acção de anulação de deliberações sociais n.º 901/11.0TBLRA, não se pode deixar de considerar que o prazo prescricional se encontrava interrompido, nos termos do disposto no art.º 327º do CC, começando novamente a contar após a prolação da decisão final naqueles autos, pelo que a deliberação de interpor acção judicial de exclusão de sócia, tomada em deliberação da Assembleia Geral da A., em 11.12.2012, foi-o em tempo e dentro do prazo.

            11ª - O Tribunal a quo considerou, no entanto, que, o prazo para a propositura da acção judicial de exclusão de sócio, que se começa a contar a partir da dita deliberação da Assembleia Geral de 11.12.2012, é de 90 dias, por aplicação analógica estipulado no n.º 6 do art.º 254º do CSC.

            12ª - Tal normativo legal, além de aludir a situação completamente diferente (proibição de concorrência por parte dos gerentes), refere-se/aplica-se ao prazo que vai do conhecimento da conduta delituosa até ao momento da deliberação, não se fazendo ali qualquer referência a um prazo para a interposição de uma acção judicial, posteriormente a ter ocorrido deliberação social legalmente obrigatória, que determinou essa propositura.

            13ª - Pelo contrário, é de aplicar in casu, por exclusão, o prazo ordinário de prescrição, que é de vinte anos – art.º 309º do CC.

            14ª - É também nesse sentido o acórdão do STJ de 07.10.2003-processo n.º 03A323, no qual se defende que, decorre do n.º 2 do art.º 242º e da alínea g) do n.º 1 do art.º 246º do CSC que a acção em questão tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral.

            15ª - O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer, intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados dos art.ºs 254º, n.ºs 1 e 5 e 257º, n.º 1, do CSC.

            16ª - É nesta perspectiva que se tem de entender o disposto no n.º 6 do art.º 254º deste Código: efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si, intentarem acção de destituição de gerente, sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade.

            17ª - No entanto, este prazo de 90 dias fixado no n.º 6 do art.º 254º da CSC, para o exercício do direito da destituição do gerente, não pode ser aplicado ao exercício do direito de exclusão de sócio, desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social. O direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.

            18ª - Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), n.º 1, art.º 240º do CSC, sempre que a sociedade não promova a sua exclusão judicial ou caso não queira aguardar por essa promoção.

            19ª - Quer isto dizer, que a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio, tendo de ter em conta tão-só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art.º 309º do CC.

            20ª - Daí não resulta qualquer prejuízo para o sócio, que se encontre na referida situação, pois o mesmo pode pedir a sua exoneração, com amortização quase imediata da sua quota, nos termos do n.º 3 do art.º 240º do CSC, se não se quiser manter numa situação que considera incómoda, ou esperar calmamente, no uso pleno de todos os seus direitos e deveres enquanto sócio, pelo exercício do direito de exclusão pela sociedade, no decurso do prazo ordinário de prescrição, para se defender dos factos, que determinaram a deliberação de exclusão, não ficando precludido qualquer direito por esta espera.

            21ª - Se assim é, não é de aplicar, por analogia, um prazo especial instituído para outra situação jurídica completamente distinta, como seja, o prazo para o exercício do direito de destituição de gerente e que em nada se relaciona com o prazo para intentar uma acção judicial de exclusão de sócio.

            22ª - O mesmo se diga do prazo do sócio para se exonerar da sociedade (art.º 240º, n.º 3, do CSC) - mais uma vez não está em causa qualquer prazo para intentar uma acção judicial - aplicando-se também o mesmo raciocínio a todos os restantes prazos de 90 dias referidas pela Mm.ª Juíza do tribunal a quo no seu despacho saneador: exoneração do sócio e deliberação de exclusão nas sociedades em nome colectivo (art.ºs 185º, n.º 3 e 186º, n.º 2 do CSC); transmissão de quota por morte (art.º 225º, n.º 2 do CSC); transmissão dependente da vontade dos sucessores (art.º 226º, n.º 1 do CSC) e forma e prazo de amortização da quota (art.º 234º, n.º 2 do CSC), em que não há uma única referência a um prazo para intentar uma acção judicial, posteriormente à ocorrência de uma obrigatória deliberação social.

            23ª - Quando muito seria de aplicar por analogia – pois trata-se, aqui sim, de uma situação semelhante/muito idêntica, em que também se prevê o intentar de uma acção judicial que exige/depende de uma prévia deliberação social – o disposto no art.º 75º do CSC que prevê, no seu n.º 1, que a acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses (sendo este um prazo de caducidade nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 298º do CC) a contar da referida deliberação,

            24ª - Pelo que, tendo a acção de exclusão de sócio, in casu, sido proposta em 11.6.2013, e tendo a prévia deliberação da Assembleia Geral ocorrido em 11.12.2012, não é a mesma extemporânea, uma vez que, na contagem do prazo de caducidade há que ter em conta as regras constantes do art.º 279º do CC ex vi art.º 296º do mesmo diploma, não se verificando, por isso, a prescrição do direito da A..

            25ª - O tribunal ´a quo`, ao decidir como decidiu, além de violar o disposto no art.º 303º do CC, também violou o disposto no art.º 309º do CC ou, caso assim se não entenda, violou a aplicação analógica, in casu, do art.º 75º do CSC.

            Refere, depois, que deverá ser revogado o despacho saneador, na parte em que julgou procedente a excepção peremptória, declarando prescrito o direito da A. a requerer a exclusão da Ré de sócia, ordenando-se o prosseguimento dos autos, (também) quanto a este pedido, com a apreciação do mérito da causa.

            Não houve resposta.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, a única questão que importa apreciar respeita à excepção de prescrição. 


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            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e ainda o seguinte[2]:

            a) P (…), na qualidade de gerente da A., procedeu à convocatória de todos os sócios, para uma assembleia geral, a ter lugar e a reunir na sede da Ré, no dia 13.01.2011 com a seguinte ordem de trabalhos: «- Destituição da gerência da sócia L (…), por violação dos devedores fundamentais de cuidado e de lealdade, ao abrigo do plasmado nos art.ºs 64º, n.º 1, alíneas a) e b) e 257º do CSC; - Propositura de acção com vista à exclusão da sócia L (…), uma vez que o seu comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, causou-lhe e/ou pode vir a causar prejuízos relevantes, ao abrigo do estipulado no art.º 242º, n.ºs 1 e 2 do CSC; (…).»

            b) No dia 13.01.2011, pelas 17 horas, reuniu a assembleia geral da A..[3]

            c) Nessa assembleia geral, a Ré, na qualidade de Presidente da Assembleia impediu o sócio P (…) de votar todos os pontos da ordem de trabalho, tendo votado apenas a sócia M (…), que votou contra.

            d) O sócio P (…) intentou acção para obter a anulabilidade da deliberação social.

            e) Por decisão de 15.11.2012, foram declaradas anuladas as deliberações sociais constantes do instrumento de acta de reunião da assembleia Geral de 13.01.2011.[4]

            f) No dia 11.12.2012, reuniu em Assembleia Geral a sociedade L (…), Lda., com a seguinte ordem de trabalho: «- Propositura de acção com vista à exclusão da sócia L (…); e - Propositura de acção de responsabilidade L (…) nos termos do disposto nos art.ºs 72º, n.º 1 e 75º, n.º 1, do CSC».

            g) Nela foi deliberado a propositura de acção com vista à exclusão da sócia L (…) com os fundamentos constantes da acta de fls. 333 a 344.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

A nossa lei prevê a regra de que todos os direitos estão sujeitos a prescrição e admite a distinção entre prescrição e caducidade, ao dispor, designadamente, que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298º, n.º 1, do CC); quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (n.º 2, do mesmo art.º).

            A prescrição extintiva dirige-se fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade e, diversamente da caducidade, parte, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo e que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto, ao passo que, na caducidade, só o aspecto objectivo da certeza e segurança é tomado em conta.[5]

            3. A causa de pedir dos presentes autos assenta na imputada actuação lesiva do interesse da sociedade por parte da Ré e que terá originado os danos patrimoniais referidos na p. i., causa de exclusão de sócio na previsão do art.º 242º, do CSC[6], e de responsabilidade civil.

            4. O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (art.º 303º, do CC). Traduzindo-se a invocação da prescrição na recusa de cumprimento de uma prestação ou na oposição ao exercício de um direito, com base no simples decurso de um certo período de tempo, essa atitude pode ser objecto de apreciação negativa, moral e socialmente, admitindo-se que o interessado tenha melindre ou escrúpulo em servir-se desse meio.

            Assim, face àquele preceito e àquela justificação, basta a invocação da prescrição, pelo interessado, para que se devam aplicar as respectivas consequências jurídicas, podendo o juiz considerar uma norma jurídica ou um prazo prescricional diversos dos alegados (cf., ainda, art.º 5º, n.ºs 1 e 3, do CPC/art.º 664º, do CPC de 1967).[7]          

            5. A Ré invoca a prescrição do pedido de exclusão de sócia - invoca a intempestividade do pedido de exclusão de sócia alegando que este tem de ser deliberado no prazo de 90 dias a contar do conhecimento da factualidade que a fundamente (art.ºs 234º, n.º 2 e 241º, n.º 2, do CSC) e aquando da Assembleia Geral realizada em 11.12.2012 já há muito mais de 90 dias que o sócio P (…) tinha conhecimento da factualidade em causa.

            Ora, porque a Ré invocou, expressamente, a prescrição daquele direito peticionado pela A., é irrelevante a circunstância de não ser aplicável ao caso o concreto enquadramento normativo invocado, sendo que a Mm.ª Juíza a quo limitou-se a qualificar/enquadrar juridicamente os factos (integradores da matéria de excepção e que decorrem dos autos e da alegação das partes) conforme lhe pareceu acertado.[8]

             6. O direito de exclusão de sócio (e de indemnização) encontra-se, pela sua natureza, na livre disponibilidade da sociedade comercial, pelo que estão sujeitos a prescrição extintiva, nos termos do art.º 298º, do CC, onde se estabelece uma regra de carácter geral, válida para todos os ramos de direito.

            Porém, a lei não estabelece qualquer prazo de prescrição para o exercício do direito de exclusão de sócio, através da deliberação dos sócios e consequente propositura de acção judicial (art.º 242º do CSC), mas não resulta daí que possam ser exercidos a todo o tempo, por lhes ser aplicável o apontado princípio geral de prescritibilidade.

            Estamos, assim, perante um caso omisso que deve ser regulado de harmonia com a regra específica de integração, prevista no art.º 2º do CSC[9], sem prejuízo de recurso à regra geral do art.º 3º do Código Comercial.

            Mas a aplicação do prazo ordinário de prescrição, de 20 anos (art.º 309º do CC), deve ter-se como liminarmente rejeitada, por ser de todo incompatível com as exigências de celeridade que são próprias do direito comercial.

            De resto, o cit. art.º 2º manda atender, em primeiro lugar, à "norma desta lei aplicável aos casos análogos...", ou seja, aqueles em que, descendo à realidade das coisas, existe um semelhante conflito de interesses ou idêntica razão justificativa da solução fixada na lei, em termos de o juízo de valor emitido pela lei acerca de um deles ter plena aplicação ao outro.

            Ora, como casos dessa natureza - com similitude bastante com a situação de exclusão de sócio de sociedade por quotas com fundamento em comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade -, previstos no CSC, temos, em particular, os regulados nos art.ºs 186º (exclusão de sócio nas sociedades em nome colectivo) e 254º (destituição de gerente e indemnização, nas sociedades por quotas, em situações de concorrência não permitida), onde se estabelece que esses direitos prescrevem no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto praticado pelo sócio ou gerente.[10]

            Antolhando-se evidente que a situação em análise, juridicamente relevante, encerra ou pressupõe idênticas razões justificativas (cf. os art.º 2º, do CSC, e 10º, n.º 2, do CC), o mencionado prazo mostra-se justificado ou razoável, pelo que deve ser aqui aplicado.[11]

            7. Daí que se conclua que o prazo de prescrição para exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio, é de 90 dias a contar do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador, por aplicação analógica do mencionado regime jurídico, sendo que ocorrerá a prescrição do direito à exclusão do sócio se não houver deliberação dos sócios no prazo de 90 dias a contar do conhecimento pelos sócios do facto que serve de fundamento à exclusão e se após a deliberação a acção não for intentada no prazo de 90 dias.   

            8. Sabendo-se que a prescrição inicia-se apenas quando o direito puder ser exercido (art.º 306º, n.º 1, do CC), atenta a factualidade dita em II. 1., supra, será de concluir que quando ocorreu a deliberação de 11.12.2012 o direito da A. ainda não estava prescrito (cf. os art.ºs 323º e 327º, n.º 1, do CC).

            Contudo, a acção de exclusão judicial de sócio foi intentada já depois de transcorrido o prazo de 90 dias contado a partir da data da deliberação social (11.12.2012/11.6.2013).

            Impõe-se, assim, a conclusão de que se mostra prescrito o direito da sociedade recorrente/A. de requerer a exclusão da Ré de sócia.


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pela A./apelante.


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03.5.2016

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernanda Ventura



[1] Cf. o requerimento de 26.5.2015, reproduzido a fls. 326 e seguintes, junto na sequência do despacho do relator de fls. 280.
[2] Factualidade indicada no saneador recorrido e que mereceu o acolhimento da A./recorrente (fls. 4/ponto 12 da fundamentação da alegação de recurso), sendo que a realidade societária em causa mostra-se comprovada pela prova documental junta aos autos - cf., sobretudo, os documentos fls. 248 e 249 verso.
   Na verdade, decorre dos referidos documentos, por exemplo, que o capital social é de € 5 000 e corresponde à soma de três quotas dos valores nominais e titulares seguintes: duas iguais de € 2 250 cada, pertencentes uma a cada um dos sócios P (…) e L (…) (à data do “Contrato de Sociedade”, de 18.5.2005, casados entre si sob o regime da comunhão de adquiridos) - tendo ambos exercido a gerência da sociedade até 06.5.2011, data em que a segunda “renunciou” à gerência - e uma de € 500 pertencente à sócia M (…).
[3] Rectifica-se lapso manifesto.
[4] Cf. o documento de fls. 304 e seguintes, junto na sequência do despacho do relator de fls. 280.
   Rectifica-se lapso manifesto quanto à data da mencionada decisão.
[5] Vide, nomeadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 1985, páginas 373 e seguintes e Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, páginas 445 e seguintes.
    Cf. ainda, de entre vários, o acórdão do STJ de 09.7.1998, in BMJ, 479º, 572.

[6] Preceitua o referido art.º, nos seus n.ºs 1 e 2:

   Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes (n.º 1). A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito (n.º 2).

[7] Vide Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 105º, 146 e seguintes [que refere, nomeadamente: “Oposta a prescrição, não é o juiz obrigado a considerar aplicável o prazo prescricional invocado, podendo ter como aplicável outro. É que, alegada a prescrição, revela o interessado querer valer-se dela, competindo ao juiz decidir qual é o prazo legalmente aplicável: a necessidade de alegação pelo interessado funda-se somente em que ele pode ter escrúpulo em invocar a prescrição.”/fls. 148] e o acórdão do STJ de 11.11.1997-processo 97A138, publicado no “site” da dgsi (e na CJ-STJ, V, 3, 126), aresto no qual se firmou o seguinte entendimento: Em sociedade por quotas, o direito de exclusão judicial de sócio por comportamento desleal, previsto no art.º 242º, n.ºs 1 e 2 do CSC, em que se inclui o de indemnização pelos respectivos danos, está sujeito ao prazo de prescrição de 90 dias, a contar do conhecimento, pelos sócios, do facto que serve de fundamento à exclusão, por aplicação analógica do disposto nos art.ºs 186º, n.º 2 e 254º, n.º 6 do citado Código (seu art.º 2) (I). Invocada a prescrição por aquele a quem aproveita, o seu conhecimento judicial pode basear-se em norma jurídica ou prazo prescricional diversos dos alegados (art.ºs 303 do CC e 664 do CPC) (II).
[8] Vide, a propósito, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 97 e seguintes.
  Cf., ainda, o cit. acórdão do STJ de 11.11.1997-processo 97A138.
[9] Preceitua o mencionado art.º (sob a epígrafe “Direito subsidiário”):
   Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adoptado.

[10] Estabelecendo o n.º 2 do art.º 186º que “A exclusão deve ser deliberada por três quartos dos votos dos restantes sócios, se o contrato não exigir maioria mais elevada, nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão”, prevendo-se no n.º 6º do art.º 254º, que “Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade”.
[11] Cf. o citado acórdão do STJ de 11.11.1997-processo 97A138, aqui seguido de perto.

   Em idêntico sentido, cf., ainda, o acórdão da RE de 18.10.2012-processo 2992/11.5TBSTB-A.E1 [assim sumariado: Nas sociedades por quotas o prazo para o exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio é de 90 dias a contar do conhecimento dos factos pelos sócios ou do termo da cessação da conduta infractora (1); É, contudo, de cinco anos, o prazo para o exercício do direito à indemnização pelos mesmos factos ou conduta (2), conclusão esta diversa da extraída naquele acórdão do STJ], publicado no “site” da dgsi, acrescentando-se, entre outros argumentos, que “ocorrendo fundamento para a exclusão do sócio por deliberação dos sócios com fundamento em factos ´respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato`, a deliberação de exclusão tem que ser tomada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto” (cf. art.ºs 234º e 241º, do CSC) e “que também é de 90 dias a contar do conhecimento do facto que lhe atribui tal faculdade, o prazo para o sócio se exonerar da sociedade” (art.º 240º, n.º 3, do CSC), pelo que “é de todo incompreensível que o prazo de prescrição para a exoneração judicial possa ser o longuíssimo prazo de 20 anos”, para depois se afirmar que “o prazo de 90 dias é o prazo regra para a definição dos titulares das quotas ou gerência” (art.ºs 225º, n.º 2; 226º, n.º 1; 234º, n.º 2; 240º, n.º 3 e 254º, n.º 6, do CSC).

   Em sentido contrário, cf. o acórdão do STJ de 07.10.2003-processo 03A323, publicado no “site” da dgsi, no qual se defendeu que o prazo de prescrição do direito da sociedade de exclusão de sócio (e de indemnização) é o prazo ordinário de 20 anos.