Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
325/07.4GCVIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 409º Nº 1 CP
Sumário: Declarada em decisão de recurso interposto pela defesa a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar e conhecer e, consequentemente, dever ser proferida nova decisão que não enferme de tal nulidade, não pode o tribunal recorrido agravar a condenação do arguido com pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação.
Decisão Texto Integral: Pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de T..., sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular,

A..., emigrado em França,

imputando-se-lhe a prática dos factos descritos a fls. 100 e 101 , pelos quais teria cometido dois crimes de dano simples, previstos e punidos pelo artigo 212.º do Código Penal.

O ofendido B... deduziu a fls. 110, pedido de indemnização contra o arguido A..., peticionando a condenação deste no pagamento, a título de danos patrimoniais, da quantia total de € 4.662,38, sendo a quantia de € 4.522,38 devida pela destruição do muro de vedação em pedra por si construído e a quantia de €100,00 devida pelas perdas de tempo, deslocações à GNR, ao Tribunal e ao escritório da sua mandatária para tratar de assuntos relativos ao presente processo.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 18 de Outubro de 2010, decidiu:

- Condenar o arguido A..., pela prática, em autoria material, de um  crime de dano simples, p. e p. pelo art.212.º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00; e

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo ofendido B... e condenar o arguido/demandado no pagamento da quantia de € 4.522,38, a título de danos patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação para contestar o pedido até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

            Não se tendo conformado com a decisão dela interpôs recurso o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra e, este Tribunal, por acórdão de 15 de Junho de 2011, decidiu declarar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar e conhecer – a segunda conduta delituosa imputada ao arguido como integradora da prática de outro crime de dano – e, em consequência, dever ser proferida outra decisão que não enferme da descrita nulidade.

Em obediência ao acórdão do Tribunal da Relação, o Tribunal Singular procedeu à elaboração e leitura de nova sentença, em 21 de Outubro de 2011, na qual, decidiu:

- condenar o arguido A..., pela prática em autoria material e concurso efectivo de dois crimes de dano simples, previstos e punidos pelo artigo 212.º do Código Penal, nas penas parcelares de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros);

- operar o cúmulo jurídico destas duas penas e condenar o mesmo arguido na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros); e

- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo ofendido B... e condenar o arguido/demandado no pagamento da quantia de € 4.522,38 (quatro mil quinhentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação para contestar o pedido até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

            Inconformado ainda com a nova sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- A sentença proferida foi anulada em recurso exclusivo do arguido/recorrente pelo Tribunal do Relação de Coimbra, tendo os autos baixado ao Tribunal de lª Instancia, para elaboração de nova sentença.

2- A sentença reformulada condenou agora o arguido/recorrente pela prática de dois crimes de dano p.p. pelo artigo 180.º do C.P. nas penas parcelares de l80 dias de multa à taxa diária de 8,00 €, o que em cúmulo resultou na pena única de 240 dias de multa à taxa diária de 8,00 €, mantendo-se tudo o demais.

3- Da renovação do acto, de que o M.º Publico nem sequer havia recorrido, não pode resultar paro o réu uma situação mais desfavorável do que aquela que resultaria do trânsito em julgado da sentença de que só ele havia recorrido, violando-se assim a proibição da reformatio in pejus a que alude o artigo 409.º do CPP, ainda que seja uma reformatio in pejus indirecta.

4- A sentença proferida encontra-se também em total e manifesta contradição com a prova produzida em audiência de julgamento, havendo erro de julgamento da matéria de facto, tendo em conta o depoimento prestado pelo ofendido B... e pelo conjunto das testemunhas de acusação e defesa.

5- O ofendido, segundo o seu depoimento prestado em audiência de julgamento, - 00,38; 00,42 a 07,00; 07;35: 07,37; 08,27; 08,50; 09,01; 09,13; 09,59; 12,47; 14,18; 14,20; 14, 42: 14,57; 15,20; l5,31; 15,40: l5,58; 16,09; 16,18; 16,37: 16,44: 17,12; 17,14; 17,31; 20,00; 20,33; 21,14; 21,27; 21,33 o 22,59; 24,00: 26,19; 26,29; 27,03; 33,04 a 33,58; 34,35 e 36,58 - logo a seguir aos factos apresentou queixa na GNR.

6- A queixa apresentada, conforme resulta dos próprios autos, foi feita em 27 de Abril de 2007 e verso apenas e só sobre o derrube de 4/5 metros de muro em data indeterminada do  mês de Abril, mas por alturas da Páscoa, suspeitando o participante que fora o arguido o autor de tal derrube.

7- Do depoimento das testemunhas de acusação, mormente dos dois trabalhadores ... - 00,50 a 1,35; 03,12; 03,29; 03,48; 04,29; 04,37; 04,41; 04,56; 05,23; 05,29; 05,53; 06,12; 06,59 a 07,25; 07,28; 07,48; 08,22; 09,04; 09,26; 09,44; 10,23; 10,40; 10,54; 11,50; 12,32; 20,35; 20,45; 20,51; 21,02; 21,24 e 21,54, que o muro foi construído em Março, há 3 anos - 03,48 - não viu nem sabe quem derrubou o muro e só o viu da estrada e não foi lá mais - 05,29 - Sabe que foi a um canto cá em cima, é que foi abaixo - 09,26 -

8- ...  - 00,15; 00,59; 00,61; 01,10; 01,29; 01,43; 02,07 ; 02,25; 02,37; 03, 10; 03,20; 03,23; 03,32; 03,41; 03,50; 03m54; 04,16; 04,22: 04,36; 05,08; 05,24; 06,16; 06,30; 06,48; 0656; 07,20; 07,22; 07,35; 08,15; 08,52; 08,56; 09,03; 09,19; 09,43; 10,18; 10,42; 11,02; 11,08; 11,27; 11,34; 11,44; 17,20; 17,28; 18,07;18,12; 18,37; 18,57; 20,40; 20,54: 21,57 - que andaram na construção do muro, por altura de Março de 2007 - 01,10 e 08,52 - Não sabe como aconteceu o derrube de três pedras - 03,05 a 03,23 - Não viu o derrube maior, nunca mais lá voltei - 07,21. Andamos lá o trabalhar um mês - 09,30 - Quando lá andei foi na altura de Fevereiro/Março, nós deixamos já o muro acabado -10,42 -. Confirma que antes de lá ter ido o arguido esteve no local a testemunha de defesa ... - 17,57 - a 18,57-

9- O ofendido e o seu filho, a testemunha ... - 00,30; 02,50; 03,23; 03,51; 04,25; 04,55; 06,56; 07,46; 08,35; 08,57; 09,l l; 10,02;1 0,37; 13,37; 14.23; 15,21; 15,34; 16,59; 17,41; l8,l6; 23,24 a 25,56; 26,10; 26,35; 27,29; 28,33; 29,07; 29,41; 30,00 e 30,08 - afirmaram em audiência de julgamento que o derrube dos cerca de 30 m terá ocorrido por alturas da Páscoa e no mês de Abril de 2007.

10- Tal facto está em manifesta contradição com o que consta da participação feita na GNR em 27 de Abril de 2007, participação essa que o ofendido e filho dizem ter feito de imediato à verificação dos factos.

11- Nem o ofendido, nem nenhuma das testemunhas ouvidas, viu ou ouviu dizer a quem quer que fosse que teria sido o ofendido a derrubar o muro.

12- A testemunha ... - 00,30; 01,41; 05,23 a 08,38; 09,02; 09,12; 10,02; 10,34; 11,28; 11,5l ; 12,05: 12,15; 12,28; 13,42; 13,56 e 13,60 e  … - 00,12 a 2,34; 03,27, 03,38; 03,44; 03,55; 04,32; 04, 44; 05,04; 06,00; 06,04; 06,25; 06,48; 07,02; 07 ,23; 07,28; 07,34; 07,41; 07,47; 07 ,59: 08,15; 08,26; 08,35; 08,48; 08,55; 09,07;09,10; 10,20; 10,24; 10,45; 10,57; 11,07; 11,29 e 11,56 -, confirma que num dia de Abril de 2007, pela Páscoa, o Dr. B... andava a construir o muro, sabendo que o arguido veio passar a Páscoa em 2007 - 09,02 e logo a seguir regressou a França.

13- A Páscoa de 2007 foi no dia 8 de Abril e os factos inicialmente participados foram em 27 de Abril e terão ocorrido à beira daquela data e reportam-se apenas a três pedras.

14- A participação feita pelo arguido na Câmara de T..., tem a data de 11 de Abril de 2007 e ocorreu na semana em que o mesmo regressou a França.

15- Disseram os trabalhadores que não viram lá mais o arguido e que depois de concluído o muro, que teria sido em Abril de 2007, nunca mais lá foram e só passaram na estrada mais tarde e deram conta do muro destruído.

16- A ser assim, a fazer fé no depoimento das testemunhas de acusação e do ofendido, jamais o arguido poderia ter sido o autor do derrube operado em Setembro de 2007, que curiosamente ninguém sabe quem foi.

17- O depoimento do ofendido e das testemunhos de acusação, o seu filho … , o ...e o ..., bem como o depoimento das testemunhas de defesa ... e … , no seu todo, nunca referem o mês de Setembro de 2007 como data  de acontecimento de um segundo derrube do muro.

18- Com todo o respeito devido tais factos, atentos tais depoimentos e a ausência de qualquer prova sobre os hipotéticos factos ocorridos em Setembro de 2007, impunham que tal matéria fosse dada como não provada, porque efectivamente nenhuma prova foi feita a tal respeito

19- Ninguém viu, nem ninguém sabe quem foi quem derrubou o muro, subsistindo apenas meras suspeitas

20- Pelo que sempre deveria militar a favor do arguido o principio da inocência e por isso absolvido do crime que lhe é imputado, ao abrigo do principio in dúbio pró reo em relação a ambos os crimes imputados ao recorrente

21- Verifica-se assim haver claro erro de julgamento da matéria de facto, e por conseguinte incorrectamente julgados os factos da acusação no que respeita ao hipotético crime de dano alegadamente cometido em Setembro de 2007, bem como ao de Abril do mesmo ano, já que as provas atrás mencionadas impunham obrigatoriamente decisão diversa.

22- Aliás, o ofendido no seu depoimento de 34,35 a 36,58 faltou à verdade ao Tribunal ao afirmar que a construção do muro era legal, o que é contrariado pelo oficio da Câmara Municipal de T..., que ordena a demolição de todo o muro e remetido ao recorrente com data de 19 /09 /2011, de que se junta cópia

23- Quanto ao pedido de indemnização civil, nem o ofendido, nem as testemunhas ouvidas souberem esclarecer quantos metros exactos de muro teriam sido destruídos e isso era liminar saber, já que bastava fazer uma medição correcta.

24- E, não é indiferente que sejam 20 ou 30, ou cerca de 30, porque tal facto pesa, na justa medida que se o número de metros é inferior, os custos são menores.

25- Mas também, face ao depoimento da testemunha ..., filho do arguido, de 28,13 a 29,07 que mandou fazer um muro idêntico em sua casa, o preço pago pela pedra, demais material e mão de obra, foi entre 70/80 € o metro linear e do depoimento da testemunha ...  - 13,59, o valor atribuído em indemnização é manifestamente exagerado e o valor claramente desconforme com a realidade objectiva.

26- O que quer dizer que estando a pedra não no local, os custos de reconstrução seriam tão só de mão de obra e em tal caso 30 metros nunca custariam no máximo 4.662,38 € , o que é público e notório, sendo irrelevante o orçamento junto aos autos que prevê nos montantes apresentados o custo da pedra, transporte, cimento e mão de obra.

27- Pelo que, a condenação injustamente imposta ao arguido, com todo o respeito devido, sempre configuraria um enriquecimento sem causa do ofendido, na justa medida em que é condenado a pagar todos os materiais quando na verdade toda a pedra é reutilizada, não sendo menos certo que todo o muro vai ser objecto de destruição pela Câmara Municipal de T..., por se tratar de muro clandestino, conforme documento que se junta.

28- O recurso que recaiu sobre

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogar-se a douta decisão sob censura, por erro manifesto no julgamento da matéria de facto e até em contradição com a

prova produzida e consequente improcedente o pedido de indemnização civil.

Se assim não se entender e porque subsistem sérias duvidas de quem foi o autor do crime, até porque ninguém presenciou os factos impõe-se a sua absolvição por aplicação do principio da

inocência - in dúbio pró reo-, já que sempre seria preferível absolver um criminoso do que condenar um inocente, até porque a condenação obtido é apenas e só por mera presunção.

Lei Violada: art.409.º e 410.º do CPP.

B... respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo seu não provimento e manutenção da sentença nos seus precisos termos.

O Ministério Público na Comarca de T... respondeu igualmente ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo seu provimento parcial, com a manutenção da condenação do arguido pela prática dos factos pelos quais vinha acusado e a alteração da decisão quanto à pena aplicada, que não poderá ser mais grave do que aquela que foi inicialmente imposta, sob pena do arguido ver a sua situação agravada por via do recurso interposto pelo próprio.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso merece parcial provimento, devendo a pena aplicada ser balizada pela que consta da primeira condenação.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido respondido que o recurso merece provimento no seu todo.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

       Fundamentação

           

A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante da sentença recorrida é a seguinte:

Matéria de facto provada

1. B... é dono de um prédio rústico, composto de pinhal, denominado …, T..., inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia, com o n.º  …  e confinante com um prédio rústico do arguido;

2. B..., em Abril de 2007, iniciou a construção de um muro de vedação do citado terreno composto de blocos de granito;

3. O arguido, em data que não foi possível concretizar, mas que se situa no citado mês de Abril, no período da Páscoa, dirigiu-se ao local e destruiu cerca de 3 metros de muro, deitando abaixo três blocos de granito que constituíam a segunda fiada de blocos do muro;

4. No mês de Setembro de 2007, em data que não foi possível concretizar, encontrando-se o terreno do ofendido totalmente vedado, o arguido dirigiu-se de novo ao citado local e destruiu o muro de vedação construído pelo ofendido, na parte que confina com o seu terreno, destruindo-o numa extensão de cerca de 30 metros de comprimento e 1 metro de altura, nomeadamente, destruindo os alicerces;

5. O arguido com a sua conduta causou ao ofendido B... um prejuízo no valor de €4.522,38 (quatro mil quinhentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos);

6. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de inutilizar e destruir o muro de vedação, sabendo que o mesmo não lhe pertencia, que actuava contra a vontade e em prejuízo do ofendido B..., legitimo proprietário do mesmo, como aconteceu;

7. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal;

8. Ao arguido não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.

Matéria de facto não provada

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados por assentes.

Motivação da matéria de facto

            A convicção do tribunal no que respeita à factualidade assente formou-se com base na apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, a que consta dos autos e regras de normalidade e experiência comum.

            Teve-se, assim, em consideração:

I) O teor dos documentos de fls. 15 a 17, 41 a 48, 49 e fotografias de fls. 33 a 40 e 56 a 60.

II) As declarações do ofendido B..., as quais nos mereceram total credibilidade pela forma serena, sincera e desapaixonada com que as prestou. Por outro lado, atenta a postura com que se apresentou em tribunal, cremos tratar-se de pessoa íntegra e completamente avessa a conflitos, tendo, no caso concreto, agido da forma que uma vivência em sociedade impõe, recorrendo ao Tribunal para dirimir o conflito que teve com o arguido. É certo que as suas declarações contiveram algumas pequenas contradições, de imediato sanadas, o que se compreende não só pelo tempo já decorrido sobre os factos como também pelo seu estado de saúde visivelmente débil.

No essencial o ofendido relatou ao tribunal as duas situações em que o arguido destruiu o muro que ele mandou construir para vedar a sua propriedade.

A primeira, reportada a Abril de 2007 (junto da Páscoa), segundo relatou, foi-lhe anunciada pelos trabalhadores que lá se encontravam na obra a quem o arguido disse que iria deitar o muro abaixo, o que fez, conforme confirmou da fotografia de fls. 37, tendo nessa sequência apresentado queixa na GNR. A segunda, reportada a Setembro de 2007, também seguida de queixa na GNR, foi-lhe anunciada pelo próprio arguido com quem se encontrou no local, em dia que não pôde precisar, numa ocasião em que lá se deslocou com o seu filho. Nesse dia, o próprio arguido lhe disse que iria deitar o muro abaixo porquanto alegava que este estaria a ser construído na sua propriedade. De facto, segundo o ofendido, este encontro terá ocorrido num sábado de manhã e no domingo seguinte, da parte da tarde, quando se deslocou ao local, verificou que o muro estava todo destruído (fotografia de fls. 40). De relevo referiu que a extensão da destruição foi de cerca de 30 metros, estimando em cerca de €5.000,00 o seu prejuízo;

III) O depoimento isento e credível da testemunha ..., filho do ofendido B..., que confirmou ter-se deslocado ao pinhal onde o pai mandou construir um muro de vedação da sua propriedade, na sua companhia, local onde encontraram o arguido e onde este disse que iria deitar o muro abaixo, alegadamente por não concordar com a divisão da propriedade. Mais confirmou que dias depois foram lá e que o muro já estava efectivamente deitado abaixo. Disse ainda ter tido conhecimento, porque o pai lhe contou, que o arguido já havia numa outra ocasião deitado abaixo algumas pedras do muro e que este previamente falou com os operários que se encontravam a construir o muro;

IV) Depoimento isento e credível da testemunha ..., operário da construção civil, pessoa contratada pelo ofendido para construir o muro de vedação em causa nos autos. De relevo disse, ao que se lembra, ter iniciado a construção do muro mais ou menos em Março de 2007, descreveu o mesmo e as características das pedras com que o mesmo foi construído. Disse também que um determinado dia, que não precisou, apareceu no local um homem e uma mulher, tendo o primeiro dito “Vocês podem continuar o muro, mas eu deito-o abaixo”. Mais disse que algum tempo depois de ter acabado o muro passou na estrada e viu-o destruído numa extensão grande, não precisando os metros;

V) O depoimento isento e credível da testemunha ..., pessoa que também ajudou na construção do muro de vedação do ofendido, em Março de 2007, o qual de relevo disse lembrar-se que numa determinada ocasião que não soube situar no tempo, apareceu no local um senhor que disse “ Podem continuar mas eu boto o muro abaixo”. Posteriormente a essa situação chegaram lá um dia e estavam deitadas abaixo duas ou três pedras do muro (fotografia de fls. 37), pedras que repuseram porquanto quando ele e os outros trabalhadores terminaram a obra o muro estava todo construído. Mais referiu que, mais tarde, ouviu dizer que o muro estava no chão;

VI) O depoimento isento e credível da testemunha … , cunhada do ofendido B..., pessoa que conhece bem o local onde os factos ocorreram e que, de relevo disse ter tido conhecimento, porque o cunhado lhe contou, que tinham deitado o muro abaixo, realidade que constata quando passa na estrada próxima do local;

VII) O depoimento isento e credível da testemunha ...., amigo do arguido e que referiu ter-se deslocado ao local em Março/Abril de 2007 e alertado os trabalhadores que lá se encontravam para o facto de, segundo pensar, o muro não estar a respeitar as extremas que dividem os prédios do arguido e do queixoso. Mais disse ter transmitido esse facto ao cunhado do arguido, o José, pessoa que trata dos assuntos daquele que se encontra emigrado, referindo nunca ter falado sobre esse assunto com o arguido. De relevo disse ter constatado, meses depois da Páscoa, que o muro estava caído;

VIII) O depoimento da testemunha … , amigo do arguido, que de relevo para os factos apenas disse que o arguido se encontra emigrado em França e que vem sempre a Portugal na Páscoa e pelas vindimas e que há cerca de 4 anos veio cá nessa altura;

IX) O depoimento isento e credível da testemunha … , cunhado do arguido, que de relevo para os autos disse ter tido conhecimento, porque o arguido lhe contou que, na Páscoa, foi falar com os homens que andavam a construir o muro e que os avisou para pararem a obra. Mais lhe contou o arguido que numa outra ocasião esteve na obra com o Sr. Professor B.... Confirmou ainda que o arguido vem sempre a Portugal na Páscoa e em meados de Setembro, para fazer as vindimas. Disse ainda saber que em Setembro o muro estava totalmente construído e que em Abril já tinha sido começado.

Pese embora a prova produzida seja indirecta já que, conforme resulta dos depoimentos acima descritos, ninguém viu o arguido a destruir o muro, a verdade é que da mesma não restam dúvidas de que foi ele quem o fez, nas duas ocasiões referidas nos factos provados. Na verdade provou-se que o arguido estava contrariado com a construção do muro, demonstrou essa mesma contrariedade às pessoas que construíam o muro e ao próprio ofendido, anunciou duas vezes que iria destruir o muro, o que veio a ocorrer e, inequivocamente encontrava-se em Portugal quando os factos ocorreram. No que concretamente diz respeito ao prejuízo sofrido pelo ofendido, para além das suas próprias declarações, credíveis pela sua seriedade, considerou-se o orçamento de fls. 49.

Das regras de experiência e normalidade da vida em conjugação com a abundante prova produzida acima descrita, fica-nos a convicção plena da verificação dos factos que resultaram provados.

            Relativamente aos antecedentes criminais considerou-se o teor do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 136.


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... as questões a decidir são as seguintes:

- se a nova sentença, ora em recurso, violou a proibição da reformatio in pejus a que alude o art.409.º do C.P.P.;

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao dar como provado que o arguido/recorrente foi o autor dos danos alegadamente cometidos em Abril e Setembro de 2007, impondo as provas produzidas em julgamento e o princípio in dubio pro reo a sua absolvição; e

- se o valor da indemnização configura um enriquecimento sem causa do ofendido, na medida em que os custos da reconstrução do muro são inferiores aos constantes do orçamento junto aos autos e todo o muro vai ser objecto de destruição pela Câmara Municipal de T..., por se tratar de  muro clandestino, conforme documento que junta com o recurso.


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            Por uma questão de ordem lógica a primeira questão a abordar é a que incide sobre o julgamento da matéria de facto.

A impugnação da matéria de facto pode realizar-se através de dois meios: ou pelos vícios a que alude o art.410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ou através do disposto nas várias alíneas do art.431.º do mesmo Código, sendo que neste último caso o Tribunal da Relação pode admitir a renovação da prova para suprir os vícios.

No presente caso, o arguido A... invoca, por um lado, a existência do vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude a al.c), n.º 2, do art.410.º do Código de Processo Penal e, por outro lado, invoca a prova produzida e documentada em audiência de julgamento, o que parece remeter para o disposto nos artigos 431.º, al. b), e 412.º, n.ºs 3 e 4, do mesmo Código.

Apreciemos, pois, a impugnação da matéria de facto tendo em conta os dois meios referidos.

O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 
     c) O erro notório na apreciação da prova.
Os vícios do art.410.º, n.º 2, do C.P.P., têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
O erro notório na apreciação da prova, a que alude esta norma , tem lugar “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável , quando se dá como provado algo que notoriamente está errado , que não podia ter acontecido , ou quando , usando um processo racional e lógico , se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica , arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando  determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto ( positivo ou negativo )  contido no texto da decisão recorrida”.[4]
Este erro, que para ser notório tem de ser ostensivo, que não escapa à percepção de um homem com uma cultura média.

O recorrente A... sustenta que o Tribunal a quo não poderia dar como provado que foi ele quem no mês de Abril de 2007, em data que não foi possível determinar, mas no período da Páscoa, deitou abaixo 3 blocos de granito e que, em Setembro do mesmo ano, em data não determinada, quando o terreno já se encontrava vedado, destrui o muro numa extensão de cerca de 30 m por 1 metro de altura, já que estão em clara e manifesta contradição com o que foi dito na audiência de julgamento, em que ninguém viu o arguido a deitar abaixo aquelas 3 pedras do muro, nem o próprio muro.

Salvo o devido respeito, este modo de impugnação da matéria de facto dada como provada, não parte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que é própria dos vícios do n.º2 do art.410.º do C.P.P., mas de uma alegada desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.

Sendo este erro-vício de conhecimento oficioso, não deixaremos, ainda assim, de averiguar se ele é detectável na sentença recorrida.

Pese embora ninguém tenha visto o arguido A... a deitar abaixo 3 blocos de pedra do muro que o ofendido começou a erguer em Abril de 2007, resulta da fundamentação da matéria de facto da sentença, designadamente, das declarações do ofendido B..., dos depoimentos das testemunhas ..., ..., ....,  … e … , e das fotografias juntas aos autos, que o arguido A... esteve em Portugal em Abril de 2007, por altura da Páscoa, tendo anunciado a dois trabalhadores do ofendido B..., quando estes erguiam o muro, que iria deitar abaixo o dito muro que confinava com uma sua propriedade e, efectivamente, vieram a ser deitadas abaixo 3 blocos de pedra desse muro, nesse período da Páscoa.

Para fundamentar que foi o arguido A... o autor do derrube de todo o muro construído pelo ofendido, na parte que confinava com o prédio do arguido, em Setembro de 2007, numa extensão de cerca de 30 metros, o Tribunal a quo baseou-se, essencialmente, nas declarações do ofendido B... e da testemunha … , que relataram como o arguido lhes disse que não concordava com a construção do muro, por alegadamente estar a ser construído no seu prédio e lhes disse que o deitaria abaixo, vindo o mesmo a deitado abaixo dias depois, dando lugar à apresentação de uma segunda queixa criminal contra o arguido. O derrube completo do muro mostra-se fundamentado, na prova testemunhal indicada e ainda, entre outras, na fotografia de folhas 40 dos autos.

Importa aqui notar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária). 

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” . [5]

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” [6]

No caso em apreciação, pese embora o Tribunal a quo se tenha baseado essencialmente em prova indirecta para dar como provada a matéria de facto que o recorrente impugna, não detectamos na fundamentação da matéria de facto da decisão recorrida um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova. 

Pelo contrário, os meios de prova tido em consideração na fundamentação da matéria de facto, conjugados com as regras da experiência comum, suportam racionalmente a decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª instância, de atribuir ao arguido a autoria, da prática, por duas vezes, dos danos no muro construído pelo ofendido.

Deste modo, concluímos que a sentença recorrida não padece do vício enunciado no art.410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P..

O outro meio de impugnação da matéria de facto previsto na lei, é o enunciado no art.431.º do Código de Processo Penal, que tem lugar se se verificarem as seguintes condições:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova.”.
A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta do processo, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento. 
Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al.c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P., que conjugada com o art.412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
     c) As provas que devam ser renovadas

Acrescenta o n.º 4 deste preceito legal, que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação em que produziu a prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

Actualmente, face à redacção que foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao art.417.º, n.º 3 do C.P.P., é inequívoco que as especificações do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do mesmo Código, devem constar das conclusões, uma vez que « Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.».  
Deste preceito resulta ainda que se a falta das indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, atinge quer as conclusões, quer a motivação, não há lugar ao convite de aperfeiçoamento das conclusões.
Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

No presente caso, o arguido A... especifica, nas conclusões da motivação, os ponto de facto que considera incorrectamente julgados, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com indicação, por referência ao consignado na acta, das concretas passagens em que funda a impugnação, transcrevendo na motivação as respectivas passagens.
O Tribunal da Relação, considera-se deste modo apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Antes de passar ao conhecimento directo desta parte da questão, realçamos que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.
É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[7].

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[8].

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação  diz o mesmo: « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”.[9]

Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.[10]

Quanto ao princípio in dubio pro reo, alegadamente violado pelo Tribunal a quo, o mesmo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele , escolheu a tese desfavorável ao arguido.[11]

Se na fundamentação da sentença/acórdão oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

Em suma, o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

O recorrente A... sustenta que o Tribunal a quo não poderia dar como provado que foi ele quem no mês de Abril de 2007, em data que não foi possível determinar, mas no período da Páscoa, deitou abaixo 3 blocos de granito e que, em Setembro do mesmo ano, em data não determinada, quando o terreno já se encontrava vedado, destruiu o muro numa extensão de cerca de 30 m por um metro de altura, alegando para o efeito e em síntese:

- o ofendido B... e o seu filho, a testemunha ..., ainda não confrontados por nenhum interveniente processual, referiram ao Tribunal uma só acção no derrube do muro, que situam no mês de Abril;

- posteriormente, a instâncias do Ministério Público , o ofendido já admitiu uma primeira acção de derrube de 3 metros do muro, esclarecendo que entre esse primeiro episódio e o derrube do muro, no Domingo, terão decorrido 3 semanas;

- a testemunha ..., a instâncias do Ministério Público, disse não saber se houve ou não uma primeira acção de derrube de 3 pedras do muro, para depois conseguir lembrar-se que tal teria acontecido numa ocasião em que o muro ainda não estava totalmente construído, admitindo que tal aconteceu em Abril de 2007;  

- as testemunhas de defesa afirmam que o arguido A... veio a Portugal na altura da Páscoa

e quando se foi embora, logo a seguir à Pascoa, o muro ainda não estava  concluído;

- a participação efectuada pelo ofendido B... foi feita em 27 de Abril de 2007 e este disse ter ido logo à GNR após o derrube do muro;

- tendo o ofendido e o seu filho declarado que o muro foi derrubado ainda em Abril de 2007, o arguido jamais poderia ter destruído o muro, nem o Tribunal a quo poderia ter concluído, na falta de quem tivesse visto o arguido a destruir o muro, que foi o arguido quem o derrubou em Setembro do mesmo ano.

Vejamos.

O ofendido B... apresentou uma queixa criminal, na GNR, no dia 27 de Abril de 2007, contra o arguido A..., porquanto em princípios do mês de Abril desse ano, no período da Páscoa, este se deslocou a um prédio do denunciante, confinante com um prédio do denunciado, na localidade de … , T..., e derrubou cerca de 4/5 metros da 1.ª fiada de um muro de pedra, causando-lhe um dano de cerca de € 250. Refere que não presenciou a prática do dano, mas que as testemunhas ... e ... lhe disseram que o denunciado fizera essa ameaça na presença delas – cfr. folhas 3.

Mais consta dos autos, que em 25 de Setembro de 2007, o ofendido B... apresentou uma nova queixa criminal, na GNR, contra o arguido A..., alegando, designadamente, que no dia 22 de Setembro de 2007, quando por volta das 11h30m, se dirigiu ao prédio em questão, foi abordado pelo denunciado que lhe disse que o muro do denunciante estava implantado na sua propriedade e que iria contratar uma máquina para o derrubar. No dia de hoje deslocou-se ao seu prédio e deparou com o muro derrubado numa extensão de cerca de 30/35 m x 1m, não se encontrando no local pedras de dimensões consideráveis. Como testemunha indicou ... – cfr. folhas 76.  

Com as participações apresentadas estão perfeitamente identificadas as testemunhas que sustentam a afirmação do queixoso de que foi o arguido quem derrubou 3 blocos de pedra do muro e, mais tarde,  quem derrubou todo o muro de blocos de pedra na parte em que os seus prédios confinam.

Relativamente à primeira queixa, de Abril de 2007, consta da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida que a testemunha ..., operário da construção civil, pessoa contratada pelo ofendido para construir o muro de vedação em causa nos autos, declarou, com relevo, lembrar-se de ter iniciado a construção do muro mais ou menos em Março de 2007, descreveu o mesmo e as características das pedras com que o mesmo foi construído. Disse também que um determinado dia, que não precisou, apareceu no local um homem e uma mulher, tendo o primeiro dito “Vocês podem continuar o muro, mas eu deito-o abaixo”. Mais disse que algum tempo depois de ter acabado o muro passou na estrada e viu-o destruído numa extensão grande, não precisando os metros. Por sua vez, a testemunha ..., pessoa que também ajudou na construção do muro de vedação do ofendido, em Março de 2007, e com relevo disse lembrar-se que numa determinada ocasião que não soube situar no tempo, apareceu no local um senhor que disse “ Podem continuar mas eu boto o muro abaixo”. Posteriormente a essa situação chegaram lá um dia e estavam deitadas abaixo duas ou três pedras do muro (fotografia de fls. 37), pedras que repuseram , pelo que quando ele e os outros trabalhadores terminaram a obra o muro estava todo construído. Mais referiu que, mais tarde, ouviu dizer que o muro estava no chão.

O Tribunal a quo considerou que estas testemunhas depuseram de modo isento e credível.

Olhando aos segmentos dos depoimentos destas testemunhas indicados pelo recorrente e os realçados nas conclusões da motivação, verificamos que o arguido A... coloca o assento tónico no facto destas testemunhas não terem presenciado o derrube dos três blocos de pedra, acrescentando que a testemunha ... confirmou que a testemunha de defesa ... esteve no local.

Sobre a testemunha ..., consta da fundamentação da sentença recorrida, que a mesma prestou um isento e credível, sendo amigo do arguido, tendo referido  ter-se deslocado ao local em Março/Abril de 2007 e alertado os trabalhadores que lá se encontravam para o facto de, segundo pensa, o muro não estar a respeitar as extremas que dividem os prédios do arguido e do queixoso. Mais disse ter transmitido esse facto ao cunhado do arguido, o José, pessoa que trata dos assuntos do arguido que se encontra emigrado, referindo nunca ter falado sobre esse assunto com o arguido. De relevo, disse ter constatado, meses depois da Páscoa, que o muro estava caído.

Lendo os segmentos do depoimento da testemunha .... transcritos pelo arguido, que têm correspondência nas gravações que ouvidas, não vislumbramos neles nada em contrário do que consta na fundamentação da sentença como tendo sido declarado pela testemunha.

O ofendido B..., a cuja audição da gravação também procedemos, declarou, designadamente, que quanto já estava feito parte do muro de pedra, em Março ou Abril de 2007, o encarregado das obras e os pedreiros disseram-lhe que tinha ido ao local o arguido A... a ameaçá-los que derrubava o muro. Os pedreiros não conheciam o A..., mas este identificou-se como o proprietário do pinhal. Não tem nenhuns problemas com ninguém da confinante do prédio, nomeadamente com o baldio.

Soube que o arguido apresentou, ele próprio, uma participação à Câmara por causa do muro, em 11 de Abril de 2007.

A falta de três blocos de pedra no meio duma fiada do muro parcialmente construído, que está em causa, é perfeitamente perceptível de fotografias juntas aos autos.

Considerando, nomeadamente, que a testemunha .... declarou que o arguido A... esteve na freguesia  … antes da Páscoa e que uns dias depois da Páscoa ele arrancou para França; que a mesma testemunha .... esteve no local onde se estava a erguer o muro e declarou ter comunicado ao cunhado do arguido, que o arguido estaria a erguer um muro sem respeitar as estremas que dividem os prédios do arguido e ofendido; que a testemunha … , cunhado do arguido, declarou ter-lhe sido contado pelo arguido, na Páscoa, que falou com os homens que andavam a construir o muro avisando-os para pararem as obras; que as testemunhas ... e ... deixaram clara a vontade do arguido deitar o muro abaixo; e tendo sido deitadas abaixo, naquele período, 3 blocos de granito desse muro, numa extensão de cerca de 3 metros, como resulta das fotografias juntas aos autos, o que deu lugar á apresentação duma queixa criminal do ofendido contra o arguido em 27 de Abril de 2007, entendemos que a matéria de facto dada como provada no ponto n.º 3 se encontra racionalmente suportada em prova produzida em audiência de julgamento. 

Relativamente ao derrube do muro, nos termos aludidos no ponto n.º 4 dos factos dados como provados, tem particular relevo o depoimento da testemunha … , indicada pelo ofendido na queixa crime apresentada contra o arguido em 25 de Setembro de 2007.

Consta da fundamentação da matéria de facto da sentença, que  … é filho do ofendido B..., tendo confirmado que em 2007 se deslocou ao prédio do muro em causa, com o seu pai, nele tendo encontrado o arguido, que lhes disse que iria deitar o muro abaixo, alegadamente por não concordar com a divisão da propriedade. Mais confirmou que dias depois foram lá e que o muro já estava efectivamente deitado abaixo. Disse ainda ter tido conhecimento, porque o pai lhe contou, que o arguido já havia numa outra ocasião deitado abaixo algumas pedras do muro e que este previamente falou com os operários que se encontravam a construir o muro.

Da gravação do depoimento da testemunha ... resulta que, quando no início do seu depoimento lhe foi pedido para contar o que sabia sobre os factos, a mesma narrou a ida com o pai ao prédio e o encontro com o arguido, mulher deste e um casal, tal como consta da participação apresentada pelo ofendido na GNR, no dia 25 de Setembro de 2007, deixando bem claro que o arguido declarou que o muro ocupava terreno do prédio dele e que o iria deitar abaixo no sábado. Em dado momento quando foi perguntado à testemunha se sabia “em que época do ano é que lá foram?” a testemunha teve uma pausa de vários segundos. Finda essa pausa disse “Eu penso que em Abril”. Quando lhe foi perguntado “quantas vezes aconteceu” que foi “posto o muro abaixo”, respondeu “ uma vez”.

Sobre a concreta data em que esteve com o pai, no local dos factos a falar com o arguido, é evidente a pouca certeza da testemunha demonstrada na audiência de julgamento, mencionando ora que os factos se passaram há três anos, ora utilizando expressões como “se a memória não me falha”.

Já quanto ao ter sido derrubado uma vez o muro, torna-se claro que o derrube do muro a que a testemunha faz referência foi a que aconteceu em cerca de 30 metros, ocorrida nos dias seguintes à conversa dele e do pai com o arguido, pois quando lhe foi perguntado se não tinham sido derrubadas anteriormente 3 pedras do muro, disse que agora se lembrava disso, mas que só sabe a esse respeito o que lhe contou o pai.

Ainda assim acrescentou que pensa que quando foram derrubadas as 3 pedras o muro ainda não estava todo construído. Relevante ainda, nas suas declarações é a menção a que nunca conheceu conflitos do pai com vizinhos, sendo que o outro confinante do prédio é um Baldio e só com o arguido é que tem conflitos. 

Quando o ofendido B..., a propósito de quantas vezes foi derrubado o muro, declarou que foi uma vez, estava obviamente a referir-se à destruição completa do muro, numa extensão de cerca de 30 metros e não ao derrube de apenas 3 blocos de pedra.

É verdade que o ofendido situou o derrube do muro nesta extensão umas “ três semanas ou assim”, depois de ter acabado o muro “ em Abril, talvez ai…dias exactos..”.

No entanto também declarou que, quando mais tarde, num sábado, estava com o seu filho … e encontrou o A... no local, o muro já estava todo construído e as três pedras repostas; ora, se lermos a queixa criminal apresentada pelo ofendido B... no dia 25 de Setembro de 2007, de folhas 76, verificamos que o dia nele referido como tendo ocorrido a conversa entre ele e o seu filho por um lado e o arguido e mulher, por outro, foi o dia 22 de Setembro desse ano, que foi, efectivamente, um sábado.

O Tribunal a quo não deixou de sinalizar na fundamentação da sentença, e bem, que o depoimento do ofendido apresenta pequenas contradições a nível temporal, mas sanadas e compreensíveis não só pelo tempo decorrido sobre os factos, como pelo estado de saúde do mesmo. Realmente, nota-se da gravação do seu depoimento que, para além de pessoa com alguma idade, o ofendido tem manifestas e graves dificuldades respiratórias ao exprimir-se.
Situando o ofendido B... na queixa por si apresentada a 25 de Setembro de 2007, a data de 22 de Setembro de 2007, como o dia da conversa em que teve com o arguido; que a testemunha … , cunhado do arguido, declarou que este vem sempre a Portugal em meados de Setembro para fazer as vindimas; que o ofendido B... e a testemunha  … deixaram claro que o arguido disse que iria deitar abaixo o muro; tendo o muro sido derrubado numa grande extensão, como resulta designadamente das fotografias juntas aos autos, e apenas na parte em que os dois prédios confinam, é perfeitamente admissível a versão dada como provada pelo Tribunal recorrido na sentença, adquirida na base da imediação e da oralidade e na livre apreciação da prova, de que o arguido foi também o autor desta destruição do muro erguido pelo ofendido.

Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto da douta sentença não se vislumbra nela também que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido dos factos dados como provados e impugnados pelo recorrente.

O que resulta daquela fundamentação é um estado de certeza do Tribunal recorrido, e cremos que bem face à prova produzida, relativamente à prática pelo arguido/recorrente dos factos dados como provados e por este impugnados.

Improcede, deste modo, esta primeira questão.


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            A questão a conhecer seguidamente é se a nova sentença, ora em recurso, violou a proibição da reformatio in pejus , ainda que seja uma reformatio in pejus indirecta, a que alude o art.409.º do C.P.P..

Alega, para este efeito, que da renovação do acto, não pode resultar para o arguido uma situação mais desfavorável do que aquela que resultaria do trânsito em julgado da sentença de que só ele havia recorrido.

A condenação do arguido, na sentença reformulada pela prática de dois crimes de dano, nas penas parcelares de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que em cúmulo resultou na pena única de 240 dias de multa à taxa diária de € 8,00, coloca-o numa situação mais desfavorável do que aquela que resultava da primeira sentença, em que havia sido condenado numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00.

O Tribunal da Relação não pode deixar de dar razão ao recorrente nesta questão.

O Código de Processo Penal dispõe no seu art.409.º, epigrafado de “ Proibição de reformatio in pejus”, na parte que interessa:

«1. Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.».  

Embora a norma se dirija, literalmente, ao tribunal superior, proibindo a reformatio in pejus, a jurisprudência e a doutrina alargam o âmbito desta proibição ao Tribunal a quo, designadamente nos casos de reenvio para realização de novo julgamento e anulação da sentença por violação do disposto no art.374.º do Código de Processo Penal, quando o arguido é o único recorrente.

O recurso estabelece um limite à actividade jurisdicional, consti­tuído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente. No dizer do Prof. José Manuel Damião da Cunha, o princípio da  proibição de reformatio in pejus não é um princípio de “recursos”, mas um  princípio do processo, do processo baseado na relação entre o Ministério Público e arguido.[12]

Seguindo-se de perto o voto de vencido do Ex.mo Cons. António Henriques Gaspar, proferido no acórdão do STJ, de 9 de Abril de 2003, diremos em síntese o seguinte: a proibição de reformatio in pejus deve ser entendida como uma medida protectora do direito de recurso em favor do arguido, devendo ser avaliada e confrontada com o princípio do processo equitativo (enunciado no artigo 6.º, n.º 1, da Con­venção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 14.º do Pacto Inter­nacional sobre os Direito Civis e Políticos, e particularmente densificado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem).
O princípio do processo equitativo, « a lisura, o equilíbrio, a lealdade tanto da acusação como da defesa, impõem que o arguido, no caso de único recorrente e que usa o recurso como uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas, não possa ser, em nenhuma circunstância, surpreendido no processo com a decorrência de uma situação desequilibrante; o recurso, inscrito como meio de defesa, não pode, quando a acusação o não requerer, produzir, sem desconfor­midade constitucional, um resultado de gravame. (…) O princípio valerá, pois nenhuma razão material há para distinguir, tanto para a reformatio directa como para a indirecta, sendo, por isso, indife­rente que o arguido tenha (ou também tenha) pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal.».
Este acórdão do STJ foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, que no seu acórdão n.º 236/2007, decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpre­tada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido”.[13]
No sentido que se segue, decidiu, entre outros, o acórdão do STJ, de 17 de Fevereiro de 2005, ao determinar que a proibição de reformatio in pejus é aplicável ao agravamento da condenação pelo mesmo Tribunal, em nova sentença elaborada na sequência de recurso interposto unicamente pelo arguido e de anulação da decisão recorrida por violação do disposto no art.379.º, n.º1, al. b), do C.P.P..[14] 

O arguido A... vem acusado da prática dos factos descritos a fls. 100 e 101, pelos quais teria cometido dois crimes de dano simples, previstos e punidos pelo artigo 212.º do Código Penal.

Por sentença proferida a 18 de Outubro de 2010, o Tribunal Singular condenou o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de dano simples, p. e p. pelo art.212.º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, não fazendo qualquer referência ao outro crime de dano imputado ao arguido, nem na fundamentação de direito, nem no dispositivo.

Tendo apenas o arguido recorrido dessa sentença, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 15 de Junho de 2011, declarou a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar e conhecer, ou seja, sobre a segunda conduta delituosa imputada ao arguido como integradora da prática de outro crime de dano,

Em obediência ao acórdão do Tribunal da Relação, o Tribunal Singular procedeu à elaboração e leitura de nova sentença, em 21 de Outubro de 2011, decidindo condenar o arguido A..., pela prática em autoria material e concurso efectivo de dois crimes de dano simples, previstos e punidos pelo artigo 212.º do Código Penal, nas penas parcelares de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros) e, operando o cúmulo jurídico destas duas penas, condenou o mesmo arguido na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

Considerando o limite da proibição de proibição de reformatio in pejus , que resulta da primitiva sentença, a condenação do arguido A... não pode ultrapassar, em cúmulo jurídico, a pena de180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), ou seja, a multa de € 1.440,00.

Essa na pena conjunta de 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, em que vai o arguido condenado, em cúmulo jurídico, pela prática de dois crimes de dano simples.


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Passemos a decidir a última questão.

O recorrente A... sustenta que o valor da indemnização fixado na sentença recorrida configura um enriquecimento sem causa do ofendido.

Alega para este efeito, que não há prova segura do montante dos custos da reconstrução do muro, não se tendo conseguido apurar ao certo quantos metros foram destruídos. A testemunha … , disse que mandou construir um muro em pedra semelhante na sua casa, e pagou pelo metro linear, com pedra e mão-de-obra, entre € 70/80 o metro. Mesmo que a pedra tombada não pudesse ser novamente aplicada, o custo da reconstrução de cerca de 30 metros do muro não passaria dos € 2 100,00. Podendo a pedra ser reaplicada, o custo da mão-de-obra não poderia ser superior a € 1 050,00.     

Por outro lado, todo o muro vai ser objecto de destruição pela Câmara Municipal de T..., por se tratar de muro clandestino, conforme documento que junta com o recurso.

Vejamos.

Consta da acusação do Ministério Público, a que o demandante aderiu para efeitos de pedido de indemnização, que o muro foi derrubado numa extensão de cerca de 30 metros.

O Tribunal a quo para determinar o valor da reconstituição do muro teve em consideração o valor constante do orçamento de folhas 49 dos autos, onde se menciona que o muro foi derrubado em 35 metros, sendo necessário realizar fundações.

O ofendido/demandante declarou em audiência de julgamento que o valor da reconstrução do muro foi calculado no local pelo pedreiro que executou a obra e que as pedras foram levadas do local e o terreno alterado. As fotografias juntas aos autos sugerem que boa parte dos blocos de pedras que constituíam o muro não estarão no local, pois nelas vêem-se apenas algumas pedras dispersas, misturadas com terra.   

O valor global da reconstrução do muro, calculado no local em € 3 737,50, a que a acrescem € 784,88, de IVA, à taxa de 21%, mostra-se suficientemente fundamentado na prova produzida, valorada no âmbito da imediação e da oralidade.

Cada caso é um caso, e não vislumbramos factos objectivos para concluir que em face da experiência concreta de construção de um muro, por parte da testemunha …, noutro local, se deva concluir que o Tribunal a quo errou ao considerar que o valor execução do muro destruído pelo demandado se cifra em € 4 522,38.

Relativamente ao documento junto pelo arguido/demandado com o recurso por si interposto, importa recordar que o objecto do recurso é a decisão proferida e, assim, apreciar se a decisão foi justa ou injusta. Neste âmbito, não interessa senão comparar a decisão com os dados que o juiz decidente possuía.

Como bem escreve o Prof. Germano Marques da Silva, “ O considerar a nossa lei que o objecto do recurso é a decisão tem importância prática muito grande. Nomeadamente não é possível juntar nas alegações de recurso ordinário novos elementos de prova que não tiverem sido considerados na decisão recorrida.”.[15]

Para além da junção do documento ser irrelevante para a decisão do recurso, não podemos deixar de mencionar que ali se ordena a demolição de um muro “ que faceia com a via pública, atendendo a que o restante está isento de licença e controlo prévio”, e o muro destruído , que serve de causa de pedir no pedido de indemnização cível, é um muro confinante com um prédio rústico do arguido ( ponto n.º1 dos factos provados).  

Improcede pois esta questão.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, revogando a douta sentença na parte em que opera o cúmulo jurídico das penas decide-se condenar o arguido, em cúmulo jurídico, pela prática em autoria material e concurso efectivo de dois crimes de dano simples, previstos e punidos pelo artigo 212.º do Código Penal, na pena conjunta de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), ou seja, na multa de € 1 440,00 ( mil quatrocentos e quarenta euros), mantendo-se, no mais a decisão recorrida.

           Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4]  - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques , in “Código de Processo Penal anotado”, Rei dos Livros , 2ª ed. ,Vol. II , pág. 740. No mesmo sentido decidiram , entre outros , os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).

[5] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289. 

[6] cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.

[7] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[8]  cfr.“Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[9] Obra citada, páginas 233 a 234
[10]  in C.J. , ano XXVII , 2º , página 44.

[11] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 , in C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177  .

[12]  (cfr. O Caso Julgado Par­cial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estru­tura Acusatória, 2002, págs. 240 e seguintes, 436 e 658 e seguintes).

[13] www.tribunalconstitucional.pt
[14]  CJ, ASTJ, ano XIII, 1.º Tomo, pág. 203 e segs.

[15] "Curso de Processo Penal", Verbo, 2.ª Edição, Vol. III, pág. 315