Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16735/15.0T8LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
DANOS SUBSEQUENTES OU DERIVADOS
DANOS INDIRETOS
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.23, 29, 51 CEXP, 62 CRP
Sumário: 1.- Os prejuízos patrimoniais subsequentes , derivados ou laterais previstos no n.º 2 do art.º 29º do Código das Expropriações, devem ser consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, pois só estes podem ser incluídos na indemnização e não aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua justificação em factos posteriores ou estranhos à expropriação (por ex.º quaisquer prejuízos causados pela construção da auto-estrada e pela circulação de veículos automóveis e não resultantes directa e imediatamente do acto expropriativo).

2. A desvalorização pela diminuição da qualidade ambiental (v. g., dano/prejuízo provocado pelo ruído da circulação automóvel na auto-estrada) constitui um dano que não tem uma relação directa com aquele acto ablativo, pelo que não poderá ser abrangido pela indemnização por expropriação, sem prejuízo de, por danos decorrentes da degradação da qualidade ambiental e outros eventuais danos não directamente decorrentes da expropriação em si e que resultem directamente do fim a que a mesma se destina (enquanto prejuízos subsequentes não directa e necessariamente consequência da expropriação parcial), poder vir a ser demandada em acção própria/autónoma a entidade concessionária da construção e da exploração da auto-estrada.

Decisão Texto Integral:          







  

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           

            I. I (…) marido, M (…), intentaram a presente acção declarativa comum contra A (…), S. A. ( ...)[1], pedindo a sua condenação no pagamento de diversas quantias e/ou na realização de determinadas obras, no valor global de € 931 750,50.

            Alegaram, nomeadamente e em síntese:

            - Foram notificados da sentença proferida ao abrigo do disposto no art.º 51º, n.º 5, do Código das Expropriações, que decidiu adjudicar à entidade expropriante uma parcela de terreno, designada de “Parcela 155” com certa área a expropriar de determinado prédio urbano pertencente aos AA., processo de expropriação em curso na Secção Cível-J1 da Instância Local de Porto de Mós, sob o n.º 1529/11.0TBPMS;[2]

            - Em consequência da referida adjudicação no âmbito da expropriação o prédio em causa foi dividido em “duas parcelas” com determinadas características, ficando os AA. impossibilitados de circular livremente pelo prédio;

            - Tinham projectado construir uma moradia para seus filhos numa parte a destacar desse prédio mas, devido à expropriação, as parcelas sobrantes perderam a capacidade construtiva, pelo que pretendem, a esse título, a indemnização de € 223 164 (segundo os critérios da Portaria n.º 156/2014, de 12/8);

            - Perderam ainda a possibilidade de construir áreas de lazer e desenvolver outros projectos para aquele local e pedem por causa disso a indemnização de € 80 000;

            - Devido à expropriação e construção da auto-estrada em causa, perderam ainda determinadas utilidades que elencam, necessitando de certas obras para obviar a tais factos;

            - A Ré deve pagar ainda indemnização para redireccionar o saneamento básico na parcela sobrante;

            - As parcelas sobrantes ficaram enjauladas, perderam vista, sossego, entre outras consequências decorrentes da aludida expropriação;

            - Têm de comprar um veículo todo-o-terreno para se poderem deslocar nas estradas em mau estado, bem como terão despesas futuras com o combustível e manutenção do mesmo, em certa quantia que a Ré tem de pagar aos AA.;

            - Existe depreciação e falta de acessos à parcela sobrante a nascente, sendo necessário repor infra-estruturas, saneamento básico, construção de casa de banho e cozinha e acessos em determinados montantes da responsabilidade da Ré;

            - Perderam acesso ao prédio rústico separado da parcela sobrante e por isso a Ré deve repor tal acessibilidade;

            - A Ré, com a construção da auto-estrada junto à habitação dos AA., vai causar poluição, ruído, entre outros factos semelhantes, prejudicando a saúde destes e seus filhos, devendo ser por isso condenada a pagar uma determinada indemnização (de valor não inferior a € 160 000), por violação de direitos de personalidade, direito ao repouso e à saúde, porque recusou o pedido de expropriação total;

            - A Ré deverá proceder à insonorização das paredes exteriores da moradia dos AA., à substituição de janelas, portadas e portas exteriores da habitação dos AA. com material adequado ao isolamento acústico, para minorar o ruído que estes terão de suportar com a circulação de veículos na auto-estrada em causa;

            - Em consequência da expropriação existe deterioração da habitação dos AA.;

            - A habitação dos AA. foi assaltada e os responsáveis admitiram que trabalhavam na concessionária para as obras da auto-estrada, ficou mais exposta e tem sido alvo de assaltos e actos de vandalismo, devendo assim a Ré pagar aos AA. a indemnização de € 80 000 e reforçar e construir muros de vedação da referida habitação;

            - O valor de mercado das parcelas sobrantes diminuiu em consequência da expropriação e por isso a Ré deve indemnizar os AA. em montante não inferior a € 60 000;

            - A Ré utilizou o terreno dos AA. em área superior à que foi objecto de expropriação e deve indemnizá-los no valor de € 55 500;

            - Os AA. sofreram danos morais em consequência do acima descrito que a Ré tem de ressarcir em quantia não inferior a € 70 000.

            A Ré contestou pedindo a sua absolvição - invocou a irregularidade da sua citação e a ilegitimidade passiva, solicitou a intervenção de terceiros e impugnou os factos alegados pelos AA. (referindo, além do mais, que não teve qualquer intervenção no processo de expropriação do prédio dos AA.; os AA. alegam ad nauseam a existência de danos supostamente resultantes da forma como a expropriação terá sido realizada e circunstâncias que daí possam ter advindo; os pedidos de condenação carecem de justificação, inexistindo danos que devam ser indemnizados).

            Na sequência dos despachos de 18.02.2016 e 12.4.2016 obtiveram-se informações e elementos do dito processo de expropriação n.º 1529/11.0TBPMS, apurando-se, designadamente, que os AA., ali expropriados, recorreram da indemnização fixada (por requerimento de 02.7.2012 - fls. 311 e seguintes) pedindo o montante de € 778 972 e respectiva actualização entre 01.02.2010 e a data da decisão final do processo.

            Em resposta ao “despacho-convite” de 24.6.2016, a Ré invocou, ainda, a existência de litispendência com fundamento, essencialmente, na circunstância de correr termos, sob o n.º 1529/11.0TBPMS, processo de expropriação [de uma parcela de “[t]erreno com a área de 1 408 m2, sito no lugar de x(...) , Freguesia de xx(...) , Conselho de Porto de Mós”], no qual são parte os AA. e a Ré, em fase de recurso, tendo os AA. aí peticionado uma indemnização no montante de € 761 415,82 e a respectiva actualização entre 01.02.2010 e a data da decisão final do processo; que o referido processo aguardava a realização de peritagem, a qual avaliará, entre outras, a área efectivamente expropriada, a desvalorização do imóvel, a viabilidade de construção nas parcelas sobrantes, bem como os danos não patrimoniais alegados pelos AA. na presente acção; que nos presentes autos é peticionada, também contra a Ré, uma indemnização precisamente pelos motivos invocados no processo de expropriação supra referido, ou seja, o que os AA. pretendem nos presentes autos não é mais do que a repetição da causa decidendi daqueloutro processo. Concluiu pedindo a sua absolvição da instância.

            Por seu lado, os AA. concluíram que não há litispendência, porquanto os danos invocados no mencionado processo de expropriação resultaram directamente da expropriação, enquanto nos presentes autos são alegados os danos indirectamente resultantes da mesma expropriação e os que resultaram da não expropriação das parcelas sobrantes.

            Por decisão de 01.02.2017, o Tribunal a quo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré e, conhecendo oficiosamente de «excepção dilatória inominada» insuprível, absolveu a Ré da instância, considerando que «os Autores não podem exercer os direitos processualmente previstos no Código de Expropriações na presente acção declarativa com processo comum, ou seja, fora da acção especial de expropriação que se encontra pendente e onde (...) já exerceram os seus direitos», o que «obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 278º, n.º 1, al. e), 576º, n.º 1 e 2, 577º e 595º, n.º 1, al. a), do CPC». 

            Inconformados, os AA. interpuseram a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Não existe a tríplice identidade de que depende a litispendência.

            2ª - A causa de pedir nesta acção radica em motivo conexo com o Proc. 1529/11.0TBPMS, mas, visa apurar quais os danos indirectos sofridos e suportados pelos AA. por via da expropriação sofrida.

            3ª - Tais danos indirectos do acto expropriativo não são indemnizáveis no processo ao abrigo do art.º 51º do Código das Expropriações (CE), que visa tão-somente determinar o justo valor da parcela de terreno que foi expropriada aos autores.

            4ª - Os danos ambientais, não são indemnizáveis no processo expropriativo, por não serem contemporâneos com o momento em que ocorreu a expropriação e só valoráveis após efectivação da auto-estrada, e sendo, como são, danos emergentes estão sujeitos à tutela jurisdicional, mediante acção declarativa de condenação por responsabilidade civil.

            5ª - Os danos resultantes da falta de reposição de infra-estruturas de electricidade, canalizações e esgotos, não são contemporâneos com o acto expropriativo, que é o que é indemnizável no processo de expropriação, pois são danos emergentes, posteriores à efectivação da construção, não tendo a entidade expropriante, reposto como era sua obrigação, as canalizações, esgotos e demais infra-estruturas existentes no prédio e que foram inutilizadas pela construção da auto-estrada e que, por essa razão são danos indemnizáveis, mediante acção declarativa de condenação para efectivação da responsabilidade civil.

            6ª - Os danos emergentes da perda de vistas, são posteriores ao acto expropriativo e resultam do entaipamento do imóvel, promovido pela entidade expropriante, findas que foram as obras de construção da auto-estrada, sendo assim, são danos indemnizáveis, mediante acção declarativa de condenação para efectivação da responsabilidade civil.

            7ª - Os danos presentes e futuros decorrentes da falta de reposição de acessos, e da falta de ligação entre o prédio mãe e a propriedade que hoje dista da mesma três km (ida e volta), são danos decorrentes da falta de reposição de acessos, a que a entidade expropriante se havia obrigado a repor, merecendo pela sua gravidade, tutela jurídica, tanto mais que os AA. se vêem obrigados para o resto da vida, a terem de despender de meios próprios para se poderem deslocar de cada vez que pretendem ir ao outro prédio, quando anteriormente a propriedade era uma, sendo assim, danos indemnizáveis, mediante acção declarativa de condenação para efectivação da responsabilidade civil.

            8ª - Os danos indirectos emergentes do acto expropriativo não são indemnizáveis na acção de expropriação que visa tão-somente determinar a “justa indemnização” pela perda da parcela expropriada.

            9ª - Não estando assim contemplados os danos que só à posteriori são detectáveis e valoráveis, ao ocorrer a estabilização do dano na esfera jurídica dos AA. e não da parcela alvo de expropriação.

            10ª - Não tem suporte constitucional, denegar aos expropriados o direito à indemnização adequada em face dos prejuízos patrimoniais indirectos e emergentes - não indemnizáveis em sede de processo expropriativo - mas que têm de sofrer e suportar para benefício do bem comum e in casu para benefício financeiro da entidade expropriante.

            11ª - Nesta acção, a causa de pedir radica nos danos posteriores à expropriação – na estabilização do dano na esfera jurídica dos AA./recorrentes, na perda de vistas, perda de acessibilidade, na redução da qualidade ambiental, no aumento do ruído, na exposição a gases potencialmente nefastos para a saúde, na violação do direito ao repouso.

            12ª - Nenhum dos danos referentes aos pedidos supra enunciados é indemnizável em sede da acção de expropriação.

            13ª - Para existir litispendência, o tribunal em que corre o processo de expropriação, teria de poder apreciar e atribuir valores indemnizatórios em face da perda de vistas, perda de acessibilidade, na redução da qualidade ambiental, no aumento do ruído, na exposição a gases potencialmente nefastos para a saúde, na violação do direito ao repouso, à saúde e à privacidade, em suma, da violação dos direitos de personalidade dos recorrentes.

            14ª - Resulta do Código das Expropriações e de toda a jurisprudência que em sentido unânime tem vindo a ser produzida que os danos indemnizáveis no processo de expropriação são apenas os danos directos do acto expropriativo em si, os resultantes da perda da parcela de terreno de 1408 m2, expropriada para construção de uma IC que afinal virou A19, sem qualquer autorização administrativa, nem título habilitante.

            15ª - Defender-se o contrário é pretender negar o acesso ao direito e à tutela judicial, removendo da esfera jurídica dos AA. o direito a serem indemnizados pelos danos posteriores à construção da auto-estrada e por essa razão, dela emergentes.

            16ª - O direito indemnizatório dos AA., deve ser apreciado na presente acção na qual se pede um ressarcimento não pela expropriação em si, mas pelos danos que são causados por quem construiu não cuidando de zelar pelos direitos de personalidade de quem vivia na moradia.

            17ª - Pretender que os danos aqui reclamados estão integrados na categoria de danos, no que a lei define como “justa indemnização” é contrariar frontalmente o critério e princípio geral consagrado no art.º 23º/1 do CE.

            18ª - Não existe litispendência entre estes autos e o processo 1529/11.0TBPMS, nem ocorreu erro na forma do processo, atendendo a que os danos ora invocados, radicam em causas conexas, mas diferentes, não indemnizáveis no processo de expropriação e só indemnizáveis por via de acção declarativa de condenação para efectivação de responsabilidade civil, por serem danos indirectos e resultantes da actuação posterior da entidade expropriante.  

            19ª - Por erro de interpretação e/ou aplicação foram violados, entre outros, os art.ºs 580º, n.º 1, 581º, 199º, n.º 1, 288º, n.º 1, al. b), 493º, n.º 2 e 494º, al. b), do Código de Processo Civil e 165º, 483º, 486º, 496º n.º 1 e 1310º do Código Civil.

            Rematam concluindo que deve a decisão ser revogada por acórdão que determine o prosseguimento dos autos, para apuramento dos danos indemnizáveis e do valor de indemnização a atribuir aos AA..

            A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir, apenas, se ocorre situação obstativa do conhecimento do mérito da causa ou se a acção deve prosseguir de harmonia com o quadro jurídico vigente.


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            II. 1. A factualidade a considerar é a que consta do relatório que antecede (ponto I).

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Estabelece o n.º 2 do art.º 62º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

            A ideia de justa indemnização comporta duas dimensões importantes: a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, de paridade temporal entre a aquisição pelo expropriante do bem e o pagamento da indemnização ao expropriado [pagamento que deve ser feito através da entrega de uma quantia em dinheiro, salvo se o expropriado concordar com o pagamento da totalidade ou de parte da indemnização in natura – cf. os art.ºs 30º, n.º 2 e 67º a 69º do Código das Expropriações (CE), aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 56/2008, de 04.9][3], impedindo que entre estes dois momentos se intercale um lapso temporal de certa duração ou exista discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado (o que pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos – aptos para a construção ou para outro fim -, o rendimento, os acessos, a localização, os encargos, etc., i. é, as circunstâncias e as condições de facto).[4]

            O critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, na medida em que estamos perante um “valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções (que se manifestam em reduções e em majorações legalmente previstas), as quais são ditadas por exigências da justiça.[5]

            3. A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização, que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública [d.u.p.], tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (art.º 23º, n.º 1).

            Trata-se de um princípio geral de direito que rege a indemnização por expropriação, consistente em que esta deve ser calculada tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (sem prejuízo da actualização à data da decisão final do processo, nos termos do art.º 24º)[6].

            4. O único objectivo que se pretende atingir com a indemnização por expropriação é a “justa indemnização” dos danos suportados pelo expropriado, em termos de não ser constitucionalmente legítimo afastar daquela quaisquer elementos valorativos ou acrescentar-lhe outros que distorçam “(positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação”.[7]

            Nesta linha de entendimento, considera-se que os prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais previstos no n.º 2 do art.º 29º (referente às “expropriações parciais”)[8] devem ser consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio (v. g., "no caso de a parte sobrante, por qualquer facto, deixar de ser edificável, ficar reduzido o seu anterior índice de construção, ocorrer a impossibilidade de cultivo por virtude da perda de água do poço existente na parte expropriada do prédio, o encravamento ou o défice de acesso à via pública”)[9] – só estes podem ser incluídos na indemnização e não aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua justificação em factos posteriores ou estranhos à expropriação (v. g., quaisquer prejuízos causados pela construção da auto-estrada e pela circulação de veículos automóveis e não resultantes directa e imediatamente do acto expropriativo).

            Ademais, não será constitucionalmente admissível que a indemnização por expropriação, apurada num processo de expropriação litigiosa, abranja não somente os danos ocasionados pela expropriação, mas também os decorrentes da construção e da utilização de uma obra (in casu, um troço de auto-estrada), que tiveram lugar posteriormente ao acto expropriativo, procedimento este que poderá conduzir à violação do princípio constitucional da “justa indemnização” por expropriação, consagrado no art.º 62º, n.º 2, da CRP, e do princípio da igualdade, plasmado no art.º 13º da Lei Fundamental, porquanto, além do mais, poderá implicar a atribuição de indemnização além do valor real e corrente do bem expropriado, tratando desigualmente os vários beneficiários de expropriações e expropriados e desrespeitando ainda o princípio da proporcionalidade (pela discrepância existente entre as consequências da expropriação e a sua reparação).[10] 

            5. Assim, tendo presente a alegação contida na petição inicial destes autos, dúvidas não restam de que, por exemplo, o “ruído” do tráfego (maxime, o agravamento da “poluição sonora”) surgiu com a construção do troço da auto-estrada, com a sua abertura à circulação e com o volume de tráfego que nela circula, tratando-se, pois, de um dano que está para além do acto expropriativo [circunstâncias ou condições de facto surgidos posteriormente à d.u.p. e à própria conclusão da obra a que a expropriação se destinou, por isso que resultam da abertura ao trânsito da auto-estrada e do tráfego que nela passou a circular] ou que pode existir mesmo sem que tenha lugar qualquer expropriação (como sucede com os donos de terrenos com habitações neles construídas que não tenham sido expropriados e que sofram os efeitos do ruído da circulação automóvel na auto-estrada).

            Trata-se, pois, de uma desvalorização pela diminuição da qualidade ambiental [dano/prejuízo provocado pelo ruído da circulação automóvel na auto-estrada; consequências negativas do ruído proveniente da utilização da obra realizada], e não de um prejuízo directo, material e certo causado pela expropriação.

            Constituindo um dano que não tem uma relação directa com aquele acto ablativo, o mesmo não poderá ser abrangido pela indemnização por expropriação, sem prejuízo de, por danos decorrentes da degradação da qualidade ambiental e outros eventuais danos não directamente decorrentes da expropriação em si e que resultem directamente do fim a que a mesma se destina (enquanto prejuízos subsequentes não directa e necessariamente consequência da expropriação parcial), poder vir a ser demandada em acção própria/autónoma a entidade concessionária da construção e da exploração da auto-estrada.

            6. Estamos aqui perante danos não resultantes directa e imediatamente do acto expropriativo, mas, antes, do posterior desenvolvimento da actividade da entidade (a expropriante ou não) beneficiária da expropriação, a fazer valer noutra acção ou por outros meios.[11]

            Em boa verdade, não há nexo de causalidade entre o acto expropriativo e os mencionados danos, pois estes advêm única e exclusivamente da obra construída - têm natureza diversa, incidindo alguns mais sobre a violação de direitos de personalidade (ruído da circulação rodoviária, incómodo causado pelas luzes dos veículos) do que sobre a vertente patrimonial respeitante à depreciação patrimonial do imóvel pela natureza da obra que levou à expropriação.[12]

            7. Diz o Mm.º Juiz a quo que estando em curso o processo de expropriação [Processo n.º 1529/11.0TBPMS], é precisamente aí que os Autores terão de alegar todos os factos e circunstâncias tidas por relevantes e necessárias para a fixação da indemnização, não podendo nesse processo especial de expropriação exercer os seus direitos legalmente previstos e, em simultâneo, intentarem uma acção declarativa com processo comum pedindo uma indemnização em consequência dessa mesma expropriação; refere, depois, e designadamente, que o aludido processo de expropriação prevê todos os critérios necessários para fixar a justa indemnização, que se desconhece qual a indemnização que virá a ser [aí] definitivamente atribuída e quais os critérios e fundamentos e que independentemente do concreto montante da indemnização que vier a ser atribuída aos Autores no processo de expropriação ou dos seus fundamentos, nunca poderiam vir em simultâneo intentar a presente acção nos moldes em que o fizeram.

            Conclui, ainda, que os AA. não podiam vir exercer os direitos processualmente previstos no Código de Expropriações na presente acção declarativa com processo comum, ou seja, fora da acção especial de expropriação que se encontra pendente e onde já exerceram os seus direitos - apresentaram recurso no âmbito do processo especial de expropriação para obtenção de indemnização (em 02.7.2012, recorrendo da decisão arbitral) e intentaram a presente acção declarativa com processo comum (em 14.6.2015/fls. 24) pedindo indemnização por causa dessa mesma expropriação, omitindo nestes autos que que no outro processo tinham exercido tais direitos.

            8. Sem quebra do respeito sempre devido por diferente entendimento, afigura-se que aquela perspectiva do Mm.º Juiz a quo não é inteiramente correcta.

             Compulsados os autos, em particular, as alegações do recurso (da decisão arbitral) interposto no dito processo de expropriação, parcialmente reproduzidas a fls. 312 e seguintes[13] - juntas aos autos após o despacho de 12.4.2016 (fls. 309) -, verificamos que os AA. pretendem ser (aí) indemnizados do valor da “parcela n.º 155” (“valor do logradouro do prédio urbano ocupado pela parcela 155”)[14], com a área de 1 408 m2, parcela que a entidade expropriante referiu como destacada do prédio rústico inscrito na matriz sob o “art.º 49” mas que os AA./expropriados dizem integrar o logradouro do seu prédio urbano (“art.º 02257”); afirma-se, ainda, nas mesmas alegações, que foi requerida “a expropriação total do prédio base” e que os árbitros não atenderam ao valor do muro destruído com a expropriação, devendo ser atribuída a indemnização correspondente.

            Sem cuidar, agora, do alcance ou âmbito dos “quesitos” que acompanharam a aludida alegação, reproduzidos a fls. 316 e seguintes, e antolhando-se evidente que, quiçá, em razão do “generoso” (e porventura indevido…) benefício do apoio judiciário que lhes foi concedido (fls. 295 e 298), os AA. trazem, aos presentes autos, toda ou parte significativa da realidade ligada à mencionada expropriação e à subsequente obra, afigura-se, no entanto, salvo o devido respeito, que é sobretudo nos presentes autos que vemos invocados os referidos danos laterais/indirectos advindos da obra que veio a ser realizada após a expropriação e que justificam a existência deste processo comum.

            Pese embora, é certo, a porventura insuficiente clarificação do estado do aludido processo de expropriação e do conteúdo da concreta indemnização que aí foi (ou irá ser) fixada[15], mas tendo-se explicitado, supra, o que pode e deve ser arbitrado no âmbito de um processo de expropriação e o que deverá ser dilucidado autonomamente, em acção comum ou por outros meios [cf. II. 4., 5. e 6., supra] - no dizer dos AA., “enquanto prejuízos subsequentes não directa e necessariamente consequência da expropriação parcial” -, apenas podemos concluir que os presentes autos deverão prosseguir (com a definição do objecto do litígio, selecção dos temas de prova, instrução e realização do julgamento), tendo em vista tal desiderato, os “limites” e o enquadramento supra mencionados e as soluções plausíveis da questão de direito[16].   

            9. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso. 


*

            III. Pelo exposto, procedendo a apelação, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da acção nos termos e para os efeitos indicados em II. 8., supra.

            Sem custas.                                     


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26.9.2017

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Alberto Ruço


 


[1] Acção instaurada na Instância Central - Secção Cível - do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e que, por decisão 02.12.2015, veio a ser remetida ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (fls. 300).
[2] No relatório de arbitragem foi fixado o valor indemnizatório de € 17 556,98 (cf. documentos de fls. 31 e seguintes).
[3]Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[4] Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 808 e seguinte; F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, págs. 127 e seguintes e A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in RLJ, 132º, págs. 203, 204, 232 e 242 a 246 e, ainda, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) n.ºs 108/92 e 261/97, in BMJ 415º, 244 e DR, II Série, de 31.3.1998, respectivamente.
[5] Vide F. Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in RLJ, 132º, págs. 233 e seguintes.
[6] Cf. F. Alves Correia, RLJ, 134º, pág. 99.
[7] Vide F. Alves Correia, Estudo cit., RLJ, 132º, págs. 235 e seguinte e RLJ, 134º, pág. 98.
[8] Normativo que reza o seguinte: “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.”
[9] Vide Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Almedina, 2000, pág. 216.

[10] Vide F. Alves Correia, Estudo cit., RLJ, 133º, pág. 56 e RLJ, 134º, págs. 100 a 102 e Salvador da Costa, ob. cit., pág. 217 [que refere que já não são susceptíveis de indemnização, no âmbito da expropriação, as depreciações e prejuízos que não resultam directamente da expropriação, "mas de atuações posteriores da entidade beneficiária da expropriação" como é o caso, por exemplo, "da depreciação ambiental, da instalação na parcela sobrante de infra-estruturas, da constituição de servidões administrativas ou da sujeição a restrições de utilidade pública"].

  Sobre esta problemática e no mesmo sentido, cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18.02.2014-processo 934/11.7TBOAZ.S1 [aí se refere, designadamente: os danos derivados da obra – a construção da nova via rodoviária – e do trânsito de veículos que por aí se passou a efectuar (e não da divisão do prédio) não poderiam ser ressarcidos no âmbito da expropriação, sendo indemnizáveis, em processo autónomo, os danos que sejam efeito da própria obra executada (poluição sonora e ambiental)], 09.7.2014-processo 2053/07.1TBFAF.G1.S1 [assim sumariado: «I - Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo deverão ser, apenas, os directamente resultantes da expropriação, deles se excluindo os que não resultam da expropriação parcial em si mesma – da divisão do prédio –, mas da construção e utilização da obra realizada, só indirectamente são resultantes da expropriação. II - Os prejuízos resultantes de desvalorização da parte sobrante de um prédio objecto de expropriação, para construção de uma auto-estrada, por perda de qualidade ambiental – perda de vistas e luz e ruído produzido pelo tráfego rodoviário – não são indemnizáveis ao abrigo do disposto no art.º 29º, n.º 2, do C. Exp., vale dizer, no próprio processo de expropriação.»] e 26.3.2015-processo 44/08.4TBFAG.C2.S1 [com o seguinte sumário: «I - Constitui princípio geral do direito que rege a indemnização na expropriação por utilidade pública que esta seja calculada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (art.º 23, n.º 1, do C. Exp. 1999), não podendo, por isso, serem considerados prejuízos que não provêm do ato expropriativo, mas unicamente da obra que justificou a expropriação. II - Os prejuízos a que alude o art.º 29º, n.º 2, do C. Exp. 1999 são os que resultam da divisão do prédio expropriado, não contemplando esse preceito os prejuízos que resultem da obra construída, no caso de uma auto-estrada, designadamente os que se possam traduzir em perda de qualidade ambiental ou acréscimo de riscos provenientes da circulação rodoviária ou violação de direito de personalidade do morador em habitação sita próxima da via rodoviária.»]; da RP de 20.4.2006-processo 0631436, 18.6.2008-processo 0821805, 11.5.2009-processo 2563/06.8TBMTS.P1, 02.7.2009-processo 1363/06.0TBMAI.P1 e de 08.9.2009-processo 1577/06.2TBPFR.P1; da RL de 22.11.2007-processo 5813/2007-2; da RC de 08.3.2006-processo 70/06, 24.6.2008-processo 318/2000.C1, 29.6.2010-processo 1176/06.9TBVIS.C1 (subscrito pelo aqui relator), 19.5.2015-processo 6201/11.9TBLRA.C1 [concluindo-se: “Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo deverão ser os directamente resultantes da expropriação, correspondentes ao valor do bem (…), à data da declaração de utilidade pública, tendo em conta as circunstâncias e condições de facto existentes nesta data.”] e 12.01.2016-processo 5899/11.2TBLRA.C1 e da RG de 15.02.2005-processo 2478/05-2, 16.3.2005-processo 2333/04-1 e 25.6.2009-processo 431/06.2TBVCT.G1, publicados no “site” da dgsi

   No sentido (minoritário) de que os danos causados não directamente pela expropriação podem ser indemnizados no processo expropriativo e que o n.º 2 do art.º 29º do C. Expropriações não confina a depreciação da parte restante a relevar no processo expropriativo ao prejuízo directo resultante da divisão do prédio, cf., entre outros, o acórdão do STJ de 10.01.2013-processo 3059/07.6TBBCL.G1.S1 [onde se pondera e conclui: “Se são conhecidos, podem e devem ser indemnizados imediatamente no processo expropriativo outros danos, nomeadamente os de diminuição da qualidade ambiental, quer derivem directamente do acto expropriativo quer da obra que define e incorpora a natureza desse mesmo acto. Se sem obra não há expropriação então os prejuízos, quer derivem directamente do acto expropriativo, quer da obra que define e incorpora a natureza desse mesmo acto, têm todos a mesma fonte, podendo – e devendo – ser indemnizados unitariamente no processo expropriativo, desde que sejam já conhecidos.”] e, seguindo de perto aquele aresto, os acórdãos da RG de 06.02.2014-processso 341/10.9TBAVV.G1 [concluindo-se: «No processo expropriativo podem ser indemnizados imediatamente os danos quer derivados diretamente do ato expropriativo quer da obra realizada.»] e de 20.02.2014-processo 1128/08.4TBFLG.G1 [«São indemnizáveis os prejuízos sofridos em consequência da perda de qualidade ambiental, considerando que o n.º 2 do artº 29º do CE não distingue entre prejuízos diretos e indiretos e por outro lado o princípio da economia processual, definindo numa única ação os direitos do expropriado.»], publicados no “site” da dgsi.
[11] Cf. o cit. acórdão do STJ de 09.7.2014-processo 2053/07.1TBFAF.G1.S1.
[12] Cf. o cit. acórdão do STJ de 26.3.2015-processo 44/08.4TBFAG.C2.S1.
[13] Na verdade, desconhece-se o teor integral do respectivo “ponto 3” (cf. fls. 314 e 315).
[14] Parcela melhor identificada no “auto de posse” reproduzido a fls. 344 e seguinte.
[15] Mas que, atendendo aos elementos juntos aos autos na sequência do despacho de 18.02.2016 (fls. 303) e ao regime previsto, designadamente, nos art.ºs 23º, n.º 1 e 29º, n.º 2 do CE, deverá ter por objecto o valor da “parcela expropriada” – vide, por exemplo, o teor do despacho que determinou a realização da avaliação, de 19.5.2015, e os despachos subsequentes (cf. fls. 305 e 306).
[16] Veja-se, a propósito, entre outros, o acórdão da RC de 23.6.1998, in CJ, XXIII, 3, 31.