Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5193/20.8T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA
IMPEDIMENTO
IMPEDIMENTO POR PARTICIPAÇÃO EM PROCESSO
Data do Acordão: 02/25/2022
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 31.º, ALÍNEA B) E 40.º DO CPP
Sumário: I – A competência é a medida da jurisdição que a lei atribui (ou distribui) a cada tribunal para o conhecimento e julgamento de um determinado caso penal, enquanto o impedimento radica na impossibilidade de intervenção de determinado juiz na apreciação desse mesmo caso para garantia da imparcialidade objectiva. Enquanto a primeira pode fazer surgir o impedimento, este não se projecta/reflecte naquela.

II - A prorrogação da competência prevista no artigo 31.º, alínea b), do CPP, não determina, de algum modo, a verificação de qualquer situação de impedimento legal prevista no artigo 40.º do mesmo diploma.

Decisão Texto Integral:




I. Relatório:

1. A Sr.ª Juíza do Juízo Local Criminal de Coimbra – J3, Sr.ª Dr.ª (…), suscitou a resolução de conflito negativo de competência visando a determinação do tribunal competente para a tramitação processual conducente à prolação de decisão de mérito no processo n.º 5193/20.8T8CBR.

2. Cumprido o disposto no art. 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante só designado de CPP), o Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apresentou alegações escritas, no sentido da inexistência de impedimento da Mma. Juiz titular do acima identificado Juízo Local para a realização do julgamento no processo 5193/20.8T8CBR.


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II. Fundamentação:

A) Elementos processuais relevantes:

1. No âmbito do processo 16068/13.7TDPRT, foi deduzida, em 08-03-2018, acusação pública contra A e M, imputando aos arguidos, com base na factualidade descrita nessa peça processual, a co-autoria material de um crime de insolvência dolosa e de um crime de favorecimento de credores.

2. Introduzido o processo na fase de julgamento, no início da audiência, a Sr.ª juíza ordenou a «separação dos processos nos termos e para os efeitos do artº 30º, n.º 1º, al. d), do Código de Processo Penal, devendo o arguido A, no processo em separado, ser notificado por éditos para se apresentar em juízo, em vinte dias, sob pena de ser declarado contumaz, nos termos e para os efeitos do artigo 335.º e seguintes do Código de Processo Penal», determinou o “início do julgamento” no processo acima identificado e «a extração de certidão e a remessa dos autos à distribuição», tendo declarado, desde logo, «o impedimento a que alude o artigo 40.º, alínea c) do Código de Processo Penal».

A final, através de sentença datada de 06-10-2020, foi decretada a absolvição da arguida M.

3. Nos autos autonomizados em razão das circunstâncias supra descritas (proc. n.º 5193/20.8T8CBR), a Sr. Juíz (…) lavrou, no dia 18-01-2022, despacho deste teor (transcrição parcial):

«Nos termos do artigo 40.º do Código de Processo Penal, (…).

Ora, a participação em julgamento anterior terá de ser interpretada no sentido de, no mesmo processo, já ter existido outro julgamento e por um qualquer motivo o mesmo ser repetido – não é este o caso dos autos, uma vez que tal originaria a violação do princípio do juiz natural.

(…).

Assim sendo, abra conclusão à Ex.ma Juiz titular do processo, pois, caso contrário, seria violado o princípio do juiz natural».

4. Proferiu, então, em 02-02-2022, a Sr.ª Juiza (…) o despacho que, nas partes relevantes, se passa a transcrever:

«Da leitura da sentença absolutória, elaborada pela ora signatária, e pese embora a separação de processos e culpas, o tribunal (…) teve de apreciar os factos e condutas imputadas e levadas a cabo (…) apenas pelo co-arguido A, levando-a a dar como assentes factos que consubstanciam/avam um claro juízo de culpa e de ilicitude sobre a conduta de A.

Isto mesmo resta nítido dos factos vertidos nos pontos 14.º, 31.º, 47.º e 55.º, infra transcritos, constantes da sentença, transitada em julgado (…).»

[Segue-se a transcrição integral dos factos dados como provados na dita sentença e da respectiva fundamentação, sendo que, em relação à factualidade provada, quando concatenada com a descrição factual da acusação, fundamentalmente, foram expurgadas e remetidas para o acervo dos factos não provados as “imputações concretizadas” dirigidas à co-arguida M, remanescendo a descrição factológica reportada às condutas do co-arguido A].

«Do impedimento legal:

Nos termos do artigo 40.º do Código de Processo Penal, «nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativo a processos em que tiver: (…) a) (…); b) (…), c) Participado em julgamento anterior; d) (…); e) (…).

(…).

O julgamento anterior (…) não se limitou a conhecer de causas formais, processuais ou meramente adjectivas de extinção da instância.

Apreciou e concluiu pela ocorrência dos factos e pela culpabilidade de A.

(…).

O que está em causa nos presentes autos é o pré-juízo feito (…) sobre a culpabilidade de A, o ora arguido; uma apreciação feita sobre a conduta ilícita e dolosa que assentava numa co-autoria – que não se provou – mas que levou ao apuramento dos factos supra descritos em sentença transitada em julgado.

O thema probandum, o objecto do processo e do P.C.S. n.º 16068/13.7TDPRT é o mesmo. Os factos deste processo e do P.C.S. n.º 16068/13.7TDPRT são os mesmos. A prova deste processo e do P.C.S. n.º 16068/13.7TDPRT é a mesma.

Trata-se, de resto, da mesmíssima ratio que subjaz às demais alíneas do preceito legal citado, que determina a existência de tal impedimento no que concerne a juízes que tenham presidido a debate instrutório, à aplicação da medida v.g. de prisão preventiva, a decisão que tenha conhecido do objecto do processo, reusado a suspensão provisória ou a forma de processo sumaríssimo por discordar da sanção proposta…

Deste modo, recorrendo à metodologia hermenêutica, quer a compreensão teleológica da norma (…), quer os demais elementos de interpretação – gramatical, histórico, sistemático – determinam, em nosso entender, este sentido normativo como o único que se compraz também com o “sentido possível” do texto, da letra da lei (artigo 9.º do Código Civil).

Notifique e com cópia certificada [das peças processuais indicadas], remeta ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, atento o disposto no artigo 35.º do Código de Processo Penal.»


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B) Cumpre decidir:

1. Preliminarmente, importa verificar se estamos perante um conflito de competência, nos termos em que ele é definido no artigo 34.º do Código de Processo Penal.

Dispõe este normativo, no seu n.º 1:

«Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».

A lei é clara sobre os pressupostos legais do conflito referido. Consiste na divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge quando mais do que um tribunal da mesma espécie (v.g. tribunal judicial) ou de espécie diversa (v.g. tribunal judicial e tribunal não judicial) se reconhecem ou não se reconhecem competentes para investigar e apurar a existência de um crime cuja prática é atribuída ao mesmo arguido.

Se todos os tribunais em oposição se arrogam competentes estamos perante conflito positivo; se declinam a competência ocorre conflito negativo.

Assim, no vertente caso, é apodíctico não existir um conflito típico porquanto, desde logo, uma das duas Sr.ªs. Juízas em conflito alicerçou a declarada incompetência no seu impedimento para a efectivação do julgamento.

Porém, sendo irrecorrível o despacho em que o juiz se considere impedido (cfr. artigo 42.º, n.º 1, do CPP), sem intervenção deste tribunal, a situação exposta redundaria, no domínio do acto em causa, numa paralisia da relação processual penal, impasse que me leva a considerar verificar-se um conflito de competência atípico, definidor de uma situação que urge solucionar.


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2. O cerne do dissídio enunciado nos despachos conflituantes circunscreve-se à questão de saber se tem sustentação legal a declaração de impedimento acima definida e se, dependendo da resposta, negativa ou positiva, a competência para o julgamento a realizar no âmbito do proc. n.º 5193/20.8T8CBR pertence à Sr.ª Juíza titular do processo ou à Sr.ª Juíza funcionalmente substituta daquela Magistrada.

No âmbito da jurisdição penal, o legislador, escrupuloso no respeito pelos direitos dos arguidos, consagrou, como princípio inalienável, constitucionalmente consagrado (cfr. art. 32.º, n.º 9 da CRP), o do juiz natural, pressupondo tal princípio que intervém no processo o juiz que o deva segundo as regras de competência legalmente estabelecidas para o efeito.

O dito princípio acautela a «independência dos tribunais perante o poder político. O que ele proíbe é a criação (ou a determinação) de uma competência “ad hoc” (de excepção) de um certo tribunal para uma certa causa» (cfr. Ac. do TC n.º 393/89, de 18-05-1989).

Contudo, perante a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos do princípio do juiz natural, estabeleceu o sistema o seu afastamento em casos-limite, ou seja, unicamente quando se evidenciem outros princípios ou regras que o ponham em causa, como sucede quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade e isenção no exercício do seu munus.

Seguindo o que ficou escrito no Ac. desta Relação de Coimbra de 02-02-2022 (proc. n.º 581/13.9TAPBL.C3), «(…) foi para obviar a efeitos perversos, e como tal intoleráveis, do princípio do juiz natural, inscrito na Constituição, que o legislador introduziu “válvulas de segurança” no sistema, lançando mão dos impedimentos, suspeições, recusas e escusas, acautelando, deste modo, «a imparcialidade e isenção do juiz, igualmente com proteção constitucional, garantidas como pressuposto subjetivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objetivo da sua perceção externa pela comunidade (…)» – [cf. Manuel Simas Santos e Leal – Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, Vol. I, 3.ª edição, pág. 304].»

Nesse propósito, modelou o legislador uma diversidade de casos impeditivos de participação do juiz em processo penal, dispondo a norma reguladora (artigo 40.º do CPP) o seguinte:

«Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º;

b) Presidido a debate instrutório;

c) Participado em julgamento anterior;

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objecto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior [redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21-02];

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.

O artigo agora citado, consagrando os casos específicos de impedimento de juiz por intervenção processual numa, ou mais, das modalidades nele referidas, tem em vista garantir a imparcialidade objectiva, justificada do ponto de vista das garantidas de defesa do arguido e igualmente pela necessidade de proporcionar ao juiz as condições de isenção requeridas pelo exercício das suas funções.

De facto, a imparcialidade dos tribunais é um imperativo não apenas decorrente do artigo 32.º da Constituição, mas, sobretudo, um princípio estruturante do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), na justa medida em que se insere na “garantia universal de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, através de um órgão de soberania com competência para administrar a justiça (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição” – cfr. Ac. do TC n.º 129/07, de 27-02-2007.

«O envolvimento do juiz no processo, através da sua directa intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, o que sempre implica a formação de juízos e convicções, sendo susceptível de o condicionar em futuras decisões, assim afectando a sua imparcialidade objectiva, conduziu o legislador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, bem como na comunidade, apreensões e receios, objectivamente fundados» – Ac. do STJ de 19-05-2010, proferido proc. n.º 36/09.6GAGMR.G1-A.S1.

Parafraseando os Acs. do STJ de 03-12-03 e 12-05-2004, proferidos, respectivamente, nos procs. 3284/03 e 254/04, este ideário está de acordo com a construção dogmática, da garantia ao tribunal imparcial, inscrita no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem como um dos elementos predominantes da noção de processo equitativo: «qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente (…) por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá (…) sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela».

Como escrevem os Professores Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão – Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal, Texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015/2016), publicado em https://apps.uc.pt› mypage› files› nbrandao, págs. 12 e ss. –, apud despacho dirimente de conflito negativo de competência de 10-08-2018, do Sr. Juiz Presidente das Secções Criminais do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 164/16.1PAENT-C.E1, publicado em  www.dgsi.pt:

«O princípio da imparcialidade do juiz repudia o exercício de funções judiciais no processo por quem tenha ou se possa objectivamente recear que tenha uma ideia pré-concebida sobre a responsabilidade penal do arguido; bem como por quem não esteja em condições ou se possa objectivamente temer que não esteja em condições de as desempenhar de forma totalmente desinteressada, neutral e isenta.

(…).

Na experiência portuguesa, há um largo consenso doutrinal (…) e jurisprudencial (…) no sentido de uma compreensão da garantia de imparcialidade como dimensão essencial da estrutura acusatória do processo penal constitucionalmente imposta pelo art. 32.º, n.º 5 da CRP e da independência dos tribunais reconhecida pelo art. 203.º da CRP. E é natural que assim seja, pois tanto em relação à ideia do acusatório e do princípio da acusação que lhe é imanente como em relação à independência judicial, essas distintas, mas incindíveis projeções do princípio do Estado de direito comungam de um mesmo desígnio de uma realização da justiça pautada pela máxima objetividade e isenção e capaz de se impor aos seus destinatários diretos e à comunidade em geral sem quaisquer sombras de desconfiança, emergindo aí a imparcialidade como uma exigência irredutível.

(…).

Para dar consistência efetiva à garantia de imparcialidade, além de estruturar o processo penal de acordo com o princípio da máxima acusatoriedade possível, o legislador ordinário estabeleceu um conjunto de impedimentos (arts. 39.º e 40.º) e suspeições (art. 43.º), fundados em razões de dúvida de diversa ordem sobre a imparcialidade da atuação do juiz e com regimes jurídicos distintos: umas vezes verifica-se a, pura e simples, impossibilidade de o juiz intervir em um certo processo penal, mediante previsão de circunstâncias que, sem mais e necessariamente, ditam o seu afastamento, as quais são portanto declaradas independentemente de qualquer objeção suscitada pelos participantes processuais à atuação do juiz no caso concreto; outras vezes é apenas concedida aos sujeitos processuais a possibilidade de afastarem a intervenção do juiz, nomeadamente, quando haja o risco de esta ser considerada suspeita, por existir motivo, grave e sério, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. No primeiro caso estamos perante impedimentos, no segundo perante suspeições do juiz.»

Sem voz discordante que se conheça, a indicação dos motivos de impedimento legal, porque constituem excepções à regra da competência do juiz, são taxativas. Ou, como está escrito no Ac. da Relação de Évora de 21-10-2014, proc. n.º 2/10.9TAFTR-B.C1, publicado em www.dgsi.pt, «o regime legal dos impedimentos, [pela sua função preventiva no acautelamento da transparência e da confiança na justiça], é (tem de ser) um regime rígido, balizado de forma objectiva e clara, possuindo carácter de numerus clausus» (neste sentido, vejam-se ainda, a título meramente exemplificativo, os Acs. do STJ de 15-07-2015, proc. n.º 362/08.1JAAVR.P1; do STJ de 10-03-2010, proc. n.º 36/09.6GAMR.G1-A.S1; e da Relação do Porto de 28-10-2021, proc. n.º 189/12.6TELSB-AV.P1).

A causa de impedimento prevista na já citada alínea c), como os demais motivos elencados nas demais alíneas do artigo 40.º do CPP, assenta exclusivamente na circunstância de haver intervenção sucessiva do mesmo magistrado judicial no mesmo processo e nas dúvidas que objectivamente tal circunstancialismo pode criar sobre a imparcialidade do juiz.

Tal como o texto da lei inequivocamente evidencia, qualquer um dos impedimentos traduz a proibição de o juiz intervir em julgamento relativo a processo em que tiver participado em julgamento anterior; dizendo de outro modo, o impedimento legal exige que as duas intervenções do juiz ocorram no mesmo processo [neste sentido, v.g., o já referido Ac. do STJ de 10-03-2010 (proc. n.º 36/09.6GAMR.G1-A.S1); o Ac. da Relação de Lisboa de 11-06-2010 (proc. n.º 739/07.0PBCSC.L1-3; da Relação de Évora de 21-10-2014 (proc. n.º 2/10.9TAFTR-B.E1); da Relação do Porto de 28-10-2021 (proc. n.º 189/12.6TELSB-AV.P1), e despacho do Sr. Juiz Presidente das Secções Criminais da Relação de Évora de 10-08-2018 (proc. n.º 164/16.1PAENT-C.E1].

Na situação concreta dos autos, importa ter ainda em conta os artigos 30.º e 31.º do CPP.

No segmento relevante, diz-nos o primeiro: oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a competência e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de algum ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos [n.º 1, alínea d)]; refere, por sua vez, o segundo: «A competência determinada por conexão, nos termos dos artigos anteriores mantém-se: a) Mesmo que, relativamente ao crime ou aos crimes determinantes da competência por conexão, o tribunal profira uma absolvição ou a responsabilidade criminal se extinga antes do julgamento; b) Para o conhecimento dos processos separados nos termos do n.º 1 do artigo 30.º». (o negrito pertence-me).

A interpretação conjugada dos dois artigos conduz à inarredável conclusão de se manter a competência resultante da conexão mesmo quando ocorra uma causa determinante da separação de processos.

Todavia, a “competência do tribunal” e o “impedimento de juiz (por participação em processo)” são realidades jurídicas distintas.

Brevitatis causa, a competência é a medida da jurisdição que a lei atribui (ou distribui) a cada tribunal para o conhecimento e julgamento de um determinado caso penal, enquanto o impedimento radica na impossibilidade de intervenção de determinado juiz na apreciação desse mesmo caso para garantia da imparcialidade objectiva. Como está escrito no Ac. da Relação de Coimbra de 02-02-2022 (proc. n.º 581/13.9TAPBL.C3), «enquanto a primeira pode fazer surgir o impedimento, este não se projecta/reflecte na competência».

Retomando o “episódio” dos autos, a prorrogação da competência prevista no artigo 31.º, alínea b), do CPP, não determina, de algum modo, a verificação de qualquer situação de impedimento legal prevista no artigo 40.º do mesmo diploma.

Diversamente do “trajecto” processual escolhido, mais sentido faria o recurso, pela Sr.ª Juíza do Juízo Local Criminal de Coimbra – J3, à “escusa” fundada no n.º 2 do artigo 43.º do CPP.

Perante todo o exposto, compete à Sr.ª Juíza titular no Juízo Local Criminal de Coimbra – J3 a realização da audiência de discussão e julgamento do arguido A.


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III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo competência para a tramitação dos autos já acima individualizados a Sr.ª Juíza titular do processo no Juízo Local Criminal de Coimbra – J3.

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.

Dê-se conhecimento do presente despacho ao Sr. Juiz Presidente da Comarca de Coimbra.


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Coimbra, 25 de Fevereiro de 2022

(Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado electronicamente pelo signatário – art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Alberto Mira, Presidente da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra